sábado, 13 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3616: Convívios (91): Encontro da CCaç 2790 em 20 de Dezembro. (António Matos)


Melancólica recordação

Uma deslocação a Bissau, contrariamente ao que poderia pensar-se, não estava isenta de preocupações, que se prendiam com questões de segurança.
Isto porque, embora em território em guerra declarada, havia destas incongruências traduzidas na proibição de se andar armado.
Ora, para se chegar a Bissau desarmado, seria necessário deixar a "amante" no quartel ou seja, a uns 30 kms de distância!

A viagem começava em Bula e quando a "boleia" era num Unimog 404 a coisa era agradável pois eram umas máquinas espectaculares a andar.
Quando era nos 411, meu Deus, aquilo dava pelos peitos a um macho! O incómodo e a falta de segurança perante qualquer solavanco eram terríveis. Hoje fazem-me lembrar aquelas bóias compridas ( lagartas ) que vemos nas praias, rebocadas por uma lancha e que levam 1/2 dúzia de "artistas" que vão sendo lançados borda-fora à medida que as pequenas ondas aparecem ...
A 1ª etapa era até João Landim onde se apanhava a LDM para o outro lado.
Enquanto vinha e não vinha a lancha, por ali nos ficávamos, de farda nº 2, bota engraxada mas já cheia de terra, e com a ansiedade natural de chegar à cidade. Mesmo que fosse ao hospital!
A entrada no hospital, se bem que reflectisse um ambiente próprio de guerra com helicópteros a pousar e a levantar, com enfermarias cheias de amputados, e de corredores a feder a desespero, proporcionava ao operacional uma sensação de estar fora do conflito e olhar para aqueles "inquilinos" como os azarados que não conseguiram passar incólumes à desgraça.
Acabada a consulta, havia tempo para uma saltada à cidade, à "5ª repartição" para se tomar uma verdadeira coca-cola e uma sande.
Ainda dava para lançar um olhar lânguido a um ou outro par de coxas roliças e respectivas bundas que por ali passassem...

O ambiente citadino do diz-que-disse, do boato, do stress de quem só sentia a guerra através dos rebentamentos lá ao loooonggeeeee mas que era a sua guerra e não se fazia rogado na reinvindicação do estatuto de combatente, era incómodo.
No regresso à base ( Bula ) ficava sempre mais tranquilo ao juntar-me ao meu grupo de combate.
Presunção ? Falsa modéstia ? Estupidez natural ?
Chame-se-lhe o que se quiser na certeza porém, que é a mais pura das verdades.
Gratificante, ainda que contribuísse para o aumento da carga emocional, era a notória satisfação que se estampava nas caras dos soldados como se com a nossa presença lhes déssemos um incremento de confiança.
Não me é fácil fazer elogios em causa própria mas reconheço que investi inquestionavelmente nesse pormenor (confiança) mesmo que por vezes fosse necessário fazer das tripas coração!
Por aí passou, recorrentemente, a minha formação moral, intelectual e humana.
Já em posts anteriores referi que perdi alguns homens em combate.
Não lhes referenciei os nomes por respeito aos familiares que possam ler estas linhas e não o farei por convicção.
Deixo a todos uma recordação de momentos anteriores àquele período tenebroso das nossas vidas, ainda nos Açores, com os ainda aspirantes a alferes e os cabos milicianos que completavam os quadros da CCaç 2790 (à excepção do grupo de combate comandado pelo futuro furriel Cardoso coadjuvado pelo também futuro furriel Barros Leite).


Passadas que estão estas dezenas de anos de permeio, os poucos elementos continentais que constituíam aquela companhia vão reencontrar-se no próximo dia 20 deste mês para um dos habituais jantares de confraternização e terei o cuidado de registar em foto essa "concentração" para aqui vos vir prendar com os aspectos destes jovens.
Até lá.
António Matos
__________
Notas de vb:
1. Último artigo do António Matos em
2. Da série Convívios último artigo publicado em

Guiné 63/74 - P3615: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (1): Corrida com triste fim

1. Mensagem do nosso camarada António Paiva, ex-Sold Cond no HM 241 de Bissau, 1968/70, com data de 30 de Novembro de 2008, contando uma história que esperamos seja a primeira de muitas.

2. Corrida com triste fim
António Paiva

Rompe a manhã, como tantas outras, daquele domingo de 26 de Abril de 1970.
Muitos acordam, só com uma ideia em mente… ver o jogo. Soltar de dentro de si, naquele dia, um grito de alegria e felicidade, que o tempo de comissão lhes ia comprimindo.
Às 15 horas, ia realizar-se o jogo entre Clube Ténis de Bissau e o Sporting Clube de Braga a contar para a Taça de Portugal, era a final, no campo do UDIB sito em Benfica.
Eu não ia, mas um condutor que fazia serviço à Base, das 13 às 19 horas, pediu-me na véspera para eu lhe fazer o serviço, ele queria ir ver o jogo, não lhe tirei esse prazer, só lhe disse:

- Vai descansado, à volta pagas uma cerveja.

Depois de almoço, pelas 12,30, pego na ambulância e sigo para a Base a render o outro condutor que lá se encontrava desde as 7 da manhã. Na Base faziam-se 2 turnos todos os dias, das 7 às 13 e das 13 às 19. Lá chegado, estacionei a ambulância no sitio habitual e fui até ao bar, não sei se beber uma bica ou uma cerveja. Podíamos lá estar, porque assim que viesse uma evacuação éramos informados pelo altifalante.

Quando lá cheguei, reparei que faltavam 3 avionetas de alerta, se a memória não me atraiçoa era assim que se dizia, logo concluí que ia ter trabalho.

Por volta das 14,30, mais ou menos, sou alertado para a chegada de uma avioneta com evacuação. Dirigi-me ao local onde ela tinha parado, e é-me entregue uma menina de 7 anos. Quem a vinha a acompanhar diz-me:

- Condutor, o tempo é pouco, já sabe o que tem a fazer.

Arranquei, levando comigo uma criança em sofrimento que tinha sido atropelada. Rolei o mais rápido que pude para o Hospital Civil. Ao chegar a Teixeira Pinto, 1.ª rotunda com esse nome, e vejo a multidão que se encontrava em Benfica, junto ao campo do UDIB, a tapar a rua toda, eu respirei fundo… ó Deus. O sinaleiro, que estava no seu pelourinho, penso que saltou…, a multidão abriu alas, lembrou-me quando o mar se abriu nos 10 Mandamentos, sempre em frente, praça do Império, Santa Luzia e Hospital Civil.

Começa o inesperado. Estaciono onde devia para levar a menina para dentro, mas que tristeza, não se encontrava ali ninguém que me desse uma ajuda para levar a maca e sozinho era impossível. Entre 5 a 10 minutos depois, aparece uma rapariga que me ajudou a levar a maca com a menina.
Azar a mais, o médico não estava. Perguntei por ele e dizem-me que deve estar no 1.º andar. Subo a escada de 2 em 2, passado algum tempo lá o encontro. Viemos para baixo directos ao posto de socorros, entramos… O Anjo tinha subido ao Céu.

Senti uma pancada no peito, lágrimas nos olhos, como era linda a menina.
Revoltei-me, não sei se comigo próprio ou com o sistema, minha missão não tinha sido perfeita. Onde errei?

Ao chegar cá fora, o que não estava à espera, para me prestarem homenagem tinha 2 cálices de sangue venoso transportados na bandeja que se encontrava estacionada atrás da ambulância, um alferes e um soldado da PM. Diz o alferes para mim:

- Então condutor, vem doido ou quê? Depois da porrada que vai apanhar nunca mais corre.

Só lhe disse:

- Corri para salvar uma criança, acabou por morrer.

Ligou pouca importância, mas depois de tirar os apontamentos necessários para me oferecer a medalha, deixou-me ir embora.

Voltei para a Base. No fim do serviço voltei para o Hospital, fui ter com o médico de dia e contei-lhe o ocorrido.

No dia seguinte, o Director, Dr. Felino de Almeida, mandou-me chamar, contei-lhe o sucedido e ele mesmo tratou do assunto, não levando castigo.

Agora dirijo-me aos Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras

Os pilotos, nunca chegam a saber como os evacuados acabam, mas este recorrendo-se da sua caderneta de serviços, saberá o triste fim duma evacuação que ele começou.
Será que chego a saber quem foi esse piloto?

