terça-feira, 5 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20316: Blogpoesia (644): "Fogos de guerra", por Rosa Maria Figueiredo Quadros (ROMI), que esteve em Mansabá com o marido

1. Comentário do nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), deixado no P20276:

Olá Camarada
Aqui vai uma poesia escrita por uma esposa que esteve em Mansabá.
Repara na crueza da descrição e na sensibilidade da poetisa.
Como podes ler na "Minha Guerra a Petróleo, não era única que por ali andava...

Creio que, nessa altura ainda não tinha 20 anos e tinha um filho de meses. Era mulher de um dos furriéis M/A que fazia trio comigo no campo de Mamboncó.

Isto refere-se também a um "ataque ao arame" no qual os "rapazes do PAIGC" incendiaram 21 moranças e ela naõ soube do filho durante alguns minutos...
Enfim, alegrias

Um Ab.
António J. P. Costa
PS: Não se (ainda) interessa lá para a tal tese..

************

Vista aérea de Mansabá


FOGOS DE GUERRA

Trovoadas...
Fogos-de-artifício riscando o céu.
Aflição, aquele espectáculo de fogo.
Labaredas, chamas vermelhas
disparadas numa noite de breu.
Trovoadas...
E eram os sons, as saídas...
Os rebentamentos, distantes...
Ou tão perto como um toque
Que te enchia de pavor...
Deu-se o estrondo e os estilhaços
Já entravam pelas frestas das janelas...
Trovoadas...
Na terra, surgindo do nada
Trazendo o caos e o medo
Num cenário de luto e tragédia...
Episódios de guerra.
De relatos, de vivências inesperadas.
Homens que saem para o mato...
Para matar, para morrer.
Tudo lhes pode acontecer!
Saem “para as minas” os que as têm
no seu caminho, no seu destino!
E o destino levou pernas...
O destino levou olhos...
Levou vidas mal vividas!
No caminho, perdeste a esperança,
nasceu-te o medo e ganhou raiz...
Foi uma dor que ainda teima em doer,
como te doeu a distancia,
como te doeu o medo
como te doeu a solidão.
Como te dói a certeza que hoje tens,
A certeza de que o teu sacrifício
Não fez crescer o teu país
Como quiseram que acreditasses.
Perdeste o sonho...
Perdeste o tempo de sonhar...
E nem viste as trovoadas...
Os raios e os trovões que
A natureza te quis mostrar.
Mas tu não, tu nem as viste.
Não viste o seu encanto,
Os seus raios de mil cores
Riscando o céu de madrugada.
Não viste como naquela terra
Em que só a guerra era triste,
Eram belas as trovoadas.

Romi (Rosa Maria Figueiredo Quadros)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20306: Blogpoesia (643): "Cissiparidade poética", "Asas partidas" e "Quando tudo entorpece", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

7 comentários:

Anónimo disse...

"A certeza de que o teu sacrifício näo fez crescer o teu país como quiseram que acreditasses"

Um abraco do J.Belo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Esta Romi precisa de se juntar a nós... Por direito próprio, faz parte da Tabanca Grande...

O paralelismo entre as trovoadas e a guerra está muito bem conseguido... Esta mulher sabe do que fala:

(...) Saem “para as minas” os que as têm
no seu caminho, no seu destino!
E o destino levou pernas...
O destino levou olhos...
Levou vidas mal vividas! (...)

ESte poema tem que figurar na antologia poética da nossa guerra... LG

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Não tenho mandato nem autorização da Romi para que possa passar a pertencer à tabanca.
Nem sei se o marido pertence.
E o furr mil M/A Ramos da CArt. 3567 (Mansabá - 72-74).
Ora informa
As trovoadas nocturnas numa "Guiné Melhor" eram, de facto um fenómeno belo da natureza. A natureza ficava avermelhada e os relâmpagos duravam segundos e eram fortíssimos.

Um Ab.
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Ficava-mos aparvalhados com o extraordinário o espetáculo das trovoadas, começavam num lado dt./esq. e davam quase uma volta completa. Lia-se o jornal à luz dos relâmpagos.

E os poetas diziam:
…...
Perdeste o sonho…
Perdeste o tempo de sonhar…
E nem as vistas das trovoadas…
Os raios e os trovões que
A natureza te quis mostrar.
…..

Valdemar Queiroz

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Um retrato fiel do cenário da Guerra na estação das chuvas. Quando leio é como se tivesse os olhos fechados e os sentidos em alerta numa aldeia qualquer algures na Guiné em Guerra, tentando em vão distinguir nos rebentamentos que nos afligem o pavor que nos vem do céu dos outros medos que podiam esconder um ataque surpresa da parte deles.

Aconteceu uma vez o ridiculo, não tão ridiculoso assim, de uma aldeia inteira fugir de medo, de uma sensação de medo indefinido, numa noite escura de chuva continua e de trovoadas medonhas, talvez por precaução e instinto de sobrevivência.

Também a Guiné sobrevive assim, em pequenas e grandes estórias por contar e que nunca acabam.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé

Juvenal Amado disse...

"Levou vidas mal vividas!" eu até diria, que levou muitas que nem vidas foram.

É um poema cheio de cores e sons. Consigo ao lê-lo, ouvir e sentir as trovoadas que nos encandeavam e recortavam os vultos na noite, a morte presente lembra-nos que era uma guerra e a dor porque passamos.

Parabéns faz-nos bem ler.

Gil disse...


E que tal tudo junto? Um ataque precedido por trovoada, uma mistura de raios e estrondos vindos do céu e balas tracejantes e outras acompanhadas de rebentamentos de morteiro. Segundo contava um dos assistentes e participante a trovoada foi-se embora mais depressa.
Parabéns para quem tão bem escreveu esta odisseia.

"Este poema tem que figurar na antologia poética da nossa guerra... LG"

V. Briote