quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4924: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (3): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação em Mansoa

1. Do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, publicamos neste poste a terceira parte das suas memórias. A primeira está no poste P4877 e a segunda no P4890.

Operação a Mansoa (no final do mês de Setembro)

O primeiro contacto com o mato só nos deixou tristes recordações.

Distribuíram-nos rações de combate e munições suplementares, e partimos para Mansoa.

Em Mansoa, ficamos instalados nuns barracões, devido à chuva nesse dia, e comemos uma ração de combate, para irmos mais leves.

Mais tarde chegaram as viaturas que nos transportaram até uma ponte destruída e daí para a frente, caminhamos apeados, estrada fora até que entramos no mato cerrado, todos em contacto uns com os outros, com as mãos enfiadas no cinturão do Camarada da frente, porque qualquer descuido seria a perda de contacto.

A minha secção ia na retaguarda e por isso, como é óbvio, era fundamental não perder o contacto com o restante pessoal.

O 1º Cabo Alfredo que ia à minha frente ficou com o cinturão quase desfeito de eu me agarrar a ele.

Passamos por várias abatizes com a chuva a cair torrencialmente e depois de várias horas a andar de baixo daquela água toda, parou o temporal e o dia clareou.

Voltamos à posição de progressão normal, deixando em paz os cinturões dos homens da frente, quando o inesperado aconteceu. Pararam todos os que seguiam à minha frente e não se mexiam. Pus-me em pé e, quando passei a minha secção, ouvi uma voz dizer-me:

- Deita-te, deita-te… perdemo-nos do Capitão e do 1º pelotão.
- Onde estão os Alferes? – Perguntei eu.
- Ali – respondeu-me.
Fui ter com eles. Relataram-me o que se passava.
- Então e agora? – Perguntei eu.

A secção da frente não queria andar.
- Quem é o Furriel responsável? – Perguntei.
- É o Vargas! – Responderam-me.

Voltei-me para o Alferes mais antigo e disse-lhe:
- Tem que dar ordem de avançar. – Disse-lhe eu - Vargas, temos que seguir.

Começamos então a andar mas muito devagar. A uns trezentos metros à nossa frente ouvi um tiro. Mais uma vez todos mergulhamos para o chão.
Estava tudo parado outra vez e ninguém se mexia, quando descobrimos que o tiro fora para uma vaca que estava no interior do mato.

Como ninguém andava, pedi autorização ao Alferes, para ir para a frente com a minha secção avisando que as pernas eram para andar. Seguiu-se uma autêntica cavalgada, pois ao longe já se ouviam tiros esporádicos. Fomos sempre com atenção aos rastos e lá acabamos por encontrar o Capitão e o resto do pessoal, que já regressavam do objectivo.

Não sei o que se passou, nem sei se o objectivo foi alcançado e se ouve contacto com o IN, porque ninguém mais comentou sobre esta estranha operação, a não que ficaram para trás dois pelotões. Também não sei se depois entre os Alferes e o Capitão se justificaram do evidente desaire, que poderia ter tido consequências mais funestas.

Aos Furriéis nada era dito, nem antes nem depois de as coisas acontecerem, pelo menos aos do meu pelotão. Ficava tudo no segredo dos deuses e depois aconteciam destas coisas.

Andamos mais uns dois ou três quilómetros até à estrada, onde nos esperavam as viaturas que nos transportaram até Bissau, com passagem por Mansoa.

Um forte abraço do,

Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCaç 1426

Fotos "O Pôr do Sol em Mansoa": © César Dias (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

29 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4877: Estórias do Fernando Chapouto (FERNANDO SILVÉRIO CHAPOUTO) (1): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – O embarque no Niassa

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