Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Guiné 63/74 - P5327: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (17): Apanhado pelo clima
Caro Carlos:
Mais uma estória, desta vez pequena e de pouco interesse, mas foi o que se pôde arranjar de momento.
Aproveito para dizer que acompanhei as sessões, no Clube Literário do Porto, (anúncio postado no Blog), de que gostei muito.
Aprendi mais umas coisas sobre a Guiné, através de alguns estudantes guineenses lá presentes.
Já tinha ouvido tocar cora várias vezes na Guiné mas num ambiente fechado e sem ruidos é simplesmente divinal.
Ontem assisti à projecção do filme Nha Fala, que achei de nível internacional, comparável a muitos outros filmes que tenho visto nas salas de cinema. Achei-o com certos ares do filme Gato Preto Gato Branco do Kusturica.
Um abraço
Fernando Gouveia
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
17 – Apanhado pelo clima
À saída de Bafatá em direcção a Geba ficava a tabanca da Ponte Nova, onde tirei esta foto. (dois segundos depois só fotografaria a janela!)
Foto e legenda: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.
Nasci ainda durante a 2.ª Guerra Mundial e comovo-me ainda hoje ao saber, por mo terem contado pois tinha dois ou três anos de idade, que o meu pai ia propositadamente ao bar da esquina, tomar um café sem açúcar, para o poder trazer ao filho, dado que nessa altura tudo estava racionado.
Quando fui estudar para o liceu em Coimbra, tinham passado uns escassos oito anos do fim da dita guerra. Lembro-me de ver em algumas janelas de edifícios públicos cruzes de papel colado, para os vidros não estilhaçarem muito no caso de um ataque aéreo, isto apesar de o nosso país ser neutral.
Tudo isto para dizer que quando fui mobilizado para a Guiné, só ainda tinham passado também uns escassos vinte e poucos anos do fim daquela guerra. Se ainda agora, passados quarenta anos, discutimos a nossa guerra, nessa altura, pelo menos em mim, ainda estava muito presente a guerra de 39/45.
Em Bafatá cedo fiquei a saber que na tabanca de Geba havia um comerciante alemão. Haveria por toda a Guiné muitos comerciantes metropolitanos e talvez muitos mais libaneses, mas existir um alemão metido em semelhante buraco logo me cheirou a esturro. Seria que era um fugitivo nazi?
Durante toda a comissão fui pensando no assunto, principalmente quando regularmente Geba era atacada e o nosso senhor Landorf aguentava firme no seu posto.
Como já várias vezes referi, muita sorte tive na Guiné. Em matéria de ataques fui um privilegiado. Em Bafatá era o que se sabia, paz. Em Bambadinca dormi lá uma noite mas o ataque foi no dia seguinte. Madina Xaquili, onde estive quinze dias, só começou a ser atacada passado um mês de ter saído de lá. Quando muito, de Bafatá via muito bem os ataques a Geba que, como era costume, eram sempre ao princípio da noite.
Estando eu a um mês ou dois do fim da comissão, apanhado pelo clima quanto bastasse, resolvi, no dia seguinte a um desses ataques, ir com a coluna de reabastecimento a Geba. Dois propósitos se impunham: Um era ver como tinha ficado a tabanca depois daquele fogachal todo, o outro era ver o Sr. Landorf e perscrutar, se possível, se realmente tinha ar de nazi ou de um simples civil alemão que teria vindo para aquele buraco refazer a sua vida.
A coluna de reabastecimento, feita pelo Esq. Fox. aquartelado à nossa beira, partiu só ao fim da tarde contando regressar no mesmo dia. Eram pouco mais de 10 Km e a picada era muito boa.
Pedi autorização aos meus superiores e lá salto para cima de um Unimog com a farda que trazia vestida e completamente desarmado. Um autêntico turista. O que aquele clima provocava! É certo que sabia que além dos ataques nunca tinha havido problemas no itinerário Bafatá/Geba, nem emboscadas nem minas.
Em determinada altura do percurso, a uns 2 ou 3 Km de Geba, o Furriel que comandava a coluna mandou-a parar, ao que foi dito, por alguém se sentir indisposto ou coisa parecida. Quase todo o pessoal desceu das viaturas, tendo eu ficado em cima do Unimog. Já estava a anoitecer mas ainda deu para ver, a uns 200 ou 300 metros da cabeça da coluna, um elemento africano atravessar a correr a picada de um lado para o outro. De imediato dei conhecimento disso ao Furriel mas ele não valorizou o ocorrido. Poderia muito bem ser o abortar da primeira emboscada IN no percurso Bafatá/Geba à coluna de reabastecimento. Eu estava no fim da comissão mas os camaradas do Esquadrão, que ainda ficaram por lá muito tempo, é que podem confirmar se passou, ou não, a haver aí emboscadas ou minas a partir Junho de 1970.
Termino referindo que, pelo atraso provocado pela paragem da coluna, chegamos já noite a Geba e foi só descarregar os géneros e as munições regressando de imediato a Bafatá. Não tive pois oportunidade de ver os estragos e tão pouco o Senhor Landorf. Foi uma tremenda desilusão mas ainda hoje penso que, já no fim da comissão, não devia ter feito o que fiz. Muitos camaradas tiveram o azar só nos últimos dias.
Na próxima estória, e de regresso a Bafatá, vou falar de algumas figuras típicas da cidade.
Até para a semana camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2009> Guiné 63/74 - P5262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (16): O baptismo de fogo da Regina, ou um Capitão não é um Capitão
Guiné 63/74 - P5326: Notas de leitura (35): A Geração do Fim, memórias de um Curso de Infantaria de 1954 (Beja Santos)
Malta,
Está-me a saber bem vadiar nestas leituras espúrias, tenho agora para ler o resto álbum fotográfico do José Henriques de Mello, o livro do Alpoim Calvão e o trabalho do José Luís Castanheira “Quem mandou matar Amílcar Cabral?”.
É uma maneira de descansar das minhas agruras nas marchas finais deste livro que não há meio de chegar a bom termo.
Um abraço do
Mário
Uma curiosa miscelânea dos cadetes do curso de 1954,
Inesquecíveis memórias da Guiné
Por Beja Santos
O livro tem um título equívoco: a geração do fim, até se pode pensar nos vencidos da vida, de gente a precisar de cuidados terminais, o que de mais lúgubre se possa imaginar. Afinal, “A Geração do Fim” tem a ver com memórias do curso de Infantaria de 1954, gente que chegou ao fim do Império, calcorreando as suas parcelas, entre a paz e a guerra. É uma miscelânea espantosa de memórias, impressões, vínculos, afectos. Os infantes constituíram uma comissão redactora e juntaram crónicas verdadeiramente descontraídas. O resultado desses 50 anos de cumplicidades merece aplauso: “A Geração do Fim, Infantaria, 1954 – 2004”, Prefácio, 2007).
Este livro do curso de Infantaria de 1954 – 1957 abarca múltiplas histórias, duas, pelo gigantismo da descrição humana ou pela natureza dos combates duríssimos, tem a ver connosco. A primeira, aquela que sem qualquer hesitação incluiria numa antologia dedicada à Guiné, contempla a memória da CCaç 555, a partir de 1963, por António Ritto. Que história, que profunda humanidade! Respigo alguns parágrafos: “O dia de embarque no Niassa foi muito chuvoso e num cruzamento um motociclista civil, vindo da esquerda em derrapagem, ficou com o crânio esmigalhado de baixo do pneu da primeira viatura da companhia de transportes. Mau presságio, disseram alguns”. Começava tudo com sangue derramado, mas esta CCaç 555 foi uma lição de solidariedade. Chegaram a Bissau sem nunca ter lidado com a G3. Depois do treino, partiram para Cabedu em plena mata do Cantanhês. Durante a viagem, houve tiroteio e tiveram o primeiro ferido grave. Escreve o narrador: “Cabedu resumia-se a quatro pequenas casas, sendo uma da casa comercial Gouveia, outra da Ultramarina e as duas restantes de dois libaneses que com a eclosão da luta armada tinham abandonado a região e a companhia ocupou. Os empregados das casas comerciais eram cabo-verdianos e o da Ultramarina retirou-se para Bissau quando chegámos. O da Gouveia ficou e manteve o comércio com a população que vendia o seu arroz, o coconote e a cola, em troca de panos, fósforos, loiça de alumínio e quinquilharias”.
E do pouco se fez muito: abriram-se poços para lavar, beber e cozinhar; criaram-se fossas sanitárias, um forno para pão com tijolos refractários, cortaram-se centenas de palmeiras para se fazer um campo de aviação, importante para as emergências e para receber correio, e de igual modo essas palmeiras serviram para criar abrigos, depósitos de munições, com elas se construiu um caminho de centenas de metros até ao local onde chegavam embarcações uma vez de 40 em 40 dias, com reabastecimentos.
No coração da luta, nesse temível Cantanhês, os Infantes aprenderam o jogo com um pau de dois bicos: a população não queria partir para o mato mas não deixava de dialogar com os que estavam no mato. Os Infantes de Cabedu tinham uma tabanca a três quilómetros com gentes das etnias Nalu e Sosso. Os homens dos 20 aos 30 anos tinham desaparecido, estavam com o Nino no interior da mata, aos mais jovens, os que ficaram, foram-lhes dadas aulas de português, carpintaria, mecânica-auto. A todos se prestou assistência médica e medicamentosa. Lê-se o relato de António Ritto e quem lá esteve e viveu situações afins comove-se com o registo genuíno, a ausência de auto-glorificação, o elogio do indefectível companheirismo, que permanece vivo. Para ler e para guardar para a história.
O coronel pára-quedista José Moura Calheiros, segundo comandante do BCP – Batalhão de Caçadores Pára-quedistas, relata a reocupação do Cantanhês a partir do COP4, em Cufar. Descreve a operação “Grande Empresa” que tinha como objectivos principais Cadique, Caboxanque e Cafine, em finais de 1972. Foi, como se sabe, uma reocupação temporária, o PAIGC desencadeou várias ofensivas no Norte e no Sul, apareceram os mísseis Strella, Guidage e Guileje estiveram cercados, a CCP 123 procurou aliviar a pressão sobre Guidage cercada, atacaram a base de Cumbamori, mas tiveram que ir mesmo que se confrontar com o PAIGC à volta de Guidage. Há muito pouco mais a dizer, é matéria que o blogue tem largamente desenvolvido, não há novidades a contar.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5317: Historiografia da presença portuguesa (32): O que José Henriques de Mello viu no Cuor e em Bissau (Beja Santos)
Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5287: Notas de leitura (34): As Lágrimas de Aquiles, de José Manuel Saraiva (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P5325: Agenda Cultural (46): Colóquio Internacional Representações de África na Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)
Bom dia, Carlos e Luís.
Segue o programa das "Representações de África...". Talvez seja ainda cedo para colocar na "agenda cultural". Farão como for mais conveniente.
Um abraço,
Carlos
O nosso camarada Carlos Cordeiro é professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores em Ponta Delgada, e vai ser um dos conferencistas no Colóquio Internacional "Representações de África e dos Africanos na História e Cultura (Séculos XV a XXI)", a ter lugar nos dias 26, 27 e 28 de Novembro de 2009, naquela Universidade. A sua intervenção tem como título "A Guerra do Ultramar em discurso directo: os blogues como fonte de pesquisa histórica".
Programa do Colóquio
Clicar nas imagens para ampliar
Ao Carlos Cordeiro desejamos que a sua comunicação sirva para alertar os presentes para o papel que nós, os ex-combatentes, desempenhamos ao expôr publicamente nos blogues, muitas vezes discordando entre nós, as nossas vivências e experiências mais ou menos dolorosas psicologicamente, e em muitos casos, demasiados, fisicamente, deixando assim para futuro massa crítica que servirá de base para os estudiosos poderem continuar a História de Portugal.
