sábado, 15 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20652: Em busca de... (301): 2.º sargento miliciano Augusto Ali Jaló, do Pel Caç Nat 58 (Mansoa, 1970/74)... Com a cabeça a prémio, depois da independência, fugiu para o Senegal e daqui para Lisboa... Mas ninguém sabe hoje do seu paradeiro (Daniel Jacob Pestana / Jorge Picado)

1. O Daniel Jacob Pestana que se apresentou há dias à Tabanca Grande (*) , como ex-alferes miliciano de Operações Especiais,  CCaç 4641 (Mansoa e Bissau na Comissão de Extinção da Pide/ DGS, 1973/74), fez-nos também um pedido, que vamos aqui recordar:

(...) Nesta primeira mensagem, solicito a ajuda possível, tendo em vista a localização de um ex-militar Africano, que estava colocado em Mansoa, Era, salvo erro, 2º Sargento do quadro permanente, de nome Jaló, e vendia gado, que vinha do Senegal, para a nossa tropa.

Foi a ele que alugámos uma casa ao lado da sua residência de família, onde eu vivi durante uns meses com a minha mulher.  A mulher dele era Fula, de nome Lama, e, apesar da barreira da língua, entendia-se perfeitamente com a minha mulher. Tinham três filhos pequenitos, que eram o encanto da minha mulher.

Gostávamos muito de os reencontrar, mas até à data não temos tido sucesso. Ficarei, desde já, agradecido por qualquer informação sobre a sua actual localização. (...)


2. A resposta, célere, veio do nosso camarada do Jorge Picado, ilhavense, membro sénior da nossa Tabanca Grande, veterano dos nossos encontros nacionais, tendo cerca de 110 referências no nosso blogue; engenheiro agrónomo reformado; ex-cap mil, CCAÇ 2589 / BCAÇ 2885, Mansoa, CART 2732, Mansabá, e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72;

Caro Camarada Daniel Pestana

A pessoa em causa só pode ser o 2.º Sarg Mil Augusto Ali Jaló, que pertenceu, e possivelmente no teu tempo ainda pertencia,  ao Pel Caç Nat 58, que no meu tempo (1970/71) era um dos Pel Caç Nat de reforço à CCaç 2589. 

De facto era, segundo julgo, Futa-fula, filho de um importante lider religioso da Zona Leste de nome Mama Ingar, i habitante em Cambor (?). Foi dos que escapou na fatídica emboscada de 12 de Outubro de 1970 entre Braia e Infandre: apesar de ferido conseguiu esconder-se num buraco tapado pela vegetação, não sendo assim capturado apesar da grande "caça" que lhe fizeram, pois era um homem "marcado" pelo PAIGC, dada a grande influência e importância que tinha face aos africanos.

Conseguiu escapar após a independência, uma vez que "tinha a cabeça a prémio" com se costuma dizer, chegando ao Senegal e por lá andando fugido até conseguir chegar a Lisboa.

Quando tive conhecimento disto,  ainda tentei contactá-lo pelo n.º de telemóvel  que me deram, apesar de me avisarem que,  não conhecendo ele o meu n.úmero, não atenderia, como de facto aconteceu. 

O meu informador, camarada dessa minha Companhia,  também já lhe tinha perdido o rasto, uma vez que ele, mesmo em Lisboa, não "parava" muito tempo no mesmo sítio por se saber perseguido.
Em todos os almoços da Unidade pergunto por ele aos poucos camaradas do sul que ainda restam, mas até hoje não há mais informações sobre ele.

Sê bem vindo e abraço de um também "Mansoanca"

Jorge Picado
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12 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Daniel Jacob Pestana conheci-o, juntamente com a esposa, com a Casa do Alentejo, em Lisboa, no dia de 8 de fevereiro, no lançamento do livro do Zé Saúde, "Um ranger na guerra colonial"... Ambos foram rangers, ambos foram instrutores no CIOE, em Penude, Lamego, ambos foram mobilizados para a Guiné, ambos foram dos últimos soldados do Império, e ambos continuaram camaradas e amigos. Convidei também a esposa Fernanda Pestana,que é professora no Instituto Politécnico de Setúbal, a partilhar connosco a sua experiência de mulher na guerra, no TO da Guiné. Ela acompanhou o marido. Não haverá muitos casos.

