segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20312: Notas de leitura (1233): “A Sociedade Civil e o Estado na Guiné-Bissau, Dinâmicas, Desafios e Perspetivas”, coordenação de Miguel Barros; Edições Corubal, 2014 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Este documento que contou com a coordenação de um dos mais promissores sociólogos guineenses, Miguel de Barros, ativista da democracia participativa, dá-nos um entendimento da fragilização do Estado, das mudanças ocorridas na sociedade civil após 1991, com o reconhecimento do multipartidarismo, fica-se com um quadro de referência de quem é quem na sociedade civil, quais as vulnerabilidades e até perversidades existentes no universo associativo, procede-se a recomendações e não se ilude que no quadro dos cenários se impõem três vias: um Estado funcional, uma sociedade civil forte e um sistema democrático viabilizado, um Estado frágil, uma sociedade civil dependente de um sistema democrático de fachada ou, mais grave ainda, um Estado disfuncional, uma sociedade civil fraca e um sistema democrático ameaçado.
Sem querermos ser patéticos, tudo se encaminha, insidiosamente, para a terceira hipótese.

Um abraço do
Mário


A sociedade civil guineense: ásperos tempos, esperanças enormes

Beja Santos

Miguel de Barros
A obra intitula-se “A Sociedade Civil e o Estado na Guiné-Bissau, Dinâmicas, Desafios e Perspetivas”, coordenação de Miguel Barros, Edições Corubal, 2014.

O autor é um dinâmico sociólogo, diretor executivo da ONG Tiniguena e autor de trabalhos relacionados com a sociedade civil, em dimensões como a segurança alimentar, a participação das mulheres na política, a juventude e as transformações sociais na Guiné-Bissau. Graças a um programa patrocinado pela União Europeia, cujo objetivo é contribuir para a consolidação da boa governação e o envolvimento dos atores não estatais, procede-se neste trabalho a um diagnóstico para identificar as organizações da sociedade civil, em particular organizações não-governamentais (sindicatos, associações de base, redes e plataformas, grupos temáticos), e procurar entender os desafios que se põem para que estes parceiros desenvolvam parcerias com todas as organizações dedicadas ao desenvolvimento da sociedade civil.

Primeiro, o ambiente de trabalho, a grave crise económica e social permanente, em que o Estado reduziu a sua intervenção em simultâneo com a perda de capacidade económica e do poder de compra das famílias. As convulsões político-militares, os golpes de Estado, a fragilidade governamental, o próprio Estado frágil acarretam crescimento negativo, empobrecimento, quebra nos indicadores de desenvolvimento humano. A sociedade civil iniciou um processo de autonomização com o definhamento do partido-Estado e o multipartidarismo, fenómenos contemporâneos do fim dos monopólios estatais e da omnipresença do Estado na esfera dos negócios.

Segundo, foi nesse contexto que cresceram as iniciativas de mobilização coletiva, brotaram as organizações não-governamentais, fenómeno a que não foi indiferente o aparecimento de fundos oriundos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, constelação social que revela aspetos muito positivos mas também perversos, por estarem independentes das agendas dos financiadores e dos programas.

Terceiro, importa não esquecer que a ideia da sociedade civil no contexto guineense não está forçosamente ligada nem à implantação das estruturas modernas do Estado colonial nem ao próprio colonialismo, investigadores de mérito já identificaram uma sequência cronológica desde o período pré-colonial que atesta a existência de movimentos e associações de cidadãos cujo campo de ação está da esfera do Estado. Um desses investigadores, Carlos Cardoso recorda que a sociedade civil guineense retira a sua força de várias fontes históricas, incluindo a evolução das relações e das alianças interétnicas, das estruturas sociais baseadas em classes de idade, dos sistemas de autoridade das aldeias, das formações socio-religiosas, etc. Mas o atual quadro das organizações da sociedade civil deve ser entendido pelo dado primordial da incapacidade do Estado em satisfazer as necessidades elementares das populações e de não estar presente em todo o território. Miguel de Barros enuncia o quadro jurídico-legal constituinte da sociedade civil guineense, releva os seus dilemas, paradoxos e desafios, mostra as suas debilidades, fenómenos de tendência autocrática, inexistência de recursos apropriados, excessiva burocratização do sistema de financiamento das organizações internacionais, falta de criação de atividades alternativas geradoras de rendimento, uma gama de vulnerabilidades, em suma, a que não escapam os sindicatos, as associações socioprofissionais, as organizações não-governamentais, as redes e plataformas, até as universidades e centros de pesquisa.

Quarto, nesta atmosfera, e de acordo com o diagnóstico efetuado mediante questionário e conversas presenciais com estes diferentes agentes sociais, o relatório propõe dinâmicas, rasga perspetivas. É observado na sequência dos imperativos da guerra civil, emergiu uma nova rede de solidariedade e de ajuda humanitária, estabeleceu-se um amplo movimento congregacional, e dão-se exemplos. Um deles é o Movimento da Sociedade Civil para a Democracia e Paz, albergando no seu seio um elevado número de organizações não-governamentais, sindicatos, igrejas, organizações de jovens e de mulheres; outro é a Célula das ONGs (CECRON) que surgiu no âmbito do apoio e canalização da ajuda humanitária aos deslocados da guerra. O desmantelamento do sistema económico-social pós-conflito levou a repensar o Estado e a sociedade civil. Instalou-se a UNIOGBIS, com o intuito de garantir a segurança às populações. Os partidos políticos tiveram que apresentar propostas com base de superação da fragilidade do Estado. A sociedade civil envolveu-se no campo político, proliferam plataformas, certas ONGs como AD – Ação para o Desenvolvimento ou TINIGUENA adquiriram credibilidade, mas o mesmo se pode dizer das organizações religiosas e de muitas associações comunitárias, caso dos grupos de Mandjuandades e no campo dos direitos humanos a Liga Guineense é o farol da vigilância e da denúncia.

Quinto, há que repensar o Estado e sociedade civil, esta tem vindo a caminhar de forma lenta mas positiva. A sociedade civil implica a limitação da intervenção estatal e a clarificação de áreas de intervenção. Interroga-se a insustentabilidade das ONG, e Miguel Barros defende que é preciso encontrar um novo empreendedorismo político e económico baseado no contrato social. 

“Isto quer dizer que a economia deve estar implantada numa sociedade civil mais ampla e que albergue as interações sociais baseadas em normas como a confiança, fiabilidade, capacidade para o compromisso com todos os atores sociais e um reconhecimento mútuo não violento. Para isso é fundamental a reforma do sistema político”.

Sexto, no tocante a recomendações, estratégias e cenários futuros, o documento aponta para a revisão e atualização do quadro legal que enquadra as organizações da sociedade civil, que se esclareça as formas de normalizar a contribuição do Estado para estas organizações e como estas se devem relacionar com o setor privado. Segundo o relatório, temos três cenários pela frente: o primeiro com um Estado funcional numa sociedade civil forte e um sistema democrático viabilizado, portanto um ambiente promissor para a transformação estrutural do país, das instituições públicas, da economia e da estabilidade política; um segundo caraterizado por um Estado frágil, uma sociedade civil dependente de um sistema democrático de fachada, no qual o país continuará a viver ciclos de instabilidade controlada; e por último, um Estado disfuncional, uma sociedade civil fraca e um sistema democrático ameaçado.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20298: Notas de leitura (1232): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (30) (Mário Beja Santos)

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