quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4930: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (14): Emboscada às NT em Sare Dicó, na estrada de Fajonquito – Canjambari


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 14ª estória do seu livro "Golpes de Mao's - Memórias de Guerra", com data de 29 de Agosto de 2009, que mais uma vez muito agradecemos.

Camaradas e Amigos,

Sinto-me na necessidade de algumas palavras prévias em relação à história que se segue – a nº 14. Até aqui tenho pisado terreno que conheço bem – o da C.Caç. 675 – não só por vivência mas ter prova testemunhal – O “Díario” da Companhia impresso em 1965 – em relação a todos os temas que tenho abordado.

O aerograma que agora reproduzo está comigo na minha sala de estar desde que regressei da Guiné. Emoldurei-o como exemplo dum aerograma, por ser escrito por um amigo e por ter uma caligrafia lindíssima.

Emprestei-o há uns tempos atrás para uma exposição documental feita pela APVG, de Alcobaça. Tirei-o então da moldura e li-o. Como já estava num novo ciclo da minha vida – descoberta do blogue “Luís Graça e camaradas da Guiné - li-o com outros olhos.

É um documento impressionante: emboscado a um pequeno contingente das NT – 20 homens – de que resultaram 10 mortos. Procurei no nosso blogue e não encontrei nada sobre o assunto ou vi mal ou não há mesmo qualquer referência a este dia trágico dia 11 do ano de 1966 – mês de Janeiro – .

A única coisa que encontrei foi uma referência e fotos das campas aos nossos militares sepultados no cemitério de Bafatá.O aerograma do meu colega Carlos Dias fala em “massaricada” e faz críticas implícitas mas não explícitas.

Conheci-o bem – foi meu colega do CSM no HMP, da Estrela/Lisboa – e guardo memória de um militar consciente e ponderado. Não mais voltei a encontrá-lo. Vivia em Lisboa mas em pesquisa recente constatei que não consta da lista de telefones fixos.

Posto isto segue-se a narração:

Emboscada às NT em Sare Dicó, na estrada de Fajonquito – Canjambari

(11JAN1966, um dia trágico para os militares do BCAV 757)

À distância no tempo já não consigo recordar como é que a “má nova” chegou à minha companhia – a C. Caç. 675, que estava sedeada em Binta, no Cachéu, na região de Farim -.

Alguma coisa de muito grave teria acontecido às NT na zona onde actuava a nossa companhia “irmã” – a C. Caç. 674.

Utilizando os meios disponíveis na altura escrevi de imediato um aerograma ao meu amigo e colega dos bons velhos tempos do HMP de Lisboa, Carlos Cardoso Dias.

O Carlos era o Furriel Miliciano Enfermeiro da C. Caç. 674. Tínhamos viajado juntos no UIGE na viagem de 8 de Maio de 1964 que tinha chegado a Bissau em 13 do mesmo mês.

Ao longo dos meses trocávamos correspondência de vez em quando. E os aerogramas não tendo a “velocidade” dos actuais telemóveis tinham uma vantagem: permaneciam no tempo como documentos escritos.

O texto que reproduzo seguidamente a resposta do furriel Carlos Cardoso Dias ao meu aerograma, que também era conhecido na gíria militar como “bate-estradas”.

Com uma letra digna de um copista cisterciense escrevia o Carlos:

Fajonquito, 27 de Janeiro de 1966
Quinta-feira – 17h00
Amigo Oliveira:

Saúde da boa. Acabo de receber o teu bate-estradas e apresso-me a responder.

Antes de mais, os mortos foram do Bat. Cav. 757 de Bafatá e não nossos. Felizmente continuamos a manter as zonas da vida intacta. Vou descrever-te o que realmente se passou na operação “DURÃO”, à qual não fui e ainda estou para saber a causa.

Dia 10.01 – 20H00 – A nossa companhia, apenas com dois pelotões inicia uma marcha que os levaria ao limite do sector, junto ao Rio Canjambari. Claro que a velha caminhada foi feita pelo mato, pois a “velhice” sabe como é o Caresse e as suas estradas. Nada sucedeu durante toda a noite até de manhã.

