quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4925: Memória dos lugares (40): Fotos do “Resort” de Bissum - Naga, 1968 (José Nunes, ex-1º Cabo, BENG 447, Brá, 1968/70)

1. O nosso Camarada José Nunes (José Silvério Correia Nunes), ex-1º Cabo no BENG 447 (Brá, 15JAN68 a 15JAN70), enviou-nos mais uma reportagem fotográfica, em 06SET2009, sobre o Bu... rako de Bissum - Naga, no ano de 1968:

O “Resort” de Bissum - Naga

Camaradas,

Aqui estão mais algumas fotos memoriais de um lugar bastante isolado.

Bem-Vindos a Bissum

Só de avião ou lancha, pelo Rio Armada, se lá chegava.A nossa equipa de “faíscas”, o Furriel Subtil Soares, Baiona de Andrade e Zé Nunes, estivemos em Bissum entre Setembro 1968 e finais de Outubro do mesmo ano.

Ali sofremos um ataque do IN em que estivemos mais de 6 horas debaixo de fogo, felizmente sem consequências físicas pessoais.

Só que, no dia seguinte,ao fazer o reconhecimento, tivemos um Camarada que accionou com mina anti-pessoal e ficou sem um pé.O problema maior foi a sua evacuação.

Fui no avião com o Honório e voltei de lancha, pois era habitual alternarmos os transportes.

Descer o rio armada era um caso sério, pois 2 lanchas haviam sido afundadas, embora fossem posteriomente recuperadas pelo pessoal da Armada.

Navegamos durante a noite rio Cacheu abaixo, até Cacheu onde pernoitamos, neste "Resort".

Estivemos um mês a almoçar sopa de cebola e atum com bianda e ao jantar, para variar, comíamos cebola na sopa e bianda com atum.

Só nos safavamos porque haviam muitas rolas e tínhamos bons caçadores, que arranjavam assim matéria para umas rotineiras petiscadas.

O Honório era sempre presenteado com uns passarinhos fritos.

Era o que se podia desenrascar.


Saindo da minha "suite do Hotel"

O "restaurante" de Bissum

Saíndo da sala de refeições do "Hotel"

As "minhas" Bajudas

Os djubis fazendo o trablho deles (brincar)

Esta sim é que era a minha verdadeira guerra

O Furriel Subtil é que me entrega a lâmpada

Os "faíscas" armados em guerrilheiros

Aspecto do espaldão/abrigo do morteiro 81 cm

O obús de 10,5 cm

Uma granada do obús de 10,5 cm

O Furriel Subtil em cima e eu em baixo junto ao obús de 105 mm

O avião do Honório

Gamei o avião ao Honório

Um Abraço,
José Nunes
1º Cabo Mec Elect do BENG 447

Fotos: © José Nunes (2009). Direitos reservados.
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Guiné 63/74 - P4924: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (3): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação em Mansoa

1. Do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, publicamos neste poste a terceira parte das suas memórias. A primeira está no poste P4877 e a segunda no P4890.

Operação a Mansoa (no final do mês de Setembro)

O primeiro contacto com o mato só nos deixou tristes recordações.

Distribuíram-nos rações de combate e munições suplementares, e partimos para Mansoa.

Em Mansoa, ficamos instalados nuns barracões, devido à chuva nesse dia, e comemos uma ração de combate, para irmos mais leves.

Mais tarde chegaram as viaturas que nos transportaram até uma ponte destruída e daí para a frente, caminhamos apeados, estrada fora até que entramos no mato cerrado, todos em contacto uns com os outros, com as mãos enfiadas no cinturão do Camarada da frente, porque qualquer descuido seria a perda de contacto.

A minha secção ia na retaguarda e por isso, como é óbvio, era fundamental não perder o contacto com o restante pessoal.

O 1º Cabo Alfredo que ia à minha frente ficou com o cinturão quase desfeito de eu me agarrar a ele.

Passamos por várias abatizes com a chuva a cair torrencialmente e depois de várias horas a andar de baixo daquela água toda, parou o temporal e o dia clareou.

Voltamos à posição de progressão normal, deixando em paz os cinturões dos homens da frente, quando o inesperado aconteceu. Pararam todos os que seguiam à minha frente e não se mexiam. Pus-me em pé e, quando passei a minha secção, ouvi uma voz dizer-me:

- Deita-te, deita-te… perdemo-nos do Capitão e do 1º pelotão.
- Onde estão os Alferes? – Perguntei eu.
- Ali – respondeu-me.
Fui ter com eles. Relataram-me o que se passava.
- Então e agora? – Perguntei eu.

