segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7549: Tabanca Grande (257): Ernesto Pacheco Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)

1. Mensagem de Ernesto Pacheco Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67, com data de 22 de Dezembro de 2010:

Relembrando aquilo que nunca se esquece

Camarada Carlos Vinhal
Muito obrigada pelo teu mail.
Como finalmente, decidi-me a tentar contar a minha história, mais militar, do que civil, vou começar pela internet.

Na minha profissão sempre trabalhei com computadores, mas nunca tive tempo para aprender. Era dada uma chave, e com ela acesso aos campos que como técnicos de nºs tínhamos necessidade.
Reformado, fiquei com um computador, mas durante muito tempo pouco lhe liguei.
Um dia por casualidade, penso que na casa da minha filha, olho para ver que bicho seria a Net e foi facílimo encontrar o vosso SITE e muito rapidamente, encontrava o Passeiro, o Cabral e Mansabá, adorada, odiada, que causou que causa ainda hoje sentimentos contraditórios por vezes dramáticos e violentos mesmo, e outras vezes saudades, não sei bem de quê mas causa e que continua a ter uma força enorme, aparecendo no vosso abençoado site, a cada voltar de pagina, estava lançado e mais uma vez, fui tentando ver, tentando aprender o que mais tinha necessidade, e hoje não ando depressa, mas ando.

Tenho épocas como no Inverno, que lhe dedico muitas horas, no Verão muito pouco, vou para a minha terra e quero ir de mãos a abanar aí dedico-me mais aos jornais, às revistas.

Já escrevi, duas ou três coisas, mas não mandei fotos, e penso que todas elas, desagradáveis, e bastante enroladas, e até talvez mal criadas, o que não faz parte de mim, não escrevi mais, porque vocês são todos uns jovens, a começar pelo Manel Jaquim, eu sou um velho, a minha Mansabá é outra, sem estradas asfaltadas e sem piscinas, mas acho que tão acolhedora como a vossa, eu sou um velho, mas voltar propriamente ao assunto:

Eu sou o Ernesto Pacheco Duarte, nascido a 09.06.1942 (68 Anos).
Antigo Curso Comercial
Natural de Aljezur - Algarve
Camponês de onde o Espinhaço de Cão quase que toca na Foia a (Norte)
Ex-Furriel Miliciano BC1857/CC 1421
Ex-Chefe de Cobranças de Grandes Clientes e Clientes Especiais na Petrogal
Nos clientes especiais estavam incluídas as forças armadas o que durante anos e anos me permitia contactar regularmente com militares.
Resido actualmente em Alfornelos – Amadora - Uma porta Aberta
Sou casado tenho uma filha e dois netos lindos.

A minha vida de militar é igual à de tantos e tantos outros, talvez com a maior diferença, que eu fui para aí a 2.ª ou 3.ª geração a passar a comissão inteira pelo Oio, por Mansabá, com a criação de algo também, para não dizer pior, uma aberração, o K3, só compensado de algum modo com um acampamento que tínhamos em Manhau e que nós encerrámos, mas ajudámos a criar outro em Banjara.

Portanto 40 anos a tentar perceber, o que me tinha acontecido, 40 anos calado falando muito pouco, 40 anos a tentar esquecer, e agora os últimos um pouco anarquista e um pouco mais louco, efeito dos 80 (oitenta) anos que levo agarrado ao mesmo, para não ser muito pesado, digo troquei a pele pela farda de um miliciano que passou por Mansabá.

Em Janeiro de 1964, fui para Tavira, parecia-me tudo louco, uns discursos, que eu não entendia muito bem, mas penso que eram sobre patriotismo, foi muito tempo mas não de todo insuportável.

Acabado o curso, Setúbal e aí havia um problema enorme, não tinham devolvido os invólucros das munições, dos tiros que os batalhões que por lá passavam, era suposto terem feito.

Uns meses de carreira de tiro, a queimar munições, e a não perder os invólucros. Foi Polícia, foi Legião, foi a PVT, quando se equilibrou os stocks, o Comandante agradeceu-me porque eu tinha mantido um muito bom relacionamento, com as forças da ordem civil prevendo-me um bom futuro como homem responsável e quem sabe até no Exército, porque tinha contribuído em muito, para a resolução do problema.

Continuava a não estar muito enquadrado com aquilo, era burro paciência e lá fui para Beja e lá fui dar instrução a um pelotão da GNR e GF que estavam a tirar um curso para Sargentos, estava a ser porreiro. E aí contribuo noutro acto de grande patriotismo, «voluntários» votamos no Américo Tomás. Houve um agradecimento em parada, com missa de acção de graças, com todas as autoridades do distrito, presentes.

Acabada a recruta, exercícios finais na coutada do José Visconde grande amigo do Américo Tomás, mais uma grande festa, com Beja inteira a ver e à noite um grande jantar, e tudo acabou em bem, até para aí dois ou três dias depois, quando os guardas do Visconde, não encontraram as lebres e as perdizes, que eles diziam que estavam lá, e quando tudo estava a correr também eu tenho o primeiro problema, não com o Exército mas com a tropa, a muito custo lá me deixaram sair para Abrantes e sinceramente, não sei como os bichos foram parar às marmitas da maioria da malta.

Abrantes só a loucura de formar duas Companhias, só tendo havido um problema com um jantar porque como bons patriotas tínhamos prolongado a instrução até muito tarde, e não tínhamos dito nada a ninguém.
Em Abrantes não tínhamos Sargentos do Quadro, e havia uns milicianos, como eu já velhotes, e uns que tinham acabado a Especialidade, e tinham saltado para lá.
Este grupinho mais velho fazia tudo, inclusive viver de bem com os seus anfitriões, a quem tínhamos que pedir tudo.

Como dos mais velhos já não assisto ao dividirem a Companhia em duas, porque parto para Santa Margarida onde ia receber tudo o que fazia falta para passarmos lá um tempo que já não estava muito definido em calendário quanto seria, e receber, sargentos do quadro, condutores, cozinheiros, uma pancadaria de gente, de Abrantes só vinham os atiradores.

Começou a mexer comigo, e a sentir um grande peso, uma sensação de impotência muito grande quando saí de Abrantes e há muita gente a despedir-se, e a levantar-se aquela dúvida se nos voltaríamos a ver, trocámos uma série de moradas, eu entro em Santa Margarida já um fulano desconsolado, e com uma sensação de impotência que mais se agrava ao ver as instalações a onde os soldados ficavam a cozinha de campanha, que porcaria.

Assinando um papel por tudo até pelas casernas, não fosse eu vender alguma, um quartel general, com tanto gajo por aquelas secretárias à espera que chegasse a mobilização deles (e muitos amarelados) era o que os motivava, odeio Santa Margarida, odeio a minha sorte, naquela altura.

Aí começa uma outra fase para mim, já desencantado de todo, não compreendia como é que podiam tratar tão mal os soldado, a dureza, violência que representava a porcaria daqueles pavilhões o horror daquele comer de cozinha de campanha e marmita.

E aí fiz coisas gravíssimas quanto à tropa, que deu participações e participações.

Fomos para Alferrarede num carro atulhado, jantar, vestidos de camuflado, à entrada foi giríssimo, com a PM.

O espólio da companhia feito por um sargento ajudante muito gordo, pondo as coisas dentro de uma camioneta, roubamos dessa mesma camioneta tudo quanto fazia falta, apanhamos uma anotação honrosa, por estar tudo certinho.