Dia 11.01 – 04H00 – O pessoal do Batalhão, com o seu comandante e vários oficiais, sargentos e “manga” de pessoal, sai de Fajonquito com as viaturas, para se juntar à 674 e continuar a operação. O jipe do comandante a certa altura sofre o primeiro aviso: uma mina anti-pessoal rebenta sobre a roda dianteira, lado direito, salvo erro. Nada sucedeu à excepção do valente susto.

- Este Batalhão é conhecido pelo 7 de Espadas. –

O carro é içado para cima de uma Mercedes e vem para Fajonquito, onde não foi possível a reparação. A Mercedes volta para junto da coluna. Colocaram então na estrada um bocado de cartão da RC que dizia: “Isto para o 7 de Espadas é pouco”.Cerca das 15H00 uma GMC da coluna avaria.

O Comandante manda que a mesma seja rebocada por uma Mercedes até Fajonquito, visto no local o nosso mecânico não a poder reparar. São nomeados os homens, assim como o oficial e os sargentos, todos do Batalhão, para virem nas viaturas.

Três homens nossos um pouco adoentados pedem para se retirarem. O Comandante autoriza. O nosso mecânico vem também com as viaturas. Total: 20 homens.

Precisamente no mesmo local onde explodiu a mina anti-pessoal, sofreu uma forte emboscada. A primeira “roquetada” atinge quatro homens e envia-os ao céu. O pessoal salta das viaturas e só ouvem rebentamentos de GMD e tiros de armas automáticas, “costureirinhas”.

Ouve-se então resposta nossa mas fraca. O Alferes vê vários homens feridos e… foge com eles. Outros que vêem o gesto e pensam que ficam sós, imitam-nos. Entre eles 2 homens nossos que estavam a fazer fogo.

Lá atrás a nossa Companhia ouve o tiroteio, assim como o pessoal do Batalhão e vem todo o pessoal socorrê-los. Já era tarde, pois os 10 mortos, já não poderiam recuperar. Há algum pessoal ferido e outros sem uma única beliscadura. O nosso mecânico estava no mato.

A GMC passou-lhe por cima da coxa. Entretanto em Fajonquito a presença do médico e de socorros era reclamada para Sare Jamdarã (1ª serração). Lá fui mais o médico. Seis feridos à parte dos restantes, arrasados pela fuga de cerca de 15 Km.

Cerca da 22H00 aparece o restante pessoal com os feridos, mortos, etc. Mas faltava um homem nosso. Apareceu mais tarde. Preparava-se para entrar em Sare Jamdarã quando a rapaziada já se preparava para o ir encontrar. Todo o mundo veio para Fajonquito. Aqui, o peso que estava em cima de nós ausentou-se. Os nossos homens estavam “vivinhos da costa”. O trabalho durou até cerca da O1H30 do dia 12.

Aqui tens pois o resumo da “massaricada” de várias pessoas. Se a culpa é de A, B ou C, não compete a mim dizê-lo mas que houve não há dúvidas.

Muitas vezes fomos ao Caresse. Já nos vimos lá da cor dos “tomates”, mas a sorte e um pouquinho de conhecimento tem chegado para que sejamos hoje a 1ª Companhia na Guiné sem ter baixas. Tem havido sorte, não há dúvida, mas nunca tivemos “ garganta” como aconteceu ao 7 de Espadas.

Queriam fazer “ronco”, e houve, mas para os “turras”.
Tanto eu como a rapaziada da “674” agradecem à GRANDE 675 as palavras amigas e, creiam-nos que bastante fundo nos sensibilizaram.

É tudo por hoje caro Oliveira. Cumprimentos à rapaziada. Saúde, felicidades e até à próxima.

Um forte abraço do amigo certo,

Carlos Cardoso Dias


Quarenta e três anos depois não acrescentamos qualquer comentário ao relato do Carlos Dias.

Confirmámos com emoção o nome dos mortos referidos no seu aerograma que constam do 8º. volume da Resenha Histórico-Militar das Campanha de África (1961-1974) – Mortos em Campanha, edição do Estado-Maior do Exército, (pgs.166,167,168 e 169).

- Agostinho Monteiro. Soldado Atirador nº 447/65. Natural do Biombo – Bissau. Sepultado no cemitério de Bafatá.

