1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Fevereiro de 2018:
Queridos amigos,
Aqui se falará de um Casino Hotel, que nunca saiu do papel, da amargura de um inspetor do BNU que presenciou o movimento revolucionário de 1931 que considerou que a administração em Lisboa não teve um mínimo de reconhecimento pela sua compostura, pede-se mobiliário para o primeiro andar da filial em Bissau, e ficamos a saber que a Sociedade Industrial Ultramarina é um empreendimento do BNU, em Bandim fabricavam-se telhas de boa qualidade. E igualmente ficamos a saber que caso ocorresse qualquer tumulto ou levantamento revolucionário, era determinado que as notas seriam perfuradas e no caso de haver bloqueio se fechava a dependência até à normalização da situação.
Naquele ano de 1932, a situação financeira de um empreendimento agrícola supostamente modular, a Sociedade Agrícola do Gambiel, começa a derrapar. Não é o primeiro e não será o último colosso agrícola a soçobrar na Guiné, lamentavelmente.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (48)
Beja Santos
Introdução
De V. Senhorias para V. Exas.
Com data de 30 de Abril de 1927, o Governador Leite de Magalhães vê publicado no boletim oficial da Guiné o diploma legislativo provincial n.º 353, do seguinte teor:
“Lutando a colónia com dificuldades para a instalação conveniente dos funcionários que a servem e não podendo o Estado dispor de verba que seria precisa para a rápida construção dos edifícios necessários ao seu alojamento;
Considerando, porém, que, se o Estado promover e auxiliar a construção de hotéis em boas condições de higiene e de conforto, onde os funcionários e suas famílias possam deparar, a preços acessíveis, o bem-estar de que carecem, também por essa forma se conseguirá melhorar as suas condições de vida da colónia;
Considerando mais que, para os olhos estranhos, um país que não saiba oferecer comodidades na sua hospedagem é um país que se não tolera e que a si próprio se condena pelo atraso que revela nos hábitos da sua vida… Hei por conveniente determinar o seguinte:
Artigo 1.º - Na tabela de despesa extraordinária para o ano económico de 1927-1928, será inscrita a verba de cem mil escudos, para garantia de juro de capital necessário à construção de um hotel em cada uma das cidades de Bolama e de Bissau, obrigando-se o Estado a conceder anualmente, e durante dez anos, a mesma garantia relativamente ao capital que não estiver amortizado.
Art. 2.º - Os hotéis a construir deverão oferecer todas as condições de higiene e conforto, preferindo-se as construções em pavilhões destacados e, quando possível, em parques ajardinados.
Art. 3.º - Os concorrentes à construção dos hotéis deverão apresentar as suas propostas até ao dia 30 de Junho do corrente ano, na Direção dos Serviços de Obras Públicas, fazendo-as acompanhar das respetivas plantas e memórias descritivas, e com indicação das vantagens que oferecem ao funcionalismo da colónia no tocante a preços de alimentação e de hospedagem”.
Em Junho desse ano José Granger Pinto escreve ao gerente do BNU em Bolama, anexa um projeto de construção para um Casino Hotel no total de seiscentos mil escudos, e declara:
“Não tendo o numerário necessário para esta construção, pedia a V. Ex.ª a fineza de apresentar à Direção do BNU em Lisboa o referido projeto e propor o financiamento da construção, mediante a respetiva hipoteca nas seguintes condições: o Governo da colónia garantia o juro de 10% sobre o capital empregado, durante dez anos; o peticionário comprometia-se a pagar todos os anos 10% do capital abonado pelo Banco, mas a amortização só começaria a vigorar depois de concluída a construção.
E escrevia, em jeito de despedida:
“Atrevo-me a fazer esta proposta, estimulado por Sua Excelência o Governador, calculando que a Direção desse Banco desejará prestar o seu auxílio a uma obra de beneficiamento para esta colónia, aonde por enquanto nada existe como melhoramento”.