Um abraço a todos
António Paiva
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

20 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3486: Tabanca Grande (98): António Paiva, ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70

24 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3511: O meu baptismo de fogo (23): Uma vacina para o enjoo... (António Paiva)

Guiné 63/74 - P3614: Convívios (90): 1.º Encontro da CCAÇ 3, em 14 de Maio de 2005 em Alvados - Porto de Mós (João M. Félix Dias)

1. Mensagem do nosso camarada João Manuel Félix Dias, ex-Fur Mil SAM, CCAV 2539/CCAV 2540/BCAV 2876 e CCAÇ 3, Guiné, 1869/71, com data de 8 de Dezembro de 2008:

O 1.º Convívio da CCAÇ 3 realizou-se a 14 de Maio de 2005 em Alvados - Porto de Mós no Restaurante Rosa. Estiveram presentes 26 ex-militares e alguns familiares.

O encontro foi organizado pelo ex-Alf Mil José Manuel S. Gonçalves, falecido no passado mês de Julho.

Também prestou grande colaboração, o ex-Alf Mil Francisco M. Branco Frutuoso.

Além de colaborar na organização, deu valioso contributo o nosso camarada Virgílio Alves Silva, no que concerne ao registo fotográfico e elaboração de vídeo do acontecimento e são de sua autoria as fotografias deste evento.

Foi celebrada missa pelos camaradas já falecidos.

Estiveram presentes:

O Sr. Coronel na Reforma Carlos A. Marques Abreu; igualmente, os ex-Capitães
João Galamarra Curado e Carlos Ricardo, que comandaram a Companhia nos anos de 1970 a 1972 em Binta, Guidaje e K3.

Também estiveram presentes:

João Ramex
João Torrinha
João Francisco Claudino Antunes
Fernando Alberto Barrios
António Manuel Godinho Pinto Ribeiro
José Cândido Barros Pereira
Henrique M. Madeira Neves
Manuel Fernando Alheira
Américo Formiga da Silva
Manuel Cabinas
Idalécio Castro
Artur J. Sousa Fernandes
José Espinheira
Luís Mendes Costa
António Fialho
Valentim Luz Pedro
Carlos Oliveira
Artur Pombinho
Vítor Domingues
Rui C. Branco Sena
Domingos Ribeiro













Nesta foto, pode-ver-se, de pé: Formiga Silva, Sena, Pedro, Neves, Ribeiro "balanta", Ribeiro "mecânico, Barrios; em baixo: Pereira, Cabinas, Alheira, Ramex e Pombinho.

Fotos: © Virgílio Silva (2008). Direitos reservados.

Guiné 63/74 - P3613: O Pel Caç 953 na tomada de Canjambari. (V. Briote)

Como uma saudação à entrada na nossa Tabanca do António Paulo, do Pel Caç 953, reavivo-lhe a Memória do que por lá passou, resumindo (muito...) o que os relatórios de então deixaram.

A ocupação de Canjambari
Março de 1965





Informação sobre a operação Ebro, iniciada em 22 de Março de 1965. 

Adaptada do relatório da acção.

Os relatórios anteriores referem terem sido feitas várias acções no itinerário Jumbembem-Canjambari e na própria região de Canjambari. Acções levadas a cabo por GrsCmds do CTIG, em 28Jan, 20Fev e 25Fev65, apoiadas por forças do BCav 490, apesar do sucesso pontual das mesmas, levam a concluir que a região, localizada numa área de acesso difícil em determinadas épocas do ano, se mantém até à data nas mãos do IN. Apesar de levantadas numerosas abatizes, o referido itinerário ainda se encontra com algumas árvores de pequeno porte nas imediações da bolanha que dá acesso ao pontão danificado sobre o rio Tufili (dados obtidos através do reconhecimento aéreo de 17Mar65). Parece, este pontão, de fácil transposição desde que se utilizem pranchas adequadas.
Dos contactos com o IN a reacção deste tem-se limitado a flagelações de longe, não sendo de desprezar a possibilidade de o mesmo dispor, na região, de forças importantes e, eventualmente, colocar minas nos itinerários de acesso.


Estabelece-se como objectivo às NT a ocupação permanente de Canjambari.

Elaborado o plano para a acção, foram constituídas as forças executantes, comandadas pelo próprio Cmdt do BCav 490, Ten Cor Cavaleiro.

Às 03H00 de 22Mar65 iniciou-se o movimento, a partir de Farim. Atingido Jumbembem às 04H20, a força executante prosseguiu, rumo a Canjambari. À passagem por Sare Tenen, um Gr Comb da CCav 488 apeou-se, emboscando-se de seguida junto ao caminho que cruza o itinerário. A partir daqui a equipa de sapadores encarregada da detecção de minas passou a picar a estrada nos locais mais suspeitos.
Apesar das precauções, às 06H15 e a cerca de 9 kms de Jumbembem, a GMC da frente da coluna calcou um engenho explosivo, ficando a parte posterior da viatura enfiada na cratera aberta pelo engenho. Os dois homens que nela se deslocavam foram projectados, não tendo sofrido ferimentos de maior.
Passados cerca de 500 metros encontrou-se a 1.ª de uma série de cerca de 30 abatizes, algumas de grande porte, que se espalhavam numa extensão de quase 4 kms, até 1 km e meio de Canjambari Morocunda, que só foi atingida já passava das 12H00.

O relatório da acção refere:
"O esgotante trabalho de levantamento de abatizes durou cerca de 5 horas e meia, sob constantes flagelações do IN, que utilizou MPs e morteiros. As medidas de segurança adoptadas, apesar da extensão da coluna de 30 viaturas pesadas, revelaram-se eficazes, porquanto o IN nunca conseguiu aproximar-se de modo a causar baixas às NT". (…).

Ultrapassada a zona das abatizes, a coluna prosseguiu deixando um Gr Comb emboscado a 2 kms do cruzamento de Canjambari Morocunda. Atingiu-se a povoação de Canjambari, com o IN a assinalar a entrada das NT com tiros à distância, disparados da margem Sul do rio Canjambari. Tabanca revistada, os indícios apontavam para uma retirada apressada. As casas comerciais deixaram indícios de movimento recente, praticamente até momentos antes da entrada das NT.
Pelas 15H00, a coluna regressou ao cruzamento de Canjambari Morocunda. Iniciaram-se então os trabalhos de instalação e organização do terreno em volta do edifício do Posto de Socorros aí existente.
Informações posteriores revelaram que o IN tivera conhecimento antecipado da acção e que recebera reforços de Morés e de Mansodé, que se mantiveram na zona dois dias à espera das NT, regressando mais tarde às suas bases, por coincidência no mesmo dia do início da operação das NT.
__________

Notas de vb:
1. Composição da força que participou na op "Ebro":
CCav 488 (-)
1GrComb/CCav 487
1 GrComb/1.ª CCaç
PelCaç 953
Pel AM Fox/ER 693
Pel AM Daimler 810
Pel Sap/CCS
1 Pel C.ª Mil

2. Artigo relacionado em:

3. Para uma informação mais detalhada, com testemunhos dos que por lá andaram, o blogue do Carlos Silva , BCaç 2879, 1969/1971, é obrigatório.

Guiné 63/74 - P3612: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (6): O Presépio do Movimento Nacional Feminino (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Martins, ex- Fur Mil Trms, CCA5, Canjadude, 1968/70, com data de 12 de Dezembro de 2008: Bom dia Hoje quero partilhar connvosco umas fotos de um presépio que me foi oferecido, a meu pedido obviamente, pelas senhoras do Movimento Nacional Feminino (não têm sido muito lembradas), aquando das minhas férias na Metrópole em Novembro de 1968. Foi montado em Canjadude no Natal desse ano. Não teve grande receptividade a ideia. No ano seguinte foi armado em casa dos meus pais. Nos anos seguintes, e até hoje, é montado na minha casa. É uma presença da Guiné, nestes dias.

Presépio que o nosso camarada arma todos os anos e que remonta ao tempo da sua campanha na Guiné. Foto: © José Martins (2008). Direitos reservados.

