Guiné > Bissau > 1969 > Cais de Bissau, Pijiguiti, com uma LDP (Lancha de Desembarque Pequena) e uma LDG (Lancha de Desembarque Grande) em fundo. "Do lado da cidade, onde há bem poucas horas era água, suja e barrenta, é verdade, aparecia agora no fundo escuro, lodoso e fedorento do rio, um misto de lama, detritos, resíduos e porcaria que exalava um cheiro pestilento e nauseabundo. Àquela argamassa com ar podre e pútrido se dava, como já referi, pomposamente, o nome de tarrafo" (Rui Alexandrino Ferreira).
Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.
Como foram as primeiras impressões da nossa chegada a Bissau ? Ainda pouco se escreveu sobre isso... Nesta série Estórias de Bissau cabe perfeitamente esta temática. Vejamos, por exemplo, como é que o angolano Rui Alexandrino Ferreira nos descreve Bissau: ele passou por lá em duas comissões, uma como alferes (CCAÇ 1420, 1965/67) e outra como capitão (CCAÇ 18, 1970/72). Já aqui fizémos uma referência ao seu livro de memórias, Rumo a Fulacunda, que já vai na 2ª edição (Viseu: Palimage Editores, 2003) (2). Aqui ficam alguns excertos do 2º capítulo, com o nosso apreço, amizade e agradecimento ao autor e ao editor:
Capº II - Guiné - Os primeiros contactos
por Rui Alexandrino Ferreira
(Subtítulos do editor do blogue)
Fundeados ao largo, frente a Bissau, do barco se avistavam as luzes da cidade. Para quem se extasiava com a imagem de Luanda à noite, com a beleza da sua extensa, profusamente iluminada e bem cuidada avenida marginal, confesso que as primeiras impressões não foram muito famosas.
Bissau parecia aquilo que na realidade era. Pequena, dava para logo antever. Dispersa, com muitos espaços devolutos pelo meio, desordenada, envelhecida e pouco cuidada, não foi possível perceber de imediato, mas rapidamente também disso me dei conta.
Como me dei conta igualmente que era uma cidade dominada pela presença da tropa e onde não se conseguia esquecer a realidade da guerra que se travava para o interior da província. Enquanto que em Luanda se olvidava por completo a guerra que decorria circunscrita ao norte de Angola, na Guiné a guerra chegava à capital. Em Bissau, ouviam-se ao longe os ruídos ora espaçados ora quase cadenciados dos rebentamentos provocados pelas armas pesadas. Eram os nossos aquartelamentos a ser atacados ou flagelados. Via-se inclusivamente, quem se virasse para sul para além do estuário do rio Geba, os clarões que eram produzidos pelo deflagrar das granadas.
Uma cidade dominada pela presença da tropa
Durante o dia, sobretudo às primeiras horas da manhã a cidade era constantemente sobrevoada por helicópteros que transportavam feridos para o Hospital Militar 241, onde por força das circunstâncias também acabei por ir parar, a primeira vez em 1966, com direito a repetição em 1972, de ambas as vezes ferido e helitransportado directamente do mato.
Era, na realidade, um estabelecimento hospitalar moderno e funcional, prático e adaptado às necessidades, com um corpo clínico excepcional, extremamente dedicado que ao longo dos anos conseguiu verdadeiros milagres. Tinha-se então um sentimento de extrema confiança na acção daqueles médicos (…)
Dizia-se então por lá, confirmando a absoluta confiança que neles se depositava que, «pouco mais era preciso que aí chegar com vida». Do resto, se encarregava quem lá estava.
Nos dois dias que se seguiram e antes de desandar para o mato, nos contactos iniciais que tive com a cidade, apercebi-me e cataloguei-a quase de imediato. Bissau era a prova real da escala proporcional de um para dez, ou seja, em dez indivíduos que passavam só um não era militar, uma em cada dez mulheres não era esposa ou filha de militar, de dez viaturas em trânsito só uma era civil, e quanto ao próprio comércio, fosse a retalho, de vestuário, calçado, de discos ou aparelhagens de som, de jornais, livros ou revistas, de bugigangas ou de miudezas, de fotografias, ou máquinas fotográficas, restaurantes, cervejarias ou simples tascas, apenas um não era prioritariamente destinado ao comércio com os militares e se manteria de porta aberta mal a tropa fizesse as malas.
Tudo vivia para a tropa e pela tropa e da tropa sobrevivia.Tudo em Bissau era dominado pela presença dos militares da Metrópole. E assim, era impossível esquecer ou passar ao largo da guerra.
O famoso tarrafo
A bordo do Manuel Alfredo ainda a alvorada do primeiro dia de Dezembro vinha longe e já eu estava a pé. O calor e a humidade à mistura com a curiosidade mas sobretudo com a ansiedade não me deixavam nem dormir nem permanecer no camarote, pois sentia-me invadido por um nervoso miudinho. Levantei-me e orientado pelo barulho e movimento das máquinas e dos homens fui observar as operações de descarga do pessoal e material.
Uma Companhia independente desembarcou directamente para uma LDG (lancha de desembarque grande) da marinha. Nem chegaram a pôr o pé em terra firme. Rumo ao seu destino, homens e imbambas, tudo amontoado conforme possível, lá tomaram a rota do sul, onde seguramente chegaram por um dos variados rios ou dum dos seus braços, que tal como rapidamente compreendi, constituíam o melhor e mais seguro meio de comunicação e penetrapara o interior.
Aos poucos foi-se fazendo dia. Olhei em redor, ainda mal se via e nem queria acreditar nos meus olhos. Dum lado a vastidão das águas, misturadas a doce e a salgada, era tal, o dito estuário do Geba era tão largo, que a olho nu, não se vislumbrava a outra margem. Do lado da cidade, onde há bem poucas horas era água, suja e barrenta, é verdade, aparecia agora no fundo escuro, lodoso e fedorento do rio, um misto de lama, detritos, resíduos e porcaria que exalava um cheiro pestilento e nauseabundo. Àquela argamassa com ar podre e pútrido se dava, como já referi, pomposamente, o nome de tarrafo.
Era quase impossível que uma qualquer acção ou operação na Guiné não obrigasse à passagem de bolanhas, rios ou zonas de tarrafo. Normalmente passei, vindo das operações onde tais travessias eram mais demoradas ou aprofundadas (no sentido, claro, do tempo que se teria de andar dentro delas ou da altura da zona de cambança ou local de passagem do que resultava ter ficado com maior ou menor parte do corpo enterrado no tarrafo ou no lama), a tomar um banho inicial com o camuflado vestido para lhe tirar o grosso da merda e só depois deste, esfregar, esfregar e voltar a esfregar, o camuflado e o corpo, para ver se o cheiro se atenuava. Mas custava a sair...
Rapidamente me apercebi também que, para determinadas travessias, deveria fazer anteceder cada elemento mais baixote de outro com altura suficiente, que lhe deitasse a mão em caso de necessidade. E muitas vezes isso teve aplicação prática.
Olhando para a ínfima espécie de cais, onde mesmo assim o calado do navio de reduzidas dimensões que nos transportara, não permitia a acostagem, comecei a calcular qual seria o desnível entre as marés. Para aí uns quatro a cinco metros, pensei. Era isso mesmo. Mais metro, menos metro...
O complexo de Santa Luzia, conhecido por o Seiscentos
E assim, divagando e entretendo o tempo, lá chegou finalmente a minha hora de desembarque. Da mesma maneira que os demais, a bordo de uma pequena embarcação, lá fiz os metros que nos separavam da terra firme. E daí para dentro de uma viatura rumo ao Quartel-General, situado na altura no seiscentos como vulgarmente era conhecido o conjunto de aquartelamentos de Santa Luzia. Seiscentos porque fora aquele o número do primeiro Batalhão que o ocupara e para sempre lhe dera o nome.
A viagem até ao Quartel-General acabou por me trazer novas surpresas. A viatura, cujo trajecto normal seria subir a avenida principal que desembocava no largo onde se situava o palácio do Governador, virou dessa feita à direita e subiu uma avenida paralela daquela, que se iniciava junto ao rio e atravessava uma zona praticamente desabitada. Passamos por meia dúzia de tabancas e casas de pau a pique e entramos directamente pela zona do Quartel-General a dentro.
De tal modo aquilo foi, que quando perguntei candidamente onde era a cidade e me responderam que a já tínhamos passado, fiquei completamente estupefacto.
Já tínhamos passado a cidade!?
- Valha-me Deus! Aonde é que tinha ido parar! Se aquilo era Bissau como seria o resto!? Aquilo tudo começava a parecer-me muito pior do que o que tinha imaginado.
Embora mentalmente preparado para o que desse e viesse e pensando que, logicamente não poderia ser nada de bom, era a segunda vez, num curto espaço de tempo que sinceramente me espantava.
A 1ª Rep ou o primeiro contacto com a guerra do ar condicionado
Chegados ao Quartel-General, lá fomos encaminhados para a 1ª Repartição a fim de fazer as apresentações. Aos poucos, toda a gente que ia comigo foi sendo despachada e eu nem por isso...
Lá andava a minha guia de marcha às bolandas, de mão para mão... De vez em quando chegava um e cochichava alguma coisa ao ouvido do outro e olhavam para mim, o que me levava a pensar que era eu o objecto do cochicho. E iam embora...
Comecei, pois, a ficar preocupado... que raio de trapalhada teria eu feito!? Mas por mais que tentasse nada me ocorria.
Arrisquei a pergunta a um sargento que ali estava sentado a uma secretária.
- Oh! Nosso primeiro, o que é que se passa!?
- Não sei, meu Alferes. Não é nada comigo!
E o rapaz Rui lá se entreteve a olhar para os quadros da parede, controlo de efectivos existentes na província, Batalhões, recompletamentos, baixas por isto e por mais aquilo, etc. e tal... Até que não havia mais quadros para ver... E ninguém me ligava nenhuma! Qu'os pariu!!!...
Aquilo é que ia bonito! Mas, - pensava eu -, já não podem demorar muito mais, pois daqui a pouco são horas do almoço. E assim foi. Mais uma meia-hora e lá se chegou a mim um Tenente do serviço geral.
- Alferes Ferreira?
- Sou eu.
- Venha comigo ao nosso Tenente-Coronel Vilela.
E lá fui eu, a pensar que raio de mosca teria mordido naquela gente. Ninguém tinha tido a honra de ir à presença do chefe... Logo eu...
Rapidamente o assunto se esclareceu. Segundo o citado senhor Tenente-Coronel Vilela, chefe daquela repartição, superiormente alguém acima dele, havia decidido que, apesar de ser destinado à guarnição normal e portanto desde logo colocado no Centro de Instrução Militar de Bolama, teria de ir em diligência, provisoriamente, claro estava, para uma Companhia de Caçadores que infelizmente se encontrava bastante desfalcada em oficiais, pois tinha perdido duma assentada o Capitão e um dos Alferes, o que sendo quase cinquenta por cento do seu efectivo, era preocupante. Mas que não me preocupasse, pois os recompletamentos dos Oficiais em questão já estavam pedidos para a Metrópole, e assim, a situação além de transitória era uma questão de poucas semanas, talvez mesmo menos de um mês, unicamente o tempo da sua chegada à província.
Claro que nem valia a pena argumentar contra a lógica militar. Nem agora vale a pena, que fará naquele tempo... Podia, na realidade, ter referido que já fora mobilizado sem que fosse destinado a qualquer vaga efectiva. Poderia ter argumentado que a bordo do Manuel Alfredo tinham chegado mais alferes em rendição individual, mais modernos e portanto em condições idênticas à minha, para ocupar a vaga que ele considerava vital. Poderia ter dito fosse o que fosse, mas nem uma palavra me saiu da boca, o que, segundo me apercebi, além de ter espantado o referido senhor teve o condão de pôr ponto final na entrevista.(...).
Fonte: Rui Alexandrino Ferreira - Rumo a Fulacunda, . 2ª edição. Viseu: Palimage Editores. 2003. 69-73.
_____________
Notas de L. G.:
(1) Vd. último post da série Estórias de Bissau > 10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)
(2) Vd. de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 31 de março de 2007
sexta-feira, 30 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1638: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (5): Um abraço a um camarada comando
Texto do Torcato Mendonça:
Amílcar Mendes: dou-te um abraço de Camarada.
Tenho muito respeito pelos Comandos. Não interessa agora o porquê. Viveste fortemente, violentamente, situações, ainda jovem, que te marcaram e dificilmente esqueces. Como tu muitos de nós. Eu tentei esquecer durante muitos anos. Puro engano! O melhor, quanto a mim, é mandar cá para fora.
Este Blogue proporciona a todos nós fazermos essa terapia: lendo, escrevendo ou não, revivemos, recordamos e libertamos, em revolta por vezes, os recalcamentos há muito reprimidos.