Quando recebemos as espingardas consegui mais 4, num telefonema que o sarja tinha ido atender, outra menção honrosa, pela responsabilidade que tínhamos demonstrado para com o património da nação, não havia uma espingarda riscada ou com qualquer pequeno defeito…

Oficiais e sargentos fomos fazer os últimos tiros tendo ido o Capitão na viatura connosco, ele desceu e nós fomos descendo atrás dele em plena ordem e respeito, ele foi estender a mão a um capitão gordo que lá estava que lhe deu um raspanete, por não ter apresentado a força, formamos logo rapidamente e cumpriu-se a ordem militar, até ao ínfimo pormenor fazendo com que o gordo se levantasse a cada momento, mas eu trazia uma formação louca de tiro de Setúbal e por ter estigmatismo, o que só soube muito mais tarde, tinha pontaria máxima.

Tivemos todos o máximo em pontuação de tiro e deu para estragar os pés dos alvos quase todos.

O comandante de batalhão apareceu lá queria fazer uns tiritos com a malta, nós à revelia do capitão contamos-lhe, o coronel quis o relatório que o gordo tinha que fazer. O tipo passou por cima de uma série de coisas e só realçou as nossas qualidades como atiradores, e militares disciplinados.

Outro grande crime contra a tropa, na sala de jantar, à entrada os sargentos tinham um cabide enorme onde deixavam as boinas, nós que fazíamos sargentos dia às companhias, arranjava-se outra ordem para as boinas, participações e mais participações.

Quando deixo Santa Margarida e embarco no Niassa aí por Julho de 1965, já não me conheço sou uma pessoa diferente, muito revoltado, uma moral baixíssima, uma auto estima também lá no fundo, um fulano descrente, um fim de semana na Madeira, tendo se esgotado as bebidas no casino e houve baile toda a noite com uma orquestra militar, os estrangeiros, já havia muitos lá nessa altura, e a população da Madeira veio para a rua, adoraram, contra todas as previsões não houve o mínimo desacato, e não faltou ninguém, esse convívio foi maravilhoso, mais uns dias curtindo o resto das bebedeiras, desembarque, e Mansoa um jantar maravilhoso dado pelo Batalhão de Artilharia que lá estava, os Águias Negras, mas a ansiedade e o nervosismo já não se conseguia disfarçar.

Estivemos em Mansoa, 15 dias no máximo.

Nesse espaço de tempo, recebemos as armas fizemos os primeiros tiros, apanhamos os primeiros tiros, um soldado nosso de guarda entre o quartel velho e novo, matou uma preta, um grupo assaltou uns táxis que havia em Mansoa e foram uma noite para Bissau, fomos socorrer, uma auto metrelhadora que na primeira bolhanha na estrada para Bissorã tinha apanhado com uma granada anticarro, acho que com 4 militares lá dentro.

Um furriel nosso ao fazer a ronda à noite a Manssoa, enganou-se no caminho e atolou as viaturas na bolanha, tivemos que ir reforçar o pessoal da ronda, só no outro dia conseguimos tirar as viaturas.

E a terminar, ao irmos fazer guarda de honra a uma companhia de Balantas que iam jurar Bandeira, chove a cântaros e os indivíduos que não tinham sido formados por nós abandonam a formatura.

Mansabá era o destino e apelando ao nosso orgulho não quisemos escolta, o comandante de sector acedeu de boa vontade, penso que ele achou que era uma maneira simples de se ver livre de nós, para sempre.

Mansabá primeira saída «UASSADO» um morto, não dava para respirar, mas lá fomos enchendo os pulmões e começando a respirar com alguma dificuldade, mas estava instalada em nós uma raiva enorme e a partir de aí, acentuou-se em definitivo aquele sentimento nós ou vós, então que sejam vós e assim lá fomos vivendo, usufruindo de uma vantagem que tínhamos à altura as G3 tinham maior alcance do que as pistolas metralhadoras que era o que eles mais usavam, como o barulho do nosso tiro também era mais desmoralizador.

Claro que andei pelo Oio, e fui ao Móres mais do que uma vez e a todos aquelas casas de mato, cercando Mansabá mais do que uma vez.

Tivemos reencontros, alguns violentíssimos, outros menos, em todos os sítios assinalados num mapa que junto e ainda as emboscadas na estrada e as minas.

Estivemos em Mansabá com uma companhia dos Águias Negras depois sozinhos e por fim, já era sede de Batalhão.

Daqui para a frente é-me muito mais difícil falar porque eu ainda vejo as cenas, ainda oiço o barulho das armas e os gritos e ainda sinto o cheiro, aquele cheiro a terra e pólvora, mas eu vou falar e não o faço já porque eu como louco não oficial e como gosto muito de escrever, não tenho a noção da quantidade que escrevo, e como não sou escritor, não tenho que arranjar caixotes de adjectivos, para ficar tudo bonitinho, e como sou muito calão raramente leio o que escrevo.
Mas reafirmo foi muito grande o pontapé que levei à chegada, lá eu não fazia a mínima ideia do que ia encontrar.

Foi muito grande o pontapé que levei à chegada à metrópole, não conhecia o meu país e percebi, ou pelo menos penso que percebi, que era uma guerra de soldados e seus familiares, não a guerra de uma nação.

Era assim como viver de bem com as gentes da tabanca e à noite íamos à procura dos fulanos que conviviam connosco durante o dia, tem exagero, mas talvez não tanto como possa parecer.

Ernesto Pacheco Duarte
Bcaç 1857/Ccaç 1421
Mansabá - 1965 a 1967


2. Fotos enviadas pelo camarada Ernesto:

Vista aérea do Quartel de Mansabá em 1965/67, substancialmente diferente em 1970 - Legenda:
1 - Caserna de Sargentos; 2- Balneários de Sargentos e Praças; 3 - Caserna de Soldados; 4 - Cantina e Refeitório; 5 - Armazém de Géneros; B - Porta de Aramas e estrada para Cutia; 7 - Cozinha Rancho Geral; 8 - Messe de Sargentos, Secretaria, Comanda, Posto de Rádio e Posto Cripto; 9 - Cozinha de Sargentos e Depósito de Material de Guerra; 10 - Casa do Chefe de Posto; 11 - Posto Médico; 12 - Messe e Quartos dos Oficiais; 13 - Homens da Artilharia e Auto Metralhadoras; 14 - Caserna dos Soldados; 15 - Parque Auto: 16 - Peças de Artilharia.

Vista aérea da povoação e quartel de Mansabá

Ernesto Duarte na estrada de acesso ao quartel

Estrada de acesso ao quartel, quem chegava de Cutia. Vê-se lá bem ao fundo a Casa do Chefe de Posto situada dentro do aquartelamento.

Ernesto Duarte em Mansabá

Diz Ernesto Duarte: - Os carregadores, são meus, muito meus, furados na minha cintura, quando eu estava de visita a CAI.

O Movimento Nacional Feminino de visita ao K3, às portas de Farim.


Um foto de Bissorã, infelizmente com pouca qualidade


3. Comentário de Carlos Vinhal:

Caríssimo Ernesto,
Tivemos já umas trocas de mensagens, pelo que sabes como me sinto particularmente honrado por te receber na nossa Tabanca Grande.
Tenho, assim como toda a minha CART 2732, para contigo e para com a tua Companhia, uma gratidão enorme pelo que nos deixaram como herança naquela terra de Mansabá, onde alguém disse, se ardia vivo.

Tivemos o bem-bom de uma estrada alcatroada entre Mansoa e Mansabá, que vos terá custado tanto suor e sangue, como nos custou a nós, a que ajudamos a alcatroar entre o Bironque e o Rio de Farim.
Um parênteses  para te dizer que fui buscar a Mansoa um Primeiro Sargento (de má memória) que vinha destinado à minha Companhia. Ele que tinha estado em Mansabá nos anos de 1965, tremia só de pensar que tinha de fazer aquela estrada até lá. Quando se apercebeu de que já não íamos por picada, mas por alcatrão, o homem até rejuvenesceu. Esteve connosco pouco tempo, felizmente.