Não se conhece seguimento deste processo, do Casino não há memória, o BNU cederá o seu belo edifício de Bolama para Hotel de Turismo e Bissau conhecerá ao longo das décadas, pensões, residenciais e até uma unidade que dava pelo nome de Grande Hotel, não era grande e tinha pouco de hotel.
Há um silêncio documental que abarca o período de 1928 a 1930, não falta documentação sobre a chamada “Revolução Triunfante” que sacudiu a Guiné em 1931, o relatório de execução é bem elucidativo do que se terá passado, na perspetiva do gerente de Bissau. Da documentação arquivada encontra-se o texto do telegrama que o gerente de Bissau tentou enviar para Lisboa, a Junta Governativa da Guiné não permitiu a sua expedição, respondia ao telegrama enviado pelo BNU de Lisboa que pretendia saber se o Governador da Província ainda estava preso. De facto, o Governador Leite de Magalhães fora preso em 17 de Abril, posto a bordo, com outros oficiais da Guarnição e suas famílias, seguira no vapor de carga “Maria Amélia”, com destino a Lisboa.
1964 - Equipa de basquetebol do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU.
Com data de 7 de Maio, o administrador do BNU Fonseca Monteiro expede uma circular com caráter reservado onde se escreve, sob o título “Acontecimentos Anormais”:
“Os recentes e graves acontecimentos que se desenrolaram nos arquipélagos da Madeira e dos Açores e na Província da Guiné, e a lição que desses factos colhemos, aconselham-nos a determinar a todas as gerências das nossas dependências do Ultramar que em caso de tumultos, greves revolucionárias, guerra ou estados semelhantes, defendam as nossas notas, perfurando-as; e que em caso de bloqueio regularmente estabelecido, se considerem em país inimigo e procedem de conformidade, fechando a dependência enquanto a situação se não normalizar. Estas instruções são de caráter permanente.”
A revolução abortada deixou sequelas como se pode verificar do documento confidencial emanado do Serviço de Inspeção com data de 6 de Agosto de 1931, onde se começa por dizer não haver qualquer comunicação, aconselhando o gerente de Bissau a emitir a favor dos revoltosos um cheque de doze mil francos sobre Dakar.
Os revoltosos desistiram do saque desse cheque e só exigiram notas de francos, houvera igualmente por parte do Gerente recusa no fornecimento do código telegráfico, e tece as seguintes considerações:
“Em ocasiões como aquela em que os factos se desenrolaram, não é fácil deixar de satisfazer pedidos formulados com cortesia, porque atrás desta está a violência pronta a efectivá-los.
A revolução na Guiné foi feita com gente de boa moralidade, com outra de moral muito duvidosa e com dezenas de bandidos da pior espécie que o Governo da Metrópole tinha deportado e que o Governo da Colónia até conservava isolados numa das ilhas dos Bijagós.
Atrás dos mandantes estavam estes que até aqueles temiam. Bem armados e municiados tiveram a colónia inteira à sua discrição; atravessámos tal emergência conseguindo, com o nome proceder, que não fosse feito o mais ligeiro desacato às dependências do Banco, que não nos fosse exigido, a bem ou a mal, um escudo sequer, e no fim, quando supúnhamos ter prestado, sós sem o auxílio do gerente, um serviço ao Banco, digno pelo menos de umas ligeiras palavras de louvor, apenas nos é dado ler recriminações à maneira como procedemos.
Não estivéssemos nós na Guiné naquela ocasião, ou tivéssemos logo ao eclodir o movimento retirado para o território francês que, estamos certos, para o Banco não teriam corrido as coisas como correram e nem sabemos o que teria acontecido ao gerente.
Procedemos com as circunstâncias da ocasião e a apreciação no local, no meio dos acontecimentos, nos aconselharam; e, ao terminar o movimento quando os cofres da Fazenda foram atingidos, quando outro tanto sucedeu ao de uma circunscrição administrativa e algumas firmas comerciais tiveram de fazer fornecimentos e não lhes pagaram, o Banco nada sofreu.
O nosso proceder foi tão imparcial que de ambos os campos adversos, durante o movimento e depois da sua jugulação, recebemos sempre provas de deferência.
