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quinta-feira, 17 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27025: Humor de caserna (204): O Padre Aurélio (Alberto Branquinho, "Cambança", 2ª ed. revista, 2009, pp. 70-73)


Capa do livro de Alberto Branquinho, "Cambança: Guiné, morte e vida  em maré baixa", 2ª ed. revista. Lisboa, SeteCaminhos, 2009, 99 pp. (Capa: Hugo Neves)




1. Mais uma história de "cambança"(*)  do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-alf mil art,  CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69; advogado, escritor, duriense de Foz Coa, a viver em Lisboa, depois de ter passado por Coimbra como estudante).

"Cambança", para ele, é mais do que  "passagem para o outro lado" do rio. É uma metáfora: "por vezes uma fuga ou uma mudança- Pode ser uma partida ou um regresso. Quase sempre com a vida em maré baixa" (pág. 6).

Qualquer semelhança com a realidade da Guiné é pura coincidência, avisa o autor. Mas quem não conheceu o Padre Aurélio ? 

A vida também não foi fácil para os nossos "capelães militares", que o exército formou, à pressa, e graduou como alferes. É pelo lado da caricatura e do humor de caserna, que podemos hoje perceber o "choque cultural" que foi para todos nós o conhecimento  e a experiência da guerra e da Guiné. Quando regressou à metrópole, o Padre Aurélio já não era o mesmo homem nem o mesmo represente de Cristo. Aliás, nenhum de nós era o mesmo, no regresso a casa.

Citando o nosso crítico literário (**), "ficamos todos com uma enorme dívida de gratidão com o Alberto Branquinho: o picaresco dos desastres dos afazeres da guerra tem aqui uma galeria memorável de fotografias tipo passe que nunca mais esqueceremos."


Humor de caserna > O Padre Aurélio

por Alberto Branquinho




Notas do autor; (11) Bajuda com cabaço = rapariga virgem


In: Cambança, op. cit., 2009, pp. 70-73

(Seleção, digitalização, recorte, título: LG)

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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 16 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27020: Humor de caserna (203): O aeorgrama e a (in)comunicação (Alberto Branquinho)

(**) Vd. poste de 16 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6747: Notas de leitura (131): Cambança Guiné Morte e vida em maré baixa, de Alberto Braquinho (Mário Beja Santos)

Vd. também poste de 2 de julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4627: Bibliografia de uma guerra (52): Andanças e... Cambança(s), de Alberto Branquinho (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P27024: Parabéns a você (2396): Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-Alf Mil Paraquedista da 1.ª CCP/BCP 21 (Angola, 1970/72)

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Nota do editor

Último post da série de 13 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27010: Parabéns a você (2395): António Tavares, ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27023: Agenda cultural (893): Lançamento do livro "Aristides de Sousa Mendes - Na Encruzilhada de uma Carreira", de Lina Alves Madeira, a levar a efeito no próximo dia 19 de Julho de 2025, pelas 16 horas, na Biblioteca Pública Municipal João Brandão, Rua Dr. Francisco Beirão, 3 - Tábua. O livro será apresentado pelo Doutor Luís Reis Torgal



1. Mensagem de Luís Reis Torgal, Historiador e Professor Catedrático Jubilado da Universidade de Coimbra (ex-Alf Mil TRMS do CMD AGR 2952 e COMBIS, Mansoa e Bissau, 1968/69), com data de 15 de Julho de 2025:

Caros Amigos
O envio de um convite tem para mim um duplo significado: exprime um desejo que estejam presentes (no caso de poderem e quiserem) ou simplesmente quer informar sobre a saída de um livro. É nesse duplo sentido que envio este convite, que acaba de me chegar. Não é, pois, pelo facto de eu ir dizer duas palavras informais sobre a obra, mas sim pela obra em si e pela sua autora.

Como sabem, sempre entendi a História como uma Ciência e não como um Tribunal ou uma Hagiografia. Desta forma, a indiscutivelmente notável figura de Aristides de Sousa Mendes passa a ficar apresentada de uma forma mais completa. De resto, a temática do livro foi retirada de uma tese de doutoramento apresentada na Universidade de Coimbra no já longínquo ano de 2014, intitulada O mecanismo de (des)promoção do MNE. O caso paradigmático de Aristides de Sousa Mendes. Só agora vem a público de forma impressa pela editora Âncora, apresentada em Tábua (concelho natal da mãe do Cônsul de Bordéus) e em 19 de Julho, em dia do 140.º aniversário do seu nascimento, porque a autora (a quem se deve também um trabalho importante sobre Veiga Simões) manifestou sempre um cuidado extremo em apresentar o seu estudo de forma rigorosa, com base num amplo trabalho baseado em documentos que se encontram sobretudo no Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Numa palavra, com defeitos e qualidades (como todas as obras), tem origem na única tese de doutoramento apresentada numa Universidade pública portuguesa.