Para todos os votos de um BOM NATAL, não com prendas materiais, mas que o Pai Natal influêncie o nosso Primeiro-ministro evidentemente, para que se debruçe sobre aqueles que, tendo dado o melhor que possuiam, não conseguiram refazer a sua vida e, hoje e passados muitos anos, só têm por companhia a solidão e a tristeza. O mínimo que se pode exigir, é que A PÁTRIA OS CONTEMPLE. José Martins ____________ Nota de CV: Vd. último poste da série de 12 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3606: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (5): O Meu Pedido de Natal (Rui A. Ferreira)

Guiné 63/74 - P3611: Dando a mão à palmatória (17): Cumbijã fica entre Mampatá e Nhacobá, mapa de Guileje (Antero Santos / Vasco da Gama)

1. Mensagem do Antero Santos, residente em Avintes (*) 

 Caro amigo Luís Graça 

 Relativamente ao poste de 1 7 de Dezembro de 2008, P3581, [Guiné 63/74 - P3581: Eu, capitão miliciano, me confesso (2): Vasco da Gama, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74 ](curiosamente a CCAV 8351 tem os mesmos números do poste), pretendo informar que o mapa inserido Cumbijã deve ser substituído pelo mapa Guileje, em virtude de a povoação Cumbijã onde esteve a CCAV 8351, ficar entre as localidades Mampatá e Nhacobá. 

A localidade Cumbijã é na região [regulado de] Cumbijã e não na zona do rio com o mesmo nome. Acrescento que tive o prazer de conhecer pessoalmente o Cap Vasco da Gama, na Guiné. Um abraço Antero Santos Ex-Fur Mil Atirador/Minas e Armadilhas CCAÇ 3566 - Março a Dezembro de 1972 Empada CCAÇ 18 – Janeiro 73 a Junho 1974 Aldeia Formosa (Quebo) 


2. Mensagem de Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/1974): 

 Meu caro Camarada Antero, 

 Muito obrigado pela tua intervenção. Só pelo nome não vou lá, no entanto vamos com toda a certeza ter oportunidade para bebermos um copo e conversarmos sobre as nossas guerras. Se tiveres paciência diz-me o periodo em que estiveste em Aldeia Formosa. 

 Aproveito para te dizer que também já havia notado o aparecimento do mapa com o rio Cumbijã, que não tem nada a ver com o buraco onde fui cair. Enviei mais dois textos à Tabanca que penso serão publicados em breve onde também refiro a CCaç 18, e como na narrativa que vou seguindo só no último texto é que cheguei ao Cumbijã, teria a intenção de no próximo texto a enviar fazer esse reparo, como quando chegar a Nhacobá terei de corrigir o poste 2757 (**) no que diz respeito à data, aos feridos e a uma outra fotografia que mereceu comentários do Luís Graça que são teoricamente pertinentes e com os quais eu concordo em abstracto, mas que partem de uma permissa errada. 

 Conhecia muita malta de Mampatá, o Cap Marcelino saíu também da mesma proveta que me formou, éramos amigos, digo éramos pois não o vi após o regresso da Guiné, mas não estou a lembrar-me do camarada de Mampatá que publicou as fotos e que envia versos com certa assiduidade, que eu leio sempre com muito agrado. Para ele, José Manuel, de seu nome, um grande abraço, formulando também votos para que nos encontremos por um destes dias. Para todos um abraço do camarada e amigo, Vasco da Gama 

3. Comentário de L.G.: 

 Meus amigos, têm toda a razão... Cumbijã fica no mapa da Guileje, entre Colibuía e Nhacobá, na estrada, na altura em construção, entre Mampatá e Salancaur (ligando depois a Guileje, via Mejo). 

O aquartelamento, onde esteve sediada a CCAV 8351, ficava a noroeste de Guileje. Daí a mão que damos, simbolicamente, à palmatória (***)... O mais importante é que, a pretexto desta correcção (topográfica), o Vasco, bravo capitão dos Tigres do Cumbijã, acaba de descobrir dois camaradas que andaram por aqueles lados, o Antero (Empada e Quebo) e o José Manuel (Mampatá, Colibuía, Nhacobá...), na mesma altura (1972/74).

 __________ 

 Notas de L.G.:

 (*) Vd. postes de:

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18) (...) "Cheguei à Guiné em 23 de Março de 1972 e fiz parte de CCAÇ 3566 - Os Metralhas [a mesma unidade a que pertenceu o Xico Allen...]; a partir de 4 de Janeiro de 1973 e até ao fim da comissão passei a fazer parte da Companhia Africana CCAÇ 18 - Aldeia Formosa (Quebo para os africanos), tendo regressado [ à Metrópole] em 24 de Junho de 1974 (...). 



 (...) "Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > Proximidades de Nhacobá > Dois guerrilheiros mortos no decurso de uma operação, em finais de 1973, que envolveu, pelo lado das NT, diversas forças (Batalhão de Comandos Africanos, a CCAV 8351, aquartelada em Cumbijã, a CART 6250, a unidade de quadrícula de Mampatá, a que pertencia o José Manuel Lopes, Fur Mil Op Esp)... 

Na primeira foto vê-se o Fur Mil Gomes, madeirense (hoje a viver no Canadá), do Pel Caç Nat que estava sediado em Mampatá (o José Manuel não se lembra do nº desta sub-unidade)... Foram os soldados e as milícias africanos que despojaram os cadáveres dos seus pertences (armas, roupa e haveres pessoais), uma prática que dificilmente os graduados conseguiam evitar, prevenir e muito menos reprimir" (...) 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3610: Tabanca Grande (104): António Paulo Bastos, 1.º Cabo do Pel Caç 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66)


1. Mensagem do nosso camarada António Paulo Bastos, 1.º Cabo do Pel Caç 953, Teixeira Pinto e Farim, com data de 11 de Dezembro de 2008:

Amigos companheiros da Tabanca Grande, a todos um saudoso Natal e um próspero Ano Novo. Que o novo Ano lhes traga tudo de bom e que os companheiros que ainda não foram à Guiné, vão este Ano.

Amigo Carlos, perguntas-me se não quero fazer parte da Tabanca Grande? Pois meu amigo, eu agradeço o convite e vou aceitar, porque sou dos que não larga a Net, a procurar tudo que diga respeito à Guiné ou até à guerra.

Amigo, sobre mandar fotos da minha guerra e sobre as que fiz das vezes que lá voltei (3) poucas tenho, mas tenho alguns vídeos. Também te informo que sobre computador sou um autêntico analfabeto, sempre que preciso de alguma coisa tenho de pedir ajuda.
Mas vou tentar enviar algumas.

Vou falar sobre a minha vida militar.

No dia 12 de Janeiro 1964 assentei praça no RAAF de Queluz, depois fui transferido para uma Bateria que existia em Porto Btandão, aí fiz a recruta e jurei bandeira em Queluz. Depois foi para o RI1 na Amadora onde fiz a especialidade. Tinha como oficial comandante de pelotão, um Tenente que se chamava (já faleceu) Nuno Nest Arnout Pombeiro que era genro do Comandante da Unidade, Coronel Américo Mendonça Frazão (faleceu como General). Aí acabei a especialidade e fui mobilizado para a Guiné, incorporado num Pelotão Caçadores 953, independente.

Embarquei para a Guiné no dia 15 de Julho de 1964, onde cheguei a 21. Desembarquei e fui para Amura, aí permaneci duas horas, sendo depois escoltado pela Polícia Militar até João Landim, onde rendemos o Pelotão Caçadores independente 857.

Dali fomos para Bula, Comando de Batalhão 507, cujo Comandante era o Tenente Coronel Hélio Felgas (já falecido). Depois das apresentações fomos para Teixeira Pinto, onde ficámos adidos à Companhia de Artilharia 527, comandada pelo capitão António Amorim Varela Pinto.

Eram já 16 horas quando almoçámos, dali seguimos para Cacheu onde permanecemos até ao dia 9 de Março de 1965, regressando novamente a Bissau para seguirmos para Farim, via Mansoa e Mansabá. Jantámos e às quatro horas da manhã seguimos então para Farim.

Aí já nos esperava o BCav 490, comandada pelo Tenente Coronel Cavaleiro. Permanecemos lá uns dias.

No dia 23 de Março de 1965 deu-se a grande invasão de Canjambari onde a guarnição era composta pelas Companhias 487 e 488, Pelotão Morteiros 980, um Pelotão da 1.ª Companhia de Caçadores Africanos, um Pelotão Auto-metrelhadoras e o meu, o 953.

Eram 6,30 horas quando rebentou uma mina debaixo de uma GMC e começámos a embrulhar até às 16,00 horas. Quando os T6 largaram as bombas, o IN logo nos deixou, mas por poucos dias, porque depois começaram a atacar-nos no acampamento. Este era para ficar em Canjambari praça, mas o Comandante mandou-nos recuar para Canjambari Morcunda.

Começámos logo a fazer o aquartelamento com palmeiras. De dia trabalhava-se, de noite era um desassossego, porque vinham visitar-nos e fazer alguns tiritos. Também tínhamos as operações a nível de duas secções de brancos e uma de africanos. Infelizmente numa dessas operações tivemos duas baixas na 488. Os trabalhos e até a pista para a avioneta foram todos feitos à força de braço.