A secção da frente não queria andar.
- Quem é o Furriel responsável? – Perguntei.
- É o Vargas! – Responderam-me.

Voltei-me para o Alferes mais antigo e disse-lhe:
- Tem que dar ordem de avançar. – Disse-lhe eu - Vargas, temos que seguir.

Começamos então a andar mas muito devagar. A uns trezentos metros à nossa frente ouvi um tiro. Mais uma vez todos mergulhamos para o chão.
Estava tudo parado outra vez e ninguém se mexia, quando descobrimos que o tiro fora para uma vaca que estava no interior do mato.

Como ninguém andava, pedi autorização ao Alferes, para ir para a frente com a minha secção avisando que as pernas eram para andar. Seguiu-se uma autêntica cavalgada, pois ao longe já se ouviam tiros esporádicos. Fomos sempre com atenção aos rastos e lá acabamos por encontrar o Capitão e o resto do pessoal, que já regressavam do objectivo.

Não sei o que se passou, nem sei se o objectivo foi alcançado e se ouve contacto com o IN, porque ninguém mais comentou sobre esta estranha operação, a não que ficaram para trás dois pelotões. Também não sei se depois entre os Alferes e o Capitão se justificaram do evidente desaire, que poderia ter tido consequências mais funestas.

Aos Furriéis nada era dito, nem antes nem depois de as coisas acontecerem, pelo menos aos do meu pelotão. Ficava tudo no segredo dos deuses e depois aconteciam destas coisas.

Andamos mais uns dois ou três quilómetros até à estrada, onde nos esperavam as viaturas que nos transportaram até Bissau, com passagem por Mansoa.

Um forte abraço do,

Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCaç 1426

Fotos "O Pôr do Sol em Mansoa": © César Dias (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

29 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4877: Estórias do Fernando Chapouto (FERNANDO SILVÉRIO CHAPOUTO) (1): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – O embarque no Niassa

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4923: Os nossos médicos (6): Homenagem ao Alf Mil Med Barata (Binta) e ao HM 241 (Bissau) (JERO, ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 675, 1964/66)


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 29 de Agosto de 2009 > "Fim de semana de incêndios... O heli Kamov Ka 32 (a nova coqueluche da Autoridade Nacional de Protecção Civil) andava, à nossa frente, num rodopio constante, abstecendo-se de água na barragem do Carrapatelo, ali à linha direita... É uma bisarma de 6 toneladas e meia que chega às 11, com o seu depósito suspenso de tipo «balde» com capacidade para até 5000 litros de água (!).

O fogo ameaçou casas de habitação, ali perto de nós, no Juncal, freguesia de Passinhos... Tal como ao JERO, o barulho de um heli, ao longe e ao perto, ainda hoje mexe comigo, quarenta anos depois da minha chegada à Guiné... Julgo que ainda mexe com todos nós"... (LG).

Vídeo (1' 06''): © Luís Graça (2009). Direitos reservados

Um cartoon, bem elucidativo, da situação de monopólio que o Alf Mil Méd Martins Barata detinha em Binta, como médico da CCAÇ

Gravura: © Arq José Pedro Roque Gameiro Martins Barata (2009). Direitos reservados. (Imagem gentilmente cedida pelo JERO).


O Dr. Martins Barata, acompanhado da esposa, na sua festa de aniversário: fez 70 anos em 12 de Abril de 2008.

Foto: © José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso amigo e camarada JERO, que vive em Alcobaça e, de vez em quando, vem até a Oeiras, para ver filhos e netos...

Oeiras, 5 de Setembro de 2009

Caro Luís

Assunto - Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio de Abreu (Canchungo 1971/73), por Luís Graça e António Graça de Abreu (*)


Li, reli e imprimi a tua postagem para ter ainda melhor leitura. O assunto diz-me muito pois estive no meio (Serviço de Saúde) cerca de 4 anos.

Como sabes, fui Furriel Mililiciano Enfermeiro mas não sabes que tive o privilégio de conhecer o meio em diversas qualidades: na Metrópole como estudante, doente e enfermeiro no HMP; e na Guiné como enfermeiro numa Companhia operacional(CCaç 675); e, finalmente, já quase com o navio no Cais de Bissau, como doente do HM 241.

Apresentadas as minhas credenciais, vamos aos médicos da Guiné.

1) Porque não escrevem - ou escreveram - os médicos?