Figueira de Lorvão, 15 de Julho de 2025
Luís Reis Torgal

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Nota do editor

Último post da série de 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26972: Agenda cultural (892): "Filhos de tuga": documentário em três episódios, com a duração de 52 minutos cada: começa amanhã na RTP1, às 22:29

Guiné 61/74 - P27022: Convívios (1040): O pessoal da 2.ª CART do BART 6521/72 reuniu-se no passado dia 5 de Julho de 2025, em Rio Maior para comemorar os 51 anos da chegada da Guiné (José Morgado, ex-Soldado CAR)


1. Mensagem do nosso camarada José Joaquim Martins Morgado, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da 2.ª CART/BART 6521/72 (, 1972/74), com data de 12 de Julho de 2025:

Boa tarde Carlos Vinhal,
Na véspera da inauguração do memorial, tinha estado em Rio Maior em confraternização com a minha Companhia da Guiné, a comemorar os 51 anos do nosso regresso. São encontros que tenho promovido com a ajuda de alguns Camaradas, neste caso com os mais próximos do local do evento.
Para mim o processo é simples por estarmos informatizados quer no WhatsApp, quer na plataforma de comunicação Facebook.

Para divulgação, envio o texto e duas fotos do grupo.

Cumprimentos,
José Morgado

A 2.ª Companhia do BART 6521 com o cognome “Quatro Chapos e Bolinha Baixa” reuniu-se mais uma vez, este ano em Rio Maior no Restaurante O Talego.
Vários Camaradas vão faltando à chamada passados 51 anos do nosso regresso da Guiné, não como desertores, mas por dificuldades de locomoção e outras situações como transporte, outros ingressaram numa outra companhia para a qual todos nós iremos fazer parte mais tarde.
Por eles e por todos, foi guardado religiosamente um minuto de silêncio.

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Notas do editor:

Vd. post de 11 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27004: Efemérides (461): Foi inaugurado no passado dia 6 de Julho de 2025 um Memorial dedicado aos antigos Combatentes da guerra do ultramar da freguesia de Areias de Vilar, concelho de Barcelos (José Morgado, ex-Soldado CAR)

Último post da série de 12 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27006: Convívios (1039): Rescaldo do XLIV Convívio do pessoal da CCAV 2639, levado a efeito no passado dia 21 de Junho de 2025, em Azoia - Leiria (António Ramalho, ex-Fur Mil Cav)

Guiné 61/74 - P27021: Historiografia da presença portuguesa em África (490): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, ainda 1928 e 1929 (44) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Fevereiro de 2025:

Queridos amigos,
Estamos a revisitar os últimos anos da década de 1920, e não podendo contar, a partir de agora com o acervo documental de Armando Tavares da Silva, bateu-se à porta do livro de René Pélissier, "História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936", o olhar do historiador abarca a pacificação continental devido a Teixeira Pinto, a Guiné no Pós-Guerra, a continuação de expedições aos insubmissos Bijagós, o historiador desenvolve a queda de Abdul Indjai (que nesta súmula não se aborda, dá-se como exaustivamente tratada noutros textos); a década inicia-se com os dois mandatos de Vellez Caroço, ele próprio comandará uma expedição a Canhabaque, Vellez Caroço deixará o seu posto com o derrube da 1.ª República, suceder-lhe-á António Leite de Magalhães, antigo governador do Cuanza Norte, vinha cheio de ideal para o desenvolvimento económico, irá assistir ao desaparecimento de companhias e sociedades agrícolas; reflexo de austeridade imposta pela Ditadura Nacional, reduzem-se as despesas, corta-se nos efetivos militares e no número de circunscrições e de postos, o que significa uma diminuição da presença da administração no Norte e no Leste. O regime militar ganhou o hábito de deportar para a Guiné opositores políticos também condenados de direito comum. Um ponto bastante curioso é a vinda de um alemão para uma missão dita de ciência, viagem de longos meses, os germânicos terão armazenado uma fantástica recolha de arte dita primitiva, durante o Terceiro Reich serão publicados vários estudos abarcando a Guiné a particularmente os Bijagós.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, ainda 1928 e 1929 (44)