Estamos entre Camaradas, entre amigos, entre homens unidos pela violência de uma guerra, que foram obrigados a participar numa parte da sua juventude. O que nos une é demasiado forte. Este espaço na Net é demasiado importante para muitos de nós.
Compreendo-te, Camarada, não recalques e manda cá para fora o que sentes… Sou mais velho, estive em 1968/69, havia violência mas… Guileje e Guidaje e os anos de 73/74 são marcos naquela guerra.
Quando escrevo a algum Camarada dou C/C ao nosso Comandante Luís Graça. Assim não quebro regras do Blogue. Foste Comando (continuas sempre Comando) e compreendes bem o que eu quero dizer.
Camarada, um abraço do
Torcato Mendonça
_______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 28 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1633: Guidaje na TVI: Um murro no estômago (A. Mendes, 38ª CCmds)
Amílcar Mendes: dou-te um abraço de Camarada.
Tenho muito respeito pelos Comandos. Não interessa agora o porquê. Viveste fortemente, violentamente, situações, ainda jovem, que te marcaram e dificilmente esqueces. Como tu muitos de nós. Eu tentei esquecer durante muitos anos. Puro engano! O melhor, quanto a mim, é mandar cá para fora.
Este Blogue proporciona a todos nós fazermos essa terapia: lendo, escrevendo ou não, revivemos, recordamos e libertamos, em revolta por vezes, os recalcamentos há muito reprimidos.
Estamos entre Camaradas, entre amigos, entre homens unidos pela violência de uma guerra, que foram obrigados a participar numa parte da sua juventude. O que nos une é demasiado forte. Este espaço na Net é demasiado importante para muitos de nós.
Compreendo-te, Camarada, não recalques e manda cá para fora o que sentes… Sou mais velho, estive em 1968/69, havia violência mas… Guileje e Guidaje e os anos de 73/74 são marcos naquela guerra.
Quando escrevo a algum Camarada dou C/C ao nosso Comandante Luís Graça. Assim não quebro regras do Blogue. Foste Comando (continuas sempre Comando) e compreendes bem o que eu quero dizer.
Camarada, um abraço do
Torcato Mendonça
_______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 28 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1633: Guidaje na TVI: Um murro no estômago (A. Mendes, 38ª CCmds)
Guiné 63/74 - P1637: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (40): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (2)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Regulado do Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1968 > O Alf Mil Beja Santos, rodeado das autoridades civis e religiosas de Missirá. "Uma recordação do dia grande do Ramadã". À sua direita, o velho régulo Malã Soncó , "sua aristocracia de turbante, a ostentação de suas vestes". À sua esquerda, "o bom Keban, expressão de um orgulho que não morre" e o padre Mané (...) o mais humilde do grupo, o grande conhecedor e intérprete do Corão, uma boa alma, feliz com nada que tem" (BS).
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
O Vice-almirante Avelino Teixeira da Mota (1920-1982), um dos oficiais da Marinha Portuguesa intelectualmente mais brilhantes do Séc. XX, cartógrafo de renome mundial, historiógrafo, grande amigo da Guiné e estudioso da suas gentes. É co-autor dessa obra-prima bibliográfica que é a Portugaliae Monumenta Cartographica.
Fonte: Revista da Armada (2002) (com a devida vénia...)
40ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado em 13 de Março de 2007.
Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (II parte)
por Beja Santos
Carta para o Comandante Avelino Teixeira da Mota (2)
Sr Comandante e meu bom amigo:
Fico muito contente em saber que lhe foram úteis as informações que aqui obtive sobre a presença em Missirá e no Cuor do Prof. Armando Zuzarte Cortesão, o outro autor da Portugaliae Monumenta Cartographica (3).
Ainda há lembranças do Prof Cortesão e tenho com pesar de lhe transmitir que a cama onde ele descansou e dormiu ficou reduzida a ferro queimado depois de uma pesada flagelação que aqui sofremos em 19 de Março. Creio já lhe ter dito que o régulo Malã Soncó me ofereceu a cama, bem ampla por sinal, tinha um colchão com barbas de milho que me dava um sono confortável.
Quanto a Infali Soncó (4), dou-lhe hoje conta do que pude obter. Não está sepultado em Missirá, aqui só temos o túmulo do seu filho Bacari. Ele está sepultado no cemitério de Sansão, onde viveu na velhice. Se tiver prazer nisso, vou lá com o régulo Malã (5) localizar o túmulo e fotografo. O último filho sobrevivente de Infali vive em Missirá e é Alage Soaré Soncó. Registo o que ele me disse sobre o seu pai.
Infali terá nascido por volta de 1870, em Berrocolom (6), no sector do Gabu. Com 19 anos, à frente de 100 cavaleiros e de mais de 500 soldados guerreiros apeados, conquista Cumpone, na região de Boké, ou seja na Guiné Conakri. Tal façanha grangeia-lhe a admiração dos mandingas, tendo sido convidado para régulo de Cumpone. Infali encontrou a forte hostilidade dos fulas e espreitou a primeira oportunidade de sair de Cumpone. Essa oportunidade veio a acontecer em 1894, quando o seu tio Calonandim Mané, régulo do Cossé, região de Bafatá, como sabe, e aliado dos portugueses, lhe pediu para invadir o chão do Cuor.
Sr. Comandante, os Mané vivem aqui com os Soncó, casam entre si e já me informaram que há Mané, no Cossé, ainda hoje. Não sei se este aspecto é curioso para si, mas Alagé Suaré Soncó disse-me que Porto Gole é uma forma de Porta do Cuor, no fundo a entrada do regulado do Cuor. Pretendia-se depor o régulo Sambel Nhatam, que tinha a sua fortaleza em Sansão (chamava-se Sam-Sam, perto de Gã Gémeos, já lá estive, restam umas paredes e nada mais. Era daí que partiam as hostilidades contra as embarcações portuguesas e cabo-verdianas que Sambel Nhatam atacava com ferocidade no rio Geba, entre Mato de Cão e Bambadinca (fique sabendo que é aí que vou todos os dias).
Infali aceitou combater ao lado de Calonandim Mané, ambos cercaram Sam-Sam com mais de 200 guerreiros armados de longas (canhagules) e azagaias, tendo Sambel Nhatam retirado. Foi nessa altura que as autoridades portuguesas se aperceberam das vantagens de uma aliança com estes guerreiros mandingas. Dito pelo filho, o Governador Alito de Magalhães (5) veio de Bolama e convidou Calonandim a aceitar o regulado do Cuor. Houve festas faustosas e compareceram os régulos de Mansoa e Mansabá.
Calonandim reinou cerca de 20 anos e foi morto numa batalha perto de Enxalé, terra de balantas. Com a aprovação das autoridades de Bolama, Infali sobe ao trono e vinga exemplarmente Calonandim, tendo corrido rios de sangue entre Enxalé e a Porta do Cuor. Infali foi condecorado em Geba, em 1914.
Tenho mais coisas para lhe contar acerca das lutas entre Infali e as autoridades portuguesas. Penso que vai escrever sobre este episódio da história da Guiné e gostaria de lhe ser útil, pelo que lhe peço instruções já que Alage Soare Soncó não é criança e foi o único membro da família Soncó que descobri saber o que se passou.
O meu quartel ardeu, perdi os meus livros e , infelizmente, as suas cartas. Se me puder ajudar, peço-lhe o favor de me oferecer mais livros. Fui castigado e não irei de férias. O Cinatti disse-me que provavelmente será colocado este ano em Bissau. Oxalá, assim os aerogramas farão uma menor distância e sei que me ofecerá as valiosas publicações do Centro de Estudos.
Agora o trabalho é muito duro, fazemos blocos de lama, substituimos todos o arame farpado, recontruímos casas e abrigos. Todos os dias se vai a Mato de Cão, a jornada de trabalho é entre as 6 e as 17, fora os patrulhamentos, as idas a Bambadinca e os reforços. Mas não quero aborrecê-lo com coisas da Infantaria... Receba a gratidão deste amigo sempre ao seu dispor e que gosta tanto de aprender coisas sobre a Guiné.
Carta para Luís Zagalo Matos
Estimado Luís Zagalo:
Obrigado pela sua carta. Li-a aos homens de Missirá, riam e batiam as palmas de contentamento por saber que não esqueceu este povo. Vou tirar fotografias e mandar-lhe. Tenho aqui um soldado que insistiu em contar-me as suas façanhas, ele estava de sentinela e durante horas ouvi falar de si, arrumando ideias sobre o princípio da guerra e o seu desenvolvimento até hoje.
Os meus soldados estavam em Enxalé ao tempo em que aqui havia uma companhia, a que V. pertencia. O pelotão 54 estava em Porto Gole, o 52 acabava de chegar a Enxalé. V. estava destacado em Missirá e fazia frequentemente o percurso com dois Unimogs e um jipe, reabastecia-se no Enxalé. Até ao dia em que uma mina anticarro mudou tudo, na curva de Canturé em ligação com a estrada ao pé de Gambana.
Este meu soldado, de nome Queta, contou-me que um furriel ficou tão despedaçado que foram buscar as pernas a uma árvore. Para este povo V. é um herói porque conhecia toda esta região, era destemido e amigo de ajudar. O Queta não é para intrigas, baixou a voz e disse-me "Nosso alfero, Zagalo ia a toda a parte mas tinha medo de ir ao Gambiel, pois naquela altura as tropas portuguesas abandonaram os quartéis em Mansomine e Joladu, só ficou Geba". Como não lhe quero tirar os méritos, estou inteiramente à sua disposição para o levar ao Gambiel, se este episódio for importante para que o seu nome se torne numa lenda.
Por aqui, chegou a minha vez de ter o quartel incendiado e de estar a viver as maiores dificuldades. Mas não vou incomodá-lo mais com esta guerra, fico feliz por saber que V. foi colega da Cristina. Como não irei a Portugal tão cedo, e se for possível ajudar-me peço-lhe que lhe telefone e lhe fale desta guerra, desdramatizando o que é possível desdramatizar.
Prometo mandar-lhe as fotografias em breve, não espero ir ao Enxalé mas vou mandar fotografias do Geba e dos palmeirais à hora do pôr do Sol. Se lhe for possível, na resposta mande-em uma fotografia sua para eu entregar ao régulo. Só fiquei triste em saber que V. nunca mais teve um sono completo e que tem pesadelos quando se lembra dos momentos trágicos que passou. Desejo que recupere e peço-lhe por tudo que me dê companhia, pois os amigos de Missirá meus amigos são. Até breve.
Carta para Cristina Allen
Meu Adorado Amor:
Recebi ontem duas cartas tuas com as boas notícias dos teus Hegel e Fichte. Sei que vais ter boa nota a Filosofia Contemporânea.
Aos poucos, o que estava morto e calcinado volta à vida. Veio cá o Capitão Neves para apreciar a construção dos abrigos, deu sugestões sobre as novas cubatas ficarem em ligação com os novos abrigos. Também o Capitão Gamito aqui aterrou para dar parecer, verificou que estava chegar material que tão generosamente nos facilitou.
É um vida extremamente dura mas os momentos de bom humor também existem. Apareceram aqui dois apontadores de morteiro 81, de uma esquadra de Bambadinca, dois tipos espantosos. Os pais são primos uns dos outros, padrinhos um dos outros, os dois foram no mesmo dia às sortes, namoram primas, fizeram a recruta e a especialidade juntos, forma mobilizados no mesmo dia, parecem irmãos siameses. Chegaram a Missirá e começaram a dar ordens ao Cherno, que tinham de ficar no mesmo abrigo do alferes, trouxeram uma enorme mala de folha e madeira onde se prepraravam para jogar interminavelmente às cartas. Ficaram chocados quando lhes disse que a especialidade deles era uma coisa do passado, aqui refaz-se um quartel, há patrulhamentos e reforços. O Furriel Pires chama-lhes As manas catatuas, comem juntos, vão juntos na patrulha, fazem reforço à mesma hora.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Regulado do Cuor > Finete > 1968 > O Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52, com sede em Missirá, também era o comandante do problemático pelotão de milícias de Finete.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Não posso esquecer-me que sou Comandante de Finete, onde neste momento tenho o problema disciplinar de Bazilo Soncó que comprovadamente fazia fraude nos pagamentos aos milícias. Já está a aguardar decisão superior de Bambadinca, entreguei o comando a Bacari Soncó que é apoiado pelo Furriel Sambajumba Cumbassar. Bacari ajuda-me imenso com os patrulhamentos à volta do Geba até Gã Joaquim, mas há instrução a dar aos novos milícias, tanto de morteiro 60 como de dilagrama. Reduzimos as aulas para as crianças e soldados, tal é o cansaço.
Esqueci-me de te dizer mas andamos a recuperar com palmeiras as pontes de Sansão, por onde passam os Unimogs a caminho de Canturé.
Não tenho nenhuma objecção a um casamento por procuração, mas questiono se é lícito da minha parte submeter-te a mais uma dura prova de casares comigo aqui na guerra. Sim, eu sei há muitos filmes e livros sobre situações como esta, vou reflectir e prometo dar-te uma resposta em breve.
