Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494
(Xime-Mansambo, 1972/1974)
HOMENAGEM AOS CAMARADAS AÇORIANOS E MADEIRENSES DA CCAÇ 2444 E CCAÇ 2446 QUE TOMBARAM EM CAPÓ: UMA EFEMÉRIDE COM CINQUENTA ANOS (6FEV1969 /6FEV2019)
1. INTRODUÇÃO
O dia 6 de Fevereiro de há cinquenta anos [1969], uma quinta-feira, está considerado na historiografia da Guerra do Ultramar, ou da Guerra Colonial, em particular no CTIG, como uma das datas mais dramáticas vividas pelas Forças Armadas Portuguesas, onde pereceram cinquenta e um militares, entre elementos do contingente europeu e do recrutamento local.
No caso do desastre da "Jangada de Ché-Che", na sequência da retirada das NT de Madina do Boé, envolvendo os camaradas da CCAÇ 1790, com vinte e seis mortos, da CCAÇ 2405, com dezanove, e mais dois do PEL Mil 149, totalizando, assim, quarenta e sete elementos naufragados no Rio Corubal.
Na narrativa hoje postada como efeméride – poste P19473 – retenho o que recordou o camarada José Martins sobre essa tragédia inesquecível afirmando ser "uma data indelével para os combatentes da Guiné e familiares dos militares que sucumbiram na catástrofe durante a travessia do Rio Corubal", ao mesmo tempo que referiu os seus nomes.
Porém, esta não foi a única ocorrência, com baixas, registada nesse dia 6 de Fevereiro de 1969. Uma outra aconteceu em Capó, situada na estrada entre Cacheu e Bachile, envolvendo a CCAÇ 2444 (Açoriana) e a CCAÇ 2446 (Madeirense).
Dos combates travados com os guerrilheiros do PAIGC resultaram quatro baixas para as NT, sendo três da Companhia Açoriana e uma da Companhia Madeirense.
No sentido de lhe/lhes prestarmos, de igual modo, as devidas e sentidas homenagens que aqui deixo um resumo histórico desses factos.
2.RESUMO HISTÓRICO DAS DUAS UNIDADES
2.1 – A COMPANHIA DE CAÇADORES 2444 (AÇORIANA)
Tendo como Unidade Mobilizadora o Batalhão de Infantaria Independente 18 [BII 18], de Ponta Delgada, a CCAÇ 2444, com a divisa "Coriscos", embarcou a bordo do N/M "Uíge", em 09Nov1968, tendo chegado a Bissau, onde desembarcou a 15 do mesmo mês, sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria João Duarte de Oliveira Abreu.
Em 28Nov1968 seguiu para Bula e depois para Có, a fim de efectuar treino operacional com a CCAÇ 2402, sob orientação do BCAV 1915, de 01Dez1968 a 23Dez1968 e, seguidamente, na função de subunidade de reserva do Comando-Chefe, reforçar aquele Batalhão de Cavalaria na actuação naquela zona de missão.
Em 28JaN1969 foi colocada em Cacheu, em reforço temporário do CAOP, com vista à realização de acções de contra-penetração naquela área (região), sendo então integrada no BCAV 1915 e depois no BCAÇ 2485, onde permaneceu até ser substituída pela CCAV 2487, em 29Mar1969, deslocando-se para Bissorã. [...] O embarque de regresso, por ter concluído a sua comissão, aconteceu em 20Ago1970, a bordo do navio "Carvalho Araújo".
2.2 – A COMPANHIA DE CAÇADORES 2446 (MADEIRENSE)
Tendo como Unidade Mobilizadora o Batalhão de Infantaria Independente 19 [BII 19], do Funchal, a CCAÇ 2446, com a divisa "Alea Jacta Est", embarcou a bordo do N/M "Uíge", em 11Nov1968, tendo chegado a Bissau, onde desembarcou a 15 do mesmo mês, sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Ferreira de Carvalho.
Em 04Dez1968, foi colocada em Cacheu, a fim de render a CCAÇ 1681 e assumiu a responsabilidade do respectivo subsector em 07Dez1968, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 2845, e depois do BCAV 2868, com um pelotão destacado em Bachile, desde 29Nov1968 a 24Abr1969.