Mário Beja Santos

Tenho procurado destacar no Boletim Oficial informações que nos habilitem a entender a evolução do nosso processo colonial, a disseminação da administração e uma ocupação efetiva, a resolução de conflitos e diferendos, campanhas e expedições, a melhoria das condições do colonizado, os aspetos fundamentais do desenvolvimento económico, etc., etc. Somos confrontados com um quadro de rotina burocrática, muitos destes aspetos procurados aparecem noutras fontes. Não foi por mero acaso que se tentou um certo contraponto aqui fazendo reaparecer o monumental acervo documental organizado por Armando Tavares da Silva sobre a presença portuguesa na Guiné entre os tempos da separação de Cabo Verde e até 1926. Havia que suscitar um outro olhar, é a razão pela qual convocamos um outro investigador, desta feita René Pélissier, e a sua História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936. Porque se estava a viver uma época de transformação, havia brigadas agrícolas e zootécnicas, já forjavam relatórios, procurava-se inclusivamente instituir o acompanhamento das movimentações da população nativa. Pode ler-se no Boletim Oficial n.º 2, de 14 de janeiro de 1928, que “Nenhum indígena maior de 18 anos poderá transitar no território da colónia sem estar munido de caderneta. O portador de caderneta será dispensado solicitar qualquer autorização para se deslocar da área da jurisdição a que pertence, ficando apenas obrigado a efetuar a sua apresentação nas sedes de circunscrição e postos por onde passar, a autoridade respetiva visará a caderneta, o nome e a naturalidade do indígena.”

Com o reforço da organização administrativa, emergem questões jamais sonhadas no passado recente. Em 1932, no Boletim Oficial n.º 1, de 2 de janeiro, é promulgada uma Portaria que fala na proteção das espécie e variedades da fauna que são mais raras ou com tendências a rarear por abuso na sua caça, tendo sido nomeada uma Comissão de Caça com poderes para elaborar uma carta da colónia da Guiné indicando as zonas onde predominam determinadas espécies zoológicas, especialmente das ordens dos mamíferos e aves, elaborando igualmente um projeto de organização das reservas de caça – não era ainda uma preocupação ecológica, era uma salvaguarda onde não faltavam motivações de ordem turística.

Procurava aperfeiçoar-se a divisão administrativa da colónia, já se falava na etnografia; referiu-se anteriormente que houve um inquérito etnográfico a que respondeu o administrador da circunscrição da Costa de Baixo. Por não haver referências neste período a quadros de insubmissão e rebeldia deve-se ao facto que as campanhas de Teixeira Pinto deixaram as etnias do continente guineense num quadro de acatamento da ordem colonial. Como recorda René Pélissier no livro acima citado, o período de 1909-1925 foi caracterizado, no plano da conquista, por quatro grandes campanhas e cinco operações secundárias que tiveram lugar quando Teixeira Pinto era o chefe de Estado-maior da província. Canhabaque e o arquipélago dos Bijagós continuaram a ser a pedra no sapato. Mas Pélissier também explica o que há de verdadeiramente de impressionante nas campanhas do capitão Teixeira Pinto: a fraqueza dos efetivos dos auxiliares recrutados, como foi evidente na campanha de 1915. Com efeito, com o máximo de 1600 homens contra os Papéis e os Grumetes, chega-se a um efetivo inferior a 7 mil, quando era triplo entre 1891 e 1908. Os portugueses já não estavam à mercê da debandada de auxiliares altamente voláteis, confiavam no mercenarismo de Abdul Indjai, era gente disposta a tudo e que tudo pilhava.

Quem saiu severamente punido pela drástica lição foram as etnias animistas, Papéis, Manjacos, Baiotes, Felupes, Balantas. Militarmente, os Grumetes acabaram por ser marginalizados; manteve-se o pacto de aliança entre o colonizador e os regulados muçulmanos. Fulas e Biafadas foram totalmente eliminados da lista dos inimigos de Bolama. Estas duas etnias acabaram por substituir a equipa de Abdul Indjai com a entrada em força dos regulares, quando se tratou de vencer os animistas.

Pelissier aborda o Pós-Guerra. A entrada em guerra de Portugal ao lado dos Aliados (10 de março de 1916), teve incidências secundárias para a Guiné, a opinião pública em Bissau e Bolama mantinha-se pró-germânica, a relação com os franceses nunca fora boa. Os súbditos alemães (9 casas comerciais, 11 alemães em julho de 1916) e sírio-libaneses serão temidos em Cacheu nesse mês de julho; os bens alemães ficaram sequestrados, os cidadãos seguiram para os Açores; intensificou-se a cultura do arroz, a Guiné transformar-se-á num país exportador de arroz.