Voltámos a acordar de madrugada com o barulho monumental de uma explosão para os lados de Morocunda [, a sudoeste de Missirá]. Creio que te disse que o Reis andou a armadilhar toda aquela região para travar os avanços da gente de Madina. Estive lá de manhã com o Cibo Indjai que pronto me indicou o motivo do rebentamento: um porco do mato farejou ali perto e detonou o engenho.
Desculpa hoje ser breve mas cabe-me ir para uma emboscada nocturna ao anoitecer. Amanhã vou dar-te notícias sobre o que ando a ler e que é muito bom: A Tentação do Ocidente, de Andre Malraux, um livro muito curioso que ele escreveu aos 22 anos, que é uma troca de correspondência entre um chinês que viaja pelo Europa e um francês que percorre o Extremo Oriente. É um confronto dos pontos de vista culturais, o francês é possuidor de conhecimentos de obra chinesas e o chinês tem conhecimentos livrescos da cultura ocidental.
Como eu gostaria de escrever como Malraux. Por exemplo: "A civilização não é de modo algum coisa social mas psicológica e só há uma verdadeira: a dos sentimentos". Diz o Chinês ao Ocidental: "O tempo para vós é aquilo que fazeis dele e nós somos o que ele faz de nós". E também: "Os jovens chineses que lêm os vossos livros ficam a princípio espantados com a vossa pretensão de compreender os sentimentos das mulheres. Além de tal esforço ser, na sua opinião, digno de desprezo, estaria necessariamente condenado ao insucesso". Que beleza, que ousadia.
Despeço-me cheio de saudades e recebe beijos que passam o oceano.
______
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1623: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (39): Cartas de além-mar em África para aquém-mar em Portugal (1)
(2) Avelino Teixeira da Mota (1920-1982): Vd. o excelente artigo de Carlos Manuel Valentim, S/Tenente (Comissão Cultural da Marinha) , publicado na Revista da Armada, nº 352, Abril de 2002: Avelino Teixeira da Mota, uma vida dividida entre a África e o Mar
(...) "A bordo do contra-torpedeiro Lima entre 21 de Setembro de 1944 e 3 de Abril de 1945, – depois de ter embarcado em vários navios: Dão, Vouga, Canhoneira Faro, Navio-escola Sagres, Afonso de Albuquerque – encontra novas oportunidades para expandir a sua pena. Nos Açores, onde se encontrava em comissão, surgem na imprensa periódica insular os seus primeiros artigos. Ao Comandante do navio, Sarmento Rodrigues, não passam desapercebidas as qualidades intelectuais do jovem oficial. Com efeito, quando Sarmento Rodrigues é nomeado para tomar conta do destino da Guiné Portuguesa, Teixeira da Mota é naturalmente convidado a integrar a sua equipa.
"Na Guiné muita coisa estava por fazer. Colónia pobre, irrequieta, entrincheirada entre os territórios da África Ocidental Francesa, necessitava de um amplo programa de reformas, que a administração, arguta e dinâmica, do Governador Sarmento Rodrigues [1945-1950] se encarregou de pôr em prática.
"Teixeira da Mota aceita de bom agrado os novos desafios e trabalha arduamente como ajudante de campo do Governador, acabando por descobrir verdadeiramente a África profunda, dos povos e das culturas tradicionais, da savana e da floresta.
"Para além de ser um dos principais obreiros, senão o principal, de toda a reforma cultural na Guiné Portuguesa, através da fundação do Centro de Estudos, do Boletim Cultural e da realização em 1946 das comemorações do Centenário do seu Descobrimento, ainda participa na realização da Segunda Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, que se reúne em Bissau no ano de 1947, e dirige um Inquérito Etnográfico, que tem como objectivo a edificação de uma nova carta humana e geográfica do território.
(...) "A problemática africana veio a incrustar-se no pensamento de Teixeira da Mota. Do gosto pela História e pela Geografia passara a interessar-se por ciências como a Antropologia, Etnografia ou Topografia.
"O seu estudo sobre A Descoberta da Guiné, que saiu em 1946 no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, agitou as águas da historiografia portuguesa, que nesses anos se debatia entre a tradição e a renovação. O conhecimento directo das populações e do meio geográfico, completado com a utilização de antigos textos, muitos até aí desaproveitados, deram ensejo ao emérito oficial da Armada de resolver o intricado problema da cronologia, e de todo o processo, que rodeou descobrimento da Guiné. O estudo mereceu fortes aplausos, de historiadores tão conceituados como Duarte Leite, Damião Peres ou Magalhães Godinho.
(...) "Em fins de 1947 Teixeira da Mota passou à Missão Geo-Hidrográfica da Guiné.
(...) "Se antes trabalhara no mato, num contacto intenso com as populações e o meio envolvente, agora navegava nos caudalosos rios da Guiné, sondando, erguendo torres hidrográficas, cartografando as costas e os litorais africanos.
(...) "Notado pela sua sabedoria e propensão para os estudos cartográficos é (...) convidado a colaborar com Armando Cortesão na preparação da edição da cartografia portuguesa antiga. O projecto era ambicioso. Podemos, ainda hoje, constatar a sua originalidade no panorama editorial português. As investigações vindas de trás, levadas a cabo por Teixeira da Mota foram desde logo aproveitadas para a tão aguardada obra - titulada Portugaliae Monumenta Cartographica - sair sem atrasos do prelo, em 1960, quando se comemorava o quinto centenário da morte do Infante D. Henrique.
(...) "Os anos 60 foram consagrados por completo ao ensino [na Escola Naval].
(...) "Em 1969, (...) após uma década votada ao ensino, Teixeira da Mota regressa à África para chefiar o Estado-Maior do Comando da Defesa Marítima da Guiné. Mas no continente negro tudo mudara. Muito do que tinha construído na sua juventude parecia agora desabar diante dos seus olhos, perante uma guerra atroz que se eternizava. Triste e desanimado, abandona a Guiné para ir chefiar o Estado-Maior do Comando Naval de Angola.
(...) "Avelino Teixeira da Mota veio a falecer no dia 1 de Abril de 1982. Pouco antes, é eleito Presidente da Academia de Marinha, uma das instituições que ajudou a erguer. Como reconhecimento dos serviços prestados ao País fora promovido por distinção, em Setembro de 1981, ao posto de Vice-Almirante. Em acumulação de funções militares e civis, este distintíssimo oficial de Marinha e notável historiador, deixou uma vasta obra, assente em criteriosos métodos científicos, ainda hoje, em muitos dos seus pontos actual" (Carlos Manuel Valentim).
(3) Cortesão, Armando; Mota, A. Teixeira da - Portugaliae Monumenta Cartographica, 6 vols, Lisboa, Comissão para a Comemoração do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1960-1962.
(4) Vd. post de 18 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P882: Infali Soncó e a lenda do Alferes Hermínio (Beja Santos)
(5) Vd. post de 3 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1021: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (4): A minha paixão pelo Cuor
(6) Não será Beracolom, a nordeste de Fajonquito ? (vd. carta de Colina do Norte).
(7) Não me parece ter havido nenhum Governdador da Guiné com este nome. Terá sido Albano Mendes de Magalhães Ramalho, que foi Governador entre 1898 e 1899 ?
Guiné 63/74 - P1636: Álbum das Glórias (10): Paunca, CCAÇ 11: Com o PAIGC, depois do 25 de Abril de 1974 (J. Casimiro Carvalho)
Guiné > Zona Leste > Gabu > Paunca > CCAÇ 11 > Pós-25 de Abril de 1974 > O Fur Mil Op Especiais disfarçado de cubano... No quico, ostenta um cartão com as insígnias do PAICG. No muro atrás pode ler-se uma improvisada inscrição: Viva o PAIGC... Foto do Álbum de fotografias do ex-Fur Mil Op Especiais Carvalho, confiado à guarda do editor do blogue.
Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.
Paunca fica(va) perto da fronteira do Senegal, a sudoeste de Pirada. A unidade de quadrícula, no final da guerra, era a CCAÇ 11. O nosso camarada Casimiro Carvalho já aqui contou como foram os seus últimos tempos de comissão, depois do inferno de Guileje e Gadamael, em Maio/Junho de 1973 (1):
(...)"Fomos para o Cumeré tirar outro IAO . Eu fui para Prabis com mais 12 homens, outros foram para Quinhamel ou Bijemita (??). Depois fomos para Colibuia-Cumbijã, e aí fui destacado para rendição individual, sendo transferido para Bissau a fim de tirar estágio de Companhias Africanas, e durante esse estágio deu-se o 25 de Abril.
"Fui então para Paunca, CCAÇ 11 – Os Lacraus, onde me mantive até ao fim da minha comissão. Não sem antes levar um susto de morte, pois os militares africanos da CCAÇ 11 sublevaram-se. Quando eu estava a dormir, ouvi tiros, vim em calções com a Walther à cintura até ao paiol. Quando lá cheguei, eles estavam a armar-se e a disparar para o ar e eu, quando os interrogava pelo motivo de tal, senti o cano de uma arma nas costas, ordenando-me que seguisse em frente (até gelei)… Juntaram todos os quadros brancos e puseram-nos no mato… assim mesmo!
"Caminhámos muito, de noite, desarmados, e fomos até um acampamento de guerrilheiros do PAIGC, contámos a situação e eles mandaram um punhado deles a Paunca. Gritaram então lá para dentro:- Têm 5 minutos para se entregaram e restituir o quartel aos brancos ou destruímos tudo!
Eles, os fulas, entregaram-se. No fim, já de abalada, fomos ao paiol, juntámos todas as granadas e explosivos, e eu fui encarregado de os fazer explodir , ao redor de uma enorme árvore. Que cogumelo de fogo, impagável !" (...).
____________
Nota de L.G.:
(1) 25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)
Sobre este série - Álbum das Glórias - , vd posts anteriores:
18 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1609: Álbum das Glórias (9): Pessoal da CART 3942 em Bolama (Joaquim Mexia Alves)
6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1568: Álbum das Glórias (8): Os Dráculas, CART 2410, Guileje (José Barros Rocha)
4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1492: O Álbum das Glórias (7): Eu, o Mário Soares, o grande cantautor de Coimbra, Luiz Goes, e o Spencer (António Pinto)
30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1473: O álbum das glórias (6): A 'dolce vita' de Bolama (Joaquim Mexia Alves, CART 3492)
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1096: O álbum das glórias (5): Futebol em Bambadinca, oficiais contra sargentos (Beja Santos)
15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1076: O álbum das glórias (Beja Santos) (4): eu e o coronel Cunha Ribeiro, o nosso 'major eléctrico'
15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1073: O álbum das glórias (Beja Santos) (3): A equipa de futebol de Missirá
13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1068: O álbum das glórias (Beja Santos) (2): Misérias e grandezas de Mamadu Camará
11 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1061: O álbum das glórias (Beja Santos) (1): Um brinde no bar de oficiais de Bambadinca
quinta-feira, 29 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1635: Amigos, enquando vos escrevo, bebo um Porto velho à nossa saúde (Abílio Machado, CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/72)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Lembras-te, Machado ? Esta era a rampa - inesquecível, poeirenta, de terra vermelha -, de acesso à entrada principal do aquartelamento, pelo lado leste (sentido Bafatá).... Ao fundo, o Rio Geba, o cais e o destacamento do Pelotão de Intendência. Do lado de lá do rio, a bolanha de Finete. E, do lado direito deste arruamento, já na curva, a loja e o bar do Zé Maria... A meio, do lado direito, a loja do Rendeiro... De um lado e de outro, espalhava-se a tabanca... Nós ficávamos cá em cima, num planalto que dominava a bolanha de Bambadinca... (LG)
Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
1. Mensagem do Abílio Machado, enviada ao António Levezinho, ao Humberto Reis, ao Gabriel Gonçalves e ao editor do blogue:
Meus amigos (nem grandes nem pequenos, amigos simplesmente):
Para vocês, as primeiras respostas (é curioso, não há aqui ninguém da CCS, é tudo CCAÇ 12).
Não esqueço o Fernandes e o madeirense [, o José de Sousa], mas não tenho o contacto deles (1).
Ainda não tive tempo de ver o blogue ou os sites do Henriques, para onde todos me convocam (Henriques, simplesmente, é que é e não Graça, nome doutoral que desconheço. O Divino Mestre tê-lo-á bafejado com a sua graça nas provas ?),mas a seu tempo lá irei.
Quero falar com cada um de vocês. É um pequeno exercício que quero fazer e que me dita o meu íntimo. E o meu remorso ? Talvez. Poderia há muito ter movido todos os esforços para vos contactar, mas não o fiz ...