Falamos de locais tão familiares que é quase trágico-cómico partilharmos estas recordações. Lembro-me de uma operação à tabanca de Uassado numa noite de temporal desabrido, com um guia que nos prometeu manga de ronco, não tendo acontecido nada.

Vós, como nós, calcorreastes aquela malfadada estrada entre Cutia e Mansabá passando junto ao corredor que atravessava a estrada, em Mamboncó, em direcção ao Móres. Ali nos ficaram duas vidas a um mês do fim da comissão.

Pelas fotos que mandas, constato que as instalações do quartel foram ampliadas depois da vossa permanência, pois os quartos dos furriéis ocupavam no meu tempo as casernas 1 e 3, sendo que a 4 era a messe de sargentos. Os balneários de que falas eram dos furriéis e dos militares locais. Deixou de haver distinção entre alimentação de oficiais, sargentos e praças, havia uma única cozinha e a comida igual para toda a gente.

Lembras-te do senhor José Leal, o homem que explorava a floresta e que matava a fome ao pessoal? Era o único branco existente em Mansabá. Ao tempo tinha com ele a esposa e a sogra. Nasceu-lhes uma menina em 1970.

Se não te importares vou colocar as tuas fotos no site da CART 2732, porque fazem parte da história de Mansabá, onde já quase não há vestígios da passagem dos portugueses.

Esperando que não tenhas esgotado todas as tuas recordações nesta apresentação, fico(amos) à espera de mais histórias do Morés, K3, Bironque, Cutia, Manhau, Mantida (de má memória para CCAÇ 3417), etc.

Recebe desde já um abraço de boas-vindas de toda a tertúlia, prometendo que não deixas morrer, pela parte que te toca, Mansabá neste Blogue.

O teu camarada, amigo e mansabense
Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3163: O Nosso Livro de Visitas (25): Francisco Passeiro, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857 (Mansabá, 1965/67)

Vd. último poste da série de 26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7506: Tabanca Grande (256): João Bonifácio de volta ao Canadá, desiludido com Portugal

Guiné 63/74 - P7548: Notas de leitura (183): Vasco Lourenço, do interior da Revolução, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2010:

Queridos amigos,
Já existe no blogue a recensão coordenado pelo Vasco Lourenço “No Regresso Vinham Todos”*.
Faltava uma menção à longa entrevista que com ele teve a historiadora Maria Manuela Cruzeiro, do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra. Traz mais alguma luz sobre a comissão militar de Vasco Lourenço e sobretudo o seu relacionamento com Spínola.
Como é óbvio, os aspectos mais relevantes desta entrevista tem a ver com a preparação do golpe militar e a sua vivência durante o processo revolucionário, onde a sua actuação foi de uma importância iniludível.

Com um abraço do
Mário


Vasco Lourenço e a Guiné

Beja Santos

É dispensável tecer referências ao papel desempenhado por Vasco Lourenço no Movimento dos Capitães, na Comissão Coordenadora do Programa do MFA, no Conselho de Estado, no Conselho da Revolução, em suma este “capitão de Abril” exerceu durante o período revolucionário (o chamado processo político-militar de 1974 a 1976) um protagonismo inquestionável que justificou a extensa entrevista que a historiadora Maria Manuela Cruzeiro com ele teve e que permitiu um testemunho de enorme valor para a compreensão desse período histórico (“Do Interior da Revolução”, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro com Vasco Lourenço, Âncora Editora, 2009).

Desse longo testemunho, importa salientar que Vasco Lourenço comandou na Guiné a CCaç 2549, entre 1969 e 1971. Não é a primeira vez que ele é aqui associado à Guiné, já se procedeu a uma recensão da obra que ele coordenou com a história da sua unidade “No Regresso Vinham Todos”. Nestas suas memórias, ele refere a sua nomeação por designação e descreve alguns aspectos da sua comissão, como se passa a sumariar.

Primeiro, ele considera que esta comissão lhe abriu os olhos. Encarara a guerra como uma guerra justa até que olhou à volta, logo à chegada a Bissau e se questionou: o que é que nós tivemos a fazer aqui durante 400 anos?

Segundo, considera que o seu primeiro ano, em que combateu com a fronteira com o Senegal, se traduziu numa guerra a sério, com resultados e também com muita sorte. Foi nesse período que se viu envolvido numa operação de que resultou a maior apreensão de material de toda a guerra colonial e nunca igualada: 24 toneladas de material apreendido. É também nesse período que viveu uma situação que o marcou profundamente: “Descubro a existência de uma rede de informações do PAIGC. Nós estávamos em Cuntima e detectei uma rede de informações dirigida por um soldado milícia. Através dessa rede todas as nossas movimentações eram transmitidas para o Senegal. E aconteceu que precisamente o milícia que dirigia essa rede de informações, acabou por morrer numa operação, ao meu lado a dois metros de mim. Comecei a pensar: mas que raio de guerra é esta? Onde é que eu estou metido? O que é que se passa aqui? O que é que faz estes tipos lutar? O que é que faz com que se coloquem em situações em que acabam por ser mortos pelos próprios amigos? Pelos próprios companheiros de luta? E cheguei a esta conclusão: não tenho nada a ver com esta guerra, esta guerra não é minha, esta guerra não tem sentido. A guerra para mim acabou”.

Terceiro, o seu relacionamento com Spínola e a análise que faz à génese do spinolismo. Vasco Lourenço confessa que o cabo-de-guerra tinha uma maneira de ser que, nalguns aspectos, lhe agradava, impressionou-o favoravelmente quando chegou à Guiné. Depois despertaram os grandes conflitos: “O Spínola tinha os seus homens de mão. Tinha criado um grupo de aficionados. Eu considero que o Spínola tinha como objectivo suceder ao Américo Tomás. Para isso montou uma máquina de propaganda, primeiro junto do meio militar e, depois, também no meio político”. A imagem que ele tinha junto dos jovens capitães foi inicialmente muito positiva, correu com oficiais incompetentes, responsabilizava os oficiais. Mas não escondia o seu facciosismo pela Cavalaria. Depois surgiram tensões entre os dois, já em Cuntima. A par dessas tensões que subiram ao rubro quando ocorreu a morte de um régulo na região e que levou Spínola a ter frases menos felizes chamando assassinos aos soldados que tinham morto o régulo e que gerou uma onda de contestação na unidade de Vasco Lourenço, a partir daí as relações deste com Spínola nunca mais se normalizaram. Vasco Lourenço descreve a reunião de 16 de Abril de 1970 (a chamada “reunião do fim da guerra”) em que houve uma altercação verbal e em que a reunião terminou caoticamente. Depois deu-se a chacina de três majores e um alferes e esta doutrina de pacificação foi invertida. Vasco Lourenço refere um ataque a Farim com os chamados foguetões de 122mm. Spínola quis retaliar e foi assim que se organizou uma operação com comandos africanos que retaliaram sem dó nem piedade.

O retrato que Vasco Lourenço faz de Spínola é bastante negativo, descreve ao pormenor uma série de conflitos, actos de vingança, punições, desautorizações, desentendimentos, incoerências. Considera, no entanto, que a acção de Spínola na Guiné teve grandes méritos e que ele soube manipular o marketing para misturar o personagem real com a lenda. Censura-o no caso específico da retirada de Guilege, ordenado por Coutinho e Lima, acusa-o da mesma atitude que Salazar assumiu com o general Vassalo e Silva e como Marcelo Caetano pretendia transformar os militares, num cenário de agravamento da guerra.