Dá-se como dado assente a classificação continental, o mesmo não se pode dizer dos Bijagós, em março de 1917 o governador Manuel Maria Coelho decretou estado de sítio e organizou uma coluna de polícia (que por razões desconhecidas não embarcará). Havia a má memória de acontecimentos de maio desse ano, um desembarque de 150 homens que terminou com 3 mortos e 22 feridos; quase sem munições, houve que reembarcar. Constitui-se uma coluna sob a direção do chefe de Estado-maior da província, mobiliza-se uma companhia de atiradores com três oficiais, são nomeados auxiliares o alferes de 2.ª linha Mamadu Sissé, Abdul Indjai recusou-se a ir pessoalmente. Acreditou-se que a rebelião ficara sufocada, nada de mais falso. Seguir-se-ão outras expedições, há que voltar à região de Cacheu, em janeiro de 1918 régulos de Canhabaque vêm assinar a sua demissão em Bolama, mas as hostilidades irão manifestar-se até 1936.

O historiador francês analisa a chamada rebelião de Abdul Indjai, é assunto que se dá aqui como tratado. Temos agora Vellez Caroço como governador, o seu primeiro mandato conhecerá uma febre de construções no sertão, o governador é um homem das estradas e das pontes, esforçar-se-á por desenvolver a instrução pública dos guineenses; é também moralizador, proíbe as importações de álcool superior a 50º. Estamos na década de 1920, a Guiné está solidamente ancorada no ciclo das oleaginosas (representam 95% das exportações em valor). O governador Vellez Caroço informa o ministro em 1922 que a Guiné está pacificada, o que não correspondia à verdade, os Balantas de Nhacra revoltaram-se contra o chefe de posto, caroço desloca-se com três peças de artilharia e metralhadoras, a população sente-se intimidada, apresenta-se ao governador, o estado de sítio é levantado, e virá o tempo em que Vellez Caroço irá à frente de uma exposição em Canhabaque.

Deixamos para o próximo texto tudo quanto vai acontecer até 1936, Pelissier terminará o seu trabalho fazendo um balanço da resistência de guineenses ao colonizador e dando-nos um quadro do desenvolvimento económico.

Os empréstimos falhados que levaram os próceres da Ditadura Nacional chamar Salazar para ministro das Finanças
Primeira referência a Salazar como ministro das Finanças
Medidas tomadas para evitar a peste, um terror constante
Cacheu, monumento em homenagem do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, século XXI
Bissau, década de 1950
Capela de Nossa Senhora da Natividade, Cacheu

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 9 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26999: Historiografia da presença portuguesa em África (489): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1927 e 1928, por inteiro (43) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27020: Humor de caserna (203): O aerograma e a (in)comunicação (Alberto Branquinho)



Capa do livro de Alberto Branquinho, "Cambança: Guiné, morte e vida  em maré baixa", 2ª ed. revista. Lisboa, SeteCaminhos, 2009, 99 pp.




1. Pode o humor ser "cruel" ? Sim, não tem que ser "meigo". Sobretudo o "humor de caserna"... 

Numa folha A4, de 24 linhas, o nosso camarada Alberto Branquinho (ex-alf mil art, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), escreve um tratado sobre a (in)comunicação e os desastres que pode causar, agravada pela distância e a impossibilidade de "feedback" imediato. 

Há 60 anos atrás, recorde-se, não havia o telemóvel, a internet, as videochamadas, o whatsapp... Nem sequer, na maior parte dos casos, na Guiné, rede telefónica analógica...  

É um pequena obra-prima, esta história.  O aerograma, tão ansiado na volta do correio (por ambas as partes), também podia ser cruel, um punhal espetado no peito, a 4 mil km de distància, quando entre o emissor e o recetor surgia a dúvida, o equívoco, o mal-entendido, ou então, o ciúme, a suspeita, a repreensáo, o desalento, a incompreensão, a "boca foleira"...É um microconto de antologia, este. Parabéns, Alberto!