Só eles o poderão explicar. Pessoalmente estou convencido que talvez o dever de sigilo e vidas profissionais muito preenchidas obviaram a que o fizessem. Mas passaram 40 anos e estarão hoje muitos deles já reformados!?

Verdade, verdadíssima, e são pessoas cultas que sabem escrever. E bem. Já transmiti para o nosso blogue – postagem 4859, de 25 de Agosto de 2009 - um excelente texto do Dr. Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (TIROS NO CACHEU) que prova isso mesmo. Hoje mesmo tentei agendar com o meu ex-Alferes Mil Médico Martins Barata um entrevista que deverá acontecer até ao final de Setembro. Depois darei notícias.

2) Fotos de médicos no CTIG

Obviamente que existem e temos que os sensibilizar para as mandarem para o nosso blogue. Já tive oportunidade enviar algumas – ver postagem 4878, de 29 de Agosto de 2009 – onde numa delas aparece o meu Alferes Médico de camuflado e capacete, antes de partir para uma operação para o OIO.

Para quem afirma que os médicos não iam para o mato, eu posso afirmar que, na minha Companhia, isso não acontecia. O Dr.Barata ia, por sua livre iniciativa, quando a operação o justificava e a equipa do Serviço de Saúde estava estoirada ou com baixas médicas. Porque a malta do Serviço de Saúde também adoecia de vez em quando.

3) Distribuição de médicos pelo CTIG

Em relação ao meu tempo na Guiné (Maio de 1964 a Maio de 1966), sem ter certezas absolutas julgo que cada Companhia independente tinha um médico, o que também acontecia nas CCS dos Batalhões. No trajecto de Lisboa para Bissau fiz Sargento-Dia com diversos médicos durante os 5 dias da viagem.

Depois de 1966, pelo que já li no nosso blogue, isso já não acontecia. Porque aconteceu ?

A minha teoria é que poderia ter havido dificuldades no recrutamento de médicos ou que, pelo tamanho da Guiné (superfície idêntica à do Alentejo), não se justificaria um médico por Companhia, desde que o Hospital Central (HM 241) respondesse. E desde que as evacuações se fizessem com rapidez os médicos e pessoal de enfermagem do HM 241 respondiam mesmo

4) Experiência profissional ou a falta dela

Mais uma vez em relação ao meu tempo os médicos que conheci tinham, obviamente, mais teoria que prática. E quem sou eu para dizer isso? Sem ser pretensioso tinha a experiência de cerca de 2 anos do Hospital Militar da Estrela onde fui Chefe da Enfermaria de Dermato-Sifligrafia. Esse contacto com médicos dessa especialidade e de outras – a enfermaria de que tive a chefia tinha 70 camas e doentes de diversas especialidades – deu-me algum capital de experiência.

Ora muitos médicos devem então ter sido mobilizados com uma breve e curta experiência de estágio hospitalar.

Falando por mim, tinha experiência de organização hospitalar mas prática de primeiros socorros – com sangue ao vivo e pernas partidas - era muito pouca. E não era nula porque, antes de embarcar para a Guiné, estive a estagiar por minha iniciativa no banco de urgências do Hospital de Alcobaça. O Enfermeiro Torres – que felizmente ainda está vivo para o confirmar - ensinou-me mais em 10 dias do que eu tinha aprendido no tempo todo do CSM. Estou-me a referir a primeiros socorros.

Que, repito, é o que pode fazer no mato quando os tiros abrandavam…


5) O que pode fazer o médico a um ferido debaixo de fogo?

Arrisco-me a dizer, muito pouco. E digo mais: não fará muito melhor que um enfermeiro experiente em primeiros socorros! Debaixo de fogo, o médico, ou o enfermeiro, tentava abrigar-se para quando a tempestade abrandasse pudesse tratar e estabilizar o ferido para ser evacuado para o HM 241, se o seu estado o justificasse. De heli ou DO.


6) Recordação e homenagem aos nossos médicos militares

O Luís Graça refere-o na sua (magnífica) postagem e gostei muito de ler as recordações de Cachungo. A evocação das doenças e mortes de crianças nativas são particularmente tocantes. Nesse aspecto o meu médico Martins Barata e eu próprio tivemos uma terrível experiência em Binta (Farim), no norte da Guiné. Uma epidemia e sarampo vitimou em poucas semanas 60 crianças e um adulto (uma mulher de vinte e poucos anos). Ainda hoje lembro os funerais das crianças e os rituais fúnebres!