[…] O embarque de regresso, por ter concluído a sua comissão, aconteceu em 01Out1970, a bordo do N/M "Uíge".
2.3. AS OCORRÊNCIAS CONTADAS POR AQUELES QUE PARTICIPARAM NA OPERAÇÃO AQUILES I
Instalado a partir de 27Jan1969 em Teixeira Pinto, o CAOP foi organizado para cumprir a missão de orientar as suas actividades operacionais de modo a intensificar o esforço de aniquilamento sistemático dos grupos inimigos que exerciam pressão directa sobre o «Chão Manjaco», na região de Pecau-Churo-Caboiana-Pelundo-Jol.
Em função das missões atribuídas às diferentes forças no terreno pelo comando do CAOP de Teixeira Pinto, no dia 6 de Fevereiro de 1969 deu-se início à Operação Aquiles I, na qual participaram diversas Unidades, entre elas a CCAÇ 2444, a CCAÇ 2446 e a CCAÇ 2366, de Jolmete (1968/1970), dos camaradas tertulianos Manuel Carvalho e João Rebola (1945-2018) - poste P11384.
Recupero, a esse propósito, as informações dadas pelo camarada Manuel Carvalho (ex-fur mil da CCAÇ 2366, de Jolmete, acerca das ocorrências com a CCAÇ 2444 (Açoriana) e com a CCAÇ 2446 (Madeirense):
"Em 6 de Fevereiro de 1969, começou a Op Aquiles I que se prolongou até 14 seguinte. Logo no primeiro dia, 6 de Fevereiro, a CCAÇ 2444 teve três mortos e um guia civil e três feridos e a CCAÇ 2446 teve um morto e um ferido e o Pel Mil 130 quatro feridos.
"Pela nossa parte, a CCAÇ 2366, julgo que tivemos um ferido e um dia apanhámos um RPG2 e três armas, mas estávamos a ver que as munições não chegavam para abrir caminho para o quartel." (…) (Poste P11219).
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 6 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19474: Efemérides (298): A minha homenagem às 47 vítimas da tragédia do Cheche, há 50 anos, os mortos da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 e os mortos da CCAÇ 1790, do meu batalhão, BCAÇ 1933: que Deus e a Pátria jamais os esqueçam (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)
Mortos da CCAÇ 2444 (Açoriana):
● Manuel de Amaral Carneiro, Fur Inf; natural de São José, Ponta Delgada; solteiro.
● José Bento Pacheco Aveiro, Soldado; natural de Nordeste, S. Miguel; casado.
● Manuel dos Santos Costa Almeida, Soldado; natural de Arrifes, Ponta Delgada; solteiro.
Mortos da CCAÇ 2446 (Madeirense):
● Manuel Brás Catanho Ribeiro: 1.º Cabo; natural de Ribeira Seca, Machico; solteiro.
Um outro depoimento é-nos dado pelo camarada João Carlos Resendes Carreiro, ex-alf mil da CCAÇ 2444, a propósito da efeméride dos quarenta anos [2009], publicada no «Correio dos Açores» e repetida no blogue – P11209.
Eis o que viu e sentiu naquele dia 6 de Fevereiro de 1969:
"Faz hoje 40 anos [agora, cinquenta] que numa emboscada na Guiné, morreram os militares de saudosa memória do furriel Manuel Carreiro (o Mani, filho do então Director do Diário dos Açores), o soldado José Aveiro (do Nordeste) e o soldado Manuel Almeida (o triclinas do Outeiro dos Arrifes).
Eram 7 horas da manhã, a luz do dia já começava a aparecer, mas a densidade do nevoeiro (cacimbo) mal deixava ver as palmeiras e restante vegetação à nossa volta.
Estávamos na zona de Capó, entre o Cacheu e Bachile, uma curva na estrada, com bolanha dos dois lados. Uma rajada de metralhadora deu cobertura à saída de uma bazucada que atingiu a zona do estômago do Mani, de uma maneira fatal.
O tiroteio entretanto prosseguiu, a minha espingarda [G3] foi atingida de modo que o carregador ficou todo estilhaçado. O Graça, que ficou gravemente ferido, começou a gritar que tinha a perna despachada, quando levantei a cabeça, para ver o que se passava, uma rajada levantou o pó da estrada, qual cena do Far West.