Humor de caserna  > O aerograma e a (in)comunicação

por Alberto Branquinho






Fonte: Título original "Acto 2 - Passeios".  In" Quatro Actos para Um Ponto de Vista", excerto de "Cambança", op. cit. pág. 18

(Seleçáo, digitalização, recorte, introdução e título: LG)
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 1 de julho de 2025 >Guiné 61/74 - P26971: Humor de caserna (202): Dormir nu por causa do clima à noite e ter sonho "manga di bom": aerograma datado de Bambadinca, 1 de dezembro de 1969, dirigido à sua amada pelo nosso saudoso Fernando Calado (1945-2025)

terça-feira, 15 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27019: Felupes, balantas e outros combatentes que eu conheci (3): Coisas difícieis de acreditar (Carlos Fortunato, ex-fur mil, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71)


Foto nº 1  > Guiné > Região do Oio > Bissorã > Bolanha de Cate >  1973 >  A 
 população balanta prepara a bolanha  para o cultivo do arroz 


Foto nº 2  > Guiné > Região do Oio > Bissorã > Bolanha de Cate >  1973 >  Uma patrulha da CCaç 13 atravessa uma bolanha de Cate, na época seca, sob o comando do capitão Carlos Oliveira 


Foto nº 3  > Guiné > Região do Oio > Bissorã > Bolanha de Cate >  1973 >  Trilho em Cate 

Fotos (e legendas): © Carlos Oliveira   (2003). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Carlos Fortunato e Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Bissorã > 1969  > Uma patrulha da CCAÇ 13 regressa ao quartel, , ao anoitecer. O fur mil at inf Carlos Fortunato, o mais alto, é o segundo do grupo.  
As capacidades dFotoos balantas permitem-lhes 

Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2003). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Já aqui o dissemos por mais de uma vez: seria uma pena o fabuloso "baú" do Carlos Fortunato, com as coisas & loisas da Guiné, se perder... Referimo-nos nomeadamente à página na Net, Guiné - Os Leões Negros, que esteve alojada no Sapo, até há uma dúzia de anos. Foi depois descontinuada (o "Sapo" tirou o tapete a quem "viajava" de borla...), mas felizmente foi salva, sendo capturada pelo Arquivo.pt.


De vez em quando eu gosto de a revisitar e vou lá repescar algumas das "pérolas literárias" do Carlos (fizemos juntos a viagem para a Guiné no T/T Niassa, em 24 de maio de 1969, ele foi para a futura CCAÇ 13, Bissorã, e eu para a CCAÇ 12, Bambadinca; regressámos, de novo, juntos, no T/T Uíge, em 17 de março de 1971; "sãos e salvos", e com o "bichinho" da Guiné; "Guiné - Os Leões Negros", uma página ou portal, que não é um blogue, criada em 2003, é, cronologicamente, mais antiga que o nosso blogue, de 2004).

Este texto da autoria do Carlos Fortunato, foi  publicado em 24/02/2003, e revisto em 21/07/2006 (*). É uma homenagem aos combatentes balantas, que foram grandes soldados, ao serviço tanto do PAIGC como das NT (**).

Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direção da ONGD Ajuda Amiga. Tem sido de uma dedicação extraordinária à causa da solidariedade para com o povo de Bissorã.


Felupes, balantas e outros combatentes que eu conheci (3): Coisas difíceis de acreditar...

por Carlos Fortunato (*)


As capacidades dos balantas permitem-lhes fazer coisas difíceis de acreditar.

Um dos casos ocorreu já em Bissorã, quando numa das acções que realizámos a Cate, creio que em Novembro de 1969. Saímos por volta da meia noite, mas um dos soldado africanos só acordou 2 horas depois de já termos saído. Apesar de desconhecer qual o nosso destino ou o caminho que íamos seguir, conseguiu seguir-nos encontrar-nos, numa noite escura, depois de termos passado por água, mato cerrado, etc.

Devo confessar que eu me perdi nessa patrulha. Já andávamos há mais de uma hora caminhando noite dentro, quase sempre a corta mato, tendo atravessado as inevitáveis bolanhas que nos deixavam totalmente encharcados, quando chegámos a uma zona em que o mato era de tal forma cerrado, que tivemos que o passar rastejando.

Ora como é natural, os primeiros que passaram a rastejar fizeram-no muito lentamente, mas quando retomaram a marcha normal os que vinham atrás tiveram que correr para os apanhar, vindo eu praticamente no fim da coluna, quando acabei de rastejar, só vi o soldado que ia à minha frente largar a correr para não perder a ligação com o resto da coluna.

Mal atravessei o mato cerrado, larguei a correr para não perder de vista o vulto que corria à minha frente, mas era uma noite muito escura, e não vi um enorme buraco feito por um javali, no qual cai numa confusão de corpo, G3, e granadas.

A minha primeira preocupação foi se alguma das cavilhas de segurança das granadas não tinha saído (o que faria rebentar a mesma ao fim de 4 segundos), depois de verificar/repôr corretamente as cavilhas, atirei a arma para fora do buraco, e consegui sair do mesmo com alguma dificuldade.