Com a saída do BCav 490, veio o 733, comandado por Tenente Coronel Glória Alves, que infelizmente nos deixou no dia 30 de Novembro. Passámos a descansar e viemos para Jumbembem onde permanecemos três meses, regressando um mês a Canjambari.

Em Maio de 1966 regressámos a casa.

Um pouco abreviado é esta a minha vida militar.

Amigos e companheiros desculpem-me alguns erros, mas foi uma 4.ª classe tirada a martelo.

Vou-me despedir e desejando a todos os amigos um Natal muito feliz.
Até breve
A.Paulo Bastos

Cacheu > 1964 > António Paulo Bastos


2. Comentário de Carlos Vinhal

Caro António Paulo Bastos, ainda bem que deste resposta positiva ao meu convite para aderires à nossa Tabanca Grande.

Não te preocupes com a tua 4.ª classe tirada a martelo, como dizes. Escreve que nós estamos aqui para dar um jeito e nem se vai notar. Estou a brincar, claro, estamos aqui para nos ajudarmos uns aos outros e, como diz o nosso camarada Vitor Junqueira, o que interesa é que nas histórias se reconheça o seu autor. Não é necessária uma literatura muito eleborada, mas antes o ponto de vista sincero de quem as viveu.

Hoje deste o primeiro passo, com a tua apresentação e a resenha que fizeste da tua vida militar. Não referiste o teu Posto e a tua Especialidade, mas farás oportunamente.

Terás outras histórias, que contarás aos poucos e uma de cada vez.

Em nome de toda a Tertúlia, deixo-te um abraço, votos de um Natal com saúde e um novo Ano cheio de coisas boas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3588: Tabanca Grande (103): Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745, Águias de Binta (Binta, 1972/74)

Guiné 63/74 - P3609: O meu Natal no mato (14): Numa tabanca fula em autodefesa. (Torcato Mendonça)



Meus Caríssimos Editores:


Agradeço que, devido ao pese acusem a recepção dos escritos - fotos e texto.Tenho gravado, em mini K7, o conteúdo do LP ofertado. É pertença de um antigo combatente. militar de Bissau...
Não ouvi à primeira, segunda ou terceira...as gentes de 71 devem ter...teor à disposição...

Fraternalmente, votos de um Santo Natal. Um 2OO9 a concretizar os Vossos desejos e de Vossas Famílias. A Todos um abraço.

Tri abraço do TM - Torcato Mendonça

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Mistérios de Natalpor Torcato Mendonça

Sentou-se na base do poilão, apoiou-se a tábuas de antiga caixa de granadas a servirem de banco e mesa, cigarro a enviar pequenas argolas de fumo. Sobre a minúscula mesa, além do correio recebido e ainda não lido, um presente, uma oferta.

Cópia da capa do LL Natal 71, oferecido pelo MNF - Movimento Nacional Feminino.

Fotos: © Torcato Mendonça (2008). Direitos reservados.


Certamente bem intencionada, a oferta. Certamente feita e enviada por quem desconhecia a realidade ali vivida, por ele e pelos camaradas. Não só ali, em quase todos os aquartelamentos, certamente todos foram recebedores da oferta. Olhava-a e sorria para si.

Ao lado um soldado condutor, ainda lia e relia o correio. Era uma leitura mastigada, uma leitura demorada e repetida, uma leitura a entrar bem e a fazer sentir as palavras para ele escritas.


Depois da entrega do correio e da oferta, naquela auto-defesa ou reordenamento, ou melhor, naquela tabanca do Povo Fula, onde eles estavam aquartelados, caiu um silêncio de sepulcro. Só o barulho, o eterno barulho dos pilões, gritos de crianças e vozes de gentes sem direito a correio ou ofertas se fazia ouvir.



Ele pensava, continuando a lançar, ao ar, pequenos círculos do fumo de mais um cigarro. Pensava ou desesperava pela lenta passagem do tempo, do nada.
Do nada ou do sim e do não; do verso e reverso; do branco e negro; do real e irreal. A eterna dualidade ou a força, o motor a dar sentido à vida…

De repente, vozes e gritos dos militares, risos e correrias. Pareciam meninos em recreio de escola.

Saiu um, depois outro e mais outro, muitos… e voavam pelos ares, negro contra céu azul. Aterravam pouco depois e de pronto eram relançados.



- Olha ali, disse ao soldado condutor,
- Estou a ver,
- São os discos, são os discos…

Chegavam a eles o som dos gritos:
- É Natal, é Natal…Viva o Natal, é…

Olhou para o lado, para o silêncio do camarada do volante e calou-se.
Da face do camarada escorria, lentamente, uma lágrima…

Torcato Mendonça
ex-Alf Mil,
CART 2339,
Mansambo, 1968/69

__________

Notas de vb:


1. Último artigo do Torcato Mendonça em 10 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3592: Do Fundão, com insónias: Bambadinca, meu amor... (Torcato Mendonça)

2. Último artigo desta série: 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3597: O meu Natal no mato (13): De Cutia (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971) (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

Guiné 63/74 - P3608: Histórias de Vitor Junqueira (12): O Saco Azul

1. Mensagem de Vitor Junqueira, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), enviada no dia 11 de Dezembro de 2008, com mais uma das suas histórias, esta integrada nos arranjinhos que se faziam nas nossas Unidades, para haver sempre umas massas de reserva para o que desse e viesse, vulgo saco azul.

Amigos editores, Aleluia! O blog está como eu gosto. Menos erudição e mais histórias com gente lá dentro. Como o Natal do comandante Picado ou o segredo do José Colaço, que acabei de ler. Em tempos, disse ao Luís Graça que mais interessante do que a escrita em si, é, através dela, podermos conhecer o dono da mão que escreve. Esta é a minha onda, reafirmo-me nela através de mais um conto que conta uma cena verdadeira. Com um retrato. A todos os camaradas e amigos, obrigado por gostarem das minhas histórias. Aos que não apreciam, as minhas desculpas.


O Saco Azul

O senhor Manuel Carroça, é um sortudo. Entradote na idade, é proprietário, gerente e assistente de vendas num espaço comercial típico do Portugal da nossa meninice; uma tasca com secção de mercearia. O freguês vai à cata por exemplo, de um quilo – ratado – de prego de solho ou de um fedorento maço de tripa seca para a patroa fazer os chouriços e na volta, bota abaixo um penalty – com gola – do bom tintol da região. Como ainda não foi visitado pela ASAE, mantém-se no seu posto atrás do balcão, até ao dia em que lhe selem a porta. Tem vários problemas de saúde, incomodam-no principalmente as queixas de natureza reumatismal. A propósito, diz ele com a cara mais séria deste mundo, e com toda a propriedade, acrescento eu:

- Ó dótor, eu dos pés ainda tal, tal. Agora das mãos, sou um ladrão!

Quem pensa que foi a simpática presidente de uma ainda mais simpática autarquia do Norte que inventou e deu a conhecer ao mundo essa engenhosa criação que dá pelo nome de saco azul, está enganado. Para os ex-combatentes do ultramar, essa entidade é-lhes familiar, apesar de a maioria nunca lhe ter visto o forro! Para os que não sabem, tratava-se de uma espécie de fundo de maneio clandestino e como tal não escriturado, que servia para suportar contas de pequena ou média importância, despesas não elegíveis ou de difícil justificação.
Quem ficasse na liquidatária, liquidava o saco, sendo o respectivo inventário e processo de partilha top secret, como mandava a ética. Afirmam as más línguas que houve quem, através liquidação do saco, se tenha abotoado com umas massas e assim nasceu a atoarda dos apartamentos nas avenidas novas, tantos quantas as comissões.

Ao contrário do ti Manel Carroça, fui sempre saudável e jeitoso de mãos. Em criança, desmontava e reconstruía, geralmente com grande economia de peças, qualquer apetrecho em que pousasse a vista. Aos 11 anos confeccionei a partir de uma lâmina Nacet, a primeira gazua para a ignição do carro lá de casa. Como a sorte nem sempre protege os audazes, foi nessa idade e na qualidade de condutor que tive o primeiro acidente de viação de que resultou um ferido ligeiro, uma cabeça rachada. Apanhei-lhe o gosto. Qualquer chave comum, amorosa e pacientemente desbastada à lima, um apalpa-folgas e até os plebeus clips e corta unhas me permitiam materializar o sonho de montar tudo o que roncasse e bebesse gasolina. Por puro divertimento, fui-me aperfeiçoando. As viaturas de vizinhos e familiares pernoitavam onde acabava a gasosa, mas também podiam aparecer estacionadas sobre os relvados de jardins públicos ou encavalitadas em degraus de igreja.