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > Sargentos e furriéis da CCAÇ 12 (1969/71) e da CCS do BCAÇ 2852 (1968/70):
(i) da esquerda para a direita, na 1ª fila: o Jaime Soares Santos (Fur Mil SAM, vulgo vagomestre); António Eugéndio da Silva Lezinho, Fur Mil At Inf; António M. M. Branquinho, Fur Mil At Inf; Humberto Simões dos Reis, Fur Mil Op Esp; Joaquim A. M. Fernandes, Fur Mil At Inf) - todos eles pertencentes à CCAÇ 12;
(ii) da esquerda para a direita, 2ª fila, de pé: 2º sargento Inf José Martins Rosado Piça (CCAç 12); Fur Mil Armas Pesadas Inf Luís Manuel da Graça Henriques (ccaç 12); um 2º sargento, de cujo nome não me lembro; 1º Sargento Cav Fernando Aires Fragata (ccaç 12); Fur Mil Enfermeiro João Carreiro Martins (ccaç 12); e um outro 1º sargento de cujo nome também já não me lembro mas que julgo ser da CCS do BCAÇ 2852... (LG)
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Nem ingratidão, nem desinteresse, nem desleixo ... a vida tout court,que me fez (a todos nós, quem sabe) muitas vezes desviar de quem estimava.
Da guerra, com que nunca concordei, como sabem, guardo para mim as recordações que não pude apagar; e parece que nelas envolvi os meus próprios amigos: não os apaguei (não poderia!), mas guardei-os (guardei-os , sim!) com um afecto interior e uma discrição que,não fossem eles verdadeiros, teriam sido levados pelo olvido. Não foram ,nunca foram.
Em 2005, quando me desvinculei da empresa onde trabalhei, lancei-me a pôr em ordem os meus papéis. Ao organizar as fotos, lá está o que vocês eram (e são), a recordar-me uma vida que vivi, mas que parece quis manter em latência, como um baú velho onde guardamos as lembranças de família. Nem as minhas filhas sabem da missa a metade .
(Enquanto escrevo, bebo à nossa saúde um velho Porto!).
Pus de lado, outro dia, um slide em que o Humberto e a esposa [, a Teresa,] (como eles eram jovens!) posam na varanda da casa (vetusta casa) dos meus pais. E conservo ainda um cartão teu, meu sacana!
Do Levezinho e do Gabriel (2), o jeito malandro dos malandros de Lisboa. Quase como o Chico Buarque diz dos malandros do Rio! Óculos Ray-Ban, a postura displicente, o ar jingão ... na aparência. (Estou a falar das fotos! Ponho mais um pouco de Porto).
Do Henriques, a célebre noite (e negra noite ! - eu era amigo do Cunha, porra!) em que o grito "Assassinos! Assassinos!" ecoou e fez emudecer a parada de Bambadinca! (3).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Nhabijões > 1970 > Pessoal da CCAÇ 12, destacada no reordenamento de Nhabijões. O furriel José Sousa, madeirense, é o primeiro da direita, seguido dos furriéis Reis e Henriques. O tocador de acordeão era o nosso 1º cabo escriturário, se não me engano.
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Do Puim (ainda é do vosso tempo?), a manhã em que, avisado não sei por quem, entro no seu quarto e vejo a PIDE a vasculhar gavetas e esconderijos, como se ele tivesse assaltado o cofre da Batalhão.
Tudo por uma homília do dia 1 de Janeiro [de 1971], dia da Paz. Mas não se fala de paz em guerra, Puim! Não sabias? Sabias, mas não quiseste saber. Corisco açoreano ! E o sargento Brito. E o sargento Piça. Falaremos sobre todos depois.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > O Padre Puim, capelão militar, de origem açoriana, com o furriel Guimarães da CART 2716. Devido às suas homilias, este capelão teve problemas com a PIDE/DGS, acabando por ser expulso do Exército, tal como outros (o caso talvez mais famoso foi o do Padre Mário da Lixa, membro da nossa tertúlia).
Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados
O meu pós-guerra ?
Em resumo: empreguei-me em 1973 como Delegado de Propaganda Médica. Labutei 12 anos de pasta na mão (em empresas italiana e americana ). Chefiei o sector Norte, 2 anos. Passei a Chefe Nacional de Vendas durante 6 anos. Retomei o controle do sector Norte. E, no fim de 2004, a BMS (Bristol-Myers Squibb) honrou-me com uma desvinculação por mútuo acordo. Aguardo em Junho próximo a passagem à reforma .
Como hobbies, muitas coisas. A principal, o grupo de música tradicional que fundei, Toque de Caixa (é verdade, Gabriel, a televisão) e que preencheu boa parte da minha vida .CD's, concertos, países, enfim...uma vida cheia ! Não me arrependo.
Quanto ao resto, como diz a Elis Regina: casei...descasei...investi...desisti ... De facto, Humberto e Levezinho, já não estou com a Lua. Eclipsei, mas somos bons amigos.Temos duas filhas (Josina e Rita) e duas netas (Raquel e Renata - 4 anos e sete meses).
A minha morada é: R. Ana da Fonte ,74 - Gueifães 4470-495 Maia e o telelé é o 917822171. Não perdoarei agora a nenhum de vocês que, se vierem ao Porto, não me contactem. Quer eu quer a minha nova companheira podemos receber-vos com alguma comodidade. Não há portanto desculpas.
Por hoje chega. Acabou-se o Porto.
Um grande abraço a todos
Abílio Machado
2. Comentário de L.G.:
Querido amigo e camarada Machado:
Esta manhã tive a felicidade de ouvir a tua voz, à distância de 36 anos ... Convivemos intensamente durante os 8 ou 9 meses que estivemos juntos em Bambadinca, no 2º semestre de 1970 e nos dois primeiros meses de 1971...
Tínhamos afinidades que nos aproximaram, a começar - falo por mim - pela nossa atitude face à guerra colonial e e ao regime político vigente em Portugal... Por outro lado, tu eras um homem afável, minhoto, porreiro, correcto, culto, generoso, solidário, com valores, com princípios, que rapidamente foi aceite pela malta da CCAÇ 12 - o Reis, o Levezinho, o Fernandes, o Sousa, o Gonçalves, o Martins, o Abel Rodrigues, só para citar alguns dos que já hoje fazem parte deste blogue... Malta que, nas horas vagas entre duas operações, gostava de ficar até altas horas da noite a beber o seu copo, a tabaquear o seu caso, a dar o seu dedo de conversa, a jogar a sua lerpa, a dedilhar a sua viola, a cantarolar as suas baladas de Bambadinca... E tu eras um dos baladeiros!... Agora percebo melhor o teu projecto, o Toque de Caixa, o regresso às origens... Que gratas recordações tenho destas noitadas, em que carregávamos baterias para a luta pela sobrevivência no dia seguinte...
O Levezinho e o Reis, com quem mantive o contacto nestes anos todos, falaram depois de ti e da tua Lua - tua companheira de então e mãe das tuas filhas - numa memorável visita que te fizeram em 1973, na tua terra natal, Riba d'Ave... Fiquei sempre com uma pontinha de inveja deles (e delas, a Teresa e a Isabel) e sobretudo com o secreto desejo de te voltar a rever e abraçar, o que irá de certo acontecer um belo dia destes, já que estamos vivos da costa e tu vives perto do Porto, cidade aonde vou com frequência e onde também já temos uma minitertúlia... O mais importante foi, graças ao GPS do Benjamim Durães, ex-furriel da tua CCS, tirar-te o azimute, saber do teu paradeiro (4)... Pelo teu lado, vejo que agora passas também a ter mais disponibilidade para uma eventual escapadela ao sul, à terra destes mouros... Quem sabe se não poderemos encontrar-nos já na próxima semana, no Porto, ou no próximo encontro da nossa tertúlia, no Pombal, lá para finais e Abril...
Não quero monopolizar a sessão de boas vindas... Vou-te deixar com o prazer da visita e da descoberta deste blogue (que ainda não conheces e cujo conteúdo - imagens e textos - é capaz de te surpreender e emocionar)...
Até à próxima. Aquele abraço. Retribuo-te o Porto com a minha bagaceira de vinho verde... Como te disse ao telefone, pela via matrimonial, acabei por encontrar uma segunda terra, lá para as bandas de Entre Douro e Minho... Podes dar uma espreitadela ao sítio A Nossa Quinta de Candoz (que infelizmente não é actualizado há um ano, porque não se pode estar em todo o lado)...
Afectuosamente, Henriques.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 8 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P945: 'Gente feliz com lágrimas': o Zé da Ilha, o furriel Sousa, madeirense, da CCAÇ 12
(2) Gabriel Gonçalves (ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71):
Vd. posts de:
2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1485: Bambadinca revisitada... ou os azares de um operador cripto em fim de carreira (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12)
26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1464: Oficiais, sargentos e praças: tropa é tropa, uísque é uísque (Gabriel Gonçalves / Luís Graça)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1377: CCAÇ 2590/CCAÇ 12: Apresenta-se o 1º Cabo Operador Cripto Gabriel Gonçalves
(3) Vd. outros posts com malta da CCAÇ 12, a título meramente indicativo:
13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)
24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1315: Fazer anos no mato: os azares do meu amigo Tony Levezinho (Luís Graça)
30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1131: Um dia (feliz) na ponte do Rio Udunduma, com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Luís Graça)
9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)
17 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVI: De Lisboa para o Xitole, com amor (Humberto Reis)
20 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CXCVIII: Recordar é viver ou...a memória de elefante do Humberto Reis (Humberto Reis / Luís Graça / António Levezinho)
(4) Vd. posts de:
28 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1631: À amizade (Abílio Machado, CCS do BART 2917/ Humberto Reis, CCAÇ 12)
21 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1618: Tertúlia: Benjamim Durães, ex-furriel mil da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)
15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)
14 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1525: Tertúlia: Durães, Vinagre & Cª Lda, do BART 2917 (Humberto Reis)
13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1520: Bambadinca, CCS do BART 2917: Alferes Abílo Ferreira Machado, o Bilocas da Cooperativa (Humberto Reis)
Foto do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
1. Mensagem do Abílio Machado, enviada ao António Levezinho, ao Humberto Reis, ao Gabriel Gonçalves e ao editor do blogue:
Meus amigos (nem grandes nem pequenos, amigos simplesmente):
Para vocês, as primeiras respostas (é curioso, não há aqui ninguém da CCS, é tudo CCAÇ 12).
Não esqueço o Fernandes e o madeirense [, o José de Sousa], mas não tenho o contacto deles (1).
Ainda não tive tempo de ver o blogue ou os sites do Henriques, para onde todos me convocam (Henriques, simplesmente, é que é e não Graça, nome doutoral que desconheço. O Divino Mestre tê-lo-á bafejado com a sua graça nas provas ?),mas a seu tempo lá irei.
Quero falar com cada um de vocês. É um pequeno exercício que quero fazer e que me dita o meu íntimo. E o meu remorso ? Talvez. Poderia há muito ter movido todos os esforços para vos contactar, mas não o fiz ...
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > Sargentos e furriéis da CCAÇ 12 (1969/71) e da CCS do BCAÇ 2852 (1968/70):
(i) da esquerda para a direita, na 1ª fila: o Jaime Soares Santos (Fur Mil SAM, vulgo vagomestre); António Eugéndio da Silva Lezinho, Fur Mil At Inf; António M. M. Branquinho, Fur Mil At Inf; Humberto Simões dos Reis, Fur Mil Op Esp; Joaquim A. M. Fernandes, Fur Mil At Inf) - todos eles pertencentes à CCAÇ 12;
(ii) da esquerda para a direita, 2ª fila, de pé: 2º sargento Inf José Martins Rosado Piça (CCAç 12); Fur Mil Armas Pesadas Inf Luís Manuel da Graça Henriques (ccaç 12); um 2º sargento, de cujo nome não me lembro; 1º Sargento Cav Fernando Aires Fragata (ccaç 12); Fur Mil Enfermeiro João Carreiro Martins (ccaç 12); e um outro 1º sargento de cujo nome também já não me lembro mas que julgo ser da CCS do BCAÇ 2852... (LG)
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Nem ingratidão, nem desinteresse, nem desleixo ... a vida tout court,que me fez (a todos nós, quem sabe) muitas vezes desviar de quem estimava.
Da guerra, com que nunca concordei, como sabem, guardo para mim as recordações que não pude apagar; e parece que nelas envolvi os meus próprios amigos: não os apaguei (não poderia!), mas guardei-os (guardei-os , sim!) com um afecto interior e uma discrição que,não fossem eles verdadeiros, teriam sido levados pelo olvido. Não foram ,nunca foram.
Em 2005, quando me desvinculei da empresa onde trabalhei, lancei-me a pôr em ordem os meus papéis. Ao organizar as fotos, lá está o que vocês eram (e são), a recordar-me uma vida que vivi, mas que parece quis manter em latência, como um baú velho onde guardamos as lembranças de família. Nem as minhas filhas sabem da missa a metade .
(Enquanto escrevo, bebo à nossa saúde um velho Porto!).