7) HM-241, Bissau

Dizia-se no meu tempo que quem chegasse com um sopro de vida ao Hospital safava-se. Nem sempre terá acontecido mas nós, pessoal do Serviço de Saúde, quando metíamos um ferido ainda com vida num helicóptero, respirávamos de … esperança.

Falei recentemente com médico-radiologista de Alcobaça - António Nunes Franco do Nascimento e Sousa – que foi capitão-médico no HM 241 de 1968 a 1970. Também ele me confirmou essa extraordinária fama do HM 241.


Para essa elevada hipótese de agarrar vidas, contribuía a rapidez da evacuação – um heli podia ir até à fronteira com o Senegal e voltar a Bissau em cerca de uma hora – e o extraordinário naipe de médicos cirurgiões e também o pessoal de enfermagem das salas de operações.

Este meu conterrâneo tem hoje 79 anos o que quer dizer que foi mobilizado já com 30 e muitos anos. Tem 50 anos de radiologia e fala de si próprio como tendo tanta radioactividade como Chernobil. Desafiei-o para escrever alguma coisa sobre a experiência na Guiné.

8) Experiências pessoais

Como referi no início fui estudante, doente e enfermeiro no HMP.

Como doente, estive 70 dias em Medicina 3 no HMP, com uma hepatite.

Passei um mau bocado porque o Hospital tinha uns sanitários maus. Muito maus. Na fase inicial da hepatite, com elevadas temperaturas, tive o auxílio durante a noite de outros doentes da Enfermaria, que me davam água e me punham toalhas molhadas com água fria na testa. Nunca esqueci esse momentos de solidariedade.

Está claro que perdi o 2º ciclo do CSM e fui para casa 6 meses. Melhorei à custa dos cuidados dos meus pais e voltei para a tropa! Fui bem medicado e tratado mas ainda hoje não esqueço o médico que me confirmou o diagnóstico da hepatite sem para mim olhar. Escreveu na papeleta a prescrição do “cama 31” e passou à frente. Acertou como médico mas falhou em termos humanos…

Na Guiné, como enfermeiro numa Companhia operacional(CCaç 675), tive tantas experiências que daria para escrever um livro. O que já fiz. Finalmente, já quase com o navio no Cais de Bissau, estive como doente do HM 241. Ancilostomíase. O tratamento era habitualmente uma semana, mas não me correu bem e tive que repetir a medicação.

Foram 2 semanas de fome e altamente stressantes. A chegada ao hospital de helicópteros com feridos ou mortos deitou-me abaixo psicologicamente. O barulho das pás do heli ainda hoje me doem. A ansiedade era saber quem chegava. Se era um amigo, um conhecido ou, mais importante, se tinha condições de escapar com vida. Estas cenas repetiam-se diversas vezes por dia e eram assustadoras. Apesar de 4 anos de Serviço Saúde nunca me habituei ao sofrimento e à morte.

Termino por hoje reafirmando a minha vontade e disposição para contribuir para a homenagem que falta fazer aos nossos médicos militares.

Até breve, assim o espero. JERO

[Revisão / fixação de texto / bold, a cor: L.G.]

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4891: Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio de Abreu (Canchungo, 1971/73) (Luís Graça / António Graça de Abreu)

Último poste desta série > 8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4920: Os nossos médicos (5): Um grande homem, militar, clínico e matosinhense que me marcou, o Dr. Azevedo Franco (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P4922: Blogoterapia (125): No dia dos meus anos, brindei à amizade e à camaradagem forjadas em tempo de guerra (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada tertuliano e colaborador do nosso Blogue, José Marcelino Martins, ex-Fur Mil, Trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, com data de 8 de Setembro de 2009:

Caros Editores e restantes Membros

É com muita alegria que me dirijo à Tabanca Grande, no sentido de agradecer a amabilidade e a prova de amizade, ao publicarem o texto no dia do meu aniversário, assim como as várias mensagens recebidas, incluídas no blog ou enviadas para o meu mail pessoal e/ou particular.


Tenho que confessar que imprimi o texto para, de uma forma bem explícita, os meus filhos, netos e noras pudessem avaliar o que é a amizade e camaradagem forjada em tempo de guerra e continuada em tempo de paz. Isto já foi sentido pela Maria Manuela nos encontros, ainda que breves, que têm sido proporcionados ao longo dos últimos anos.


E, quando no final do dia, nos reunimos ao jantar, houve o brinde tradicional à família e, de seguida, todos me acompanharam


num novo brinde, desta vez à amizade e à camaradagem.

