sábado, 9 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20327: Os nossos seres, saberes e lazeres (363): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
Regressa-se ao Vale das Furnas porque o seu parque é irresistível, permite passeios de toda a espécie para quem gosta da Natureza: é o jardim da flora endémica e nativa dos Açores, a coleção de fetos, espantosa, o Jardim de Vireyas, os rododendros da Malásia, os canteiros de azáleas, as camélias, os metrosideros magníficos, e muito mais.
Há a piscina, permite um banho a qualquer hora do dia ou da noite, ainda no Vale temos a Poça da D. Beija, também com banhos quentinhos. E depois a Lagoa, com a sua carga mística, as suas caldeiras, permite um passeio circular à sua volta até chegar à Igreja da Senhora das Vitórias, um sonho de José do Canto que ali perto tem a sua mata-jardim, uma zona ajardinada com cerca de dez hectares, com cameleiras como não se vê em parte nenhuma e também com um vale dos fetos, como resistir a tão poderosíssima natureza, às atrações deste vale encantado?

Um abraço do
Mário


A minha ilha é um cofre de Atlântidas (5)

Beja Santos

O viandante não esconde que esta arquitetura do Hotel Terra Nostra o surpreende sempre, gosta igualmente do aditamento, atenda-se à sequência de imagens que guardam o histórico do ponto de partida, de meados da década de 1930, expandiu-se harmonicamente, houve cuidado em não deformar o que saiu da imaginação do arquiteto António Vasconcelos. Os obreiros desta realização tiveram um dado cultural em conta, aqui funciona o Parque Terra Nostra, que tem mais de dois séculos de vida. Tudo começou em 1775, o então cônsul dos Estados Unidos em São Miguel, de nome Thomas Hickling aqui fez construir a sua residência de verão. Depois, em meados do século XIX, o jardim experimentou um notável desenvolvimento. Todo este aparato arquitetónico bate certo, para mim é um monumento nacional, o edifício e a fabulosa envolvente do parque, de que iremos falar.




O viandante faz-se acompanhar de uma obra de incalculável valor “Uma Viagem ao Vale das Furnas na Ilha de S. Miguel, em Junho de 1840”, por Bernardino José de Senna Freitas, Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo, já foi referido, é um histórico bem detalhado que envolve capitães donatários, a história de erupções, a vida agrícola, aqui não se resiste a uma citação:  

“A lavoura é feita com bois, os quais geralmente são de marca pequena: os burros, que há em grande número, conduzem os estrumes para as terras, em seirões feitos de um encanastrado de junco. Os carros têm rodas de dois pés de diâmetro, pouco mais ou menos, consistindo de uma peça de madeira, de forma circular, cuja circunferência é orlada de enormes pregos de cabeça cónica: estas rodas são fixas a um eixo de madeira, o qual gira em uns encaixes de pau”.
O Vale das Furnas esteve anexo à Vigararia da Maia, e o autor disserta sobre ordens religiosas, como trajam os Fornenses, e em dado momento é muito pouco amável com os locais:  
“Há quarenta, ou cinquenta anos, o povo do Vale das Furnas era o mais indiligente, e preguiçoso da ilha: as mulheres cavavam as terras, e sachavam o milho: e os homens estavam em casa, as mais das vezes deitadas. Nestes últimos trinta anos eles se hão feito activos, serviçais e laboriosos; sendo devida esta mudança à afluência de pessoas, que de todos os pontos da Ilha concorrem ao Vale para fazer uso das águas medicinais, ou para se divertir; e bem assim às grandes quantias que ali deixam, as quais ficam repartidas por todos os Fornenses”.



Senna Freitas procede à descrição do Vale das Furnas e à análise das suas águas medicinais, revela-se deslumbrado:  

“Multiformes penedias em desordem se encontram, monumentos do antigo vulcão: perto e longe se avistam alvejando altas casas de ricos proprietários; e aparecendo entre estas muitas outras toscas moradas dos laboriosos agricultores deste vale. Abundantes fontes, prodigiosas e diferentes; emana aqui água azeda, trazendo um sedimento saponáceo e adesivo. Absorve nossas atenções a pavorosa caldeira grande, medonho laboratório da natureza; revestido interiormente de uma substância petrificada e branca, da feição do gesso, o que tudo parece devido à acção perene do calor interno e dos vapores sulfúricos, que operam na pedra-pomes, e no barro vulcânico”.
O viandante pode confirmar que assim é, antes porém delicia-se passeando por um jardim em florescência primaveril, rosas acetinadas, camélias aos enxames, azáleas multicoloridas. E assim se entra no Vale das Furnas e dá-se conta, imagine-se, de que há água peideira…




Senna Freitas revela muita atenção às águas medicinais, e adianta informação:  

“Os banhos sulfúricos são fornecidos pela água fervente da caldeira grande, cujo calórico excessivo é de mister arrefecê-lo. Para este fim há um veículo em direitura da caldeira, que encaminha esta água fervente; a fria é da mesma caldeira, que se demora em reservatórios, ou tanques espaçosos, mas de pouca profundidade, para que possa arrefecer de um para outro dia”.
E não é possível resistir a outra observação:  
“Ainda diremos, que adiante daquelas Furnas se encontram águas frias, contendo ácido muriático, sulfúrico, e carbónico, com ferro, alúmen e magnésio: outras com sabor ácido, salino e amargoso; outras quentes, e ferruginosas. Uma destas vertentes, ou fonte, denominada de Água azeda, sai mansamente de uma bica de pedra, e se derrama em uma bacia, ou receptáculo côncavo, igualmente de pedra, e daqui, precipitando-se em fio pelos lábios da bacia, forma um pequeno regato no chão”.
E lembra que alguém chamou a este local a Arcádia dos Açores, que tudo supera as paisagens da Itália e da Suíça. E ficamos por aqui, nunca se vem ao Vale das Furnas sem sair com o deslumbre de que é território primigénio, fica-se mesmo a meditar o que terão pensado as primeiras gerações povoadoras que viam este fumo à distância, o temor que lhes provocava, uma ilha idílica com o inferno à solta, até se descobrir que se Portugal possui um vale encantado é aqui que se encontra.






(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20301: Os nossos seres, saberes e lazeres (362): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (4) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Água Peideira é isso mesmo. Água com propriedades especiais para tratamento de acumulação de gases.

Valdemar Queiroz