sábado, 15 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20653: Os nossos seres, saberes e lazeres (377): A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Por aqui se desfiam recordações, décadas a fio a percorrer Bruxelas, a vadiar, graças ao comboio, por lugares atrativos, a ter o privilégio de alguns amigos irem assegurando viagens curtas pela Valónia e pela Flandres, consegue-se este mapeamento que não fica só no coração e sai assim aos soluços, mas há o recurso a muitos sacos de plástico com folhetos das digressões efetuadas, há os livros e até bilhetes de entradas em museus e concertos.
Tudo somado e desmultiplicado, aqui se deixam notas soltas sobre o tal país muito plano, criado artificialmente para travar ambições à França e à Alemanha, esta Bélgica que se divorciou da Holanda, ocupada durante as guerras mundiais e que conserva uma capital que tem eventos culturais por metro quadrado como nenhuma outra cidade no mundo.
Esta é a Bélgica que se me entranhou com lembrança perpétua.

Um abraço do
Mário


A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (5)

Beja Santos

Como se fosse hoje, mas de facto aconteceu em 1977, quando o viandante saiu na Gare Central, era tudo um descampado à volta, chamou-lhe a atenção uma pequena igreja, e para lá se dirigiu, de mala aviada. Ficou logo com a ideia que era um edifício desasado, e veio a confirmar que aquela igreja fazia parte de um convento que foi destruído nas guerras religiosas do século XVI. Guarda a portada barroca, foi restaurada nos anos 50, tem um belo vitral, bem datado. A propósito de vitrais, quem visita Bruxelas não deve perder a sumptuosidade da catedral, vitrais magníficos. Rezam os guias que estes vitrais da catedral tem um valor excecional, neles intervieram grandes artistas do século XVI como Bernard van Orley.

Igreja da Madalena, Bruxelas.


Vitrais da Catedral de S. Miguel e Santa Gudula.

A cerca de uma hora de Bruxelas, o viandante tem à sua espera, a partir da gare central, a febril cidade de Antuérpia. A catedral é impressionante, é o edifício mais alto da cidade, começou a ser construída em meados do século XIV, e a sua torre com 123 metros ficou concluída em 1530. Merece uma visita prolongada e conserva uma excecional peça de Rubens, cada vez que o viandante por lá passa tira sempre fotografia e vem comprar os respetivos postais.

Catedral de Nossa Senhora, Antuérpia.

“A Elevação da Cruz”, de Rubens, Catedral da Antuérpia.

Visitar Tongres, é como ir a Arlon ou a Tournai, os lugares mais vetustos da Bélgica. Estamos em território flamengo, por aqui aconteceram piratarias dos Hunos e dos Normandos, aqui se expressou uma arte decorrente da espiritualidade da Renânia. O claustro é antiquíssimo, data do século XII e é de uma beleza sem rival a sua galeria com arcadas, não se pode ficar insensível à harmoniosa alternância das colunas isoladas e acopladas.


Claustro de Tongres.

Várias vezes o viandante deambulou pela Abadia de Orval, a escassos quilómetros da fronteira francesa. Obra dos Beneditinos do século XII, eram discípulos de S. Bernardo. Estas ruínas são da primeira Igreja Cisterciense, pilhada, devastada e incendiada em 1637. Com a Revolução Francesa, a abadia voltou a ser devastada e pilhada. Ali ao lado temos uma terceira igreja, em cor de mel, foi consagrada em setembro de 1948, mas estas ruínas fazem ecoar a grandeza que o homem levanta e tem capacidade de arrasar sem remissão, ficam os vestígios de uma espiritualidade mutilada.

Abadia de Orval.

Há edifícios municipais na Bélgica que atestam opulência e majestade. Diante deste Hôtel de Ville não se tem dificuldade em sentir que foi erigido como manifestação de orgulho, data do tempo de Carlos V, é todo ele imponência, marcado pelo gótico flamejante. No alto da cúpula temos a representação da Coroa Imperial de Carlos V. Digamos que Audenarde não tem muito que se veja mas não se pode perder esta preciosidade.

Edifício da Câmara Municipal de Audenarde.

Voltamos a Bruxelas, e desta vez a uma avenida que ainda guarda marcas do fausto do século XIX, a Avenida Louise, foi então um elemento de ligação entre o rico centro urbano e os arrabaldes rurais e florestais até conhecer a urbanização maciça, que foi implacável a desfigurar a antiga grandeza, as árvores foram dizimadas, a avenida está furada por túneis e tornou-se numa autoestrada urbana, mas ficaram edifícios do seu antigo esplendor e os jardins são muito belos, veja-se esta escultura, não tenho dúvidas em que mereça todos os encómios como um dos expoentes da arte urbana de Bruxelas.

Escultura de Olivier Strebelle na Avenida Louise, Bruxelas.

Prosseguem as recordações. Foi sobretudo a partir do período da sua reforma que o viandante e o amigo belga que o acolhia em Watermael-Boitsfort passaram a visitar regularmente a Abadia de la Cambre, e era obrigatório entrar na igreja que foi erigida no século XIV, com as intervenções habituais correntes nesta arquitetura religiosa. Os guias turísticos recomendam uma visita a esta igreja para admirar uma cabeça de Cristo atribuída a Albert Bouts (século XV).

Interior da Igreja da Abadia de la Cambre.

No termo desta viagem com regresso inesperado, o viandante vai prazenteiro até ao Parque Josaphat, com jardinagem à inglesa, enxameado de belas esculturas, a visita é obrigatória no tempo das tulipas. E com um toque de nostalgia acaba hoje a viagem para recomeçar num amanhã incerto, mas sempre suspirado.

Escultura clássica do Parque Josaphat, Bruxelas.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20632: Os nossos seres, saberes e lazeres (376): A Bélgica a cores que guardo no coração, e para sempre (4) (Mário Beja Santos)

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