Por isto tudo só me resta enviar um grande abraço a todos e a cada um de vós.
José Marcelino Martins
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(*) Vd. poste de 5 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4896: Parabéns a você (24): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Os Editores)

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4909: Blogoterapia (124): Na Guiné também houve sacanas! (António G. Matos)

Guiné 63/74 - P4921: Em busca de... (88): Procuro António Lourenço, do Pel Trms, Quartel-General, Bissau (1968/70) (José de Melo)


1. O nosso Camarada José de Melo, que prestou serviço no Pelotão de Transmissões - Quartel-General em Bissau, como Furriel Miliciano, entre 1968 e 1970, enviou-nos em 30 de Agosto de 2009, uma mensagem com o seguinte apelo:

APELO

Camaradas,

Ao tomar conhecimento deste trabalho do Luís Graça, nasceu-me uma esperança (pouca, confesso) do seguinte:

Estive na Guiné entre 1968 e 1970 e estive colocado no Pelotão de Transmissões, sito dentro das instalações do Quartel-General, em Bissau.

Tinha então lá um amigo também furriel miliciano, que, tanto eu como ele, pela nossa semelhança fisionómica, nos tratávamos reciprocamente por irmãos.

Adorava reencontrá-lo mas, dele, lembro-me muito pouco.

Sei que o seu apelido… é Lourenço. O primeiro nome suponho que é… António.

O José de Melo na actualidade

Sei o apelido… Lourenço. O primeiro nome suponho que é… António

O José de Melo na actualidade

Mais sei que era do norte de Portugal.

Tenho uma fotografia em que estou junto dele, daquele tempo, e é tudo.

Agradeço a quem ler este meu apelo, que qualquer informação que me possa prestar o faça para o meu e-mail pessoal: casadopinho@gmail.com

Cordiais Saudações,
José de Melo
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P4920: Os nossos médicos (5): Um grande homem, militar, clínico e matosinhense que me marcou, o Dr. Azevedo Franco (José Teixeira)

Guiné > Região de Quínara > "Buba, 1969. Vê-se a bifurcação do Rio de cujas margens exteriores fomos atacados no dia do meu baptismo de fogo. Era um dos locais preferidos pelo IN para nos atacar" (JT).

Guiné > Região de Quínara > "Buba, 1969 – vendo-se um dos braços do Rio e uma pequena reentrância pela terra dentro, onde alguns de nós montávamos 'emboscadas' aos peixes quando estava a maré a vazar com uma rede improvisada, permitido uma fuga à fome, ou ao repetitivo arroz com chispe, na falta de outra coisa melhor" (JT)

Fotos gentilmente cedidas pelo ex-Alf Mil Med Azevedo Franco. Legendas: JT.

1. Mensagem de José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada (1968/70) (*)


OS MÉDICOS COM QUEM PARTILHEI A MINHA AVENTURA DE ENFERMEIRO (**)

O primeiro contacto que tive com um jovem médico na Guiné, tinha eu dois meses de comissão. Era um jovem de 26/27 anos, chegadinho de fresco.

Devo recordar que um Curso de Medicina leva seis anos a tirar, mais um ano de Internato hospitalar, no mínimo, pois que, na Especialização, vão mais três a cinco anos. Um médico de Clínica Geral só está apto a exercer medicina com cerca de 25 anos ou mais, logo este jovem médico tinha já uns anitos mais que qualquer alferes.

Apresentei-lhe um camarada doente com sintomas de paludismo. Como sabem os sintomas de paludismo variavam por vezes um pouco. No caso vertente, o desgraçado exauria-se em suores externos e internos, a par de terríveis dores musculares. Era uma autêntica bica aberta.

Como já tinha vivido algumas cenas idênticas, eu tinha aparentemente soluções para a cura, mas o médico entrou em parafuso e queria remeter o desgraçado para Bissau [, para o HM 241,] com urgência.

Disse-lhe então que se tencionava pedir uma evacuação urgente, o melhor seria fretar uma avioneta diariamente, para resolver todas as situações que iria viver futuramente.

Após conversarmos um pouco, o médico optou por lhe receitar a medicação apropriada que tínhamos no Posto, e três/quatro dias depois o jovem estava curado.

De todos os médicos com quem trabalhei, recordo dois pelas marcas positivas que me deixaram: O Dr. Alcides e o Dr. Azevedo Franco.

O primeiro, já com uma certa idade, pela sua simplicidade e pela forma carinhosa e cativante como acolhia o doente. Um homem pouco falador, que deixava adivinhar quanto se sentia deslocado naquela guerra, mas sempre disponível.