Na parte final do seu testemunho, e depois de referir as suas relações com outros oficiais que combateram na Guiné, Vasco Lourenço refere-se com humor às acções negativas que sobre ele se inventaram depois do 25 de Abril: que se perdeu no mato, ter estado na origem da morte do régulo, de ter sido um dos piores operacionais da Guiné. E deste relato pouco mais há a dizer, a seguir ele salta para a contestação ao congresso dos combatentes e a reunião de Alcáçovas. Mas isso já é outra história que não respeita ao âmbito do nosso blogue.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5657: Notas de leitura (55): No Regresso Vinham Todos, de Vasco Lourenço (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7535: Notas de leitura (182): Salgueiro Maia Um Homem da Liberdade, de António de Sousa Duarte (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7547: Agenda Cultural (97): Para não esquecer a apresentação do livro Lugares de Passagem, de José Brás, dia 6 de Janeiro de 2010, pelas 18 horas na Biblioteca José Saramago, em Loures

1. Mensagem de José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 2 de Janeiro de 2011:

Bom dia Carlos
Um bom ano para ti e para os teus (os amigos também são)

Como estamos em cima da apresentação do Lugares de Passagem, junto-te aqui o convite para a rapaziada que esteja disponível, com vontade e com meios para vir aqui num dos dias, bem como alguma informação para entrada em Loures, porque é um dia de semana e a via rápida do Lumiar está em obras de alargamento, é um caos de evitar, sendo preferível sair de Lisboa pelo Ralis, acesso à Vasco da Gama e à esquerda, túnel do Grilo descendo até entrar na via rápida referida mas no sentido de Lisboa, encostado à direita para sair no sentido Odivelas e Caneças, subir, passar as saídas de Odivelas e Ramada e mesmo no topo, sair `*a direita Caneças-Loures, na rotunda virar para Loures sempre a descer e sem se enganar com a entrada da Zona Comercial, seguir indicações e já em baixo, numa recta entre vivendas, virar à esquerda, rotunda e a biblioteca está mesmo ali.

Para quem entra em Loures pela A8 ou da zona de Alverca, ou de Bucelas, ou da estrada da Malveira, sobe mesmo junto ao edifício da Câmara até encontrar o mesmo que já foi indicado para os outros.
Penso que esta explicação será suficiente para dar com o sítio.

Obrigado, meu amigo
Um abraço
José Brás


Convite para assistir à apresentação do livro "LUGARES DE PASSAGEM", de José Brás, a ter lugar no dia 6 de Janeiro de 2011, às 18 horas, na Biblioteca José Saramago, em Loures 


Como chegar


CONVITE

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Nota de CV:

Vd. poste de 22 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7490: Agenda Cultural (96): Apresentação do livro Lugares de Passagem, de José Brás, dia 6 de Janeiro de 2010, pelas 18 horas na Biblioteca José Saramago, em Loures

Guiné 63/74 – P7546: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XIII): A Companhia Maior e a Maior Companhia, partos do mesmo querer?


1. Mensagem de Vasco da Gama* (ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74) , com data de 2 de Janeiro de 2011:

Envio mais uma Banalidade para o nosso Blogue, solicitando aos estimados editores que coloquem em "su sitio" as duas fotografias que anexo.

Um abraço
VG



BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XIII

A COMPANHIA MAIOR E A MAIOR COMPANHIA

PARTOS DO MESMO QUERER?

A cena está aberta enquanto o público autorizado apenas a entrar em cima da hora marcada se vai acomodando. O sussurro dos espectadores à medida que se acomodam vai diminuindo até ao silêncio total. Os personagens todos eles dormem nas mais diversas posições, indiferentes ao público e a quem os rodeia.

Dormem profundamente, ignorando tudo e todos; dormem apenas, presentes na matéria, ausentes em espírito.

Só acordam quando o príncipe beija a princesa.

Mas, surpresa das surpresas, enquanto dormiam o tempo não parou. O tempo, esse foi passando e todos ao acordar estão mais velhos.

Como reiniciar a viver?

Talvez tenham estado acordados todo o tempo e apenas sintam que renasceram, pelo simples exercício de evocar a memória (1)

Companhia Maior em cena

O elenco desta Companhia Maior ligada ao Centro Cultural de Belém é composto por artistas com mais de sessenta anos, onde, a par de pessoas que pisam pela primeira vez o palco, pontificam intérpretes altamente experientes como a bailarina luso-americana Kimberley Ribeiro, ou o músico francês Michel e ainda o regressado a estas lides, o nosso camarada do Blogue Carlos Nery que, tal como todos os outros elementos da Companhia Maior, passou no workshop a que foi sujeito, levado pela mão de sua filha.


Cumbijã > Aquartelamento

Regressei da guerra da Guiné em finais de Agosto de 1974 e durante anos e anos e anos, não falei, não li, não quis saber da guerra.

Recusava participar em tudo que com a guerra se relacionasse.

Nenhum ruído guinéu, por mais forte que fosse, conseguia despertar-me do sono profundo, da indolência, da apatia com que brindava tal tema.

Só acordei quando alguém me indicou a nossa Tabanca Grande, o Luís Graça e Camaradas da Guiné.

O Luís Graça desempenha na nossa Maior Companhia, o papel do príncipe na Bela Adormecida da Companhia Maior.

A mim, como a tantos de nós, acordou-nos, fez-nos renascer, obrigou-nos a evocar a memória, a enfrentar os pesadelos do passado, a lidar com eles e a superá-los.

Mas fez mais, ajudou-me a encontrar centenas de novos camarigos com quem vou trocando opiniões, aprendendo com todos, sendo que para aqui pouco importa a qualificação de cada um, pois comungamos da mesma experiência no teatro operacional da Guiné.

Juntou-nos a todos na Maior Companhia, também todos nós acima das seis décadas, conciliando diferentes saberes, diferentes experiências, diferentes capacidades, diferentes talentos, diferentes opiniões, mas com o mesmo denominador comum: a Camarigagem.

Aplaudi de pé, em Estarreja, na companhia da minha mulher e do nosso querido camarigo Manuel Reis a Companhia Maior, como aplaudo também de pé o nosso Blogue e o nosso “encenador” Luís Graça.

Queixava-se-me o Carlos Nery que em certos blogues “há pessoas que escrevem como anónimas e dizem coisas horríveis… que estão para aí a gastar dinheiro com os velhos. Nós, continuava ele, aqui não temos a sensação de que somos velhos. Estamos a trabalhar como profissionais”.

É assim mesmo Carlos, a "Companhia Maior" vai muito para além da criação artística, mostrando à sociedade portuguesa que pessoas, todas elas na idade da reforma, estão no pleno uso de todas as suas capacidades e que a sua grande experiência é uma mais valia que não pode ser ignorada.

Também é assim com a nossa Maior Companhia, pois, para além de termos imposição e o encargo de legar a nossa memória aos vindouros, estamos mais do que ninguém habilitados a fazê-lo.

Temos a experiência
Temos o conhecimento
Temos a vivência

Somos vozes sábias e dignas, merecedoras de serem escutadas e reconhecidas, como já vai acontecendo com as informações que nos são solicitadas por doutorandos, mestrandos ou pela iniciativa de qualquer camarada que a nós se junta, nem que seja apenas, e só, para partilhar uma lágrima.

Sinto-me feliz, honrado e orgulhoso por pertencer a esta Tabanca, à Maior de todas as Companhias.