Para os dois o meu alfabravo, Luís Graça

Anónimo disse...

Caros amigos,

É prodigiosa a memória do Jorge Picado, pois os detalhes que fornece sobre o Augusto Ali Jaló são extraordinários para um metropolitano na altura da guerra. Camboré é uma localidade situada na estrada entre Pitche e Canquelifá e foi, ao longo do séc. XX, sobretudo com o Mestre Mamadu N'gare (Mamadu o grande), um dos três centros (lanternas/focos/luzes) mais importantes do saber na região desde a região do Casamansa até o Futa-Djalon na vizinha Guinée só suplantado por Quebo do Sábio Tcherno Rachide e seguido de Sintchã-Samba (arredores de Fajonquito) com o Alfa Umaro Djaló, pela sua contribuição para a divulgação e expansão do Islão nesta região de Africa Ocidental.

Djarama Jorge Picado, djarama Luis Graça e djarama a todos os veteranos da Guiné que ainda persistem nos trilhos infindáveis da guerra na Guiné.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

PS: Sobre o desaparecimento do Ali Jaló é caso para lembrar o provérbio português do Gato escaldado. Depois do que viu, ouviu e sofreu na pele, em quem ele poderia confiar no futuro ???

Abraços

Cherno AB

Valdemar Silva disse...

Meu caro Cherno Baldé
Não consigo perceber a razão de tanto medo que Ali Jaló teria da 'água quente'.
Praticamente, todos os guineenses que fizeram a guerra no exército português ficaram 'escaldados' com medo da 'água quente' do PAIGC.
Sabemos que muitos desses guineenses ex-soldados fugiram da Guiné, quando do fim da guerra, com medo das prováveis represálias do PAIGC, mas, dos que fugiram para Portugal e por cá ficaram, nunca se constou terem de andar escondidos com medo de represálias mesmo fora da Guiné.
Veja-se o que se passou/passa com o conhecido Marcelino da Mata e muitos outros, que andam cá por todo o lado sem nunca terem tido nenhum problema ou medo da 'água quente'

Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz Embaló

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Valdemar tem razão, o "braço armado" do PAIGC era curto, não chegava a Cabo Verde (que eu saiba, país onde depois do golpe de estado do 'Nino' Veira, se refugiaram muitos dissidentes) e muito menos a Portugal... Em África, a vingança serve-se "a quente"...Se for vivo e ainda estuver em Portugal, como esperamos, o Ali Jaló pode dar a cara...Se alguém souber o seu paradeiro, que nos ligue: telem 931 415 277.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ah!, grande capitão, Cambor/Camboré (, na grafia do Cherno Baldé), fica de facto na região do Gabu, na estrada Piche-Canquelifá...

Pois, Cherno, só o nosso blogue é que vai (re)buscar essas coisas do passado da história da Guiné-Bissau, de que a malta mais nova é completamente ignorante...Bem hajas, meu irmãozinho, pro continuares no teu "posto", a confirmar/validar/corrigir as nossas velhas memórias... Que elas possam, de algum modo, a continuar a ajudar a Guiné-Bissau a preparar o seu futuro, sem escamotear, ignorar ou branquear o seu passado. Temos uma história "partilhada", ficaremos ambos mais ponbres se, de um lado e do outro, mandarmos para o lixo da história estes pequenos apontamentos...

Obrigado, Daniel, obrigado, Jorge, obrugado, Cherno. Luís

Anónimo disse...

Caros amigos Luis e Valdemar,

Se eu fosse um ex-militar que tivesse conseguido chegar a Portugal, depois de passar entre as malhas do paigc, faria exactamente o mesmo que fez o Ali Jaló, pois não se esqueçam que esses soldados foram literalmente entregues, por ignorancia, maldade ou ingenuidade, pelo exercito português, que teria facultado todas as informações necessárias para serem depois perseguidos como coelhos por todo o território. São traumas que não se esquecem nunca. Acresce a isso o facto de terem de viver, provávelmente, obrigados em portugal em condições dificeis de desenrascanço para sobreviver.

Quanto ao Marcelino, acho que foi diferente porque, mesmo se não foi facil para ele, estava mais preparado para se adaptar em Portugal e, de mais a mais, não chegou a ser "escaldado", mas isso é outra história.