O Dr. João Carlos de Azevedo Franco, meu querido amigo, matosinhense de gema, marcou-me muito e com ele aprendi muita coisa, quer na Guiné, quer pela vida fora.

Especializou-se em Ortopedia e ainda trabalha no Hospital da Prelado no Porto. Aprendi com ele a ver no soldado, primeiro o homem em si, com toda a sua dignidade, e depois a doença que ele tem, da qual precisa de ser curado.

O Homem, longe da família, do seu meio natural, num ambiente climático desfavorável, debaixo de uma tensão psíquica elevadíssima, desgastado fisicamente pelo esforço diário de caminhadas debaixo de sol abrasador, com o perigo de morte sempre à espreita. A comida péssima e muitas vezes com refeições fora de horas ou rações de combate intragáveis. Água potável só por milagre se encontrava, etc.

Depois o doente que se queixava de tudo e às vezes não tinha nada, aparentemente, a não ser um cansaço físico e psíquico que lhe minava as forças e destruía o Homem a pouco e pouco.

Pródigo a conceder baixas, chegou ao ponte de reduzir a minha Companhia a trinta e sete homens (praças), operacionais. A CCaç 2382 pouco melhor estaria e a CCaç 2317, de Gandembel, pior ainda.

Um dia no Gabinete médico vimos pela janela, eu e ele, um camarada aproximar-se para a consulta. Diz o Dr. Azevedo Franco:
- Vem ali fulano - (conhecia-nos a todos ou quase todos pelo nome). - Vem com certeza pedir mais uma baixa e pelo aspecto bem precisa. Vai preenchendo o documento que eu assino...

A resposta de Bissau a tão grande hemorragia de pessoal no activo não demorou. Repentinamente surge uma avioneta com dois médicos lá dentro. Umas junta médica para avaliar os doentes com baixa.
- E agora, Doutor!?
- Não te preocupes. Assim como vieram, também se vão.

Durante dois dias foi um corridinho para o posto médico. No fim ficou tudo igual ou quase.

Logo de seguida aparece o General Spínola, de camuflado e pingalim, acompanhado do Capitão Almeida Bruno, o tal dos óculos escuros. Foram visitar o bando, estacionado em Buba.

Formatura geral. Discurso inflamado de patriotismo. Desafio a fecharmos os olhos e imaginarmo-nos na Confeitaria Trindade a manjar perú recheado ou meia desfeita com grão e bacalhau, quando estivéssemos a comer massa com amostras de ossos de chispe, o prato mais cozinhado à época, por falta de outra coisa melhor.

Depois uma ordem para o médico, que eu presenciei, por estar ali mesmo junto a eles:
- Estes homens o que precisam é de umas picas (injecções) valentes. Vou dar ordens para reforçarem o seu stock. Aponta Bruno!

Resposta sábia e ponderada do Dr. Azevedo Franco:
- O que eles precisam é de carne, peixe, fruta e descanso, Senhor Governador.
- Mas... umas picas... umas picas... - e lá se foi embora para o hélio.

Dias depois, chegou a LDM com alguns víveres e dois grandes caixotes de medicamentos à base de revigorantes.

Nem sequer foram abertos. Eu mesmo, por ordem do médico, fiz a guia de retorno para Bissau, com a informação de que não tinham sido pedidos.

O centro nevrálgico da construção da estrada passou entretanto temporariamente para Samba Sábali, um acampamento no meio da selva e logo depois para Mampatá Forreá, sendo a sua segurança assegurada por uma Companhia de Periquitos. A minha Companhia ficou repartida por Mampatá (um Grupo de Combate), Buba e Empada.

O Dr. Azevedo Franco ficou em Buba por mais algum tempo. Tive oportunidade de o reencontrar em Empada, onde nos ia fazer uma visita em serviço, e posteriormente em Bissau, no fim da minha Comissão, quando ele já estava a prestar serviço no Hospital Militar.

Recordo que tinha a seu cargo o acompanhamento médico dos combatentes do PAIGC, feridos ou doentes, feitos prisioneiros (***). Tive oportunidade de o acompanhar em algumas das visitas diárias que fazia a esses doentes e feridos. Só posso dizer uma coisa: Sempre o mesmo!

A sua forma de ser e estar na vida ficou gravada no meu coração e pela vida fora tem sido um esteio em que me apoio quando preciso.

Zé Teixeira

______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 18 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2058: Estórias do Zé Teixeira (20): Fermero ká tem patacão pra pagá, toma minha mudjer.


