quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22584: Recortes de imprensa (119): Reacção de Mário Beja Santos ao artigo do "Diário de Notícias", de 29 de Setembro de 2021, "Comandos africanos nas Forças Armadas Portuguesas. Histórias de abandono e traição"



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,

Não podia ficar insensível a este estendal de mentiras, ainda por cima numa tese de doutoramento que se configura ter a calúnia e o sensacionalismo por móbil.

Conviria que os ditos recalcitrantes do comportamento das autoridades portugueses justificassem por que não quiseram manter a nacionalidade portuguesa quando Portugal ali, na Guiné, podia fazer prevalecer o nosso Direito.

Um abraço do
Mário

Nota do editor:
Ler aqui o artigo da autoria da jornalista Valentina Marcelino, publicado no DN de 29 de Setembro de 2021, que motivou esta tomada de posição do nosso camarada Mário Beja Santos, um estudioso da história da guerra de libertação da Guiné e da sua história ao longo da era colonial.



2. Mensagem enviada por Mário Beja Santos à jornalista Valentina Marcelino, do DN, e enviada ao Blogue para conhecimento:

Ex.ª Sr.ª D.ª Valentina Marcelino, bons dias.

Chamo-me Mário Beja Santos, sou antigo combatente da Guiné e com alguma obra publicada sobre investigações do referido conflito. O que falta à doutoranda que refere na peça, e às citações que invoca na sua, é a consulta a todo o conteúdo integral inerente aos Acordos de Argel e a descrição da sequência de medidas tomadas pelas autoridades portuguesas até ao fim da nossa presença colonial. Com efeito, quem ler os Acordos de Argel, em toda a sua extensão, compreenderá facilmente que Portugal assumia as responsabilidades com os cidadãos portugueses de origem guineense que manifestassem tal vontade.

Portugal comprometeu-se a pensões com esses portugueses deficientes das Forças Armadas, o que cumpriu e cumpre. Comandei guineenses, que ficaram deficientes, e são escrupulosamente assumidas as responsabilidades de Portugal. Dizem taxativamente os Acordos de Argel quais as responsabilidades da República da Guiné-Bissau, quais os compromissos que assumiam, integrando todos os combatentes que tinham estado sob soberania portuguesa e que tinham decidido tornarem-se cidadãos da República da Guiné-Bissau.

Em documentação que se pode consultar em qualquer arquivo, verificar-se-á que o último governador em exercício, Carlos Fabião, convocou todas estas forças especiais de comandos e fuzileiros e propôs-lhes a vinda para Portugal, seriam integrados nas Forças Armadas Portuguesas, viriam mesmo com família; caso não aceitassem, e mesmo depois de lhes ter sido referido a eventualidade de futuras tensões com o PAIGC, decidiram ficar e receber vencimentos até dezembro de 1974.

Querer falsificar os factos históricos, imputando às autoridades portuguesas negligência, é pura demagogia. A doutoranda devia ter estudado melhor, consultado os processos, ouvido pessoas que estiveram envolvidas nestas conversações. E pura demagogia é não querer ver que a República da Guiné-Bissau é um país independente, cometeu imensas tropelias, é certo, massacrou, torturou, fuzilou antigos militares que tinham combatido à sombra da bandeira portuguesa, mas o Direito Internacional só nos permite protestar pelo não cumprimento dos Acordos de Argel.

Numa atitude pesporrente, de um nacionalismo bacoco e de um triunfalismo de comédia, os então dirigentes supremos do PAIGC deixaram degradar hospitais (o hospital militar nº 241, em Bissau, era um dos melhores hospitais de África), arruinar património, enfim, praticaram desmandos por cegueira e ingenuidade ideológica, o povo guineense pagou por inteiro.

Não podia deixar de lhe escrever para a alertar das incongruências da sua peça, só é novo o que foi esquecido, poderá estar a pensar que inquieta corações ou que descobriu a pólvora (tal como a doutoranda), simplesmente por falta de estudo.

