segunda-feira, 26 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22405: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte IV: Lendas mancanhas


Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág, 23)






1. Transcrição das págs. 23 a 27 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato > Lendas e contos 
da Guiné-Bissau

[Foto acima: o autor, Carlos Fortunato, foi fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga]


Lendas mancanhas (pp. 23-27)


Apesar de correntemente ser utilizada a designação mancanha para esta etnia, considera-se que o termo adequado é a designação brame.

Crê-se que pertencem ao mesmo ramo étnico o brame, o manjaco e o papel, face aos seus costumes e características linguísticas (14).

Uma das lendas sobre a sua origem, conta que quando os portugueses chegaram aquelas paragens e querendo saber o nome da etnia que ali vivia, fizeram essa pergunta a um dos habitantes.

- Mancanha - respondeu ele, pensando que lhe estavam a perguntar o nome.

E foi assim que nasceu a etnia mancanha.

Na verdade, naquela zona existem muitas pessoas com esse nome, pois é usado quer como nome próprio, quer como apelido.

***

Outra lenda conta que, numa das guerras entre os portugueses e os manjacos, havia um homem de nome “Mancanha” que era amigo dos portugueses e que estes muito estimavam.

Quando os portugueses chegaram a uma tabanca (aldeia), os habitantes da mesma disseram que eram da família dos “Mancanha”, e por isso foram muito bem tratados. Ao saberem disto as outras tabancas
passaram todas a dizer o mesmo.

- Eu sou da família mancanha - diziam eles e bastava ouvir-se a palavra mancanha, para logo serem deixados em paz.

Assim começaram a “nascer” tabancas mancanhas, e foi assim que nasceu a etnia mancanha, segundo esta lenda.



Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág. 24)

***

A lenda mais bonita sobre a origem desta etnia, é uma história de amor.

Segundo esta lenda, ela teve origem num escravo mandinga de nome Braima, e numa jovem de nome Bula, a qual era filha de um poderoso senhor de guerra de etnia fula.

Braima e Bula sabiam que o seu amor era impossível, e por isso fugir era a única solução, para conseguirem ficar juntos.

Os jovens sabiam que os riscos de uma fuga eram muitos e que na terra dos seus antepassados, não havia um lugar onde se pudessem esconder, pois o pai de Bula não iria perdoar aquela afronta, e enviaria os seus guerreiros em sua perseguição.


Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág. 25)


O Império mandinga de Cabú tinha sido destruído pelos fulas, e o seu poder chegava quase a todo o lado, mas não chegava às terras dos manjacos.

Os reinos manjacos eram orgulhosos da sua independência, e nã aceitariam qualquer exigência exterior, além disso estavam longe e fora do alcance dos reinos fulas. Os manjacos não estavam em guerra nem
com fulas, nem com mandingas, e Braima e Bula esperavam ali serem  bem recebidos.

O caminho de fuga implicava contudo, atravessarem as terras dos aguerridos balantas, onde corriam o risco de serem mortos, mas eles sabiam, que isso também iria fazer parar os guerreiros, que o pai de
Bula enviaria na sua perseguição.

Contra tudo e contra todos, Braima e Bula fugiram, sendo imediata mente perseguidos pelos guerreiros do pai de Bula, mas conseguirachegar às terras dos balantas, e tal como tinham previsto os  perseguidores pararam e abandonaram a perseguição.

Braima e Bula continuaram a sua fuga, abrindo caminho através dezonas de mato denso, para não serem  istos, e assim depois de muitas privações, conseguiram finalmente chegar à terra dos manjacos.
O casal iniciou a construção da sua tabanca, em terras abandonadas, perto ao rio Mansoa, mas que ficavam a pouca distância das terras dos alantas, o que os obrigou a estarem sempre alerta.


Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág. 26)


Os filhos que nasceram, e as boas relações com os manjacos, permitiram-lhes fazer crescer a sua povoação, pois a eles se juntaram homens e mulheres manjacas.

À pequena aldeia, Braima deu o nome de Bula, como demonstração do grande amor que sentia pela sua mulher, Bula. A aldeia tornou-se um Reino, e o filho mais velho de Braima fundou depois a povoação de , a qual passa a ser também um Reino, mas vassalo de Bula.

Bula cresceu imenso, sendo hoje uma localidade importante. Segundo esta lenda, a designação de brame para esta etnia, tem origem no nome de Braima.


Lendas mancanhas - ilustrações do pintor e escultor português José Hilário da Silva Portela (pág, 27)


[Adaptação, revisão/fixação de texto e inserção de fotos e links para efeitos de edição deste poste no blogue: LG]
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Nota do autor:

(14) Mancanhas - pag. 54 de “A Babel Negra”, refere-se que “... é de crer que, produtos dum mesmo ramo étnico, tenha surgido o brâme, o manjaco e o papel.”, na pag. 34 da “História da Guine I”, René Pélissier refere-se que “Quanto aos Manjacos, 71.000 em 1950, levantam um problema de identificação porque, até aos anos 1910, senão mais tardiamente ainda, os Portugueses designam na maior parte (os que vivem no interior das terras, entre o rio Cacheu e o rio Mansoa) pelo nome de PAPÉIS, reservando o nome MANJACO às zonas costeiras
desta mesma região.”


