Foto nº 1 >Guiné > Região de Cacheu > Bigene > CCAÇ 3 (1973/74) > "Um casamento em Bigene"...
Fotos (e legenda): © António Marreiros (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
António Marreiros |
1. Respondendo pronta e generosamente ao desafio do nosso editor LG ("Fotos a precisarem da ajuda de etnólogo ou, talvez ainda melhor, do 'conselho sábio' do nosso assessor para os assuntos etnolinguísticos, o Cherno Baldé que 'firma' em Bissau"), o nosso amigo e colaborador permanente, sacrificando o seu descanso, acaba, às 13h00 de hoje, de fazer o seguinte comentário ao poste P21729 (*) .
O nosso editor agradece ao Cherno Baldé: mais do que um longo comentário, trata-se de uma verdadeira lição de etnografia guineense, à volta do tema (fascinante) do casamento. Voltamos a reproduzir, embora em formato mais reduzido, as belíssimas imagens captadas pelo nosso camarada António Marreiros, um algarvio que vive há muito no Canadá e que, noutra encarnação, foi alf mil, CCAÇ 3544, Buruntuma, 1972, e CCAÇ 3, Bigene, 1973/74.(*)
Legendas para as fotos de um casamento balanta-mané, em Bigene, em janeiro de 1973
por Cherno Baldé
A Guiné-Bissau é um pequeno país, um enclave territorial que, paradoxalmente, alberga um número de etnias mais diversificado que qualquer dos seus vizinhos mais próximos e maiores em extensão territorial.
Foto nº 2 |
Culturalmente e por força de um longo dominio, militar, político e comercial na região no periodo pré-colonial, toda a região e, particularmente, o corredor desde Ingoré, Bigene, Binta, Guidage até Farim e arredores faz-se sentir fortemente a influência mandinga em todos os domínios da vida social e cultural dos diferentes grupos que aqui conviveram ao longo dos tempos.
Falando concretamente das bonitas imagens captadas pela objectiva do ex-Alf MilAntónio
Marreiros em Bigene em meados de 1973, provavelmente no mês de Janeiro a julgar pelas flores dos mangueiros, como o próprio faz notar, tenho a tecer as seguintes considerações (**):
I. Pelos detalhes e o ritual presentes na imagem, não se trata de um casamento Manjaco, longe disso, nem Mandinga ou Felupe, pelo que acredito que se trata de um casamento da etnia Balanta-Mané (a confirmar).
II. A noiva ostenta ainda nos dois lados do rosto e preso aos cabelos, nozes de cola de cor vermelha (foto 1)
Foto nº 3 |
Estamos na presença de uma cerimónia que, visivelmente, apresenta elementos rituais animistas (o lenço vermelho na cabeça e o pano preto a cobrir o corpo da noiva) e muçulmanos (a noiva depois do ritual do arroz/milho e a cambança do pilão em casa dos pais num ambiente de festa (foto 1 e 2) é carrregada à cabeça de um jovem possante e só pisará o solo em casa do noivo, ou seja, realiza-se a simbologia da transferência definitiva da morada da mulher que, para todos os efeitos, deixa a casa dos pais e passa a fazer parte da familia do marido (fotos 3, 4 e 5) e não é suposto fazer o percurso inverso salvo por necessidade inadiável e/ou razões de força maior (divórcio).
II. A noiva ostenta ainda nos dois lados do rosto e preso aos cabelos, nozes de cola de cor vermelha (foto 1)
.... que tem um significado especial para os muçulmanos e que simboliza o carácter sagrado e inviolável do casamento que tem o consentimento de Deus, a benção dos pais e dos mais velhos da comunidade (o correspondente ao ritual cristão que diz: "O que Deus uniu que o homem não separe").
Foto nº 4 |
... e aqui repete-se a festa da chuva do arroz sobre a noiva que simboliza abundância e prosperidade e realiza-se o ritual da recepção por parte da família do marido que dá a entrada/aceitação e promete protecção e apoio à noiva na sua vida futura de mulher dedicada à vida do marido e da familia que doravante fará parte até ao fim da sua vida.
Ao mesmo tempo é dada a todos os membros da familia do futuro marido a oportunidade de se pronunciar, de apresentar ou não suas objecções quanto à futura esposa e que doravante fará parte da familia.
Ao mesmo tempo é dada a todos os membros da familia do futuro marido a oportunidade de se pronunciar, de apresentar ou não suas objecções quanto à futura esposa e que doravante fará parte da familia.
É ocorrespondente Cristão do "Digam agora ou calem-se para sempre". Todavia, é muito raro que hajam pronunciamentos contrários, pois os investimentos já feitos desaconselham tais atitudes num meio de per si já pobre e bastante precário. E mesmo que houvesse dúvidas sobre o comportamento da noiva prevalecerá a confiança na sua mudança radical a partir desse momento fulcral na vida de uma mulher casada.
No fundo, o mundo é transversal e a cultura é universal e, muitas vezes, lá onde queremos ver grandes diferenças, são simplesmente variações de um mesmo fenómeno que é diversificado e vestido de outras roupagens e matizes culturais.
Foto nº 5 |
Antes da chegada dos europeus à Africa, o Império do Mali e sua expansão ja tinham feito chegar outras culturas, técnicas e influências sociais globalizantes.
Actualmente os casamentos continuam a ser feitos com os mesmos rituais e simbologias, mesmo se há algumas inovaçõs e mudanças em função da evolução e da dinâmica multicultural que a globalização está a acelerar a bom ritmo, onde a inclusão da música global em detrimento da tradicional é um dos marcos mais visíveis.
Actualmente os casamentos continuam a ser feitos com os mesmos rituais e simbologias, mesmo se há algumas inovaçõs e mudanças em função da evolução e da dinâmica multicultural que a globalização está a acelerar a bom ritmo, onde a inclusão da música global em detrimento da tradicional é um dos marcos mais visíveis.
Cherno Baldé, Bissau, 3 jan 2021, 13h
___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 3 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21729: Memória dos lugares (416): Um casamento em Bigene (António Marreiros, ex-alf mil, CCAÇ 3544, Buruntuma, 1972, e CCAÇ 3, Bigene, 1973/74)
(*) Vd. poste de 3 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21729: Memória dos lugares (416): Um casamento em Bigene (António Marreiros, ex-alf mil, CCAÇ 3544, Buruntuma, 1972, e CCAÇ 3, Bigene, 1973/74)