Neste espaço de tempo a coluna tinha desaparecido, e eu não fazia a mínima ideia onde estava, e sentia-me incapaz de encontrar o caminho de regresso, assim tentei seguir na direcção para onde tinha visto o último soldado correr.

Naquela direcção havia apenas alguns tufos de capim, e a escuridão não permitia procurar um rasto, talvez por o meu nome ser Fortunato (nome de origem italiana, que significa sorte), acabei por encontrar o resto da coluna, a qual tinha parado um bocado mais à frente, pois já tinha sido dado como "desaparecido em combate".

Algum tempo depois deste incidente, e já estando nós a montar uma emboscada, ouvi um ruído de alguém que se aproximava a coberto do capim, alertei os soldados, mas estes disseram-me que era o soldado do nosso pelotão que não se tinha apresentado à partida, e para grande surpresa minha era mesmo...

Como foi possível ele conseguir-nos seguir? Como sabiam os soldados que era ele?

O conhecimento do terreno e os sentidos mais desenvolvidos dos soldados africanos, permitiam-lhes realizar coisas, que para um soldado vindo da metrópole eram simplesmente impossíveis.

O alferes Roda, da CCaç 14, realizou em Bolama uma secção de hipnotismo, em que num dos números dava a cheirar uma folha de papel em branco, e os africanos,  depois de hipnotizados e com os olhos vendados, eram capazes de localizar e apanhar os bocados de papel espalhados pelo chão.


(Revisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor LG:

(*)  Texto do furriel Carlos Fortunato Publicado em 24/02/2003, e revisto em 21/07/2006 por Carlos Fortunato. Título original: Realizando o impossível

(**) Último poste ds série > 8 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26245: Felupes, balantas e outros combatentes que eu conheci (2): O Dudu veio para Portugal, obteve a nacionalidade portuguesa, era DFA, vivia em Torres Vedras (Eduardo Estrela, ex-fur mil, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)

Guiné 61/74 - P27018: Efemérides (462): No passado dia 12 de Julho de 2025, a União das Freguesias de Lavra, Perafita e Santa Cruz do Bispo, do Concelho de Matosinhos, homenageou os seus Combatentes mortos na Guerra do Ultramar (Núcleo de Matosinhos da LC / Carlos Vinhal)

O programa deste ano de homenagem aos combatentes da União de Freguesias de Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo, mortos na Guerra do Ultramar, teve o seu início pelas 09h45, nos cemitérios das freguesias de Santa Cruz do Bispo e de Perafita com a deposição de uma coroa de flores por parte do Sr. Vítor Alves, Vogal do executivo da União de Freguesias e do Presidente do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, junto da placa/memorial onde constam os nomes dos falecidos daquelas duas freguesias.
Igualmente foi feito o toque de homenagem aos mortos pelo clarim dos Bombeiros de Matosinhos - Leça da Palmeira.

Santa Cruz do Bispo - Lápide de Homenagem aos três Combatentes da freguesia, mortos na Guerra do Ultramar
Santa Cruz do Bispo - Homenagm aos Combatentes da freguesia
Perafita - Lápide de Homenagem aos quatro Combatentes da freguesia, mortos na Guerra do Ultramar
Perafita - Homenagem aos Combatentes da Freguesia caídos em campanha

De seguida, realizou-se em Lavra, conforme planeado para este ano, a cerimónia promovida pelo Núcleo, em colaboração com a União das Freguesias de Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo – Polo de Lavra.

Pelas 10H30, iniciou-se o programa estabelecido com a concentração dos participantes em frente ao edifício da Junta, sendo içada a Bandeira Nacional ao mesmo tempo que o clarim dos Bombeiros de Matosinhos-Leça da Palmeira, o Porta Guião do Núcleo e dezenas de sócios combatentes prestavam as honras militares à Bandeira Nacional. Procedeu-se à deposição de uma coroa de flores no memorial em frente ao edifício daquela Junta pelo membro do executivo, Sr. Vítor Alves e pelo Presidente da Direção do Núcleo, Tenente Coronel Armando Costa. Posteriormente, os participantes seguiram em romagem ao cemitério local, acompanhando o Porta Guião do Núcleo.

