sábado, 30 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19633: Os nossos seres, saberes e lazeres (314): Viagem à Holanda acima das águas (18) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Os tempos são outros, podemos desenhar as nossas incursões, deitar contas à vida, escolher os voos mais baratos, quando necessário completá-los com comboios, isto da 3.ª idade tem muitas vantagens, Bruxelas-Antuérpia-Bruxelas ou Bruxelas-Namur-Bruxelas fica por menos de 5 euros, entramos e saímos em pontos centrais. O resto é organização.
Foi o caso deste regresso da Holanda, comboio para Namur, concerto coral em Barbençon, regresso, mais uma passeata pelo centro histórico, ala morena que se faz tarde, ir até Watermael-Bois Fort, na fímbria da cidade, gozar da companhia de um velho amigo, amanhã ainda temos muito para ver, em Bruxelas e na Valónia, como se mostrará.
Admirável mundo, admiráveis amigos!

Um abraço do
Mário


Em Bruxelas e Namur, numa certa repentinidade (18)

Beja Santos

Se o leitor ainda se recorda, o viandante andou à procura de uma solução baratucha para chegar aos Países Baixos, encontrou um voo low cost de Lisboa para Bruxelas, preço mais abordável não podia haver. Aproveitou uma breve estadia para visitar amigos do peito. Não se pretende ser enfadonho, Bruxelas é um chamamento encantatório pelos seus cafés, pelos seus monumentos, museus, igrejas, pela circulação multiétnica, não sei mesmo se neste último capítulo Bruxelas não ultrapassa Nova Iorque. O que o leitor está a ver é o átrio da gare central de Bruxelas, aqui se compram passagens para toda a Europa, para já não falar na Bélgica. O projeto deste edifício é de um dos nomes mais relevantes da arquitetura mundial do seu tempo, Victor Horta (1861-1947), arquiteto e decorador, o chamado pai da Arte Nova em Bruxelas, revolucionou a arquitetura privada utilizando materiais da arquitetura industrial, a começar pelo ferro, deu a esses novos materiais uma forma inédita, criando uma linguagem orgânica com curvas, inspirada na natureza, fez com que a estrutura metálica se identificasse à decoração. Parece que não chegou a ver toda esta gare ferroviária construída, mas o seu nome aparece bem destacado, é um edifício Victor Horta.


Em todas as circunstâncias, os belgas revelam esta constante do caráter, a gratidão por todos aqueles que combateram e tombaram nas duas guerras, aqui está a homenagem aos ferroviários caídos, é tocante e singelo.


Sempre o viandante ouviu dizer que Bruxelas é um estaleiro em perpétua evolução. Não haja ilusões, é uma cidade traumatizada por uma destruição do que era antigo em razão da especulação imobiliária, tudo começou nos anos 1960 quando passou a ser a capital da Europa e a acolher as instituições comunitárias, a NATO, os escritórios de uma quantidade mirabolante, assim se demoliram monumentos maiores da história da arquitetura, um dos casos mais escandalosos foi a Maison du Peuple, construída por Victor Horta em 1898 e destruída em 1965. Encontramos estas chagas e remendos em comunas como Ixelles, Saint-Gilles, Saint-Josse, Uccle, entre outros. É por isso que o viandante, mal chegado, anda por ali a circular e a registar fachadas irrepetíveis de simples prédios urbanos de outras eras.




Feito o reconhecimento e lavada a alma, volta-se à gare central, a viagem vai prosseguir, até Namur. E porquê? Há um festival de música intitulado o Verão Mosan. Desembarca-se na cidade e gente amiga leva-nos até à igreja de Saint-Lambert de Barbençon para ouvir o Ensemble Vocal de l’Abbaye de la Cambre, são obras corais com harpa e harmónio, entre outros de Fauré e Saint-Saens. Um belo passeio de Namur até Barbençon, diga-se de passagem. Barbençon data do século IX, teve o seu apogeu no século XVI, graças a numerosas indústrias, a vidreira, o mármore, as fundições, daí ter sido senhoria. Em 1815, depois de algumas andanças de mão em mão, regressou à posse dos Países Baixos, e depois à futura Bélgica.





Basta ver o exterior da igreja para sentir o peso do gótico. Um belo projeto de reabilitação permite que Barbençon seja uma povoação cuidada e senhora do seu passado. Por ali se deambula com prazer, e com mais prazer se fica vendo estes sinais de recuperação, estes toques de identidade de uma terra que hoje faz parte da Valónia, região federal onde pontifica o francês.




Imagens prévias ao concerto. Este conjunto que aqui se apresenta é apaixonado por repertórios esquecidos, com destaque para a música sacra do século XIX, vamos ouvir uma seleção de obras-primas românticas belgas e francesas entre o fim do século XIX e o princípio do século XX intercaladas pela história da povoação de Barbençon e da sua região por um declamador. Um belíssimo espetáculo, de Berbançon até Namur, e depois Bruxelas. Amanhã regressa-se a Namur para amesendar e cirandar, sempre com uma grande alegria, pois claro.


O burgomestre Charles Buls terá sido uma figura de enorme prestígio no final do século XIX. Era um tempo em que os políticos liberais tinham uma enorme preocupação com a economia social, o espaço urbano, a cultura e a defesa do património. O seu prestígio deve ser tão grande que tem outra placa memorial na Grand-Place. O que aqui importa é o cão fiel amigo, o ambiente fontanário, no meio de um espaço de feirantes, estamos em pleno centro, que grande ternura, esculpir assim alguém que foi intensamente amado pela obra feita em Bruxelas. De seguida, vamos até ao coração histórico da cidade, a Grand-Place, um dos mais belos conjuntos arquitetónicos da Europa, sem discussão.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de23 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19615: Os nossos seres, saberes e lazeres (313): Viagem à Holanda acima das águas (17) (Mário Beja Santos)

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