- Aires Jesus Moreira. Soldado Explorador – Observador nº 1473/64. Natural de Calendário – Vila Nova de Famalicão. Sepultado no cemitério de Bafatá.

- Artur Mário Ferreira Duque. Soldado Condutor de Auto Rodas nº 2439/64. Natural de Dafundo/Carnaxide, Oeiras. Sepultado no cemitério de Bafatá.

- Braima Camará. Soldado Atirador nº 443/65. Natural de Nema, Bafatá. Sepultado no cemitério de Nema - Guiné.

- José António de Jesus Barreto. 1º Cabo de Reabastecimento nº 1390/64. Natural de São Sebastião da Pedreira, Lisboa. Sepultado no Cemitério da Amadora.

- José Dias Guimarães. 1º Cabo Explorador - Observador nº 1570/64. Natural de São Bento, Salvador, Arcos de Valdevez. Sepultado no Cemitério de Arcos de Valdevez.

- José Mota Braz. Soldado Básico nº 1380/64. Natural de Vila Nova, Casével, Santarém. Sepultado no cemitério de Bafatá.

- José Salvado Dias Raposo. Soldado Sapador nº 1591/64. Natural do Fundão. Sepultado no cemitério de Bafatá.

- Júlio Varela Dias. Soldado Atirador nº 47/65. Natural de São José, Bolama. Sepultado no cemitério de Bafatá.

- Norberto Pina Araújo Júnior. Soldado Atirador nº 45/65. Natural de Nossa Senhora da Graça, Bafatá. Sepultado no cemitério de Bafatá.

De todos os registos atrás referidos constam como local de operações Sare Dicó, na estrada de Fajonquito – Canjambari.

O dia 11 de Janeiro de 1966 foi sem dúvida um dia particularmente trágico para os militares do Batalhão de Cavalaria 757.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Imagens: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

7 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Comecei agora a ler o texto presente. Não vou falar sobre ele, mas dar uma dica, para quando se procura alguém.

Um cidadão ao ser recenceado, para a politica/eleições, fica uma ficha na sua freguesia de residência e segue outra para a freguesia da sua naturalidade.

Com estes elementos, se se souber a área de residência e/ou naturalidade, com o apoio dos presidentes das juntas de freguesia, pode-se chegar até quem nós pretendemos.

Já tive um caso. Queria contactar o Francisco Varela, que nasceu ou viveu em Almada.
Falei ao telefone
com o presidente da junta e combinei remeter-lhe uma carta, já selada e aberta, para que não houvesse dúvidas quanto ao fim da mesma, dando os meus elementos para contacto. Só faltava a morada que, gentilmente o presidente completou e assim reatei contacto com o Varela, mais de 30 anos depois.

Também já tive outro caso, idêntico, mas a pessoa contactada pediu-me o número do meu telefone e, passado um quarto de hora, estava a falar com o Gaspar Guerra, hoje Ten-cor.(R)

José Martins

Colaço disse...

Conheci bem o batalhão Cav. 757 conhecido por 7 de espadas os meus últimos meses na Guiné a minha companhia C.Caç.557 que terminou a comissão em Novembro de 1965 esteve subordinada ao seu comando.
Sobre a tal frase para o sete de espadas é pouco, o meu conterrâneo ex-primeiro cabo José Peres pertencente ao dito batalhão fala-me sempre desse triste dia.
Embora a frase que ele me relata tenha uns termos de linguagem mais fortes, se quiseres poderei confirmar.
Um alfa bravo Colaço.

Luís Graça disse...

Colaço:

Não queres partilhar, com os teus camaradas da Guiné, o que tu sabes mais sobre "este triste dia", através do relato do teu conterâneo José Peres, ex-1º Cabo do BCAV 757 ?

Como "blogmaster" tenho a obrigação de te lembrar que uma das nossas dez regras de ouro é a "socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra do Ultramar, guerra colonial ou luta de libertação (como cada um preferir)"...

Depois de baixarmos à cova, não haverá mais segredos... Só há segredos "chez les vivants"...

Ao JERO, agradeço de todo o coração este mais grande serviço que ele acaba de prestar ao nosso blogue, honrando deste modo o dever de memória que temos uns para com os outros, ex-combatentes, e para com a geração dos nossos filhos...