Do meu Buarcos lindo, hoje sem ponta de luar, o meu abraço para todos os Camarigos.

(1) folheto de apresentação da peça
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Nota de CV:

(*) Vd. último poste da série de 6 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7392: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XII): Sobre a nova Série do nosso Blog “O fim do Império português na Guiné” do nosso camarigo Magalhães Ribeiro

Guiné 63/74 - P7545: (Ex)citações (123): Poderá um velho soldado como tu algum dia regressar a casa ? (José Belo)



1. Do nosso camarigo J. Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:


Depois de ler algumas das reflexöes dos Camaradas Militares
ao longo do ano de 2010 
no Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné,
verifico continuarem, alguns, 
com mais dificuldades que outros 
em... regressarem.

Não sei se, 
mesmo com a fantástica terapia de grupo 
que aquele blogue a todos tem proporcionado, 
as difíceis experiências de uma guerra como a da Guiné 
algum dia permitirão um regresso completo... 

O que poderíamos ter sido SE... 
E as décadas vão passando. 
Lutas de vida e morte apodrecem 
em páginas amarelecidas de velhos jornais guardados... 
Memórias sem sentido 
por já não se intercalarem...
Gerações novas ignorando raízes de tanta dor...
Os ideais morrem em círculos cada vez mais rápidos... 
São outros os tempos,
tempos de aceitação. 

Para ti? Para ti é tarde...
E poderá um velho soldado como tu  algum dia regressar a casa?

[Revisão / fixação de texto / adaptação e reprodução com a vénia possível que a ciática da perna esquerda e a temperatura ambiente mo permitem... L.G.]

2. Contra-comentário de L.G.:

Esta foi, meu caro José (Joseph, para os lapões)
 a pergunta mais angustiante que me puseram hoje.
Porra (com a tua licença e a dos lapões),
e logo no início do ano de 2011...

Mentiria se dissesse que sabia qual a resposta a dar-te,
a ti e aos demais camaradas, amigos e camarigos...
Não, não sei dar-te a resposta...
Pessoalmente não tenho a resposta.
Algum de nós a terá ?
Acredito que sim...
Há gente que tem respostas (e certezas)
para tudo (ou quase tudo)...
Que  bom para eles (e elas)!...

Se calhar, somos nós que tornamos complexo o que é simples...
Ou simplificamos o complexo...

E depois, José, há a casa do soldado, a nossa casa...
Qual ? Quais ?...
Conhecemos tantas cas(ern)as...
Nenhum de nós regressou o mesmo,
nem muito menos à mesma casa...
Não era o nosso General [Spínola] que dizia:
 Chegastes meninos, partistes homens !?...
(O nosso Luís Dias é que a ouviu e registou,
a famosa frase,
eu não me lembro de nunca a ter ouvido,
da boca do nosso General
nas duas únicas vezes que o vi,
uma de longe, em Bissau,
outra face a face,
no destacamento da ponte do Rio Udunduma,
faz agora 40 anos...)....

E tu, camarigo, velho soldado e viajante:
onde é a tua casa ?...
A minha, gostaria que fosse tão grande como o mundo
(que é cada vez mais pequeno, acanhado e claustrofóbico)...
Tão grande ao menos como a morança da tua tabanca,
from Lappland to Keyt-West....
Não é muito importante onde fica o marco geodésico do mundo
(Lourinhã,
Candoz,
Bambadinca,
Belmonte,
Buba,
Empada,
Kalmar,
Lamego,
Gandembel,
Guidage,
Guileje,
Tavira,
Matosinhos,
Ponta do Inglês,
Mafra,
Cu de Judas,
Fundão,
Milho Rei,
Quelelé,
Mindelo,
Freixo de Espada à Cinta,
Farim do Cantanhez,
Vila de Rei,
Ponta de Sagres,
Monte Real,
Ilha de Luanda,
Bissalanca,
Metangula,
Abisco,
Kiruna,
Buarcos,
Missirá,
Macau,
Cussilinta,
Ouro Preto,
Moscovo,
Brasília,
Wall Street,
Pequim ?...)

Que importa se o marco geodésico do mundo
fica no norte ou no sul,
no leste ou no oeste ?
Afinal, o  Mundo é Pequeno
e a nossa Tabanca... é Grande!

Mas um dia prometemos fazer-te uma visita...
 Espero não  ter insónias no 2º dia do Ano
(Novo, dizem)
que aí vem...
De Lisboa, outrora capital do império,
 com saudade(s)
 e com todos os meus quatro humores...
(para ti e para o Vasco do Cumbijã/Buarcos,
o único que te agora te mandou um comentário
porque se calhar é o único que fala o teu dialecto luso-lapão) ...

Luís

PS - O Vasco, Kadé dele ?
Sim, o nosso Vasco da Gama ?
Kadé o seu comentário nas paredes geladas da tua morança ?
Esta noite juro que o vi por Abisco ou arredores...
E até passei pela Figueira da Foz
que fica ali para os lados de Buarcos,
no meu regresso a casa, da Madalena para a a Alfragide... 

Guiné 63/74 - P7544: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (34): Quem tem cu… tem continuação… (José Eduardo Oliveira - JERO)

1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos hoje a seguinte mensagem:
Quem tem cu… tem continuação…

Estamos convencidos que estas “estórias” relacionados com tentativas de “fugas” à tropa e à guerra tiveram uma forte componente próxima da neuropsiquiatria.
Passar por “maluco” podia resultar em nada mas… normalmente ganhavam-se alguns meses.
E enquanto o pau ia e vinha… folgavam as costas e, eventualmente, poderia surgir uma ideia melhor. O pior que podia acontecer era ficar mesmo “apanhado”…
E não teriam sido poucos os que arriscaram forte e… perderam!
Dos comentários já recebidos à P7538 (dos camarigos José Almeida, Rogério Cardoso, Manuel Amaro, Luís Faria, António Paiva e Zé Teixeira) achei particularmente engraçada a contribuição do Zé Teixeira com a “estória” do cabo-miliciano travestido de gay.
Como o saber não ocupa lugar aproveito para comunicar que na minha região (mais propriamente na Nazaré) um “gay” é um “paneleiro” com estudos. Se esta “definição” já está divulgada como sendo originária de outras zonas do País as minhas desculpas pelo involuntário plágio.