O furriel Mani e o José Aveiro eram do pelotão que eu comandava, como alferes, faziam parte da 3.ª secção, que naquela hora estavam a passar para a frente. Quando o meu pelotão ia na frente rodávamos de 2 em 2 horas de secção, eu costumava ir na secção da frente, porém ainda não tinha dado tempo, eles ainda estavam a passar. Só me recordo de estar deitado na valeta da estrada, no meio do fumo da pólvora e cheiro a sangue que não vou esquecer nunca.
Passados 40 anos quero recordar aqui estre três jovens, de 22 anos [mais um da CCAÇ 2446], que deram a vida pela pátria, a 6 de Fevereiro de 1969, a cumprir o seu dever de cidadãos. (…) Tínhamos todos 22 anos, tão jovens, mas que adultos que éramos assumíamos responsabilidades de gente adulta e madura.
Um dia ver-nos-emos, vocês não morreram, passaram a viver de outra maneira!"
Ass. João Carlos Resendes Carreiro.
Relatório da «Operação Aquiles I» publicado pelo CAOP em Teixeira Pinto, p187 – P11392 (Manuel Carvalho), com a devida vénia.
Aos camaradas que pereceram no Rio Corubal, na "jangada de Ché-Che, e aos que tombaram na região de Capó, no "Chão Manjaco" [Oio], agora recordada, aqui deixo a minha mais sentida homenagem, extensiva às suas famílias.
Jorge Araújo.
06Fev2019
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 6 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19474: Efemérides (298): A minha homenagem às 47 vítimas da tragédia do Cheche, há 50 anos, os mortos da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852 e os mortos da CCAÇ 1790, do meu batalhão, BCAÇ 1933: que Deus e a Pátria jamais os esqueçam (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)
5 comentários:
Afinal foram mais 4 mortos, num dia foram 51!
Tragédia maior ainda.
E não foram afogados!
A minha homenagem também a estes homens perecidos num trágico dia 6Fev69.
Virgilio Teixeira
Neste caso aqui narrado as evacuações correram muito mal, dizem que devido ao nevoeiro que se fazia sentir durante as primeiras horas da manhã.As emboscadas foram cerca das 8 horas e as evacuações terminaram ás 14 horas, não sei se os acontecimentos no Cheche terão dificultado o socorro aos feridos nesta operação.E pergunto eu porque não se adiou um dia ou dois o começo da Operação Aquiles I? Não sei se veio apoio por estrada e com viaturas de Teixeira Pinto.No dia seguinte 7/2 os Paras da C C P 121 na mesma Zona também tiveram um morto e um ferido.
Esta operação teve a 1ª fase que durou 5 dias a 2ª fase 16 dias e a terceira fase 22 dias mas nós 2366 julgo que só dormimos uma noite no mato as outras companhias não sei.
Participaram nesta operaçao as C Caç 2366, 2444, 2446, as C C P 121 e 122, a 16ª de comandos, os DFE 3 e 12, os Pel. Nat. 58 e 59 e os Pel. Mil. 128 e 130.Toda esta saga continuou com pequenos intervalos, durante todo o ano de 69 com a intenção de pacificar o Chão Manjaco, até que em 20 de Abril de 70, na estrada Pelundo Jolmete foram assassinados os nossos camaradas 3 Majores 1 Alf. e dois Africanos.Paz ás suas almas.
Manuel Carvalho
Conheci relativamente bem a zona onde os açorianos da 2444/BII18 perderam a vida. No seu regresso a casa, as urnas foram a "última carga a desembarcar". Pior, um dos elementos, pela pobreza dos seus familiars, não teve assistência religiosa devida no seu funeral.
Acrescento que a minha comnanhia, a CCaç 3327/BII17, também perdeu um homem naquela zona. Quando integrado no PelCaçNat 56, um dos soldados que dava pelo nome Djaló, Balanta, disse-me que tinha feito parte do contingente que sofreu o acidente em Cheche.
Cumprimentos.
Tanta desgraça e tanta incompetência, de cima, muita gente morreu para nada, é isso que dói.
Ab. Virgilio Teixeira
Peço desculpa pela minha falha ao não assinar o terceiro comentário.
José Câmara
Enviar um comentário