(*) Vd. postes antreriores desta série:

8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4918: Os nossos médicos (4): Um grande amigo, o Dr. Fernando Enriques de Lemos (Mário Fitas, ex-Fur Mil, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4910: Os Nossos Médicos (3): Os especialistas eram poucos, e não gostavam de ir para... o mato (Armandino Alves, CCAÇ 1589, 1966/68)

2 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4891: Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio de Abreu (Canchungo, 1971/73) (Luís Graça / António Graça de Abreu)

15 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3899: Os nossos médicos (1): Alf Mil Médico José Alberto Machado (Nova Lamego)


(***) Vd. poste de 4 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2080: Estórias do Zé Teixeira (22): Tuga na tem sorte


(...) Encontro imediato com o IN

Um ano depois, já em Bissau a aguardar a embarque de regresso, fui ao Hospital Militar visitar o querido amigo Dr. Azevedo Franco e acompanhei-o na visita clínica aos seus doentes de ortopedia, entre os quais os IN aí internados em enfermaria própria. Um doente especial chamou-me a atenção pela sua história. Tinha sido ferido pelas nossas forças com uma rajada na perna que lhe atingiu também a barriga, ficando de intestino a céu aberto. Aguentou três dias enterrado no tarrafo de uma bolanha, até ser feito prisioneiro e enviado para o HM 241 em estado crítico. Estava safo, apesar de manco para toda a vida. Era apresentado como referência, pela sua capacidade de resistência.

Tentei entabular conversa e obtive como resposta:
- A mim ká sibe portugué, a mim ká miste papeia cum tuga.

Ao que eu ripostei:
- Ká na tem probleminha. - E, fui dar duas de conversa com o vizinho.

No dia seguinte ao entrar na enfermaria, notei-lhe um sorriso e fui cumprimentá-lo. Fiquei por ali cerca de meia hora, a falar em crioulo, das “nossas guerras”. Por onde andámos, onde nos cruzámos sem nos ver e nos cumprimentámos, nas linguagem da guerra maldita que nos separou até aquele momento. Talvez, não o afirmo, tivéssemos falado das razões que nos assistiam e fizeram de nós inimigos sem nos conhecermos tão pouco. A sua história de guerrilheiro começava com o início da guerra. Tinha corrido já a Guiné toda, mas nos últimos três anos estacionara no Sul, onde foi ferido e feito prisioneiro, precisamente o chão por eu andei também.

Ao saber que eu tinha estado em Buba, perguntou:
- Estavas lá naquele ataque que fizemos antes do sol chegar?

Ao responder-lhe afirmativamente, continuou:
- Logo que nosso ataque terminou, a tropa ia sair pelo portão da pista e recuou. Que pena! Eu estava logo ali à frente, emboscado, na curva da estrada, (para Sinchã Cherno), junto à berma da pista, à vossa espera. Tínhamos muito material a proteger e vocês tinham a mania de vir logo a correr atrás de nós... ia ser “manga de ronco”.

Pois... e eu estava lá, nesse grupo !
- Tuga na tem manga di sorte!

Um sorriso e um abraço talvez tenham selado este feliz momento... A conversa continuou, enquanto o médico fazia a sua visita clínica.

Houve ainda outro dia em que pude voltar a falar com ele. Como gostava de ter gravado as nossas conversas, já que estes momentos jamais sairão da memória. Já com muito pó, a memória recusa-se a deitar cá para fora, tantos momentos, dias, horas, minutos marcantes, bons ou menos bons daquela vida de “guerrilheiro à força” (...).

Vd. também poste de 2 de Setembro de 2007> Guiné 63/74 - P2078: Estórias do Zé Teixeira (21): Saiu-lhe a sorte grande.

Guiné 63/74 – P4919: Estórias do Luís Guerreiro (1): Luís Manuel Nunes Guerreiro: Emboscada na estrada Pirada - Bajocunda em 04JUL1970



1. O nosso Camarada Luís Guerreiro, Ex-Fur Mil CART 2410 e Pel Caç Nat 65 (Gadamael e Ganturé, 1968/70), enviou-nos a seguinte mensagem em 7 de Setembro de 2009:

Camaradas,

Depois de alguma ausência, achei hoje pertinente falar sobre o Pel Caç Nat 65, aonde cheguei em Jan/70 e permaneci até Agosto/70, com o fim da comissão.


