sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4937: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (17): Quem nada tinha e tudo deu


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos mais uma mensagem com um texto das suas memórias:

Camaradas,

Hoje envio mais uma das minhas estórias memoriais, que escrevi em Mampatá e descobri no meu baú, dedicada aos meus camaradas do grupo de enfermagem, a que atribui o seguinte título:

QUEM NADA TINHA E TUDO DEU

Como é sabido os recursos de socorros e enfermagem, nalguns locais no mato, eram muito primários, para não dizer inexistentes.

Em Mampatá não existia enfermaria, ou melhor existia uma tenda de campanha, onde eram ministrados os primeiros socorros ao pessoal doente ou ferido.

Uma das primeiras obras da minha CART 2519, foi a construção de um Posto de Enfermagem, onde o nosso Fur Mil Enf Agostinho Duarte Seixas de Magalhães, exercia a sua “magia”, com a colaboração dos seus camaradas enfermeiros Lomba, Alves e Damião.

Magia sim, porque com a escassez de recursos, se não fossem os seus bons conhecimentos e vontade de ajudar o próximo, tenho a certeza que muitas vezes a sua dedicação teria sido um insucesso.

Como não tinham laboratórios para efectuar os tão necessários e indispensáveis diagnósticos, tinham que “adivinhar” todas as mazelas que nos atormentavam.

Vi o nosso Fur Agostinho diagnosticar diversas doenças aos seus “clientes”, que nos deixavam muitas dúvidas, mas que, mais tarde, vieram a confirmar-se como certas.

Este Homem foi parteiro, operador de pequena cirurgia, veterinário, etc.

O Agostinho e a sua formidável equipa foram enormes naquela tabanca, nos confins da Guiné.

Vi a actuação destes nossos enfermeiros, no mato, debaixo de fogo, sempre preocupados com os seus camaradas e, quando havia feridos, os mesmos desdobrarem-se no auxílio a prestar aos sinistrados, procurando na sua parca mala algo que os aliviassem das dores provocadas pelos ferimentos.

Nalguns casos, lá surgia a maldita morfina. Sim digo bem morfina, porque mais não havia, além de algumas ligaduras e tintura de iodo.

Vi o Agostinho a operar e retirar estilhaços do corpo de um camarada ferido em combate à luz dum petromax, porque á noite não havia evacuações.

Vi estes Camaradas enfermeiros no mato, acompanhando-nos nas nossas operações e cuidando dos feridos (amigos e inimigos).

Vi estes meus enfermeiros a serem feridos e estropiados por uma mina, mas, nem assim, deixaram de ser magnânimos, bravos e corajosos.

Vi o Agostinho num parto difícil a auxiliar e amparar uma nativa natural de Mampatá.

Vi o Agostinho tratar e cuidar de todos os animais da tabanca que lhe levavam; cães, vacas, cabritos, etc.

Vi a enfermaria de Mampatá funcionar como um autêntico Centro de Saúde Populacional, graças a este estudioso Homem que levou a peito a sua missão.

Vi os nossos enfermeiros estavam sempre de vela e prontos para qualquer eventualidade.

Sabiam mais que ninguém, que, naquele sítio, eram a última esperança dos seus camaradas.

Além dos cuidados intensivos de enfermagem, ainda tinham a seu cargo o serviço de higiene e sanitário da tabanca, como purificar a água, recolher o lixo e verificar o estado dos géneros alimentícios.

A vida para estes não era fácil. Estavam sempre ocupados e até nas horas de ócio eram chamados a prestar assistência, a este e àquele, pois a fama dos serviços de enfermagem de Mampatá transpôs, muito além, a delimitação do arame farpado da tabanca.

Aos nossos enfermeiros e a todos em geral, que na Guiné exerceram esta especialidade digo: “Nunca tão poucos sem nada, tudo deram”.

Hoje muitos são o que tudo têm e… nada dão!

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Imagem: Wikipédia (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


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