Nos meus tempos no HMP estive em Dermatologia cerca de um ano (entre Junho de 63 e Maio de 64). Quem conheceu o HMP desses tempos sabe que a Neurologia era logo ao lado. E com a sacanice própria dos nossos vinte e pouco anos os “vizinhos” eram os “malucos”, com quem não havia muitas conversas. Lembro-me que era um “local” do Hospital onde nós passávamos a olhar para o outro lado…
Havia um “internado” que por vezes vagueava pelo corredor.
Dizia-se que já estava na enfermaria há muitos meses e que se fingia maluco para ver se ia prá “peluda”.
Que tinha um ar estranho… tinha.
Um dia o Director do HMP, O Cor. Médico Ricardo Horta Júnior, terá visitado a Enfermaria de Neurologia de surpresa.
Terá questionado alguns dos “utentes” sobre a sua maluqueira, em que não acreditava. O “internado”, que estava há longos meses na enfermaria, terá sido dos que sofreu interrogatório mais apertado.
Tão “apertado” que pegou numa cadeira hospitalar e “cresceu” para o Director. E alem de “crescer” terá feito mesmo menção de agredir o Director.
Ora o Dr. Ricardo Horta Júnior, a quem não faltava nenhuma “cadeira” para acabar o curso, achou por bem sair rapidamente para o corredor…
Se tudo aconteceu assim não temos a certeza mas que a ”estória” correu no meio hospitalar da época… correu.
Íamos até jurar que muita malta, que cumpria serviço militar no HMP, teve pena que o “internado”não tivesse consumado o seu “tresloucado” acto.
Não podemos garantir mas… julgamos que a partir dessa “cena” o “internado” passou a ser olhado com outros olhos.
O “juízo” a seu respeito… tinha mudado.
Quando saímos do HMP em Maio de 1964 para o R.I. 16 e depois para a Guiné ele continuava em Neurologia.
A esta distância no tempo temos muita pena de não nos termos despedido dele.
Esperamos que ele “tenha levado a sua carta a Garcia…”.
E que o Garcia não fosse o da Horta. O de Almada. Para Hospitais já lhe deve ter chegado o da Estrela…
Temos mais “estórias”mas… o ano ainda só agora começou.
E para os camarigos que, por causa de um desacerto de datas de uma emboscada acontecida há décadas, já ameaçaram tirar a “G3”da prateleira aconselhamos calma. Já somos quase todos maiores de 60 e nesta fase da vida o que mais precisamos é de paz.
Ficamos hoje por aqui.
Votos de boa saúde porque nem todos os Hospitais são de confiança…Quem sabe quantos “malucos” ainda por lá andam!!!
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
____________
Nota de M.R.:
Vd. o primeiro poste sobre esta matéria em:

31 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7538: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (30): Quem tem cu… puxa pela cabeça! (José Eduardo Oliveira - JERO)

Vd. último poste desta série em:

2 de Janeiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7542: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (33): Passagem de ano 1973/74 no cinema do FC Os Balantas, em Mansoa (Agostinho Gaspar)

domingo, 2 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7543: Parabéns a você (195): Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339 (Editores / Tertúlia)


PARABÉNS A VOCÊ

02 DE JANEIRO DE 2011


Caro Carlos, a Tertúlia solidariza-se contigo nesta data festiva. Assim, vêm os Editores em nome de todos os camaradas e amigos desejar-te um feliz dia de aniversário junto dos teus familiares.
 

Que esta data se festeje e prolongue por muitos anos, repletos de saúde, tendo sempre junto de ti quem mais amas.

Na hora do brinde não esqueças os camaradas e amigos deste Blogue, que irão erguer também uma taça em tua honra.
__________

Notas do editor

Carlos Marques Santos foi Fur Mil da CART 2339 que esteve em Fá Mandinga e Mansambo nos anos de 1968 e 1969

Vd. último poste da série de 29 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7519: Parabéns a você (194): Luís Fernando Moreira, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 2789/BCAÇ 2928, Bula, 1970/72 (Editores)

Guiné 63/74 - P7542: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (33): Passagem de ano 1973/74 no cinema do FC Os Balantas, em Mansoa (Agostinho Gaspar)





1.Texto e fotos  do camarigo Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), residente em Leiria:



Data: 31 de Dezembro de 2010 12:21

Assunto: Passagem de ano 1973-74

Boa tarde,

Em 1973, a passagem para o ano de 74 foi no cinema Balantas, em Mansoa.


Em Mansoa a formação militar era composta por vários elementos de diversas companhias: BCAÇ 4612/72, CCS e 3.ª CCAÇ, CCAÇ 15 (nativos), Pelotão de Morteiros 81, Pel Rec Daimler [, nº ?], Pelotão de Artilharia 14, Operações, Transmissões e Criptos,  entre outros.

Pode ser que alguns dos caramigos ou tertulianos estejam presentes nesta fotografia [,acima]. Eu estou presente no meio da multidão [, com uma elipe a vermelho]. Esta fotografia foi tirada em 1973, quando se estava a realizar um espectáculo de fim-de-ano no clube dos Balantas. (*)

Com os melhores cumprimentos e votos de Boas Festas,

Agostinho Gaspar


______________

Nota de L.G.:

Último poste da série > 1 de Janeiro de 2011 >Guiné 63/74 - P7540: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (32): Carlos e Dina Vinhal


A partir de Cometário de José Batalha, com data de  11 de Julho de  2009, ao poste do blogue Bissau Calling >  9 de Julho de 2009 > Festa do futebol:

(i) O Clube de Futebol Os Balantas nasceu em 18 de Setembro de 1946;

(ii) Era filial n.º 13 do Clube de Futebol Os Belenenses, razão por que  equipa de azul e usa  a cruz de Cristo ao peito;

(iii) Na época 1959/60 conquistou o seu primeiro campeonato da então  província portuguesa da Guiné, depois de se ter sagrado campeão da zona norte (venceu na final, por 1-0, ao Futebol Clube de Cantchungo);

(iv) Na época seguinte (1960/61) revalidou os títulos de campeão, tanto da zona norte como da Província da Guiné;

(v) Na época seguinte, alcança de novo a proeza de vencer o campeonato da zona norte e da Província da Guiné, juntando-lhes a taça Jornal Arauto (bateu na final, por 6-3, o Futebol Clube de Cantchungo, num jogo disputado em Bissau, no então Estádio Sarmento Rodrigues, actual Lino Correia);

(vi) Nas épocas 1963/64 e 1964/65, elevou para cinco o número de conquistas do campeonato da zona norte e para três o número de vezes em que foi campeão de toda a Província da Guiné.

(vii) Com o início da guerra,  deixou de se realizar o campeonato da  zona norte (entre 1965 a 1969):

(viii) Na época 1969/70, o CF Os Balantas participou no campeonato provincial, classificando-se na segunda posição;

(ix)  Outras equipas de futebol, dessa época, para além de Os Balantas: Benfica de Bissau, Sporting de Bissau, Ajuda Sport, Ténis Cube, Ancar, UDIB e Sacor;

(x) Por causa da guerra, o FC Cantchungo não participou no campeonato dessa época.

(xi) Na época seguinte,  Os Balantas venceram a taça da Província da Guiné e qualificaram-se para a taça de Portugal;

(xii) Um ano depois,  voltam a conquistar o título de campeão provincial, o seu último título provincial.

(xiii) Outro grande título do seu historial:  venceram o primeiro campeonato da nova República da Guiné-Bissau, na época 1974-75, conquistando também a primeira taça de Pindjiguiti.
(xiv) José Batalha diz, por fim que, "o clube de Mansôa voltaria a vencer o campeonato em 2006, antes do título deste ano, mas, curiosamente, nunca conquistou a taça nacional".11 DE JULHO DE 2009 01:32

sábado, 1 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7541: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (7): Dia 25 de Novembro de 2010

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2010:

Malta,
Hoje foi um dia mais apaziguado, depois do reencontro com o Príncipe Samba.
O Xitole dá que pensar, ainda tem condições para ser preservado, é bom não esquecer que já tinha bastante vida antes do desencadear da guerra, daí ter sido um quartel bem embebido dentro da povoação, com bons resultados à vista.
Amanhã e depois, vou dar cumprimento a duas rotas de exaltação: Madina e a Ponta do Inglês. Com agradáveis e gratificantes surpresas pelo caminho: o Enxalé devia aparecer dentro de uma rota de turismo militar; vou ser reconhecido em Madina do Gambiel, na fronteira do Cuor com Mansomine e Joladu. E a viagem à Ponta do Inglês foi toda ela feita com um frémito de emoção.