Se acaso sentir necessidade de repor a verdade e refazer a sua peça, terei muito gosto em indicar-lhe com quem pode falar e onde estão as fontes documentais.

Receba a cordialidade de
Mário Beja Santos

____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22281: Recortes de imprensa (118): "Mísseis uniram Enfermeira 'Pára' e Piloto-Aviador" - Especial Guerra Colonial - Revista de Domingo do Correio da Manhã de 13 de Junho de 2021

10 comentários:

Antº Rosinha disse...

Assunto imensamente incomodo e complicado para quem tente justificar, quase mais complicado do que a NATO explicar a saida relâmpago do Afeganistão, hoje.

A Guiné vejamos, Acordos de Argel 26 de Agosto de 1974, Independência da Guiné, 10 de Setembro de 1974 (15 dias)-

Quem é que nesses quinze dias se inteirou do conteúdo dos acordos? Mário Soares e Pedro Pires? e mais algum português ou algum cabo-verdiano, cuja independência ficou marcada para um ano após a Guiné?

30 de Outubro, data limite para os militares portugueses sairem da Guiné.

Ou seja, menos de dois meses após a independência, para as "despedidas" de tanta gente.
Será que nesse espaço de tempo alguém se deu ao trabalho de traduzir por miudos aos muitos comandos e suas famílias o que se estava a passar?

De facto não devem ser "historiadores" a contar a nossa história enquanto haja tanta gente com saúde que participou e viveu as coisas.

Mas para isso, tem que tudo ser esmiuçado pelos que participaram.







antonio graça de abreu disse...

Os acordos de Argel são de finais de Agosto de 1974 e jamais foram cumpridos pelo novo governo da Guiné-Bissau que os assinou e logo depois tomou o poder. As autoridades portuguesas da época não protestaram contra o não cumprimento dos acordos, fez-se a vergonhosa "descolonização exemplar." Será que o Mário Beja Santos, tão sábio, ainda não entendeu a ingenuidade (chamemos-lhe assim) de Carlos Fabião e essa "descolonização exemplar"?

Abraço,

António Graça de Abreu

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... desde Junho do corrente ano (2021) conhecedor desse "assunto", e, sem pachorra para "apreciar" mais uma cavação jornaleira, apenas me apetece, em português curto e grosso, acrescentar - aos dois comentários que me precedem -, isto: mais uma tese-das-tretas fabricada no CES (supostamente) universitário de Coimbra.

J. Gabriel Sacôto M. Fernandes (Ex ALF. MIL. Guiné 64/66) disse...

Orgulhamo-nos do passado, envergonhamo-nos do passado recente!!!
Quando voltaremos a encontrar-nos???

Unknown disse...

É bom que ainda haja pessoas como o Mário Beja Santos para repor a verdade sobre assuntos que as interpretações tendenciosas, a moda do «politicamente correcto» e, mais gravemente, a inépcia de jovens pseudo-investigadores (e seus pseudo-orientadores docentes) têm vindo a desvirtuar.

Daniel Gouveia, ex-Alferes Miliciano em Angola (1968-1970).

Alberto Branquinho disse...


Camaradas (de armas)

Para uns a TESE (de DOUTORAMENTO) estará "correcta", para outros "incorrecta" e a mim (me parece) estará incompleta.
MAS, o certo-certo é que a defesa dessa mesma TESE vai dar origem a mais um(a) DOUTOR(A). E quem vai, no futuro, opor-se à sapiência de um(a) DOUTOR(A) em assuntos sócio-histórico-militares (de um passado recente dos quais essas DOUTORAS e DOUTORES sabem TUDO)?
Foi o que aconteceu com o DOUTOR cujo DOUTORAMENTO, aqui referido neste blogue, que teve como base uma TESE sobre do uso de drogas durante a guerra colonial, metendo no mesmo saco Angola, Moçambique e Guiné (que nós conhecemos).
É que nós (no máximo meros licenciados), que por lá andámos, teremos que calar frente a tanta sapiência porque, dessas coisas, pouco ou nada sabemos...

Abraços
Alberto Branquinho

Morais Silva disse...