Aos 17, já me encontrava num escalão mais especializado e competitivo, o das motos. Pilotando uma dessas máquinas, tive outro acidente que me podia ter custado a viola. Safei-me com uma tíbia e peróneo feitos num oito. Fui superiormente tratado pelo senhor Manuel Coelho de Porto de Mós, na altura o melhor endireita da região e, em dois meses, pude voltar ao activo com notável enriquecimento da minha colecção de automóveis escaqueirados. Até que, um encontro imediato de primeiro grau com o homem vestido de preto, no Tribunal Judicial de Ansião, pôs termo a uma promissora carreira. E ainda há quem diga que a juventude de hoje está perdida!

Como as outras, a CCaç 2753 era uma companhia séria, de gente séria, com uma administração acima de qualquer suspeita. Tirando o caso da trombadinha que o Sant’Amaro deu no baú onde o Santa Maria guardava os dólares remetidos pela família da América para o tabaquito, nunca dei conta de que alguém deitasse a unha ao do alheio. Foi por isso que, com surpresa, tomei conhecimento da presença no K3 de um senhor major vindo de Bissau para uma espécie de auditoria às contas da Unidade.

À porta da secretaria, detecto sinais de embaraço. Mãos nos bolsos, cigarro nos lábios à Bogart, o Leanito parece inquieto. E tem razões para isso. Lá dentro, está em jogo a sua reputação de militar impoluto. O Ribeiro mais o Marques, saem a voar baixinho e assim como quem não quer a coisa, vão até ao bar. Sozinho a enfrentar a fera, fica o Mexia. Senhor de uma barriguita cuja bitola já na altura não lhe permitia ver o coiso, transpira que nem um suíno, salvo seja. De cu para o ar e nariz enfiado nas gavetas da mobília, remexe a tralha. Sentado à secretária, entre o divertido e o furibundo, o major tem o ar de quem não acredita no que está a acontecer... o segredo do cofre levou tal sumiço que ninguém o encontra.

Vitor, eis o teu momento de glória, diz-me uma vozita ao ouvido. Agarra-o rapaz, porque esta merda de guerra pode não te oferecer outro. Decido avançar.

- O meu Major dá-me licença?
- ???
- Se me permitisse, gostaria de tentar abrir o cofre.
- Ah, faça favor.

O cofre, um matacão preto em ferro, deve pesar meia tonelada, seguramente. É do tipo monobloco com chave, tranca accionada por um volante central e fechadura secundária comandada por seis roletes alfabéticos. Isto vai ser canja!
Encosto-lhe o ouvido. Acaricio os roletes enquanto lhes observo as folgas e escorrências de óleo, assim como os movimentos quase imperceptíveis determinados pela pressão da tranca. Em menos de cinco minutos, o sistema rende-se. O major, excitadíssimo, salta como perdigueiro em cima da caça. Era vê-lo a farejar caixas, envelopes, papelada.

Inchado que nem um peru, afivelo uma expressão de fingida modéstia e peço autorização para me retirar. Preparado para receber o aplauso e agradecimento da multidão, muito justamente devidos a quem deu provas de tamanha expertise. Porém, oh mundo ingrato, sinto-me fuzilado pelo olhar reprovador do Leão que, do alto do seu metro e sessenta e cinco, resmunga entre dentes:

- O meu Alferes arranjou-a bonita, arranjou. Olhe, depois não se esqueça de dizer que a comida não presta.

Dizendo isto, saca a mão do bolso e vira-me a palma: R…S…T…
De braço dado com o major, lá se foram até Bissau os oito contitos do saco azul.

Nota: Personagens e glossário, pela ordem em que aparecem no texto:

Carroça – é a alcunha pela qual o senhor Manuel é mais conhecido.
Ratado – roubado no peso.
Com gola – mal cheio. Também se diz com fita.
Penalty – copo de 2,5 dl de vinho
Apalpa-folgas – instrumento semelhante a um canivete suíço com várias lâminas de aço, muito finas. Serve para ajustar a folga das válvulas na cabeça dos motores.
Manuel Coelho – o nome e morada são verdadeiros, assim como o facto de ter sido ele quem me tratou. Se tivesse ido para o hospital, o mais certo seria ter ficado coxo para o resto da vida.
Ansião – concelho do distrito de Leiria a que pertencia a minha freguesia, Chão de Couce. O julgamento deu-se em 1966. Estava relacionado com um passeio numa moto emprestada. Fui julgado à revelia (ai não…) e absolvido!!! E ainda há quem não acredite na justiça.
Sant’Amaro – por razões óbvias, o nome do santo não é este. O rapaz ganhou a alcunha porque logo no segundo dia de recruta, alegando o cumprimento imperioso e urgente de uma promessa ao tal santo, fez um peditório junto dos camaradas cujo produto gastou em vinho, cerveja e cavacos (marisco açoriano). Andou grosso durante uma semana. Após o saque irregular, não se conteve e viajou até Farim onde adquiriu alguns bens na casa Libanesa. A operação policial posta em campo descobriu rapidamente o rato através dos sinais exteriores de riqueza. Teve uma rebanhada de filhos, quase todos a residirem na América, aos quais se juntou recentemente depois de uma vida como pescador em Vila Franca do Campo.
Santa Maria – alcunha verdadeira do soldado Alves por ser natural daquela ilha, único aliás, na Companhia. Era um garnisé, asmático, incapaz de dar dois passos sem ficar com os bofes à boca. Contudo, fumava dois maços de tabaco por dia. Só por milagre é que ainda poderá estar vivo.
Bogart – Humphrey Bogart
Leanito – 1º Sargento Leão. Alentejano de Portalegre, andaria pelos cinquenta anos. Bom homem, faleceu há mais de duas décadas.
Ribeiro – 2º Sargento do QP. Fino que nem um rato, chegou a Chefe. Vive Lordelo do Campo, próximo de Vila Real.
Marques – amanuense, de Rio Maior.
Mexia – 2º Sargento do QP, alentejano de Vila Boím. Um gajo porreiro. Vi-o pela última vez há cerca de quatro ou cinco anos. Devido ao excesso de peso (200kg?), andava a ser seguido numa consulta de endocrinologia em Santa Maria.
_____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3585: Histórias de Vitor Junqueira (11): Um conto (triste) de Natal

Guiné 63/74 - P3607: Historiografia da Presença Portuguesa em África (12): Cónego Marcelino Marques de Barros (1844-1928) (Beja Santos)



Dois documentos extraídos do artigo "Antiguidades do Ultramar: II. Organizações das Missões da Guiné (Projecto de 1880)", por António Lourenço Farinha, antigo missionário em Moçambique. In: O Missionário Católico, de 1931, p. 155. Fotografia do Cónego Marcelino Marques de Barros (1844-1928) e início de uma pequena resenha biográfica.


Imagens: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados


1. Mensagem do Beja Santos, de 29 de Setembro último:

Historiografia da presença portuguesa (*) > Cónego Marcelino Marques de Barros, uma das glórias da Guiné

A história cultural de Guiné-Bissau tem algumas figuras incontornáveis e uma delas é Marcelino Marques de Barros[ 1844-1928] (**), que foi Vigário Geral, sócio correspondente da Sociedade de Geografia de Lisboa, onde publicou alguns dos seus mais brilhantes trabalhos.

Natural de Bissau, onde nasceu em 1844, estudou em Cernache do Bonjardim, no Colégio das Missões, onde se preparou para ser missionário. Em 1868 trabalhou entre os Felupes, no norte. Após 11 anos de trabalho exaustivo, voltou a Portugal em 1867 e daqui regressou à Guiné por onde se conservou por mais 7 anos.

Voltou ao colégio que o educou e aqui escreveu obras de uma importância transcendente para o conhecimento da corografia, línguas nativas, plantas medicinais, topografia, hidrografia, usos e costumes, dicionário de crioulo e uma colectânea de contos, parábolas e cantigas dos nativos, que a critica literária do seu tempo, (finais do século 19, princípios do século 20) elogiou entusiasticamente.

Encontrei em O Missionário Católico, de Março de 1931, uma das raras fotografias do Cónego e um texto de um importante historiador das missões portugueses, Padre António Lourenço Farinha, acerca de um projecto datado de 1880, de autoria de Marcelino Marques Barros, referente à organização das Missões da Guiné e dirigido ao Bispo da Diocese de Cabo Verde.