Um abraço do
Mário


OPERAÇÃO TANGOMAU - ÁLBUM FOTOGRÁFICO (7)

DIA 25 DE NOVEMBRO DE 2010

Por decisão do homem grande Fodé Dahaba (acertada e de acordo com as precisões sentimentais do Tangomau, acrescente-se) o dia será passado para os lados do Corubal, mais propriamente na região do Xitole. É irresistível não ir ao encontro do Príncipe Samba, um dos seus mais dilectos colaboradores. Albino Amadu Baldé de seu nome, deu-lhe uma colaboração infatigável, comandando bem o pelotão de milícias de Missirá. Tudo quanto havia de bom aconteceu: era intérprete, conselheiro, professor, até contabilista. A sorte foi madrasta com o Príncipe: alguém roubou os salários dos milícias, em Finete, teve um processo, ouviu insinuações escabrosas, não conheceu descanso. E depois da independência, não lhe reconheceram os méritos. Como era da praxe, antes de partir, Fodé Dahaba partia mantenha com os visitantes. Hoje apareceu Mamadu Baldé, o filho de Queta Baldé, mas são visíveis Madjo, Djiné e Silá Sani, que vive agora em Maná onde em breve vai receber o Tangomau nesse dia exultante de visitas a Madina Gambiel, Sansão e Canturé.

Depois da viagem ao Xitole, depois da nova visita a Finete e à estrada de Canturé, procede-se à última visita ao que resta da Bambadinca de há quarenta anos. Trata-se de um itinerário mítico, à porta de todos estes estabelecimentos havia muita vida: máquinas de costura em movimento, gente abancada a beber e a conversar, comércio variado, gente a entrar e a sair dos diferentes estancos da Ultramarina, Casa Gouveia, lojas do Tavares e do Rendeiro. Aqui se encontravam velas, botões, carrinhos de linhas, lanternas, preciosas vitualhas, desde bifanas a leite condensado. Este universo extinguiu-se, o que era estrada tornou-se carreiro, ouvem-se as crianças na escola e pouco mais. Por isso se captou a imagem da ruína e da incompreensão porque de espaços sólidos se está a falar, agora são escombros definitivos, dentro de meses ou escassos anos, com chuvadas torrenciais ou tornados alucinantes, estes vestígios caíram por terra.

O Tangomau regressou apressado, quer apanhar o pôr-do-sol no Bairro Joli. Prevêem-se dois dias de excitação, de acordo com o contrato feito com Lânsana Sori: amanhã incursão pelo Enxalé e Madina; depois de amanhã a Ponta do Inglês, Madina de Gambiel, Sansão e Maná, entre outras gratas surpresas. Falando de surpresas, elas são como as cerejas. Apareceu Aliu Baldé, das milícias de Finete, tal e qual como há 40 anos; enquanto descia pelo que foi a tabanca de Bambadinca, o soldado Jabalu Baldé veio cumprimentá-lo. Por exigência de Madiu Colubali, o Tangomau e Calilo foram até Canjara, é ali a sua tabanca. Agora, importa pôr alguma ordem nas emoções, estão praticamente satisfeitos todos os pedidos a partir de Lisboa, só falta visitar Binta Seidi, a mulher de Cherno Suane, no Bairro do São Paulo, em Bissau. Mas o Tangomau sai com nova incumbência, a de contactar em Lisboa a mulher de Madiu, de nome Ale, tem estado hospitalizada em Lisboa, está agora convalescente na Quinta da Mocho. É provável que o leitor fique indiferente a esta bola de fogo pronta a despedaçar-se no interior da mata. Mas para o Tangomau é a quintessência do fim do dia tropical.

Reservou-se para este álbum a fotografia mais imponente do Príncipe Samba, em Sinchã Indjai. O encontro abalou as cordas afectivas da cordialidade do Tangomau. O que dói sempre mais é a impotência perante um talento, um recurso humano brutalmente desaproveitado. O Príncipe mantém a sabedoria, a cordura, a temperança e até a resignação, para lá de todos os revezes. Nada tem e disfarça o limitar da subsistência, essa linha ténue que em África separa a ausência da qualidade de vida da capacidade de resistir até ao dia seguinte. Aqui e acolá ainda há pessoas que oferecem uma galinha ao Tangomau. Este, conhecedor das realidades, sempre que possível pede polidamente para não levar o que faz falta, o bem que entra no tal limiar da subsistência. Momentos houve em que chorou convulsivamente, quando lhe pediram uma pequena ajuda, muito discretamente. Chora-se porque não se pode ser dadivoso a torto e a direito. O Tangomau enfureceu-se consigo próprio, devia ter previsto uma consideração excepcional com este príncipe, que não esperava encontrar na indigência total.

Aguarda-se, na mais viva das expectativas, que os confrades da tertúlia, aqueles que habitaram o Xitole, desvendem a utilidade desta habitação. O Xitole, de tudo quanto o Tangomau viu, só tem equivalente com o Enxalé, que irá visitar exactamente no dia seguinte. Já se viu como está Bambadinca, o que melhor resiste, para além das casernas, são as instalações de índole civil; Fá está a cair aos bocados; a Missirá da guerra praticamente desapareceu; do Xime restam as construções civis, todas as edificações militares foram terraplanadas; Mato de Cão deixou escassos vestígios, etc. Ora o Xitole, por razões que o Tangomau não sabe atinar, mantém a presença do passado, foram derrubados os abrigos e desapareceram as vedações do arame farpado. Mas o essencial do seu casario persiste e, coisa estranha, ainda podia ter utilidade e não este vil abandono como se fosse uma recordação nefanda que todos evitam.

Aqui e acolá aproximavam-se pessoas, identificavam.se sem pejo, casos houve em que perguntavam pelo capitão, alferes ou furriel. De olhos nos olhos, diziam: “Tomei farda em 1965, só a tirei quando acabou a guerra”. Este senhor chama-se Asimo Candé, estava a caravana no Xitole, ele assistiu a tudo à distância, quando a comitiva passou pela tabanca interpelou o Tangomau e apresentou-se. E deu ordens: “Tira fotografia, este é o meu neto”. Onde quer que estejas Asimo, quero que saibas que respeito a tua sinceridade e guardo sigilo quanto aos teus desabafos.

Foi finalmente desfeito um equívoco com mais de quarenta anos. Todos aqueles que patrulharam Mato de Cão a partir de Missirá, regra geral passaram por Canturé, era um cruzamento naquela que fora, até à guerra, a mais luxuriante e aprazível horta do Cuor. Pois bem, não poucas vezes se passava por ali com sede transcendente e uma fome devoradora. Por exemplo, sair de Missirá depois de almoço na expectativa de vigiar embarcações com passagem previsível pelas 16 horas. Podia dar-se o caso do barco encalhar devido às marés, havia que ali permanecer até aos alvores da manhã. Imagine-se a fome e a sede. No regresso, alguém suplicava: “Vamos comer as laranjas azedas de Canturé”. E assim ficaram baptizadas. Mas elas não são laranjas azedas, são toranjas. A verdade veio ao de cima no Bairro Joli, imagine-se. Dada, a anfitriã, mostrou uma toranja, tendo acrescentado que naquela manhã o Tangomau iria beber um sumo misturado com goiaba e cabaceira. Palavra puxa palavra e iluminou-se o espírito: em Canturé há toranjas e não laranjas. Por isso mesmo, e com enorme reverência, se fotografou uma das muitas árvores ali existentes. A despeito do gosto amargo, aligeiraram o sofrimento de muita gente. Quanto se agradece a estas toranjas que foram maltratadas como laranjas azedas…

Em praticamente todas as circunstâncias, o Tangomau fez o jogo limpo, nada de exigências, chegou a dialogar em alta voltagem com o homem grande Fodé Dabaha quanto a itinerários e errâncias espúrias. Insistiu em ir a Demba Taco e até Moricanhe, rendeu-se às evidências, não voltou a insistir. Mas não deixou de ter procedimentos manhosos. Esta foto atesta a sua paixão incondicional por terras de Finete e Canturé. Não resistiu ao contraste dado pelo sombreado da árvore, a luminosidade do verde e o fundo da mata, trata-se de um disparo da bolanha de Finete onde, inacreditavelmente, se perderam imagens soberbas (na percepção estética do Tangomau, claro). Todo o fotógrafo amador tem as suas decepções profundas, range os dentes perante certas perdas. Uma doeu-lhe muito: a perda da foto que apanhava a rampa alcantilada de Finete, o Unimog saía ajoujado e a resfolgar trepava aquela rampa antes de se lançar na bonita avenida de poilões que conduz a Canturé. Pois bem, subsiste dessa visita a panorâmica da bolanha com a floresta ao fundo. Do mal o menos!