Preso e expulso para Portugal, o chefe da secretaria militar, o Major Carvalhal, regressado à colónia, quando vamos a Bolama, oferece-nos um almoço e acompanha-nos até à ponte de embarque; o actual governador, Tenente-Coronel Zilhão, quando também ultimamente fomos a Bolama convida-nos para o jantar à oficialidade do cruzador Carvalho Araújo, não pudemos aceitar por motivos escusados de aqui dizer, mas não nos dispensa, todavia, de irmos almoçar com ele; à partida, agora de Bissau, o comandante militar e os oficiais que os revoltosos, ao eclodir o movimento, haviam preso e expulso, vão a bordo apresentar-nos as suas despedidas, faz-se um inquérito aos acontecimentos, são ouvidas dezenas de testemunhas, não somos convidados ou intimados a depor; outro tanto sucede com o inquérito acerca do ex-Governador Leite de Magalhães. Tudo isto demonstra que o nosso proceder, se não feriu os revoltosos, irritando-os ou provocando represálias, não foi de molde a susceptibilizar ou provocar a antipatia dos seus adversários, hoje de novo senhores da colónia.”
1964 - Empregados do Banco, suas esposas e os representantes dos orgãos informativos, após o almoço de confraternização.
A vida continuava e nos finais de Novembro de 1931 o gerente de Bissau informava Lisboa que era necessário mobilar, sem luxo mas com decência, o primeiro andar do edifício da agência, a mobília existente já não correspondia às necessidades e solicitava autorização para a compra e o envio de uma mobília de sala completa, com o mínimo de 12 cadeiras, uma mobília de sala de jantar com 12 cadeiras, uma mobília de quarto e um conjunto de tapetes, e dava-se a seguinte justificação:
“A necessidade destes tapetes é flagrante, porque o pavimento é de mosaico. As mobílias terão de ser de tamanho grande, dado o espaço dos aposentos a mobilar. Não podemos deixar de frisar a V. Ex.ª que ao pedirmos estes artigos de mobília não temos em vista rodearmo-nos de luxo – que bem dispensamos – , mas tão somente prover o edifício com aquilo que julgamos indispensável".
No ano seguinte, em Outubro, o gerente de Bissau dá noticias para Lisboa acerca da Sociedade Industrial Ultramarina, a fábrica de cerâmica, sediada em Bandim estava em laboração, e escrevia-se que com uma considerável diminuição de despesa em relação à exploração dos anos anteriores:
“Basta dizer a V. Ex.ª que, em regra, se gastavam vinte latas de petróleo para a moldagem de seis mil telhas e agora só se gastam três latas. Por mais estranho que o caso pareça, é assim mesmo.
Estamos tratando sobretudo de produzir telha bastante para tentar a sua colocação no vizinho arquipélago de Cabo Verde, visto estarmos informados de que ali se importa da Metrópole número apreciável desse produto.
Para tanto, escrevemos por esta mala às nossas dependências naquela colónia pedindo-lhes várias informações, preços, consumo provável, etc., tendo em consideração a boa qualidade da nossa telha.
Se conseguirmos introduzir naquele importante mercado estas nossas cerâmicas, estamos crentes de que bons resultados se colherão.
Mas para que o nosso esforço tenha o êxito que esperamos, pedimos a V. Ex.ª o favor de mandar recomendar o maior interesse aquelas dependências, o que antecipadamente a V. Ex.ª agradecemos.”
1932 é também o ano em que surgem graves problemas com a Sociedade Agrícola do Gambiel, fora prevista para se transformar num impressionante empreendimento agrícola, modelo até no uso da maquinaria, nela participará Armando Cortesão, que passará à História como um dos maiores cartógrafos de reputação mundial.
(Continua)
____________
Notas do editor
Poste anterior de 17 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18931: Notas de leitura (1092): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (47) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 20 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18940: Notas de leitura (1093): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (3) (Mário Beja Santos)
Sem comentários:
Enviar um comentário