Lavra - Hastear das bandeiras junto ao edifício da Junta de Freguesia
Guarda de honra composta pelos Combatentes presentes
Lavra - Deposição de coroa de flores no memorial em frente ao edifício da Junta de Freguesia

Pelas 10H45, já no cemitério junto ao Panteão onde se encontram os lavrenses que tombaram pela Pátria, realizou-se a cerimónia que se iniciou com a apresentação do programa, por parte do orador, o Vogal Sargento Ajudante Joaquim Oliveira, que deu a indicação para se iniciar a audição do Hino Nacional.
Sargento Ajudante Joaquim Oliveira, Vogal do Núcleo de Matosinhos da LC, orador da cerimónia

De seguida, três sócios, um de Lavra, um de Perafita e outro de Santa Cruz do Bispo fizeram a chamada de todos os combatentes mortos na Guerra do Ultramar da União das Freguesias, seguindo-se a deposição de coroas de flores no referido Panteão, pelos membros do executivo e pelo Presidente da Direção do Núcleo e Presidente da Mesa da Assembleia Geral do Núcleo.
Cemitério de Lavra - Os Combatentes de Lavra, Perafita e Santa Cruz do Bispo, fazendo a chamadas dos camaradas caídos em campanha
Cemitério de Lavra - Deposição de coroa de flores no Panteão aos combatentes caídos em campanha, pelo Presidente da Direcção e Presidente da Mesa da AG do Núcleo de Matosinhos da LC
Cemitério de Lavra - Deposição de coroa de flores no Panteão aos Combatentes caídos em campanha, pelo Vogal e pelo Secretário do executivo da União de Freguesias de Lavra, Perafita e Santa Cruz do Bispo, senhores Vítor Alves e João Torres.

A cerimónia prosseguiu com os respetivos toques de homenagem aos mortos e, após um minuto de silêncio, foi lida a prece do Exército pelo orador.

Dando continuidade ao programa traçado, foram proferidas alocuções alusivas ao ato pelo Presidente da Direção do Núcleo e por um elemento do executivo da Junta da União das Freguesias de Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo.
Tenente Coronel Armando Costa na sua alocução
O Vogal do executivo da União de Freguesias, senhor Vítor Alves, dirigindo-se aos presentes. A sua mensagem foi de tal modo tocante que no fim da sua alocução muitos combatentes se abeiraram dele para o felicitar e agradecer as suas palavras. O editor pediu-lhe autorização para publicar o discurso no nosso Blogue:

Sr Tenente Coronel, Caros Combatentes, Queridas familias, Minhas Senhoras e Meus Senhores.
Há silencios que falam.
Hoje, neste local, esse silêncio é feito de saudade e de amor.
Amor à Patria, amor às famflias que ficaram, amor à vida que teimou em continuar, mesmo quando o horizonte se enchia de selva, poeira e incerteza.

Quando aqueles rapazes da nossa terra embarcaram, levaram duas coisas no peito: o emblema de Portugal... e uma fotografia amarrotada de casa. Talvez uma esquina de Perafita ao entardecer, a praia de Lavra varrida de vento, ou o adro da igreja de Santa Cruz do Bispo num domingo de Páscoa.

Permitam-me, hoje, dar voz a todas as mães e pais, a todas as esposas, noivas e irmãs que esperaram de coração apertado. Ouçamos um excerto de uma carta verdadeira, escrita em 10 de Dezembro de 1969 por Dona Leopoldina Duarte ao filho mobilizado na Guiné. É uma mãe que poderia ser qualquer uma das nossas:

"Meu filho, a tua mãe
Tanto suspira por ti,
Até chego a pensar
Que não te lembras de mim.
Se tu soubesses, meu filho,
0 amor que a tua mãe te tem,
Vejo vir os aviões
E notícias tuas não vêm."

lmaginem a mão trémula que dobrou o papel, a lágrima que manchou a tinta, o som do sino da aldeia marcando as horas vazias até ao próximo correio.
É por essa dor e por essa força que hoje estamos aqui.

Porque cada soldado levado pelo dever, carregou consigo todas as almas da sua rua, da sua escola, do seu clube.
E quando regressou, não foi apenas ele que voltou diferente; foi cada casa, cada mesa, cada festa de família que teve de aprender a abraçar uma versão nova, muitas vezes calada, do mesmo filho, do mesmo irmão.

Caros Combatentes,
Alguns de vós guardam lembranças tão vivas que basta fechar os olhos para ouvir o estampido no mato ou o coaxar dos sapos nas noites quentes de Luanda, de Bissau e de Nampula.
Outros procuram esquecer, mas a memória, essa fiel e teimosa companheira regressa sempre, nos cheiros, nos sonhos, na forma como a luz de fim de tarde se deita sobre o Atlântico aqui mesmo, em Angeiras.
E, no entanto, nunca vos faltou coragem. Coragem de partir. Coragem de lutar.
Coragem, sobretudo, de regressar e levantar de novo a vida: voltar ao mar, à lavoura, ao camião, ao banco da escola onde os vossos filhos ainda copiavam o abecedário.
Hoje, em vosso nome, queremos também abraçar os que não voltaram.