Como é muito próprio da sua personalidade, o prelado identifica logo a região: a Guiné e os seus rios; as ilhas e o arquipélago dos Bijagós; os povos (Ariatas, Felupes, Mandingas, Fulas, Banhuns, Cassangas, Papéis, Balantas, Bijagós, Biafadas e Nalus), as freguesias, as pontas. Refere os grumetes (***) como a parte da população mais capaz de aderir ao catolicismo, chama-lhes mesmo "o verdadeiro povo português indígena, e o que mais tem concorrido para engrossar todos os nossos presídios ou vilas contra as quais se revoltam tantas quantas vezes se julgam nos seus interesses ou interesses dos seus avós feridos".

É para estes e para os animistas que o prelado envia um projecto das organizações católicas. Vale a pena apreciar o teor da sua proposta, sinteticamente.:

(i) Os párocos e vigários deveriam ser formados num Seminário Diocesano, e ser oriundos da Guiné;

(ii) Os jovens seriam inicialmente educados num pequeno colégio, todos os régulos deveriam enviar 2 ou 3 dos seus filhos para o Colégio Central das Missões, no Reino;

(iii) Aqui deveriam aprender a falar correctamente o português e também medicina e agricultura;

(iv) Viriam depois para a Guiné acompanhados de mestres de ofícios, como pedreiros, carpinteiros e ferreiros, de preferência europeus;

(v) Como os povos guineenses adoram música, nenhum missionário poderia vir para estas paragens sem saber tocar harmónio, harpa ou flauta;

(vi) Os candidatos a missionário deviam ser escolhidos preferencialmente entre Felupes, Papéis, Bijagós, Balantas e Biafadas, visto serem estas as nações que mais se facilmente se cristianizam;

(vii) Certamente recordado da boa recepção que encontrou entre os Felupes, descreve e região como apropriada para o primeiro esforço missionário; fala de aspectos administrativos, logísticos e organizacionais que, como é óbvio, não tem para aqui interesse; e entre alguns aspectos dignos de investigação, o prelado refere "a ponta de S. António, junto ao reino do Xime, cujo a mina de ouro fez a fortuna dos espanhóis noutras eras e cujo príncipe Manuel Maneu, filho de Galen e de Arajé foi por mim baptizado aos 19 dias do mês de Setembro de 1871".

Fora do contexto desta carta, o padre António Lourenço Farinha diz que a Guiné, por motivos de insalubridade, nunca foi muito cobiçada pelos missionários desde os primeiros séculos da colonização, e desenvolve argumentos sobre a missionação da Guiné cujo teor deixaremos para mais adiante, quando aqui se falar de um conjunto de investigações do Almirante Avelino Teixeira da Mota subordinadas ao título "As Viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné".

Beja Santos (*** *)
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 9 de Dezembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3589: Historiografia da presença portuguesa (11): Filatelia do 5º Centenário da Descoberta do Território, 1446/1946 (Beja Santos)

(**) Vd. também os seguintes sítios:

Dioceses da Guiné-Bissau > Evangelização > História

Instituto Camões > Leopoldo Amado > A Literatura Colonial Guineense

União dos Escritores Angolanos > Jurema José de Oliveira > As Literaturas Africanas e o Jornalismo no Período Colonial

(***) Do Ing. groom mate, rapaz ajudante; s. m.,
praça de marinha de graduação inferior a marinheiro e superior a aluno marinheiro;
habitante de Cacheu, na Guiné-Bissau.(Fonte: Priberam Informática)

Vd. também Vidas Alternativas > Beja Santos > A GUINÉ DOS GRUMETES, DOS ESCRAVOS E DOS PRESÍDIOS

(****) Vd. ainda os postes de:

14 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3316: O meu baptismo de fogo (9): Missirá, Cuor, 6 de Setembro de 1968 (Beja Santos)

14 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3206: Antropologia (11): O Crioulo da Guiné. Mário Beja Santos.

Guiné 63/74 - P3606: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (5): O Meu Pedido de Natal (Rui A. Ferreira)


1. Mensagem do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira, Ten Cor Ref (*), com data de 7 de Dezembro de 2008, enviando-nos este poema de sua autoria, alusivo à quadra natalícia:

Com os meus mais sentidos, sinceros e fraternais votos de Bom Natal e que o novo ano traga a cada um o que mais deseja aqui vos deixo



O meu pedido de Natal
por Rui Ferreira

Já nem sei se foi real
ou num sonho louco que tive,
ter tido especial visita
da fada magna que habita
nos planos do sobrenatural.

Que me afirmou deferente,
quando o espanto mal contive,
ter sido o feliz escolhido
para um desejo ver cumprido,
pra isso estava ali presente.

Pensei então que da mocidade
entre muitas coisas retive,
a esperança de poder legar
a minha forma invulgar
para se salvar a humanidade.

Que para cada um fosse habitual
e em cada dia que se vive,
tudo fazer com a alegria,
o doce encanto e a magia
duma noite de Natal.


Um grande abraço do
Rui Alexandrino Ferreira
____________

Notas de L.G.:

(*) O Ten Cor Ref Rui A. Ferreira tem duas comissões na Guiné, primeiro como Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e depois como Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72. Fez ainda uma comissão em Angola, como Capitão.

Publicou em 2001 a sua primeira obra literária, "Rumo a Fulacunda".

Vd. poste de 4 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3169: Blogpoesia (23): Amálgama de sentimentos e emoções...(Rui A. Ferreira).

Vd. último poste da série de 11 de Dezembro de 2008 Guiné 63/74 - P3599: As Boas Festas da Nossa Tabanca Grande (4): Victor Condeço, Catió, Ex-Fur Mil Mec Arm, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3605: Blogoterapia (81): Sempre gostei do meu país mas nem de todos os que cá vivem (António Santos)

1. Mensagem do António Santos (*), com data de 30 de Novembro:


Eu sou daqueles que falo pouco, observo e gosto mais de actuar, por vezes nem penso, e já sofri na pele por ser assim, inclusive monetariamente.

Fala-se tanto dos que passaram ao lado da guerra, por isto ou por aquilo, não interessa agora para o caso o porquê, recentemente veio juntar-se aquela frase escrita por um olheiro do nosso blogue - "velhos a lamentarem-se", ou coisa parecida... Não merece importância.

Bem vamos ao assunto que me leva desta vez a falar, escrever, primeiro. Há dias ouvi na Antena 2 uma entrevista com o Artur Agostinho, em que a dado momento disse "que gostava de PORTUGAL e não de muitas pessoas". Ora esta frase despertou em mim certas lembranças que passo descrever: eu também sou como o Sr. Artur, gosto muitíssimo de Portugal e não gosto de muitas pessoas, especialmente se são políticos, dou valor aos amigos do seu amigo, esses sim é que têm valor.

Tenho um tio que esteve na Guiné, em 63/65, na CCAÇ 557, companhia do nosso camarada José Colaço. Depois de regressar, passado algum tempo foi clandestino para França, a salto, como todos os outros, antes do tratado de Maastritch, e ainda la está.

Quando estava a aproximar-se a data de eu ser forçado a dar o nome para a tropa, ele apareceu e quis levar-me com ele. Pois já adivinharam que não conseguiu que eu fosse, primeiro por que gosto muito da minha terra, depois não me estava a ver viver noutro país que não o meu e na altura a Guiné, para onde acabei também por ir parar, diziam ser Portugal. Ele bem que me contou coisas da guerra da Ilha do Como e não sei mais quê, mas... não me demoveu.

Não sou herói, porque não os há, há sim indivíduos mais corajosos que outros, indivíduos que perante certas situações se transcendem e/ou se passam dos carretos, e cometem actos de bravura, mas nem sempre são os medalhados.

Tudo isto para dizer que Portugal é um país muito querido, antigo como poucos e com muita História, aqui sim com H grande.


A. Santos
SPM 2558

__________

Notas de L.G.:

(*) Ex-Sold Trms, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74; membro da nossa Tabanca Grande desde 15 de Maio de 2006; residente em Caneças, concelho de Odivelas.

Vd. último poste do A. Santos > 21 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3496: Hospital Militar Principal: Fazendo mini-caixões antes de ser mobilizado (António Santos)

(**) Vd. último poste desta série > 5 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3566: Blogoterapia (73): Um elogio vindo da Bélgica (Soldado Carvalho / Santos Oliveira)

Guiné 63/74 - P3604: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (15): Eu, o Duarte, o Coelho, o Nico... mais o Jubilé do Honório (Jorge Félix)

S/l > 29 de Novembro de 2008 > O Jorge Félix, o primeiro da primeira fila, à esquerda, mais um grupo de camaradas, todos antigos pilotos da FAP que passaram pela Guiné de 1968 a 1970.