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Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com
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5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos: linda história de amor... Universal, diria eu. Faz parte do imaginário de todos os povos... E a peova de que o amor pode acabar com muitas barreiras, incluindo o etnocentrismo de todos nós...

Na CCAÇ 12 tivemos um brame ou mancanha, o Vitor Sampaio, que veio de Bissau, em recpomplemento. Inteligente, urbano, "reguila"... Falava bem português... O que será feito dele ? Já não deve estar no meio dos vivos... Gostava dele. Levou várias porradas. Era uma "carta fora do baralho", todos os demais eram fulas, putos do mato...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Que está fantástica herança cultural da Guiné - Bissau seja traço de união e nunca factor de divisão... E que a gente lusófona também ajudei não chamando "macanhe" ao manchinha, como no meu tempo... O brame nem sequer vem no dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o que é uma tristeza...

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Em jeito de complemento da terceira lenda que fala do amor "de perdição" entre Braima e Bula, representantes de duas etnias da mesma regiao geografica e historicamente complementares no meio de grandes rivalidades, dizer que, efectivamente, Bula é um nome de género, feminino singular, dos mais antigos entre os fulas de Gabu (fulacundas), hoje caido em desuso por motivos religiosos.

Estamos diante de uma linda historia de amor, de uniao e de fraternidade entre povos de cortar o folego. E, ainda, segundo a mesma lenda, o toponimo Có seria inicialmente "Gó" que na lingua fula toma o significado de primeiro ou, tratando-se do primeiro filho, de primogénito, que, mais tarde seria deturpado para Có, tomando a pronuncia mandinga, da mesma forma que o "Caabu" da pronúncia mandinga teria tomado a forma actual de "Gabú" na grafia portuguesa a partir da pronúncia em fula.

Todavia, ainda existe uma outra variante da lenda que vem aumentar as dúvidas sobre as verdadeiras origens ancestrais do povo Brame ou Mancanha e que, na minha opinião, se aproxima mais da verdade. Esta lenda fixa as origens deste povo a partir do actual território da Cotê-d'Ivoire (Costa do Marfim), numa região situada no Centro-Oeste e designada por Gôh e partilhada por diversas etnias autóctones, entre as quais a etnia designada por Baoulé, por sinal a maoritaria em Cotê-d'Ivoire.

Assim, numa época indeterminada e por razões desconhecidas, parte deste grupo teria decidido partir a procura de um novo territorio para viver, e dirigiram-se para Oeste. Na sua longa digressão teriam habitado por algum tempo no actual territorio da Guiné-Conakri, onde provavelmente se terao cruzado com os fulas que, na altura, dominavam a regiao do alto e medio Guiné (Futa-Djalon). Chegados aqui, justifica-se a questao de saber se a lenda do amor entre Braima e a Bula nao teria nascido deste encontro historico entre os dois povos (?).

Ainda, de acordo com esta versão, para conservar a memória das suas origens, decidiram dar a sua primeira localidade o nome de Baoulé que mais tarde seria Bula, corruptela de Baoulé (etnia de origem) e Có seria, igualmente, a corruptela de Gôh, sua região de origem.

Como se não bastasse, ainda há outras evidências marcantes que reforçam esta versão histórica, como por exemplo, usos e costumes tradicionais muito parecidos e, ainda, algumas semelhanças de nomes e apelidos, onde o caso mais paradigmático é o apelido Mango que abunda na Guiné-Bissau entre os Mancanhas e existe, também, em Cotê-d'Ivoire. Talvez um estudo mais aprofundado da lingua, usos e costumes, possa elucidar o conjunto destas lendas que, por momento constituem verdadeiros enigmas por desvendar.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Chamávamos "mancahne" por influência francesa e do vizinho Senegal... ("Mancagne", em francês.) Mas a grafia correta, em português, é "mancanha".

Já agora aqui ficam outros gentílicos de povos guineenses, em português e francês:

Papéis > Pepels
Balantas > Balantes
Fulas > Peuls
Felupoes > Diolas
Manjacos > Man~jaques
Mndingas > Mandingues

https://fr.wikipedia.org/wiki/Mancagnes

Anónimo disse...


Carlos Fortunato
27 jul 2021 07:36
Luis

Obrigado pela informação, a lenda de Braima e Bula, é realmente muito bonita, faz lembrar a história de Romeu e Julieta, mas felizmente para Braima e Buma a sua história tem um final feliz.

Um abraço

Carlos Fortunato