As negociações para os dois últimos dias úteis do Tangomau foram muito ásperas. Constatada a impossibilidade de ir de Amedalai a Demba Taco, a impossibilidade de descer com a viatura até Samba Silate, negando-se o Tangomau a viajar até Bafatá ou fazer as tabancas de Cossé e Badora, tudo parecia caminhar para o impasse, era indispensável voltar ao Cuor, o Tangomau recusava aceitar as dificuldades postas pelo mau estado da estrada para Madina e Belel. Providencialmente, Calilo Dahaba sugeriu um contacto com Alassana Bari, um jovem da Guiné Conacri proprietário de uma motocicleta. O homem grande Fodé Dahaba espumava: “Não vais sozinho para Madina e Belel, e se há um desastre, qual é a minha responsabilidade?”. Pois bem, o Tangomau negociou diferentes prestações de serviços frente a um Fodé Dahaba alvoraçado pelo pânico: de manhã, amanhã muito cedo, depois das compras em Bambadinca, vamos até ao Enxalé, o Tangomau quer percorrê-lo a pente fino; depois viajar, inebriado, para as profundezas do Cuor, Cabuca, Madina e Belel; no regresso, se possível, passar novamente por Finete, mas antes parar um pouco nos palmeirais de Chicri. Amanhã será um dia de grandes surpresas. A maior, é o prazer de viajar de motocicleta, conversar em Francês ao ouvido de Lânsana Bari, de quem vai ficar amigo. E sem qualquer receio de se estar a fazer publicidade encapotada ou comunicação comercial agressiva, informa-se a todo e qualquer visitante da Guiné-Bissau que queira chegar aos lugares mais ermos, inacessíveis a qualquer tipo de viatura de 4 rodas, o Lânsana vai lá, entre poças de lama, charcos esverdeados e estradões perigosos, o Lânsana satisfaz a clientela mais exigente. Basta telefonar para 002456353016, falando em crioulo da Guiné ou francês.

Fotos: © Mário Beja Santos (2010). Direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7514: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (6): Dia 24 de Novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7540: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (32): Carlos e Dina Vinhal

1. Mensagem, reproduzida no ponto 2,  do meu querido co-editor, camarada, amigo e camarigo Carlos Vinhal, com data de ontem, 31/12/2010, pela 10 horas e picos da manhã...


Telefonei-lhe ao início da noite, a desejar-lhe as melhoras e as boas entradas da praxe, no Ano Novo. Era óbvio que ele e a Dina iam passar sozinhos a noite de passagem de ano. À distância deu para adivinhar o seu... meio sorriso,  a meia cara. Ele é um estóico. Nem um queixume... Já não há gente desta, em Portugal... (queixamo-nos por tudo e por nada, pelas boas e pelas más razões, com ou sem razão...). Por isso, e sem consultar quem quer que seja, eu decidi, de motu próprio, eleger o Carlos e a sua inseparável Dina o casal do ano da nossa Tabanca Grande... 


O Carlos por razões mais que óbvias... A Dina (que no início 2009 se reformou da sua actividade profissional),  por ser a amiga do nosso blogue que compareceu a todos os nossos cinco encontros nacionais, desde 2006. Ela e o Carlos são inseparáveis... Esta amiga merece figurar, desde há muito, no quadro de honra da nossa Tabanca Grande, leia-se na nossa lista, de A a Z, dos/as camaradas, amigos/as e camarigos/as. Ela e mais algumas das nossas companheiras, o que faremos a seu tempo. Mas ela, especialmente ela, merece esta pequena distinção da nossa parte, no final do ano de 2010... Falo com ela ao telefone com alguma regularidade e dela nunca ouvi, da sua boca, um queixume, uma queixa, uma crítica, um azedume, uma intriga, um ressentimento..., mesmo sabendo que a edição do blogue  rouba tempo à vida do casal (e às vezes até faz mal à saúde do seu homem!). 


Sê bem vinda, Dina! Passo a tratar-te por tu (e vice-versa, se não te importas), a partir de agora, como irmã e como amiga desta pequena grande família que já somos,  desde há largos anos. Obrigado pela tua doçura, delicadeza e paciência de santa... E por nos emprestares o teu Carlos, que é o teu mais que tudo (Corro o risco de cometer uma inocente inconfidência, mas ele já a conhece desde os 19 aninhos, portanto muito antes das bajudas de Mansabá...).


Em suma, a Dina também é um dos esteios do  nosso blogue. Uma presença discretíssima, mas forte, como a de todas (ou quase) todas as nossas companheiras... a quem eu aproveito para mandar um (e)terno xicoração neste início de ano.


Um ano de 2011 com coragem e saúde, para ambos, para ti,  Carlos, para ti, Dina. Um ano em que vamos precisar, todos/as,  de muita camarigagem. Na nossa Tabanca Grande, debaixo do nosso sagrado e fraternal poilão, tu, Dina, passas a ter um lugar cativo, o nº 465..

Com a nossa tabanqueira nº 465,  fechamos o ano em... paz e beleza (embora com a deusa da saúde meio desasada - entre os gregos, chamava-se Higía, e é de longe a minha preferida, embora a gente tenha que recorrer, de vez em quando, à sua irmã Panaceia...).



PS - Assina: Luís Graça, falando  em nome de toda a Tabanca Grande. Amanhã, domingo sigo para a Lourinhã e depois para Lisboa. Até ao(s) nosso(s) próximo(s) encontros. Que a doença,  que costuma "vir a cavalo e ir-se embora a pé" (diz o povo), nos deixe em paz neste começo de ano de 2011... Para os que partem (para mais longe) e para os que ficam (por aqui mais perto)... 


Madalena, V. N. Gaia, 1 de Janeiro de 2011, escrito às 2h30, revisto às 11h...




2. Mensagem de ontem, particular, do Carlos: 


Luís: Eu e a Dina estamos com uma constipação muito forte, com temperatura, tosse e outros quejandos, pelo que a passagem de ano, que era para ser em Ponte de Lima, vai ser passada em Leça da Palmeira.


Descansa o mais que puderes porque quanto mais massacrares o dito ciático mais inflamado fica e as dores não passam.


Como diz a canção, ai quem me dera ter outra vez 20 anos... (*)
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Nota de L.G.:

(*) Carlos, folgo com o teu bem humor, que é sempre "meia cura" quando a gente está doente,  adoentado, em baixo das canetas... E já agora acrescenta ao nosso fadário (de ex-combatentes),  este outro provérbio antigo: "Até aos 40 bem eu passo, dos 40 em diante 'ai a minha perna, ai o meu braço' "... Acrescenta-lhe mais 20 ou 30 anos, que a nossa esperança média de vida ao nascer duplicou, durante o século passado: era de 35 anos, para os homens, por volta de 1900...