O Carlos prometeu dar-nos posteriormente notícia da forma como correu o Colóquio, principalmente da sua intervenção, que nos tocas mais de perto.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5068: As nossas placas de identificação (Carlos Cordeiro)
Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5276: Agenda Cultural (45): Semana Cultural da Guiné-Bissau, 16 a 20 Novembro, no Clube Literário do Porto (Regina Gouveia)
Guiné 63/74 - P5324: FAP (37): TEVS a Aldeia Formosa e Buba (Jorge Félix)
domingo, 22 de novembro de 2009
Guiné 63/74 - P5323: Estórias avulsas (17): Reencontro de irmãos (Armandino Alves)
Guiné 63/74 – P5322: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (28): O COP4 (Mário Pinto/José Teixeira/Vasco da Gama/Carlos Farinha)
CART 2414, 2519, 2521.
Pel Nat 55, 60 e 68.
Pel Milª 137.
Pel Mort 2138.
Pel Fox de Aldeia Formosa.
Pel Art 14 de Aldeia Formosa.
15ª Cia de COMANDOS.
121ª Cia PARAQUEDISTAS.
8.º DESTACAMENTO DE FUZILEIROS.
ESQUADRILHA DE T6 da BA12.
ESQUADRILHA DE HELICÓPTEROS da BA12.
ESQUADRÃO DE PANHARD de Teixeira Pinto.
CCAÇ 1792 (Lenços Azuis).
Pel Mort 1242.
Pel Rec Fox 2022.
Guiné 63/74 - P5321: Memória dos lugares (57): Tabanca de Sucujaque na fronteira norte da Guiné-Bissau com o Senegal (Patrício Ribeiro)
Boa noite
Para actualizar a noticias deste blogue, junto algumas fotos de 2009 da tabanca de Sucujaque e da linha de fronteira no rio Sucujaque, a dois quilómetros da tabanca onde se apanha a canoa para o Senegal.
Esta fronteira tem bastante movimento de pessoas a pé, bicicleta e moto que é possível atravessar na canoa, junto ao marco de Cabo Roxo, (estrutura em ferro com alguns metros de altura) instalado pelos portugueses e franceses, há pouco mais de 100 anos.
Do lado do Senegal, existe a povoação de Cap Skirring, que tem dezenas hotéis e recebe milhares de turistas europeus por ano.
A linha de fronteira no GOOGLE, não está correcta.
Um abraço
Patricio Ribeiro
impar_bissau@hotmail.com
Localização da Tabanca de Sucujaque da Guiné-Bissau junto à fronteira com o Senegal
Vistas da Tabanca de Sucujaque
Fotos: © Patrício Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5316: Memória dos lugares (56): Reportagem fotográfica de Gadamael (Jorge Canhão)
Guiné 63/74 - P5320: Controvérsias (56): Direito de resposta (Joaquim Mexia Alves)
Guiné 63/74 - P5319: Em busca de... (103): Procuro informações sobre… (José Martins)
- António Aldeia Soares, conhecido por "Aldeia", foi soldado da Companhia de Caçadores 2596 do Batalhão de Caçadores 2886, que esteve em Angola, no período 1969 a 1971, é natural da freguesia de Vila Nova de São Bento, concelho de Serpa. Está recenseado na freguesia de Loures, concelho de Loures. Segundo António Aldeia Soares, o Capitão Valente foi o comandante da Companhia de Caçadores 2596 e o comandante do seu Pelotão foi o Alferes Vale.
- José Aldeia Soares, foi soldado na Guiné (não referenciou mais nenhuma informação). Sobre este camarada da Guiné, sabemos que foi mobilizado pelo Regimento de Cavalaria 7 em Lisboa, e que esteve em Bissau e Bafatá. Penso tratar-se de uma companhia operacional. Estes dados foram por mim recolhidos quando falei com o José Aldeia Soares, antes do envio da carta aberta. Vou continuar a investigação nos meus arquivos e no AHM.