Caro Graça Abreu
Qualquer descolonização resulta de "negociação" e quando não se tem força...resta minimizar danos.
Lembro o criminoso "Nem mais um soldado para as colónias" e do efeito que isso teve nas subunidades combatentes ameaçando todos os dias abandonar a sua missão... o que, algumas, fizeram mesmo.
Demissão generalizada implicou desastre para todos os que partiram e os que ficaram.
Cumprimentos cordiais
Morais Silva

JB disse...

A capacidade de alguns de sempre circundarem as especificidades dos assuntos em muitos dos textos publicados torna-se repetitiva.
E isto tanto na forma como no conteúdo.
Repetição que criará aos mais saudosistas melancolias várias quanto a “palavras de ordem “comissieiras” de um passado recente.
Há hoje todo um consenso quanto ao facto de a descolonização,na forma como foi efectuada,não beneficiou os interesses nacionais.
As duas grandes potências internacionais da época tudo fizeram para que assim fosse.
Também estaremos de acordo que colaboradores internos não faltaram.
O não “acompanhamento” dos Acordos Internacionais assinados ,e da descolonização em geral, demonstra que “exemplar” terá sido a incompetência,incapacidade,ingenuidade e Ignorancia política.
(Um punhado de actores saberia muito bem o que se estava a passar e ,não menos, a favor de quem!)

Mas a sermos factuais,haveria condições na Guiné que permitiram outras “condições”?
Ambas as partes dos Acordos assinados tinham consciência plena das realidades políticas no interior do Portugal de então.

*Nem mais um soldado para África!*
Era gritado em manifestações e escrito em muitas paredes de Quartéis.
Em total acordo quanto aos “responsáveis” mais não terem sido que criminalmente….irresponsáveis!
Mas nas condições existentes poderiam (mesmo que o tivessem querido) algo fazer?
E,meio século depois,as perspectivas comissieiras de alguns continuam a sobrepor-se às realidades factuais.

Carlos Fabião tem na sua vida militar 4(!) Comissões de Serviço na Guiné.
A maioria em actividades operacionais relacionadas com militares guinéus.
O tempo por ele dedicado às tropas africanas e milícias não encontra equivalente em qualquer outro Oficial na Guiné.
Sempre procurou as melhores condições possíveis para as tropas operacionais(africanas) sob o seu comando.

A ser atentamente lida a acta do seu encontro com os comandos guinéus ao serviço de Portugal nela se verifica que em nada os procurou “enganar”, e muito pelo contrário procurou fazer-lhes sentir a necessidade urgente de aceitarem a oferta que lhes era feita de partirem (com as famílias) para Portugal onde continuariam a sua vida militar.

Extrapolar a sua dedicação na Guiné às tropas africanas para actos posteriormente praticados em Portugal em funções “político-militares” não faz justiça ao assunto abrangido pelo texto.

Um abraço do J.Belo

Valdemar Silva disse...

Sarcasticamente temos observado, ao longo dos anos, com a "descolonização exemplar", para realçar os problemas que surgiram após a independência na Guiné, Angola e Moçambique, principalmente. Na Guiné é apontado o caso dos militares guineenses pertencentes às NT, que não foram devidamente salvaguardados os seus destinos.
Então o que teria sido uma descolonização exemplar, não valem os prognósticos depois do jogo, no caso concreto dos Comandos e Fuzileiros guineenses? Então como se deveria ter procedido ao 'paguem-nos até Dezembro e depois logo se vê', como os próprios manifestaram, quando Fabião propunha a viagem desses homens e família para Portugal?
As críticas com a ironia 'descolonização exemplar' estão escondidas com o 'não devíamos ter de lá saído' de fora.

(...e era só mais uns mesinhos, a guerra acabava e todos ficavam felizes...)

Valdemar Queiroz

António Martins Matos disse...

- "Acho que há por aí um qualquer Acordo...
Enquanto ele não chega, trinta contos e governem-se...."
Ou não foi assim?
Alguém que me explique, para não me sentir envergonhado.

AMM