Pus de lado, outro dia, um slide em que o Humberto e a esposa [, a Teresa,] (como eles eram jovens!) posam na varanda da casa (vetusta casa) dos meus pais. E conservo ainda um cartão teu, meu sacana!
Do Levezinho e do Gabriel (2), o jeito malandro dos malandros de Lisboa. Quase como o Chico Buarque diz dos malandros do Rio! Óculos Ray-Ban, a postura displicente, o ar jingão ... na aparência. (Estou a falar das fotos! Ponho mais um pouco de Porto).
Do Henriques, a célebre noite (e negra noite ! - eu era amigo do Cunha, porra!) em que o grito "Assassinos! Assassinos!" ecoou e fez emudecer a parada de Bambadinca! (3).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Nhabijões > 1970 > Pessoal da CCAÇ 12, destacada no reordenamento de Nhabijões. O furriel José Sousa, madeirense, é o primeiro da direita, seguido dos furriéis Reis e Henriques. O tocador de acordeão era o nosso 1º cabo escriturário, se não me engano.
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Do Puim (ainda é do vosso tempo?), a manhã em que, avisado não sei por quem, entro no seu quarto e vejo a PIDE a vasculhar gavetas e esconderijos, como se ele tivesse assaltado o cofre da Batalhão.
Tudo por uma homília do dia 1 de Janeiro [de 1971], dia da Paz. Mas não se fala de paz em guerra, Puim! Não sabias? Sabias, mas não quiseste saber. Corisco açoreano ! E o sargento Brito. E o sargento Piça. Falaremos sobre todos depois.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > O Padre Puim, capelão militar, de origem açoriana, com o furriel Guimarães da CART 2716. Devido às suas homilias, este capelão teve problemas com a PIDE/DGS, acabando por ser expulso do Exército, tal como outros (o caso talvez mais famoso foi o do Padre Mário da Lixa, membro da nossa tertúlia).
Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados
O meu pós-guerra ?
Em resumo: empreguei-me em 1973 como Delegado de Propaganda Médica. Labutei 12 anos de pasta na mão (em empresas italiana e americana ). Chefiei o sector Norte, 2 anos. Passei a Chefe Nacional de Vendas durante 6 anos. Retomei o controle do sector Norte. E, no fim de 2004, a BMS (Bristol-Myers Squibb) honrou-me com uma desvinculação por mútuo acordo. Aguardo em Junho próximo a passagem à reforma .
Como hobbies, muitas coisas. A principal, o grupo de música tradicional que fundei, Toque de Caixa (é verdade, Gabriel, a televisão) e que preencheu boa parte da minha vida .CD's, concertos, países, enfim...uma vida cheia ! Não me arrependo.
Quanto ao resto, como diz a Elis Regina: casei...descasei...investi...desisti ... De facto, Humberto e Levezinho, já não estou com a Lua. Eclipsei, mas somos bons amigos.Temos duas filhas (Josina e Rita) e duas netas (Raquel e Renata - 4 anos e sete meses).
A minha morada é: R. Ana da Fonte ,74 - Gueifães 4470-495 Maia e o telelé é o 917822171. Não perdoarei agora a nenhum de vocês que, se vierem ao Porto, não me contactem. Quer eu quer a minha nova companheira podemos receber-vos com alguma comodidade. Não há portanto desculpas.
Por hoje chega. Acabou-se o Porto.
Um grande abraço a todos
Abílio Machado
2. Comentário de L.G.:
Querido amigo e camarada Machado:
Esta manhã tive a felicidade de ouvir a tua voz, à distância de 36 anos ... Convivemos intensamente durante os 8 ou 9 meses que estivemos juntos em Bambadinca, no 2º semestre de 1970 e nos dois primeiros meses de 1971...
Tínhamos afinidades que nos aproximaram, a começar - falo por mim - pela nossa atitude face à guerra colonial e e ao regime político vigente em Portugal... Por outro lado, tu eras um homem afável, minhoto, porreiro, correcto, culto, generoso, solidário, com valores, com princípios, que rapidamente foi aceite pela malta da CCAÇ 12 - o Reis, o Levezinho, o Fernandes, o Sousa, o Gonçalves, o Martins, o Abel Rodrigues, só para citar alguns dos que já hoje fazem parte deste blogue... Malta que, nas horas vagas entre duas operações, gostava de ficar até altas horas da noite a beber o seu copo, a tabaquear o seu caso, a dar o seu dedo de conversa, a jogar a sua lerpa, a dedilhar a sua viola, a cantarolar as suas baladas de Bambadinca... E tu eras um dos baladeiros!... Agora percebo melhor o teu projecto, o Toque de Caixa, o regresso às origens... Que gratas recordações tenho destas noitadas, em que carregávamos baterias para a luta pela sobrevivência no dia seguinte...
O Levezinho e o Reis, com quem mantive o contacto nestes anos todos, falaram depois de ti e da tua Lua - tua companheira de então e mãe das tuas filhas - numa memorável visita que te fizeram em 1973, na tua terra natal, Riba d'Ave... Fiquei sempre com uma pontinha de inveja deles (e delas, a Teresa e a Isabel) e sobretudo com o secreto desejo de te voltar a rever e abraçar, o que irá de certo acontecer um belo dia destes, já que estamos vivos da costa e tu vives perto do Porto, cidade aonde vou com frequência e onde também já temos uma minitertúlia... O mais importante foi, graças ao GPS do Benjamim Durães, ex-furriel da tua CCS, tirar-te o azimute, saber do teu paradeiro (4)... Pelo teu lado, vejo que agora passas também a ter mais disponibilidade para uma eventual escapadela ao sul, à terra destes mouros... Quem sabe se não poderemos encontrar-nos já na próxima semana, no Porto, ou no próximo encontro da nossa tertúlia, no Pombal, lá para finais e Abril...
Não quero monopolizar a sessão de boas vindas... Vou-te deixar com o prazer da visita e da descoberta deste blogue (que ainda não conheces e cujo conteúdo - imagens e textos - é capaz de te surpreender e emocionar)...
Até à próxima. Aquele abraço. Retribuo-te o Porto com a minha bagaceira de vinho verde... Como te disse ao telefone, pela via matrimonial, acabei por encontrar uma segunda terra, lá para as bandas de Entre Douro e Minho... Podes dar uma espreitadela ao sítio A Nossa Quinta de Candoz (que infelizmente não é actualizado há um ano, porque não se pode estar em todo o lado)...
Afectuosamente, Henriques.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 8 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P945: 'Gente feliz com lágrimas': o Zé da Ilha, o furriel Sousa, madeirense, da CCAÇ 12
(2) Gabriel Gonçalves (ex-1º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71):
Vd. posts de:
2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1485: Bambadinca revisitada... ou os azares de um operador cripto em fim de carreira (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12)
26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1464: Oficiais, sargentos e praças: tropa é tropa, uísque é uísque (Gabriel Gonçalves / Luís Graça)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1377: CCAÇ 2590/CCAÇ 12: Apresenta-se o 1º Cabo Operador Cripto Gabriel Gonçalves
(3) Vd. outros posts com malta da CCAÇ 12, a título meramente indicativo:
13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1366: A galeria dos meus heróis (6): Por este rio acima, com o Bolha d'Água, o Furriel Enfermeiro Martins (Luís Graça)
24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1315: Fazer anos no mato: os azares do meu amigo Tony Levezinho (Luís Graça)
30 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1131: Um dia (feliz) na ponte do Rio Udunduma, com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Luís Graça)
9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)
17 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVI: De Lisboa para o Xitole, com amor (Humberto Reis)
20 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CXCVIII: Recordar é viver ou...a memória de elefante do Humberto Reis (Humberto Reis / Luís Graça / António Levezinho)
(4) Vd. posts de:
28 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1631: À amizade (Abílio Machado, CCS do BART 2917/ Humberto Reis, CCAÇ 12)
21 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1618: Tertúlia: Benjamim Durães, ex-furriel mil da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)
15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)
14 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1525: Tertúlia: Durães, Vinagre & Cª Lda, do BART 2917 (Humberto Reis)
13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1520: Bambadinca, CCS do BART 2917: Alferes Abílo Ferreira Machado, o Bilocas da Cooperativa (Humberto Reis)
Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez
Guiné > Região de Tombali > Catió > Álbum fotográfico de Vitor Condeço (ex-Furriel Mil, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) > Catió, Porto Interior > 1967> Foto 02
"Lancha do Cachil LP2, em manobra de atracação ao cais do porto interior de Catió no rio Cadime. Neste dia [11 de Julho de 1967] os passageiros eram um pelotão da CAART 1687 em trânsito do Cachil para Cufar, onde renderia por troca outro pelotão da CCAÇ 1621, concluindo-se assim a troca das companhias".
Foto e legenda: © Vítor Condeço (2007). Direitos reservados.
X (e penúltima) Parte das memórias de Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Como, Cachil, Catió, 1964/66) (1).
2.15. O dia final do alferes Sasso
As densas matas do Cantanhez (2), só de ouvir o seu nome, causavam calafrios aos mais corajosos… Aí, se acoitava uma forte concentração de casas mansas, uns verdadeiros fortins inexpugnáveis, mesmo à força da intensa metralha de artilharia.
Podia dizer-se que ali se encontrava o quartel general, inimigo, da zona sul da Guiné.
De lá saíam expedições constantes de grupos a espalhar a insegurança por todos os nossos aquartelamentos, quer por emboscadas quer por ataques às unidades isoladas.
Além disso, controlavam uma população nativa muito numerosa que, voluntariamente ou não, trabalhava os campos, fonte principal do seu abastecimento.
Por todas estas razões tornou-se premente efectuar uma grande operação que desagregasse aquele bastião. Foi o que se pretendeu com a Operação Tornado.
Os três batalhões sitiados no sul, com as unidades de artilharia e cavalaria, mais um grupo de fuzileiros e uma LDM, ajudados pela força aérea, ficaram responsáveis por esse objectivo.
A CCAÇ 728, aproveitando a maré-cheia, saíu, à noitinha, do cais de Catió a bordo de uma LDM; atravessou o estuário do Cacine e foi deixada, nas primeiras horas da madrugada, algures, em terra firme, do território inimigo.
Todo o cuidado era pouco. Tocou ao meu pelotão seguir à frente, logo depois do destemido grupo indígena do João Bacar Jaló (3).
Caminhou-se toda a noite; quando o dia começava a querer alvorecer, estávamos a atravessar a zona, crítica, de Dar es Salam [na carta de Cacine, Darsalam]. De repente, alguns tiros caíram sobre o pelotão que seguia na cauda da fila, comandado pelo alferes Sasso.
A resposta foi pronta e, depressa, tudo se calou. À frente, nada se tinha passado.
Só quando o dia nasceu e um helicóptero chegou, tivemos conhecimento de que o Mário Sasso tinha sido atingido com um tiro nas costas que lhe vasou o pulmão e coração. A esperança de sobreviver era pouca… e assim foi.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)
11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha ~
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo
11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar
1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG
20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
(2) Sobre o Cantanhez (terminação em ez, e não em ês, de acordo com os nossos cartógrafos militares), vd. os seguintes posts:
11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1583: Sons e emoções: o Cantanhez e o Dari, a terra ardente e vermelha, a gente boa (Torcato Mendonça / Zé Teixeira)
8 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1575: A TSF no Cantanhez, com uma equipa de cientistas portugueses, em busca do Dari, o chimpanzé (Luís Graça / José Martins)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
(3) Futuro capitão graduado comando, natural da Guiné, comandante da 1ª Companhia de Comandos Africanos. Morrerá em combate em 16 de Abril de 1971.
quarta-feira, 28 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1633: Guidaje na TVI: Um murro no estômago (A. Mendes, 38ª CCmds)
Guiné > Região do Cacheu > 38ª CCmds (2º e 4º Gr Comb) > Maio de 1973 > Coluna logística a caminho de Guidaje, em que participou o 1º cabo comando Mendes... Na foto, uma vista (desolada) da bolanha do Cufeu, com destroços de viaturas... e cadáveres em decomposição, pasto dos jagudis...
Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.
Mensagem do ex-1º Cabo Comando da 38ª CCmds, A. Mendes (Guiné, 1972/74):
Pronto, o que que queres, Luís, ele há coisas que nem lembram ao diabo! Há merdas em que não se devia mexer, mas pronto, os mortos que lá ficaram mereciam este revisitar. Levei um soco no estomâgo, enjoei, chorei e revivi (1).
Victor, não te perdo o teres-me levado de volta ao maior flagelo da minha vida e, sabes que mais, pelo que vi nas imagens, na zona, no cemitério do Cufeu, jamais alguém vai pensar que eu ali olhei o maior amontoado (desculpem o termo) de cadáderes em decomposição e que por imperativos operacionais (que Deus me perdoe) ali iriam descer à terra ((2).