Foto: © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem, com data de 30 de Novembro, enviada pelo Jorge Félix, ex-Alf Mil Pilav Heli Alouette III (BA 12, Bissalanca, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos, residente em Vila Nova de Gaia


Caro Luís:

Segue uma foto, arrancada no último 29 de Novembro de 2008, com um grupo de pilotos que voaram pelos ares da Guiné nos anos de 68/69/70. Alguns dos nossos tertulianos devem conhecê-los, com um pouco de esforço e 40 anos em cima. Eu, o Duarte e o Coelho voavam helis. Os restantes voavam T6 e o Nico também voava Fiats, ou para os mais puristas, era piloto de Fiats e também voava T6.

Esteve lá mais malta que te enviarei se achares apropriado. Não voaram nas bolanhas, um pecado ...

Falou-se de guerras imperdíveis (*)...

Pedias-me há dias uma explicação sobre o nome de guerra do Honório (**). Segue-se o esclarecimento: quando eu e o Pinto fomos render o Arada e Ruana, quem tinha o nome de Guerra de Jagudi era o Arada. Era o mês de Setembro de 68.

O Honório até esta data utilizava o Jubilé como nome de guerra. Eu desconhecia isso, pois não estava lá. Os anos já lá vão, mas na ideia ficou-me que o Honório se auto-intitulava de o verdadeiro Jagudi. Devo ter-lhe escutado falar para a torre como sendo o Jagudi. Neste encontro com malta da Guiné fui esclarecido por gente que tem melhor cabeça que a minha que o indicativo do Honório era Jubilé.

Se na altura soubesse disto era eu que me intitularia como sendo o Jagudi. Fica para a proxima.

Este mail vai também para a nossa Tabanquinha de Matosinhos.

_____

Notas de L.G.:

(*) Vdf. úkltimo poste da série > 1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)

(**) Vd. postes de:

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3412: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (11): Ainda o Honório, o Jagudi... ou o puro gozo de voar (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P3603: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (13): Quatro actos para um ponto de vista...

Azar! Consegui chegar ao UMBIGO nº. 13.

Especialmente para o Luís: Obrigado pelas referências aos meus textos.
Para todos UM ABRAÇO do
Alberto Branquinho


NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (13)

QUATRO ACTOS PARA UM PONTO DE VISTA

ACTO 1 – In-formação

No bar da messe de oficiais de sede de batalhão, estavam um jornalista e o seu “cameraman”, encostados ao balcão, bebericando whisky com gelo. Tinham chegado nessa tarde, na Dornier do correio. Aliás, a tez pálida de ambos denunciava que não eram gente da terra nem da guerra. Faziam horas para o jantar.

Entrou um alferes em traje civil, que se sentou ao balcão.
- Boa tarde, cumprimentou-os. – Oh Bigodes, sai um whisky com Pérrier.
- E gelo?
O alferes fez que sim com a cabeça.
O jornalista aproximou-se:
- Permita-me que me apresente. Sou Amplexo da Silva do “Notícias Dia-a-Dia”.
- Alferes… quer dizer, Manuel Gonçalves. Prazer.
Cumprimentaram-se.
- O prazer é meu, em estar aqui entre combatentes da Pátria. Estou, quer dizer… estamos em missão de reportagem sobre a guerra na Guiné.
- Guerra?! Oh senhor jornalista, afinal há guerra aqui? O que aqui temos é uma insurreição armada, vinda e alimentada do exterior.
- Pois, mas há acções armadas, tanto quanto sei e eu sou… repórter de guerra.
- Mas o senhor sabe que aqui não há guerra, segundo a TV e os jornais da Metrópole.
- Já tive o prazer de conversar com o Senhor Comandante do Batalhão, a quem venho recomendado. Amanhã vou ter um briefing com o Sr. Oficial de Operações e depois de amanhã espero sair para o mato com uma unidade operacional, para sentir a realidade.
- Eu disponho-me já para o enquadrar no meu pelotão quando formos para uma zona de… porrada. Não é preciso ir muito longe.
- Sr. Alferes, muito obrigado. Vou falar da sua disponibilidade ao Sr. Comandante. Para onde o Sr. Alferes sugere que se deva ir?
- Sabe, estas coisas não dependem de irmos para norte ou para sul. Depende mais das fases da lua, da orientação do vento ou da humidade do ar…Com sorte ou com azar, pode alcançar a verdade e a vida a pouco mais que quatro/cinco quilómetros. Sempre será melhor que estar para aí a filmar a mata com meia dúzia de figurantes de armas na mão, tendo o homem da câmara encostado ao arame farpado…

Quando o Comandante chegou para jantar, convidou o jornalista para a sua mesa.

No dia seguinte o Comandante mandou chamar o Capitão Gomes. Disse-lhe para, com cuidado, dar umas voltas com o jornalista pelas tabancas mais próximas e terminou:
- Faça-me o favor de dizer ao seu alferes Gonçalves para ter tento na língua.

ACTO 2 – Passeios

A Dornier sobrevoou o aquartelamento e começou a fazer uma volta larga, para aproximação à pista.
- Segurança à pista!! Olh'ó correio!
Mal a aeronave descolou e tomou altura, abandonaram as posições defensivas à volta da pista e regressaram, ansiosamente, ao quartel.
Imediatamente o escriturário, à porta da secretaria, começou a gritar os nomes dos destinatários das cartas e aerogramas, à medida que os retirava do saco. Tinha à sua frente um amontoado de caras ansiosas, que levantavam a mão e empurravam os outros, quando ele berrava um nome.

O Fabiano recebeu o aerograma e afastou-se, com o coração aos pulos. Sentou-se contra uma parede e, ao abri-lo, quase rasgou a folha de papel. Começou a ler: “ Tu dizes que sais para batidas, patrulhas, operações e emboscadas. Ainda dás uns passeios. Eu para aqui estou e é só de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Passear, passear é só à missa nos domingos e……”
Voltou atrás para ler de novo.
Desolado, amarrotou o aerograma com a mão direita e ficou longo tempo a olhar para as biqueiras das botas.
Nunca mais escreveu.
Na aldeia constou que tinha morrido.

ACTO 3 – Conselhos de mãe

O Capitão, apontando no mapa colocado na parede, fazia, depois, uns traços, círculos e semicírculos sobre o papel branco colado ao lado, expondo aos quatro alferes o plano e a missão de cada um dos quatro pelotões quanto à operação que a Companhia iria executar, com a duração de três dias, saindo do quartel às três horas da madrugada.
Acabada a explanação, perguntou:
- Alguma dúvida?
- Meu capitão, eu não posso ir, disse o alferes Branco.
- Deixe-se de merdas! Porquê?
- Recebi hoje uma carta de minha Mãe, que me diz para eu não sair à noite e não apanhar muito sol.

ACTO – O problema é de “isolamento”

A professora de ensino primário, a exercer numa localidade próxima da fronteira com Espanha, lia pela terceira vez a carta acabada de receber:
“Prima Isabel,
Estou cansado, saturado e desiludido com tudo isto aqui na Guiné, para não falar da brutalidade e dos riscos que aqui corremos. Depois te contarei em pormenor.
Não sei se já te disseram que vou aí de férias em Julho.
Queria pedir-te que vás pensando e, com cuidado, fazendo contactos para me arranjares um “passador” que me leve para Espanha e, depois, me entregue a alguém que me passe para França. Preferia que fosse para o sul de França, saindo pela fronteira a norte de Barcelona, para, depois, ir para Marselha, onde tenho uns amigos.
Não fales disto a ninguém da Família, muito menos à minha Mãe ou ao meu Pai.
Um beijo do
Augusto."

A prima acabou de ler e ficou a olhar pela janela. Ao fundo, no horizonte, eram terras de Espanha.
Não demorou a resposta. Foi no dia seguinte. Com a autoridade que assumia por ser uns anos mais velha, foi assim:
"Augusto,
Tens que ter paciência e, além disso, ter juízo. Já viste o disparate que ias fazer?
Eu também estou para aqui isolada no meio da serra e só vou à Guarda de mês a mês. Daqui a dois anos espero ser colocada numa ……"
__________

Notas de vb:

1. Alberto Branquinho foi alf mil da CArt 1689, 1967/69. Andou por Gandembel, Empada, Bambadinca, Buba, Bedanda, Bafatá, Banjara...