Abraços,

Cherno Baldé

Antº Rosinha disse...

Nem quero pensar o que se teria passado com os muitos milhares que serviram em Angola o exército português e que tenham tido a ideia ou o azar de não cavar, para Portugal ou para o inferno.

Sabe-se que alguns aderiram ao lado de um dos contendores, pelo menos para morrer de arma na mão.

Aquilo lá é que foi um inferno.

Segundo a ideia de Cherno, também aqui seriam "soldados literalmente entregues, por ignorancia, maldade ou ingenuidade, pelo exercito português" ?

Não concordo completamente com o Cherno, com a ignorância, maldade e ingenuidade, apenas, mas mais por irresponsabilidade e puro abandono e quem cá fica que se desenrasque.

Anónimo disse...

Caro Rosinha,

"Aquilo lá é que foi um inferno ???"
Sim, certamente, mas entre nós existe o conceito de que mais vale morrer com dignidade dentro daquilo que acreditas do que viver no teu próprio país como cidadão de segunda. O paigc e seus congéneres do mpla e frelimo que sairam da mesma escola dos estudantes do império pensam que a luta que fizeram lhes confere o direito absoluto e sempiterno de (mall)governar esses territórios. Não é para discutir politica, mas as recentes eleições na GBissau são um bom exemplo dessa mentalidade enraizada na cabeça dessa gente. O paigc, tendo perdido as eleições não aceita, partindo da lógica que não pode perder de jeito nenhum e muito menos contra cidadãos de segunda.Até questionam a cidadania do tal candidato, um Embalocunda originário da lendária familia do Monjuro Meta Embaló. É só ver até onde eles podem chegar para defender seus interesses depois de mais 46 anos de incuria e (des)governos. Embora todos saibam que, na realidade, do lado português estiveram elementos de todas as etnias e inclusive alguns desses elementos, como o Manuel Aladje Mané, Higino Cardoso, Adriano Atchutchi entre outros que foram soldados ou membros da ANP do regime colonial, foram aceites, integraram, fizeram e ainda fazem carreira como dirigentes deste partido e não são vistos como colaboradores ou cidadãos de segunda.
Será que não era melhor morrer com dignidade do que estar a aturar este tribalismo disfarçado de democracia onde é uma pequena minoria que pretende ter direitos de se impor sobre uma grande maioria ???

Um abraço amigo,

Cherno Baldé


Manuel Luís Lomba disse...

A propósito da evocação dos militares Ali Jaló e o Marcelino da Mata, não esquecemos o registo de militares indignos, na nossa história recente: os "mesmos" que abandonaram o Ultramar e os seus camaradas nativos, só não executaram o Marcelino da Mata em Lisboa, no RALIS, por um rebate de consciência do então capitão (hoje coronel) Dinis de Almeida...
Manuel Luís Lomba

Valdemar Silva disse...

Luis Lomba
Esse rapto do Marcelino da Mata e a encenação do seu fuzilamento já foi explicada 'o dar nas vistas' dos da autoria do acontecimento. Parece que não ouve nenhum rebate de consciência de Dinis de Almeida, mas antes o não permitir que a encenação fosse executada.
Há testemunhos e artigos escritos sobre esse assunto e, também, muitas centenas doutros artigos de sobre a necessidade do fim da guerra no ultramar.

Ab. e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Cherno, o facto de se irem realizando as eleições em África, segundo as regras da ONU, em quase todos os países, isto em apenas 50 anos após a chamada descolonização, já é um tentativa "destribalizante" que chega a ser surpreendente para muitos analistas políticos.

Agora se no fim, as tribos ou os partidos aceitam naturalmente os resultados, isso ainda vai levar algum tempo.

Mas desde que não entrem armas em acção, já não é mau.

Será o primeiro fula a ser presidente da Guiné e fora do paigc, ora uns ora outros, e não sempre os mesmos, é que seria bom, a frelimo e o mpla também não largam o osso.

Tal como o paigc, eram os movimentos dos estudantes (e futebolistas) do império que sabiam, eles é que tinham os livros, (eles e os filhos e as filhas e os parentes deles).

Cumprimentos