O grupo era composto por cerca de 35 soldados nativos (valentes, destemidos e todos bem conhecidos na zona leste pelo inimigo) e 7 continentais.

Tem sido com interesse que tenho seguido as crónicas do José Manuel Dinis da CCaç 2679, pois os nossos caminhos cruzaram-se em Piche, Buruntuma e Bajocunda, aonde menciona diversas vezes o Pel 65.

Na sua chegada na coluna de Nova Lamego para Piche, e que teve como escolta o Pel. Fox e o Pel 65, aonde menciona que era comandado por um cromático alferes que deambulava de pistola à cinta, empunhando uma moca com um lenço amarelo, esclareço que o dito alferes se chamava Monteiro, e esse era o seu equipamento preferido mesmo em patrulhamentos.


Estivemos implicados no ataque de 27FEV1970 á base de Kandica, retaliando o ataque a Buruntuma, aonde o Pel 65 permaneceu cerca de um mês, antes de ser tranferido para Bajocunda.

Também menciona, o apontador do morteiro, que chegou a levar este cheio de vinho durante uma saida para o mato,é verdade, chama-se Ismael, era cabo, e um excelente operador do morteiro 60, embora por vezes se encontrasse sob os efeitos do álcool, era bom rapaz e excelente combatente.

Sobre a emboscada na estrada de Pirada-Bajocunda, foi no dia 4 de Julho 1970, e passo a descrevê-la:

Emboscada na estrada Gabú – Pirada - Bajocunda


Nesse dia o Pel 65, teve como missão fazer uma coluna a Nova Lamego, para buscar o correio.

Sendo eu o responsável pela coluna, por volta das 07h00, saímos de Bajocunda pela estrada de Pirada.

Chegados ao Gabú esperamos pelo avião e, quando o correio nos foi distribuido, fiz os preparativos para regressar.

Um alferes da CArt 2438, que tinha vindo no avião, perguntou-me se podia vir na nossa coluna, ao que eu repondi que sim, avisando-o que ia pela outra estrada que não passava em Pirada, ao que ele me retorquiu que, essa estrada, se encontrava em piores condições.

Disse-lhe então que se queria vir com o meu grupo, era por aquela estrada porque, por experiência própria, não gostava de passar duas vezes seguidas pelo mesmo sítio.


Mais informei que se encontrava ali uma coluna de civis, aonde se juntou um Grupo de Combate dos Comandos Africanos (G.C.A.), para seguir para Bajocunda, pela estrada de Pirada mas, mesmo assim, o alferes resolveu vir connosco.

Chegados a Bajocunda, e quando me encontrava a depositar os sacos do correio, ouviu-se um verdadeiro tiroteiro, para os lados da tabanca de Tabassi, na estrada de Pirada.

O capitão da CArt 2438, que se encontrava junto a mim, perguntou o que seria aquilo, indaguei se ele tinha homens fora, ao que me disse que não.

Pensei logo que seria uma emboscada à coluna de civis e ao G.C.A.

A emboscada estava, na realidade, montada para o meu Pel 65, porque devem ter sabido que nós tínhamos saido e, normalmente, regressavávamos pela mesma estrada.

Em Bajocunda não havia conhecimento da coluna de civis.
















Aspectos dos resultados da emboscada na estrada de Pirada-Bajocunda















Aspectos dos resultados da emboscada na estrada de Pirada-Bajocunda

Saí imediatamente com o meu grupo de combate e, à chegada junto da referida coluna, deparamos com uma viatura civil a arder com o corpo do condutor calcinado pelo fogo, só se vendo os ossos (como se pode ver nas fotos que envio).

O Grupo dos Comandos Africanos sofreu duas baixas, um cabo miliciano de transmissões e um soldado.

Tenho mais para contar sobre o meu Pel 65, mas como esta história já vai longa ficará para outra vez.

Cumprimentos,
Luis Guerreiro
Fur Mil da CART 2410 e do Pel Caç Nat 65

Legendas das 4 primeiras fotos:

1 - Bajocunda

2 - Buruntuma, capela e monumentos das companhias

3- Piche porta de armas

4 - Buruntuma, o Pel.65 em patrulhamento

Fotos e legendas: © Luis Guerreiro (2009). Direitos reservados.
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Notas de MR:

Este poste é o primeiro desta série.

Vd. postes anteriores deste autor em:

23 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3086: Memórias dos Lugares (10): Gadamael, CART 2410, 1968/69, Parte I (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá)

23 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3087: Memórias dos Lugares (11): Gadamael, CART 2410, 1968/69, Parte II (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá)