sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23519: (In)citações (214): Reflexão escrita “à moderna”, a fim de que todos entendam - Vinte e cinco por cento de ilusão (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

© ADÃO CRUZ


VINTE E CINCO POR CENTO DE ILUSÃO

(Reflexão escrita “à moderna”, a fim de que todos entendam)

adão cruz

Não te zangues, porque ninguém se enamora de alguém com público carimbo na cara.
Quem de nós sente a liberdade ou a prisão de um devaneio, com alguma elegância de formas tece as malhas de uma afeição.
Vinte e cinco por cento de ilusão neutraliza a depressão, faz dormir que nem um justo e as coisas são o que são, nem surpresa nem desdobramentos de personalidade nem pensamentos duplos nem amargos de lágrimas.
Como é bom conversar contigo ó ilusão, assim calado e mudo, vazio da minha posse e do meu abrigo.
Sempre nos perdemos naquele instante que começa a dominar, mas é uma fraca ideia pensar ir longe e, sem ir, ter a sorte de voltar.
Deste mundo à real intimidade vai um passo cerimonioso, sonhador, penetrante, mas sem cor, sem brilho, sem sentido, de fonologia perfeitamente evitável se a desconjuntada linguística não lhe chamasse poesia.
Surpreende apenas o delírio, escondendo o vivo interesse da inconsequência que é ensejo de todos nós.
Surpreendem as razões inquietas das pessoas equivocadas que gemem angústias no conspurcar dos seus intentos.
Vinte e cinco por cento de ilusão impede de adormecer às três e acordar às cinco, não desonra amigos nem inimigos e não dá ares de inocência falsa.
Vinte e cinco por cento de ilusão é sentimento que garante provas positivas e faz acreditar na ideia de que se pode entender o que não tem entendimento.
Vinte e cinco por cento de ilusão leva-nos a crer que o regime simbólico com que pensamos e habitamos a experiência do mundo é sempre propriedade dos nossos sistemas cognitivos, bem como a garantia da circularidade simbólico-cognitiva que pode resultar numa unidade espontaneamente congruente.
Com vinte e cinco por cento de ilusão, não acreditando em nada, acredito agora, com nobre intenção, voz clara e firme, sem mostras de arrependimento nem buscas de coerência nem condições de entender, que o idiota é crer no poder do entendimento de toda a merda que se escreve e não dá para entender.

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23508: (In)citações (213): Testamento, de Ana Luisa Amaral (1956-2022)... E homenagem a uma grande voz feminina da língua portuguesa (Luís Graça / Laura Fonseca)

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