E até que alguém me prove o contrário, as urnas empilhadas em Binta, prontas a seguir para a Metrópole, estavam vazias e eu sei porque dormi no armazém ao lado delas.
As noites mal dormidas, o stress, a angústia, o sentimento de culpa do calar tem um nome: GUIDAJE!
Um abraço a todos os tertulianos.
A. Mendes
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)
(2) Vd. posts de:
27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje
24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...
24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1207: Guidaje, Maio/Junho de 1973: a 38ª CCmds, na História da Unidade (A. Mendes)
Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.
Mensagem do ex-1º Cabo Comando da 38ª CCmds, A. Mendes (Guiné, 1972/74):
Pronto, o que que queres, Luís, ele há coisas que nem lembram ao diabo! Há merdas em que não se devia mexer, mas pronto, os mortos que lá ficaram mereciam este revisitar. Levei um soco no estomâgo, enjoei, chorei e revivi (1).
Victor, não te perdo o teres-me levado de volta ao maior flagelo da minha vida e, sabes que mais, pelo que vi nas imagens, na zona, no cemitério do Cufeu, jamais alguém vai pensar que eu ali olhei o maior amontoado (desculpem o termo) de cadáderes em decomposição e que por imperativos operacionais (que Deus me perdoe) ali iriam descer à terra ((2).
E até que alguém me prove o contrário, as urnas empilhadas em Binta, prontas a seguir para a Metrópole, estavam vazias e eu sei porque dormi no armazém ao lado delas.
As noites mal dormidas, o stress, a angústia, o sentimento de culpa do calar tem um nome: GUIDAJE!
Um abraço a todos os tertulianos.
A. Mendes
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)
(2) Vd. posts de:
27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje
24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...
24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1207: Guidaje, Maio/Junho de 1973: a 38ª CCmds, na História da Unidade (A. Mendes)
Guiné 63/74 - P1632: Guidaje: Parabéns à TVI, ao Vitor Tavares e ao nosso blogue (Albano Costa)
Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Novembro de 2000 > O regresso a Guidaje e arredores, vinte e sete anos depois. Na foto, a bolanga de Cuifeu. O Albano Costa pertenceu à CCAÇ 4150 (que foi para Guidaje depois dos trágicos acontecimentos de Maio/Junho de 1973). Esteve lá oito meses, até ao fim da guerra.
Foto e legenda: © Albano Costa (2006). Direitos reservados.
Caro Luís Graça:
Estive pregado à TVI a ver a reportagem sobre os mortos que ainda hoje estão enterrados em Guidaje, um cemitério improvisado para enterrar os mortos (e foram muitos), o que aconteceu na altura do fatídico mês de Maio de 73, em resultado da ofensiva das tropas do PAIGC (1).
Dou os meus parabéns à TVI, pela reportagem, que veio trazer para a ordem do dia os mortos que ficaram no Ultramar, e ao Vítor Tavares, paraquedista, que estava lá, na altura, e se disponibilizou agora, passado estes anos todos, para contar o sucedido - foi um acto de muita coragem (2).
Fiquei um pouco paralizado ao ver a reportagem, embora para mim não fosse novidade, tudo o que vi na reportagem, eu sabia como as coisas estavam, e em que condições. Quando lá estive em Novembro de 2000, o local realmente estava com plantações. Mas quando se falam de coisas com uma carga de sentimento muito grande, isso mexe sempre com qualquer mortal.
Eu, a seguir à reportagem, fui vaguear um pouco sozinho sempre com Guidaje no meu pensamento. Tudo veio à minha mente. Quando deixámos Guidaje, em 1974, eu sabia que os corpos iam lá ficar, pensei sempre que um dia os iriam buscar, visto que se não o fizessem eles iriam, como veio a acontecer, ficar esquecidos, a não ser pelos seus familiares e por todos os que sabiam que lá estavam.
Mas, na reportagem que foi transmitida, eu fiquei muito triste, porque pensei muito nos familiares dos outros cinco portugueses que lá ficaram e de quem não se falou. O Vítor já me disse que falou também nos cinco mortos do exército que também tombaram na mesma guerra, a reportagem é que só falou nos paraquedistas. Quem viu, e não sabe, ficou com a ideia que só morreram os três paraquedistas, e não foi verdade, morreram muitos mais: só lá ficaram foi oito portugueses.
Tive a garantia que iriam trazer todos, e ainda bem, espero que o Estado através dos organismos responsáveis agora façam a sua obrigação e devolvam os corpos às suas famílias, já não basta a dor de perder um filho, ainda vir, a partir desta reportagem, saber em que condições eles se encontram. Faço um apelo, não castiguem mais, devolvam os corpos aos seus familiares.
Luís Graça (e o Blogue que tu tão bem comandas), tiveste no Vítor Tavares um grande representante, está mais um vez de parabéns. O blogue veio mexer com muitas mentes, assim como trazer para a ribalta estes acontecimentos que foram reais. Há muito boa gente que ainda faz ouvidos moucos, o que é pena.
Um abraço, Albano Costa
2. Comentário de L.G.: Albano, obrigado pela tua manifestação de solidariedade, sensibilidade e apoio. Bem o podes dizer: tivemos no Victor Tavares um lídimo e valente representante do NOSSO blogue...
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)
(2) Vd. posts de:
20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1616: O meu regresso a Guidaje (Victor Tavares, CCP 121)
25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto
9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida
Foto e legenda: © Albano Costa (2006). Direitos reservados.
Caro Luís Graça:
Estive pregado à TVI a ver a reportagem sobre os mortos que ainda hoje estão enterrados em Guidaje, um cemitério improvisado para enterrar os mortos (e foram muitos), o que aconteceu na altura do fatídico mês de Maio de 73, em resultado da ofensiva das tropas do PAIGC (1).
Dou os meus parabéns à TVI, pela reportagem, que veio trazer para a ordem do dia os mortos que ficaram no Ultramar, e ao Vítor Tavares, paraquedista, que estava lá, na altura, e se disponibilizou agora, passado estes anos todos, para contar o sucedido - foi um acto de muita coragem (2).
Fiquei um pouco paralizado ao ver a reportagem, embora para mim não fosse novidade, tudo o que vi na reportagem, eu sabia como as coisas estavam, e em que condições. Quando lá estive em Novembro de 2000, o local realmente estava com plantações. Mas quando se falam de coisas com uma carga de sentimento muito grande, isso mexe sempre com qualquer mortal.
Eu, a seguir à reportagem, fui vaguear um pouco sozinho sempre com Guidaje no meu pensamento. Tudo veio à minha mente. Quando deixámos Guidaje, em 1974, eu sabia que os corpos iam lá ficar, pensei sempre que um dia os iriam buscar, visto que se não o fizessem eles iriam, como veio a acontecer, ficar esquecidos, a não ser pelos seus familiares e por todos os que sabiam que lá estavam.
Mas, na reportagem que foi transmitida, eu fiquei muito triste, porque pensei muito nos familiares dos outros cinco portugueses que lá ficaram e de quem não se falou. O Vítor já me disse que falou também nos cinco mortos do exército que também tombaram na mesma guerra, a reportagem é que só falou nos paraquedistas. Quem viu, e não sabe, ficou com a ideia que só morreram os três paraquedistas, e não foi verdade, morreram muitos mais: só lá ficaram foi oito portugueses.
Tive a garantia que iriam trazer todos, e ainda bem, espero que o Estado através dos organismos responsáveis agora façam a sua obrigação e devolvam os corpos às suas famílias, já não basta a dor de perder um filho, ainda vir, a partir desta reportagem, saber em que condições eles se encontram. Faço um apelo, não castiguem mais, devolvam os corpos aos seus familiares.
Luís Graça (e o Blogue que tu tão bem comandas), tiveste no Vítor Tavares um grande representante, está mais um vez de parabéns. O blogue veio mexer com muitas mentes, assim como trazer para a ribalta estes acontecimentos que foram reais. Há muito boa gente que ainda faz ouvidos moucos, o que é pena.
Um abraço, Albano Costa
2. Comentário de L.G.: Albano, obrigado pela tua manifestação de solidariedade, sensibilidade e apoio. Bem o podes dizer: tivemos no Victor Tavares um lídimo e valente representante do NOSSO blogue...
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
22 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1622: A Última Missão do paraquedista Victor Tavares (Luís Graça / Torcato Mendonça / J. Casimiro Carvalho)
(2) Vd. posts de:
20 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1616: O meu regresso a Guidaje (Victor Tavares, CCP 121)
25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto
9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida
Guiné 63/74 - P1631: À amizade (Abílio Machado, CCS do BART 2917/ Humberto Reis, CCAÇ 12)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finais de 1971 ou princípios de 1972 > CCS do BART 2917 (1970/72) > Noite de copos e de cantorias, de tainadas (como diz o Abílio Machado, à boa maneira nortenha).
Ao lado do Paulo Santiago, comandante do Pel Caç Nat 53, de bigode, de camuflado, na ponta da mesa, está o Alf Mil Machado, à civil, de óculos, a fumar (assinalado com um círculo, a amarelo). Pertencia à CCS do BART 2917. Era minhoto, natural de Riba D'Ave. Antes da tropa, trabalhava numa cooperativa local. Daí a gente chamá-lo Bilocas da Cuprativa. Tinha um excelente relacionamento com a malta da CCAÇ 12 (nomeadamente, com os furriéis milicianos, Levezinho, Reis, Henriques, Sousa, Fernandes...). Tocava viola, era um dos nossos baladeiros.
À esquerda do Machado, está um outro alferes, magrinho, que o Paulo Santiago garante que também pertencia à CCS, mas de cujo nome já não se recorda. O Benjamim Durães vem-me agora dizer-me que o Alferes que se encontra à esquerda do Machado, é o Alf Mil Alferes Fernando Cabrita Guerreiro, do Pelotão de Reconhecimento da CCS/BART 2917, "que está muito doente e que se encontra acamado na sua residência no Barreiro". Daí vai um grande abraço para ele, com votos de coragem, solidariedade e camaradagem de todos os tertulianos. É duro ver um dos nossos inoperacional... Votos de melhoras, camarada Guerreiro!
Privámos - o pessoal da CCAÇ 12 - com toda esta malta do BART 2917 ainda cerca de 9 meses, desde meados de 1970 até Março de 1971... O BART 2917 veio substituir o BCAÇ 2852 (1968/70). Talvez o Machado se consiga lembrar do resto do pessoal que aparece na foto... É claro, secundando o convite feito pelo Humberto Reis, que ele é bem vindo à (e desejado na) nossa tertúlia... Como minhoto que é, tem direito a ser recebido com fogo de artifício! (LG).
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
Mensagem de Abílio Machado (ex-Alf Mil da CCS do BART 2917, Bambadinca, 1970/72) (1)
Meus caros, queridos, caríssimos :
Sim, sou eu mesmo, o Machado, de Riba d'Ave.
Só agora respondo, porque se me avariou o aparelho ... Não é esse em que estão a pensar. Estou a falar a sério, ou à séria, como agora se diz .
Tive de facto um problema grave no computador e só hoje posso responder a alguns mails que aqui tenho.
Podem imaginar o que aqui vai de mensagens. A partir de amanhã enviarei para todos mails pessoais, depois de ver tudo o que aqui tenho. Fiquei contentíssimo por ver tantos amigos no meu mail.
Realmente a amizade é intemporal e vence distâncias ... Como é possivel que, ao fim de 35 anos, continue a ter muitos de vós tão presentes: as feições (como devem ter mudado), os factos, o convívio, os bons e maus momentos, as tainadas, as cantorias, etc., etc.
Esparsamente, fui encontrando um ou outro amigo da CCS. Vejo agora reatados os contactos que perdera e prometo não os alienar.
Um abraço que abarque todos e do tamanho da alegria que me deram.
Abilio Machado
P.S. - Cadê o mail do Levezinho? Quem mo manda?
Ciao
2. Resposta do Humberto Reis
Bilocas da Cooperativa:
ENFIM ESTÁS VIVO! Que bom ler-te ao fim de uns 35 anos que estive em tua casa, e da Lua, com o Tony Levezinho e as nossas companheiras de infortúnio, que agora já são avózinhas.
Esperamos que agora não vás comprar cigarros, como o da telenovela, e só apareças daqui a 30 anos porque já cá não estou, e a maioria também não.
Toma nota do endereço do Tony Levezinho. O móvel é o [...]. Ele vai ficar satisfeito de saber notícias tuas.
Ficamos a aguardar a tua entrada na nossa Tertúlia. As regras são bem simples, por isso não arranjes desculpas para não te inscreveres.
Eu, e o nosso Regedor-Presidente-Director-Administrador do blogue, o LUÍS Manuel da GRAÇA Henriques, moramos aqui nos arrabaldes de Lisboa, mais concretamente em Alfragide. Por isso, se vieres a Lisboa com tempo para 2 dedos de conversa, diz alguma coisa com antecedência. Infelizmente o nosso amigo Tony Levezinho, que morava aqui na Amadora, bem perto de nós, refugiou-se lá em baixo em Sagres, no Martinhal, e só umas visitas ao neto o trazem cá acima a Lisboa. Mesmo assim é sempre a correr e nunca lhe ponho a vista em cima.
