quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24010: Historiografia da presença portuguesa em África (352): Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné: Uma fonte documental que não se deve ignorar (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2022:

Queridos amigos,
Detetam-se substanciais diferenças entre o mandato de Sarmento Rodrigues e o de Raimundo Serrão, o primeiro é sempre atravessado por obras, fala-se permanentemente em desenvolvimento, em cultura, na estrutura viária, na continuação dos projetos habitacionais já incrementados por Ricardo Vaz Monteiro, a que o capitão-tenente Sarmento Rodrigues não só deu seguimento como ampliou, é um mandato frenético de visitas científicas, produz-se literatura como jamais acontecera na colónia, aqui chegaram visitantes como o jornalista Norberto Lopes, o geógrafo Orlando Ribeiro, o combate contra a doença do sono e o conhecimento do potencial dos solos, a zoologia e outros domínios científicos entraram em franco desenvolvimento; lendo estas atas, fica-se com a ideia de que o Eng.º Raimundo Serrão pretendeu pôr ordem administrativa e completar o trabalho de Sarmento Rodrigues, mas perpassa nesta documentação de que não só se cingiu aos regulamentos, aos créditos, à preocupação com os orçamentos anuais, o sistema educativo ganhou forma.Sublinhe-se que há lacunas apreciáveis nesta documentação, salta-se de 1951 para 1955, já estamos no mandato de Diogo de Mello e Alvim. Esta documentação, mesmo com grandes lacunas, chegará até ao governador Spínola, mas não abrangerá todo o seu mandato.

Um abraço do
Mário



Atas de Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné:
Uma fonte documental que não se deve ignorar (6)

Mário Beja Santos

Pode julgar-se à partida que estas reuniões em que se discutiam requerimentos, taxas e emolumentos, em que funcionários da administração se pronunciavam sobre salários e infraestruturas, num órgão consultivo em que compareciam chefes de serviços, comerciantes, profissionais liberais, em reuniões presididas pelo Governador, ou pelo Governador Interino, ou pelo Encarregado do Governo, eram suficientemente enfadonhas para não acicatar quem anda à procura de outros ângulos do prisma que nos ajudam a formar uma visão mais abrangente da História da Guiné. Muitas vezes sem interesse para o historiador/investigador, atrevo-me a dizer, mas há ali casos de tomadas de posição ou declarações que nos ajudam a melhor entender a mentalidade, as iniciativas seguramente generosas que ali se formularam e que não tiveram seguimento, ou mesmo o aproveitamento daquele palco para que um Governador tecesse, em forma de sumário, o que se procurava fazer durante o seu mandato.

É bem curioso o termo de comparação do que foram as sessões do Conselho durante o mandato de Sarmento Rodrigues e as do seu sucessor, o Eng.º Raimundo António Rodrigues Serrão, ele preside à sessão de 22 de agosto de 1949, depois de um interregno depois da partida de Sarmento Rodrigues e a presidência do Encarregado de Governo, como vimos no texto anterior. O presidente é saudado efusivamente, é lembrado o seu antecessor e procede-se a uma citação de Honório Pereira Barreto, extrai-se de uma carta que o tenente-coronel dirigiu ao ministro da Marinha e Ultramar em que apelava à criação de escolas primárias e à formação e oficiais mecânicos os parágrafos alusivos, e depois o orador recorda a premência de se criarem postos móveis de ensino, de se restabelecer o ensino profissional, de se criar uma escola agropecuária e dar um maior apoio ao ensino missionário. O governador Serrão agradece os cumprimentos e toda a sessão é preenchida pelo projeto do Orçamento para 1950.