2. para além de trabalho é uma diversão publicar estes "umbigos" do Alberto Branquinho. A série pode ser vista/revista em

2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Guiné 63/74 - P3602: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (5): Bula - Gratidão


Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72

1. Mensagem de Luís Faria com data de 6 de Dezembro de 2008:

Caro Vinhal e Luis

Antes de mais, obrigado por terem publicado as duas imagens que pedi. Agradeço no entanto que a do emblema seja sempre publicada, mas trocada pela que enviei e é original (as cores são diferentes). Peço isto na esperança de que ela chame a atenção de mais algum camarada da CCaç 2791, de alguém relacionado ou que lá se
tivesse cruzado connosco e que possa vir também a contribuir com os seus dizeres.

Segue o capítulo 5.º das Viagens à volta das minhas memorias

Um Alfa Bravo a todos
Luis S Faria


Bula – Gratidão

Novembro foi o mês de adaptação à nova realidade, sobreposição com a velhice do BCav 2628 que nos mostrou parte da zona e passou o testemunho.

É altura de apresentar os Quadros iniciais da CCaç 2791, que muito contribuíram para a sua coesão e muito bom desempenho:

Comandante:
Cap Mil Art Mamede de Sousa (Arqt.º - casado)

Operacionais:

1.º GCOMB
Alf Mil Op Esp J. Manuel Quintas (casado)
Fur Mil Joaquim Mesquita
Fur Mil Luís Madaleno

2.º GCOMB
Alf Mil Caetano de Barros (Guineense)
Fur Mil Op Esp Carlos Castro
Fur Mil Santos Marques

3.º GCOMB
Alf Mil Ornelas Gomes
Fur Mil Amaral Almeida
Fur Mil Francisco Ferreira

4.º GCOMB
Fur Mil Luís Faria
Fur Mil Jorge Fontinha
Fur Mil Moura Chaves

Não operacionais

2.º Sarg Francisco Guerreiro
2.º Sarg Simão Bastos
Fur Mil Enf Urbano Silva
Fur Mil Trms Luís Lourenço
Fur Mil Vag A. Belchiorinho
Fur Mec Joaquim Mealha

Nota :
Aos Praças da 2791 (Força) , de quem no geral muito me orgulho e a quem, como disse o Urbano em comentário, ficou gravado parte do mapa da Guiné debaixo da pele, não os menciono aqui por a lista ser muito extensa. Alguns serão evocados / retratados ao longo dos capítulos que se irão seguir.

Aos furiéis não operacionais devo, para além da amizade, o meu agradecimento por todo o apoio de retaguarda que nos foi indispensável nas nossas deambulações pela Guiné:

Ao Mealha, algarvio de Estói que ao que sei, recebeu algumas viaturas em peças, não se chateou muito. Quantas mais, mais trabalho vão dar!! Partindo deste pressuposto deitou mãos à obra com os seus muchachos e de duas GMC conseguiu montar uma. Jipe Willys, isso era um luxo desnecessário e como tal só houve um para o Capitão. Unimogues… isso sim, eram muito necessários e como tal andavam sempre um brinquinho.

Era uma jóia e toda a gente gostava dele inclusive as Bajudas! (... Onde pára o Mealha?... se calhar foi à tabanca esvaziar óleo !!!?) Gostava de se embrenhar sozinho, a pé ou de GMC, pela povoação e uma noite que foi à fonte onde nos abastecíamos de água e pelos vistos o IN também, teve que se pirar à pressa para não ser apanhado à mão, disse!

Passou a ter mais cuidado, mas não parou.

Para além destes gostos, também era ferrinho nas Cerimónias, e julgava-se exímio a tocar na minha viola, que só arranhava com um dedo !!

E era este, numa pincelada geral, o Joaquim dos Santos Mealha daqueles tempos.

Desde o regresso, nunca mais soube nada dele, procurei-o via telefone, pessoalmente em Estói, mas nada consegui. Se algum Tertuliano souber algo, agradeço.

Ao Lourenço (Metralhinha), que com aquele seu ar ensimesmado por detrás dos grandes óculos que lhe davam um aspecto de Irmão Metralha intelectual, lhe conferiam o estatuto do eu é que sei…(?!) e que por vezes sabia ser chato, corrosivo e exasperante com’o caraças, que não só gostava de olhar de ladegos para as Bajudas (…o Metralhinha? …acho que foi à cagadeira…! !?), mas também apreciava uma boa Cerimónia.

Também era, diga-se, um fotógrafo de truz e a sua máquina - creio que Pentax - era uma companheira pronta a entrar em acção.

No que tocava a equipamento de transmissões o Lourenço não deixava os créditos em mãos alheias e que me lembre, nunca tive um problema de recepção / emissão com os banana, o que foi muitas vezes importantíssimo. Como ele dizia… são os cristais,…são os cristais… ! .

Actualmente pertence aos quadros da PT e por vezes encontramo-nos em almoços da Companhia.

Ao Belchiorinho, alentejano de Évora, que com a sua educação, honestidade, benevolência, pacatez e simplicidade era querido de toda a Jericada (rapaziada -Castro). Não gostava que o pessoal passasse fome, e como tal fazia vista grossa aos assaltos ao Depósito de géneros, para que pudessem alimentar o corpo e o espírito! Quem não achava muita piada a isto, era o Sarg Guerreiro que estava sempre a por o desgraçado do Belchiorinho à pega. E este por sua vez mandava-o p’ro caraças em pensamento e refugiava-se numa bazucada!

Nas Cerimónias era presença assídua e alegre e ainda hoje não falha, com a Esposa, a um almoço da Companhia ou do Batalhão. Eng Téc Agrónomo é Funcionário Público em Alcácer do Sal.

Ao Urbano, nortenho de Salreu, com o seu olhar perspicaz, observador atento de fisionomias e de estados de espírito, era o nosso Doutor carismático e amigo. De forte carácter e personalidade vincada não se deixava enrolar pelo pessoal, mas zelava diligentemente pela nossa saúde e pelas condições higiénico - sanitárias do pessoal, que defendia numa base de Justiça, fosse contra quem fosse! Desde obrigar a tomar o quinino às vistorias ao pessoal e ao abastecimento medicamentoso dos enfermeiros dos GComb, nunca nada faltou.

De andar gingão à cowboy cirandava pela povoação, em contacto directo com a população, observando e conhecendo. Muitas estórias pode contar…! Com a sua faca de caça submarina, treinava o lançamento comigo e era difícil falhar o alvo a 10/11 passos. E poker de cartas? Vá lá vai… os Capitães que o digam!! Para além do mais, também era ferrinho nas Cerimónias em que sobre assuntos da Companhia era fácil ouvir-lhe o vai -te f… não sabes nada…eu é que sei..!! e desbobinava o acontecimento.

Assim era o Urbano, grande amigo com quem volta e meia me encontro, juntamente com mais meia dúzia de Ex-2791 em almoçaradas bem animadas.

A todos eles mais uma vez o meu muito obrigado

Entretanto, os operacionais, coadjuvados pelos eteranos, foram fazendo segurança às colunas, umas patrulhas e emboscadas ao longo da estrada Bula –S. Vicente e um verdadeiro tirocínio aos ataques cerradíssimos de milhares de esquadrilhas de mosquitos que, quais kamicazes, atazanavam a paciência dos mais serenos. Dita a sabedoria que se gostarmos muito de uma comida e a tivermos em demasia, enjoamos e não queremos mais (origem L.F.).Seguindo esta douta máxima, o que comecei a fazer para enjoar os kamicazes e ao mesmo tempo dar exemplo de auto - domínio ao pessoal, foi desabotoar o camuflado e oferecer-me de peito aberto à voragem voadora! E não é que resultou?! Ao fim duas ou três noites já nem os sentia!! Até fazíamos apostas!!!

Nota:
Cerimónia - Reunião do pessoal à volta de uma ou mais garrafas com conteúdo alcoólico, se possível (não obrigatório) com alguns elementos sólidos a acompanhar e em que a motivação principal era dar asas ao nosso stressado Eu. Seguem-se exemplos…!

Bula > Cerimónia - Início

Bula > Cerimónia - Meio

Bula > Cerimónia - Fim


ATENÇÃO
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Joaquim dos Santos Mealha, ex-Fur Mec da CCAÇ 2791

Um abraço à Tertúlia
Luís S Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3574: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria ) (4): Conhecer a realidade de Bula