Ficamos à espera de notícias tuas
Aquele Abraço
Humberto Reis
3. Por sua vez, o Benjamim Durães (3) vem lembrar ao Abílio Machado que não se esqueça do 1º convívio do pessoal da CCS do BART 2917, marcado para Setúbal, dia 9 de Junho de 2007 (4).
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
14 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1525: Tertúlia: Durães, Vinagre & Cª Lda, do BART 2917 (Humberto Reis)
13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1520: Bambadinca, CCS do BART 2917: Alferes Abílo Ferreira Machado, o Bilocas da Cooperativa (Humberto Reis)
(2) Vd. post de:
15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)
(3) Vd. post de 21 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1618: Tertúlia: Benjamim Durães, ex-furriel mil da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)
(4) Vd. post de 1 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1556: 1º Convívio da CCS do BART 2917: Setúbal, 9 de Junho de 2007 (Benjamim Durães)
Guiné 63/74 - P1630: Uma estranha forma de morte (Luís Graça)
Lisboa > Cais da Rocha Conde Óbidos > Meados de 1965 > Embarque, no TT Niassa, do pessoal da CCAÇ 1426 e de outras unidades para a Guiné. Ao fundo, o tabuleiro da ponte sobre o Rio Tejo ainda em construção.
Foto: © Fernando Chapouto (2006). Direitos reservados.
Um estranha forma de morte (1)
Um estranha maneira de dizer adeus.
Um estranho povo, este,
que vem ajoelhar-se
no cais da partida,
não em oração,
em súplica,
para aplacar a ira dos deuses,
mas vergado,
vergado à toda poderosa razão
de Estado.
A Pátria contra a Mátria.
A tentacular força centrífuga
que de há séculos,
ó meu tuga,
te leva os filhos teus,
para fora.
Paridos e expulsos da Mátria,
para longe,
em má hora,
bem para longe,
muito para lá do mar.
Uma despedida breve,
com lágrimas salgadas no rosto
e lenços brancos
em fundo preto,
sob um céu de chumbo.
Todas as despedidas são breves
e tristes.
O momento,
em que o Niassa apita três vezes
e levanta a âncora,
e lá fora chove,
esse momento da partida
nunca se poderia eternizar.
nem conviria.
Não ficou decididamente
na fotografia
Romance do triste soldado,
diz o capitão do mar e da guerra,
lencinho ao pescoço,
cheirando a Vate 69,
fotocine, cinéfilo,
garboso, charmoso,
mas já grosso,
pronto para a acção
em terra,
para a porrada,
para o que der e vier.
Rumo à Guiné,
país de azenegues
e de negros.
Há um briefing às cinco da tarde,
já em velocidade de cruzeiro,
depois do Bugio,
no mar alto português,
anuncia o oficial de dia,
pouco ou nada miliciano,
que serve de mordomo,
pequeno-burguês.
Vai na segunda comissão,
o provinciano,
o militarão,
o criado de libré,
que nunca trerá ouvido falar
da batalha da Ilha do Como
nem do massacre do Pijiguiti,
E o filme da noite é
uma comédia,
senão divina, muito santa,
acrescenta o nosso primeiro,
que já serviu de porteiro
em bares do Cais do Sodré.
Ao jogo, ficam os dedos,
vão-se os anéis,
puxa-se a manta.
Um gajo bacano
num país de bacanos,
de chicos espertos,
de grandes medos,
de mangas de alpaca cinzentos,
de soldados rasos,
primeiros cabos,
furriéis
e segundos sargentos.
Uma tragicomédia,
escreverei eu
no meu diário
a que mais tarde chamarei
o diário de um tuga.
Onde está o general ?
Onde estão os oficiais ?
Onde está a elite ?
Onde está o chique ?
Os filhos-família,
os primeiros,
a fina flor,
os morgados,
os primogénitos,
os fidalgos,
a casta,
a raça,
o sangue azul,
o pedigree,
o espelho da grei,
os melhores de todos nós ?
Morreram, todos,
com El-Rei,
em Alcácer Quibir.
Mentiram-me Tavira.
Lisboa, revista, revisited,
pelo Álvaro de Campos
em filme de oito milímetros.
A preto e branco.
Ou a preto e negro,
uma só Nação,
valente e imortal,
ironiza alguém, clamando
pelo António,
pelo Ferro,
pelo Almada
A morrer,
que morra o Dantas, pum!
O Niassa colonial
na azáfama do seu vai-e-vem
antes de ir
parar à sucata.
Inglória
a sucata da história
que eu perdi
aos dezoitos anos
quando dei o nome para as sortes.
Como se fosse aleatória
a amostra dos mancebos.
Estranha palavra esta, a das sortes,
que rima com desnortes
e com mortes.
A despedida breve e triste
do Niassa.
E ainda mais triste o filme,
sem som,
sem palavras desnecessárias,
a preto e branco,
que alguém terá feito
no cais das sete partidas.
A noiva
que ia vestida de branco
com xaile preto.
A sacerdotisa
da morte.
A novíssima ponte de Salazar.
O velho abutre que, sem pejo,
alisa as suas penas,
dirás tu, Sofia, pitonisa...
Quase morto mas não enterrado.
Os últimos golfinhos do Tejo,
a última fragata de vela
erguida,
a última caravela,
o último império,
Lisboa e o seu casario,
branco.
Lisboa-cliché.
Lisboa conformista
e conformada.
O filme a preto e branco,
um gato preto à janela.
Lisboa e as suas ruínas
pré e pós-pombalinas.
O poço dos mouros,
o poço dos negros,
o lundum, a umbigada,
a procissão
da Nossa Senhora da Saúde.
Ah, e a Santa Inquisição,
zelando pela pureza do sangue
e a rectidão das nossas consciências
e a salvação da alma
do Senhor Dom João
Quinto.
Revisito os heróis da escola primária:
Albuquerque,
Mouzinho,
Teixeira Pinto.
Ao alto,
o cemitério dos Prazeres
com os seus aprumados ciprestes negros.
Em frente,
os mastros dos navios
da carreira colonial,
o império por um fio,
a vida
que se recapitula
de fio a pavio,
o último comboio da noite
que veio do Campo Militar
de outra santa, Margarida.
As santas das nossas mães
que ficaram em casa
a acender a vela à Santa das Santas.
O menino de sua mãe,
um fado
que eu ouvi no Bairro Alto
e que já não era batido
nem dançado
nem cantado,
um fado apenas gemido.
Uma estranha forma de vida,
uma estranha forma de morte.
Ordeiros,
os soldados
como os cordeiros
da matança da Páscoa.
No Cais da Rocha Conde de Óbidos,
alinhados, formatados,
como os eléctricos amarelos,
nos seus carris de ferro,
que vão para a Cruz Quebrada.
Empilhados,
vão os soldadinhos,
de chumbo,
aboletados,
roubados às mães,
requisitados aos pais,
para servir
a Pátria,
o Pai-Patrão
que nos cobra o dízimo
em sangue suor e lágrimas.
Mudos, agrilhoados,
os básicos,
uns refractários,
outros desertores,
fujões, traidores,
ladrões, facínoras,
bufos, legionários,
homicidas, regicidas,
sodomitas, infiéis,
cristãos mui pouco ortodoxos,
gente do reviralho,
rendeiros e cabaneiros,
fidalgos arruinados,
maçaricos, pescadores,
soldadores, trolhas,
moços de estrebaria,
cozinheiros, corneteiros,
apontadores de diligrama,
municiadores de metralhadora,
atiradores,
sacristães...
Coitadas das mães
que tais filhos pariram,
diz a letra do ceguinho
da Feira da Ladra.
Subindo o portaló do navio, o cadafaldo,
com um nó na garganta,
mal disfarçado,
p'lo lencinho,
verde ao rubro.
Pobres mães, pobrezinhas,
com os seus pequenos lenços brancos
como em Fátima, no 13 de Maio.
Algumas bandeiras verdes-rubras,
poucas e loucas,
que os tempos que já lá vão
não são de exaltação,
patriótica.
O hino,
agira canta-se com voz rachada,
em disco riscado
pelas senhoras,
tias, dirias hoje,
do Movimento Nacional Feminino.
A mesma atitude
admirável
de resignação hipnótica
ante o arbítrio dos deuses
que tudo pedem.
Em troca de tão pouco ou nada.
Diz o capelão,
cheio de unto e de virtude,
que é um povo religioso,
admirável,
porque tem o sentido do pathos,
da tragédia inelutável.
Senhora minha,
protege-me,
do IN,
das minas e armadilhas,
dos fornilhos e das bailarinas,
das canhoadas e roquetadas,
das morteiradas,
dos estillaços
e dos tiros das kalash e da costureinha.
Dos esquentamentos e das sezões,
dos ataques de abelhas assassinas
e das formigas carnívoras.
Mas também do cone de fogo
das nossas bazucas
e dos canhões sem recuo.
Do coice do obus catorze.
Das piçadas
e dos louvores dos meus comandantes,
e sobretudo de mim mesmo,
soldado malgré moi,
soldado à força
arrebanhado,
arregimentado,
aboletado,
requisitado,
condenado,
ameaçado,
camuflado.
Livrai-me, Senhora,
da fome, da peste e da guerra,
da malária, do beriberi,
e do inimigo da minha terra
que me manda para tão longe.
Lisboa e as suas sete colinas
perdem-se na linha de água.
Pus o combate do possível
na minha agenda
de expedicionário da Guiné.
Pus o fio com a medalha de ouro
ao peito,
que me deu a namorada,
coitada, destroçada.
Não, não uso a cruz,
o crucifixo.
Não vou para a guerra santa,
senhor capelão.
Alguém há-de rezar por mim
para que eu volte
são e salvo.
Do regulamento é apenas
a chapa de zinco
com o número mecanográfico
13151468
e o picotado ao meio.
Para mais facilmente ser cortada
em duas partes
que seguirão caminhos distintos
tudo isto face ao risco,
bem real e concreto,
de eu vir morrer longe.
bem longe
para lá do mar,
em terra que não me viu nascer.
Descansa, camarada,
alguém fará o teu espólio,
cerrará os teus dentes,
fechará os teus olhos,
engraxará as tuas botas e
porá bandeira nacional
em cima do teu caixão.
Se não morreres de morte súbita.
Se não morreres de morte matada.
Se não morreres de coração.
Não vos deixaremos para trás,
camaradas,
sempre ouvi dizer aos páras.
Levarei comigo a pedra-chave
que me liga ao além.
Uma chapa de zinco,
picotada ao meio.
Outrora era de xisto ou de grés,
entre os meus antepassados
da pré-história recente.
Camaradas
(que colegas é só nas putas):
se for eu,
a morrer,
que me enterrem
numa anta do meu megalítico país.
Não me deixem a criar raíz
na bolanha do Cufeu.
Luís Graça
Lisboa, Maio de 1969 / Março de 2007
___________
Nota de L.G.:
(1) Versão, aumentada e corrigida do poema O meu país megalítico > Vd. post de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - DXL: o meu país megalítico (Luís Graça)
Foto: © Fernando Chapouto (2006). Direitos reservados.
Um estranha forma de morte (1)
Um estranha maneira de dizer adeus.
Um estranho povo, este,
que vem ajoelhar-se
no cais da partida,
não em oração,
em súplica,
para aplacar a ira dos deuses,
mas vergado,
vergado à toda poderosa razão
de Estado.
A Pátria contra a Mátria.
A tentacular força centrífuga
que de há séculos,
ó meu tuga,
te leva os filhos teus,
para fora.
Paridos e expulsos da Mátria,
para longe,
em má hora,
bem para longe,
muito para lá do mar.
Uma despedida breve,
com lágrimas salgadas no rosto
e lenços brancos
em fundo preto,
sob um céu de chumbo.
Todas as despedidas são breves
e tristes.
O momento,
em que o Niassa apita três vezes
e levanta a âncora,
e lá fora chove,
esse momento da partida
nunca se poderia eternizar.
nem conviria.
Não ficou decididamente
na fotografia
Romance do triste soldado,
diz o capitão do mar e da guerra,
lencinho ao pescoço,
cheirando a Vate 69,
fotocine, cinéfilo,
garboso, charmoso,
mas já grosso,
pronto para a acção
em terra,
para a porrada,
para o que der e vier.
Rumo à Guiné,
país de azenegues
e de negros.
Há um briefing às cinco da tarde,
já em velocidade de cruzeiro,
depois do Bugio,
no mar alto português,
anuncia o oficial de dia,
pouco ou nada miliciano,
que serve de mordomo,
pequeno-burguês.