Não quero cansar o leitor com as minudências da generalidade destas sessões: crédito para a conclusão das obras de centros de saúde e escolas destinadas às populações indígenas; créditos para outros melhoramentos públicos; discussão de matérias alfandegárias; reforma pautal; telegrama enviado ao Governo pela reeleição do Marechal Carmona; orgânica da Caixa de Aposentações; abonos de ajudas de custo devidas a funcionários por deslocações em serviço oficial aos territórios vizinhos; mais emolumentos, créditos. E subitamente entramos em assuntos educativos, o regulamento do Colégio Liceu de Bissau, estabelecimento do ensino particular que passou a ter existência legal. Retenho um comentário do governador: “Quanto às escolas técnicas, nada justifica a sua existência sem que haja liceu; quanto ao Liceu, já expus para o ministro das Colónias a conveniência de vir o júri do Liceu de Cabo Verde examinar os alunos, como se faz em Timor e em diversos liceus de Angola”. A tónica educativa é retomada em 13 de abril de 1950, consideram-se oficialmente válidos os exames do curso geral dos liceus a realizar em Bissau, a que hão de ser submetidos os alunos do ensino particular e temos uma novidade: estava resolvido o problema liceal da Guiné com o Diploma legislativo 1/179, finais de março, 1950. Registo, ao longo de 1950 e 1951, ainda outras iniciativas: projeto do Regulamento das Indústrias da Guiné, mais créditos, imposto de justiça, prossegue a discussão sobre as indústrias na Guiné, Orçamento da Guiné para 1951, Regulamento das Armas; projeto regulamento sobre o horário de trabalho dos não-indígenas e Regulamento de Identificação dos Indígenas; alteração da tabela geral do imposto de selo; queixas sobre o mau funcionamento da Central Elétrica de Bissau; proposta de construção de uma leprosaria para o internato de leprosos; criação de serviços administrativos; telegrama de consternação pelo falecimento do Marechal Carmona.

E estamos em maio de 1951 e discutem-se as matérias dos horários de trabalho. Justifica-se uma breve análise: o período de trabalho diário do pessoal não-indígena dos estabelecimentos comerciais industriais não poderá ser superior a 8 horas; definem-se tais estabelecimentos; o número total de horas de trabalho semanal dos empregados de escritório nunca poderá ser superior a 36 horas e meia e dos empregados comerciais industriais a 48 horas; nos estabelecimentos comerciais dos pequenos centros e nos estabelecimentos industriais que revistam caráter marcadamente rural poderão os respetivos empregados ser isentos do horário de trabalho mediante autorização dada pelo chefe dos serviços de administração civil; é isento de horário de trabalho o pessoal em serviço doméstico; são também dispensados de horário de trabalho as obras de construção civil de caráter doméstico ou agrícola que não estejam localizadas em povoações de categoria igual ou superior a sedes de Concelho; a construção e a reparação de vias de comunicação pode ser dispensada da observância das disposições deste diploma; a idade mínima de admissão ao trabalho nos estabelecimentos comerciais ou industriais é fixada, para qualquer dos sexos, nos 14 anos completos e os menores nestas condições deverão saber ler, escrever e contar corretamente, sem o que não poderão ser empregados; o período de trabalho diário deve ser interrompido pelo menos por um descanso que não poderá ser inferior a 2 horas, depois de 4 a 5 horas de trabalho consecutivo; o domingo é o dia de descanso semanal em toda a colónia e o trabalho prestado ao domingo deverá ser sempre pago pelo dobro; os feriados nacionais serão equiparados, para todos os efeitos, ao domingo ou ao dia excecionalmente destinado ao descanso semanal; excetuam-se destas disposições, além dos estabelecimentos industriais de laboração contínua, dos serviços urbanos de transportes em comum, as farmácias, fotografias, hospitais, casas de saúde, balneários, hotéis, restaurantes e similares, estabelecimentos de venda de géneros alimentícios, tabacarias, agências funerárias, agências de navegação, padarias, etc. Trata-se de um diploma bastante detalhado, envolve os horários de trabalho, menciona a intervenção dos organismos corporativos, interrupções e laboração contínua bem como o trabalho por turnos e o trabalho noturno, hora de abertura e encerramento, o papel das autoridades, as multas por incumprimento.

As publicações respeitantes às atas do Conselho de Governo da Guiné, que estou a analisar na biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, têm imensas lacunas, salta-se de 1951 para 1955, a Ata N.º 1, com data de 1 de outubro, é presidida pelo Governador Diogo de Mello e Alvim, o padre Cruz Amaral sublinha a circunstância de ser a primeira vez, desde 1935, que um elemento missionário tem lugar neste Conselho.

(continua)
Imagem do então Liceu Honório Barreto, Arquivo Histórico Ultramarino (por volta de 1960), com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23972: Historiografia da presença portuguesa em África (351): Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné: Uma fonte documental que não se deve ignorar (5) (Mário Beja Santos)

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