Mais de quarenta anos depois, a divulgação destes testemunhos, directos, sobre a brutalidade e a inutilidade daquela guerra, ainda mexe connosco... É como se ainda estivéssemos, em Sare Dicó, na estrada de Fajonquito – Canjambari, a assistir ao cruel filme dos acontecimentos... Impotentes...

A nós compete-nos divulgar, enquadrando. Não fazemos juízos de valor, não julgamos, não incriminamos, não condenamos, não louvamos, não absolvemos ninguém, não atribuímos méritos e desméritos a ninguém, evitamos expressões como "maçaricadas"... Mas, a quente, debaixo da tensão do dia a dia, tínhamos na época inevitavelmente que arranjar bodes expiatórios... Eu arranjei, eu precisava de arranjar, de vez em quando, uns bodes expiatórios para poder suportar, com um mínimo de sanidade mental, o absurdo da minha condição... (Para mais, era existencialista, naquela época).

Às tantas da noite, no bar de Bambadinca, havia uns tantos de nós que gostavam de cantar, tocar música, dizer poemas, entre dois copos de u´sque com água de Perrier... Um dos nossos preferidos, era o do pacífico e insuspeito (aos olhos do regime) António Gedeão:

"ELES (e aqui carregava-se, prego a fundo, para ELES ouvirem, do outro lado, no edifício do coamando do batalhão...) não sabem nem sonham / Que o sonho comanda a vida..."

Um Alfa Bravo para os dois. Luís

Anónimo disse...

Amigos

Se querem saber mais sobre este trágico acontecimento, leiam o livro " O Meu Diário" de Inácio Maria Góis" págs 293 302, presente no local e que pertence a CCaç 674
Sobre o Autor, Livro e possibilidade de o comprar, vid Post 2266; 2586 e 3384, que não foram referenciados em baixo e convinha que o fosse. Ainda estão a tempo.
Com um grande abraço
Carlos Silva

Anónimo disse...

Carlos Silva
Grato pelo teu comentário informo que tentei de imediato o contacto com o Inácio Maria Gois, de Porto Covo. Conhece a história da emboscada que causou 10 mortes e confirma que escreveu sobre ela no seu livro "O Meu Diário", cuja edição entretanto esgotou.Perguntei-lhe pelo meu amigo Carlos Cardoso Dias e deu-me a triste notícia que faleceu de ataque cardíaco há cerca de 4 anos. Residia em Cascais. Vou tentar localizar os seus familiares.
É um dia de luto para mim.
Um abraço.
JERO

Unknown disse...

Ao tempo deste trágico acontecimento eu estava em Jumbembem, bem perto do local onde teve lugar.
Penso que nessa altura estaria em Canjambari um pelotão da 730, as minhas desculpas se assim não era.
Tive conhecimento deste acontecimento, na mesma forma que aqui está relatado.
Aconteceu com o SETE DE ESPADAS e é este nome que fica para sempre na memória. Se me perguntassem se era Companhia ou Batalhão eu não saberia responder. Que teve grande impacto da forma como aconteceu isso recordo muito bem.
Não concordo muito com o termo maçaricada que se atribuiu na altura. Não podemos esquecer que estavam quase no fim da comissão, mas também não me atrevo a outro qualquer adjectivo. As coisas acontecem e quando já nada há a fazer arranjam-se desculpas. Isto é humano e muito português.
Que estejam em Paz os nossos queridos camaradas que ali perderam a vida.
Isto faz-me recordar um cartaz deixado pelo IN na estrada do Olossato dirigido à Compª 730 que dizia
"Daqui para cá é nosso, daqui para lá é vosso até ver" Fique claro que ninguém deu resposta. Vale mais prevenir...
Um abraço
Artur Conceição

Colaço disse...

Camaradas o termo maçaricada não tem quanto à minha interpretação algo de ofensivo, ele deve-se ao facto de já haver tropa com a farda verde os piriquitos.
Pois os amarelos maçaricos ostentavam com um certo brio essa diferença,eu próprio tenho por hábito dizer que era ou sou maçarico.
Um abraço Colaço.