Vai na segunda comissão,
o provinciano,
o militarão,
o criado de libré,
que nunca trerá ouvido falar
da batalha da Ilha do Como
nem do massacre do Pijiguiti,
E o filme da noite é
uma comédia,
senão divina, muito santa,
acrescenta o nosso primeiro,
que já serviu de porteiro
em bares do Cais do Sodré.
Ao jogo, ficam os dedos,
vão-se os anéis,
puxa-se a manta.
Um gajo bacano
num país de bacanos,
de chicos espertos,
de grandes medos,
de mangas de alpaca cinzentos,
de soldados rasos,
primeiros cabos,
furriéis
e segundos sargentos.
Uma tragicomédia,
escreverei eu
no meu diário
a que mais tarde chamarei
o diário de um tuga.
Onde está o general ?
Onde estão os oficiais ?
Onde está a elite ?
Onde está o chique ?
Os filhos-família,
os primeiros,
a fina flor,
os morgados,
os primogénitos,
os fidalgos,
a casta,
a raça,
o sangue azul,
o pedigree,
o espelho da grei,
os melhores de todos nós ?
Morreram, todos,
com El-Rei,
em Alcácer Quibir.
Mentiram-me Tavira.
Lisboa, revista, revisited,
pelo Álvaro de Campos
em filme de oito milímetros.
A preto e branco.
Ou a preto e negro,
uma só Nação,
valente e imortal,
ironiza alguém, clamando
pelo António,
pelo Ferro,
pelo Almada
A morrer,
que morra o Dantas, pum!
O Niassa colonial
na azáfama do seu vai-e-vem
antes de ir
parar à sucata.
Inglória
a sucata da história
que eu perdi
aos dezoitos anos
quando dei o nome para as sortes.
Como se fosse aleatória
a amostra dos mancebos.
Estranha palavra esta, a das sortes,
que rima com desnortes
e com mortes.
A despedida breve e triste
do Niassa.
E ainda mais triste o filme,
sem som,
sem palavras desnecessárias,
a preto e branco,
que alguém terá feito
no cais das sete partidas.
A noiva
que ia vestida de branco
com xaile preto.
A sacerdotisa
da morte.
A novíssima ponte de Salazar.
O velho abutre que, sem pejo,
alisa as suas penas,
dirás tu, Sofia, pitonisa...
Quase morto mas não enterrado.
Os últimos golfinhos do Tejo,
a última fragata de vela
erguida,
a última caravela,
o último império,
Lisboa e o seu casario,
branco.
Lisboa-cliché.
Lisboa conformista
e conformada.
O filme a preto e branco,
um gato preto à janela.
Lisboa e as suas ruínas
pré e pós-pombalinas.
O poço dos mouros,
o poço dos negros,
o lundum, a umbigada,
a procissão
da Nossa Senhora da Saúde.
Ah, e a Santa Inquisição,
zelando pela pureza do sangue
e a rectidão das nossas consciências
e a salvação da alma
do Senhor Dom João
Quinto.
Revisito os heróis da escola primária:
Albuquerque,
Mouzinho,
Teixeira Pinto.
Ao alto,
o cemitério dos Prazeres
com os seus aprumados ciprestes negros.
Em frente,
os mastros dos navios
da carreira colonial,
o império por um fio,
a vida
que se recapitula
de fio a pavio,
o último comboio da noite
que veio do Campo Militar
de outra santa, Margarida.
As santas das nossas mães
que ficaram em casa
a acender a vela à Santa das Santas.
O menino de sua mãe,
um fado
que eu ouvi no Bairro Alto
e que já não era batido
nem dançado
nem cantado,
um fado apenas gemido.
Uma estranha forma de vida,
uma estranha forma de morte.
Ordeiros,
os soldados
como os cordeiros
da matança da Páscoa.
No Cais da Rocha Conde de Óbidos,
alinhados, formatados,
como os eléctricos amarelos,
nos seus carris de ferro,
que vão para a Cruz Quebrada.
Empilhados,
vão os soldadinhos,
de chumbo,
aboletados,
roubados às mães,
requisitados aos pais,
para servir
a Pátria,
o Pai-Patrão
que nos cobra o dízimo
em sangue suor e lágrimas.
Mudos, agrilhoados,
os básicos,
uns refractários,
outros desertores,
fujões, traidores,
ladrões, facínoras,
bufos, legionários,
homicidas, regicidas,
sodomitas, infiéis,
cristãos mui pouco ortodoxos,
gente do reviralho,
rendeiros e cabaneiros,
fidalgos arruinados,
maçaricos, pescadores,
soldadores, trolhas,
moços de estrebaria,
cozinheiros, corneteiros,
apontadores de diligrama,
municiadores de metralhadora,
atiradores,
sacristães...
Coitadas das mães
que tais filhos pariram,
diz a letra do ceguinho
da Feira da Ladra.
Subindo o portaló do navio, o cadafaldo,
com um nó na garganta,
mal disfarçado,
p'lo lencinho,
verde ao rubro.
Pobres mães, pobrezinhas,
com os seus pequenos lenços brancos
como em Fátima, no 13 de Maio.
Algumas bandeiras verdes-rubras,
poucas e loucas,
que os tempos que já lá vão
não são de exaltação,
patriótica.
O hino,
agira canta-se com voz rachada,
em disco riscado
pelas senhoras,
tias, dirias hoje,
do Movimento Nacional Feminino.
A mesma atitude
admirável
de resignação hipnótica
ante o arbítrio dos deuses
que tudo pedem.
Em troca de tão pouco ou nada.
Diz o capelão,
cheio de unto e de virtude,
que é um povo religioso,
admirável,
porque tem o sentido do pathos,
da tragédia inelutável.
Senhora minha,
protege-me,
do IN,
das minas e armadilhas,
dos fornilhos e das bailarinas,
das canhoadas e roquetadas,
das morteiradas,
dos estillaços
e dos tiros das kalash e da costureinha.
Dos esquentamentos e das sezões,
dos ataques de abelhas assassinas
e das formigas carnívoras.
Mas também do cone de fogo
das nossas bazucas
e dos canhões sem recuo.
Do coice do obus catorze.
Das piçadas
e dos louvores dos meus comandantes,
e sobretudo de mim mesmo,
soldado malgré moi,
soldado à força
arrebanhado,
arregimentado,
aboletado,
requisitado,
condenado,
ameaçado,
camuflado.
Livrai-me, Senhora,
da fome, da peste e da guerra,
da malária, do beriberi,
e do inimigo da minha terra
que me manda para tão longe.
Lisboa e as suas sete colinas
perdem-se na linha de água.
Pus o combate do possível
na minha agenda
de expedicionário da Guiné.
Pus o fio com a medalha de ouro
ao peito,
que me deu a namorada,
coitada, destroçada.
Não, não uso a cruz,
o crucifixo.
Não vou para a guerra santa,
senhor capelão.
Alguém há-de rezar por mim
para que eu volte
são e salvo.
Do regulamento é apenas
a chapa de zinco
com o número mecanográfico
13151468
e o picotado ao meio.
Para mais facilmente ser cortada
em duas partes
que seguirão caminhos distintos
tudo isto face ao risco,
bem real e concreto,
de eu vir morrer longe.
bem longe
para lá do mar,
em terra que não me viu nascer.
Descansa, camarada,
alguém fará o teu espólio,
cerrará os teus dentes,
fechará os teus olhos,
engraxará as tuas botas e
porá bandeira nacional
em cima do teu caixão.
Se não morreres de morte súbita.
Se não morreres de morte matada.
Se não morreres de coração.
Não vos deixaremos para trás,
camaradas,
sempre ouvi dizer aos páras.
Levarei comigo a pedra-chave
que me liga ao além.
Uma chapa de zinco,
picotada ao meio.
Outrora era de xisto ou de grés,
entre os meus antepassados
da pré-história recente.
Camaradas
(que colegas é só nas putas):
se for eu,
a morrer,
que me enterrem
numa anta do meu megalítico país.
Não me deixem a criar raíz
na bolanha do Cufeu.
Luís Graça
Lisboa, Maio de 1969 / Março de 2007
___________
Nota de L.G.:
(1) Versão, aumentada e corrigida do poema O meu país megalítico > Vd. post de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - DXL: o meu país megalítico (Luís Graça)
terça-feira, 27 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1629: Lendo os vossos depoimentos com um nó na garganta... O que é feito da CCAÇ 2585 ? (Raul Nobre, ex-Alf Mil Médico)
Mensagem de Raul Nobre, médico:
Meu Caro Luís Graça:
Tenho lido estes depoimentos com um nó na garganta. É muito importante em todos os sentidos, quer histórica quer emocionalmente.
Em 1969 fui incorporado como médico na CCAÇ 2585, comandada pelo Capitão Tomaz da Costa. Ainda fiz o IAO na Arrábida e gozei os 10 dias de licença antes do embarque. Entretanto deu-se o "atentado" ao Niassa e o embarque do Batalhão fez-se com atraso. Eu não cheguei a embarcar, pois deferiram-me o requerimento que fizera para poder terminar a especialidade de Estomatologia e em 1971 mandaram-me para Timor donde regressei em 1973.
Nunca mais tive notícias de ninguém. Recordo-me que havia um Alferes chamado Almendra, creio que natural de Trás-os Montes.
O meu contacto com os camaradas foi de curta duraçáo, pois tinha sido reinspeccionado, fizera uma recruta de um mês em Santarém e tinham-me colocado naquela Companhia que, por sua vez, tinha sido constituída a toda a pressa.
Gostava de ter notícias daqueles rapazes.
Um abraço e a minha admiração pelo trabalho que estás a fazer.
Raul Nobre
Comentário do editor do blogue:
Caro camarada Raul: Obrigado pelas tuas palavras de apreço pelo nosso blogue. Infelizmente, não tenho nennhuma informação útil sobre a CCAÇ 2585. Em todo o caso, é uma unidade formada no meu tempo. Parti para a Guiné, a bordo do do Niassa, em 24 de Maio de 1969. A minha companhia (independente) era CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12) (1). Mas connosco não foi a CCAÇ 2585. Deve ter partido antes. O nosso camarada Manuel Lema Santos, que pertenceu à Marinha (1º tenente RN), talvez nos possa elucidar sobre este ponto. Também não sei o que se passou com o Niassa, antes: tenho a vaga ideia de ter havido na primavera de 1969, uma tentativa de sabotagem do navio, por parte das forças de oposição ao regime político de então.
Raul: alguém da nossa tertúlia saberá encontrar uma pista que te leve aos teus rapazes da CCAÇ 2585 que tu mal chegaste a conhecer, mas de quem ficaste com uma saudosa lembrança. Até sempre. Luís Graça
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)
Meu Caro Luís Graça:
Tenho lido estes depoimentos com um nó na garganta. É muito importante em todos os sentidos, quer histórica quer emocionalmente.
Em 1969 fui incorporado como médico na CCAÇ 2585, comandada pelo Capitão Tomaz da Costa. Ainda fiz o IAO na Arrábida e gozei os 10 dias de licença antes do embarque. Entretanto deu-se o "atentado" ao Niassa e o embarque do Batalhão fez-se com atraso. Eu não cheguei a embarcar, pois deferiram-me o requerimento que fizera para poder terminar a especialidade de Estomatologia e em 1971 mandaram-me para Timor donde regressei em 1973.
Nunca mais tive notícias de ninguém. Recordo-me que havia um Alferes chamado Almendra, creio que natural de Trás-os Montes.
O meu contacto com os camaradas foi de curta duraçáo, pois tinha sido reinspeccionado, fizera uma recruta de um mês em Santarém e tinham-me colocado naquela Companhia que, por sua vez, tinha sido constituída a toda a pressa.
Gostava de ter notícias daqueles rapazes.
Um abraço e a minha admiração pelo trabalho que estás a fazer.
Raul Nobre
Comentário do editor do blogue:
Caro camarada Raul: Obrigado pelas tuas palavras de apreço pelo nosso blogue. Infelizmente, não tenho nennhuma informação útil sobre a CCAÇ 2585. Em todo o caso, é uma unidade formada no meu tempo. Parti para a Guiné, a bordo do do Niassa, em 24 de Maio de 1969. A minha companhia (independente) era CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12) (1). Mas connosco não foi a CCAÇ 2585. Deve ter partido antes. O nosso camarada Manuel Lema Santos, que pertenceu à Marinha (1º tenente RN), talvez nos possa elucidar sobre este ponto. Também não sei o que se passou com o Niassa, antes: tenho a vaga ideia de ter havido na primavera de 1969, uma tentativa de sabotagem do navio, por parte das forças de oposição ao regime político de então.
Raul: alguém da nossa tertúlia saberá encontrar uma pista que te leve aos teus rapazes da CCAÇ 2585 que tu mal chegaste a conhecer, mas de quem ficaste com uma saudosa lembrança. Até sempre. Luís Graça
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)
Subscrever:
Mensagens (Atom)