Na nossa memória ergue-se uma fileira de cadeiras vazias, com o nome de cada companheiro que repousa em solo estrangeiro. Que saibam, onde quer que estejam, que a sua terra não os esquece.

Queridas Famílias,
Sabemos que a coragem deles foi a vossa coragem: a de esperar, a de sorrir para não chorar na frente dos mais novos. A de rezar todos os dias a mesma oração até que o portão se abrisse e a voz tão desejada chamasse “Mãe” outra vez.

A todos vós, Combatentes do Ultramar, dizemos: obrigado. Obrigado por terem arriscado tudo.
Obrigado por terem voltado e construído connosco esta comunidade que hoje floresce em paz e liberdade.
Fica também uma promessa solene: enquanto houver uma criança a aprender a história destas freguesias, haverá alguém que conte o vosso exemplo. Enquanto houver mar que nos embale, haverá quem recorde que as ondas trouxeram de volta heróis cansados, mas de cabeça erguida.
Que cada lágrima de agora seja semente de gratidão.
Que este aplauso que vai nascer seja ponte entre as gerações.
Que a memória viva dos nossos Combatentes ilumine o futuro de Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo.
Bem hajam

Viva os Combatentes do Ultramar
Viva a nossa União de frguesias
Viva Portugal


A cerimónia terminou com a audição do Hino da Liga dos Combatentes.
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Notas:
Texto: Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes
Fotos: Combatente José Trindade
Selecção, edição e legendagem das fotos: Carlos Vinhal

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Nota do editor

Último post da série de 11 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27004: Efemérides (461): Foi inaugurado no passado dia 6 de Julho de 2025 um Memorial dedicado aos antigos Combatentes da guerra do ultramar da freguesia de Areias de Vilar, concelho de Barcelos (José Morgado, ex-Soldado CAR)

Guiné 61/74 - P27017: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXVI: a presença da Igreja Católica em Mansoa

 



Foto nº 1 e 1A > A capela de Mansoa




Foto nº 2A e 2  > Mansoa, capela: altar-mor e imagem



Foto nº 3 > O Padre Júlio Patrocínio, da paróquia de Mansoa (?)  e o seu cão...voador.




Foto nº 4 > Mansoa > O alferes graduado capelão José Torres Neves. olhando o horizonte, ao pôr do sol.

Guiné > Zona Oeste > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > Mansoa > s/ d> Mansoa, localizada na região de Oio, foi um centro de resistência balanta contra a colonização portuguesa até o início do século XX, quando os portugueses estabeleceram um posto militar permanente em 1913 após várias "campanhas de pacificação", onde se destacou o "capitão-diabo" (Teixeira Pinto). (1913-1915). A povoação balanta pertencia ao regulado de Braia.

A missão católica em Mansoa foi fundada oficialmente apenas em 1953, quando monsenhor José Ribeiro criou a missão de Santa Ana de Mansoa e a confiou ao padre franciscano Júlio do Patrocínio. Isso mostra que a presença missionária católica institucional em Mansoa é relativamente recente e só se tornou possível depois do controle colonial efetivo. Até então a presença da igreja católica estava circunscrita ao Cacheu e a Bissau.

Fotos do álbum do Padre José Torres Neves, antigo capelão militar.

Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mais fotos do álbum da Guiné-Bissau, do padre José Torres Neves, enviadas pelo seu amigo e nosso camaradad o Ernestino Caniço.

Ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, fev 1970/fev 1971, hoje médico, a residir em Tomar; o Ernestino Caniço fez amizade com o Zé Neves, e este confiou-lhe o seu álbum fotográfico da Guiné, que temos vindo a publicar desde março de 2022; são cerca de duas centenas de imagens, provenientes dos seus diapositivos, digitalizados; uma coleção única, preciosa.

O Ernestino Caniço tem sido o zeloso e diligente guardião do álbum fotográfico da Guiné, deste padre missionário da Consolata, José Torres Neves, merecendo os dois os nossos melhores elogios e saudações. 

O Padre Neves, nosso grão-tabanqueiro, natural de Meimoa, Penamacor,  reformou-se recentemente de uma vida inteira, abnegada, dedicada às missões católicas, nomeadamente em África. Tem já cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 25 de junho de 2025> Guiné 61/74 - P26954: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXV: Vila e quartel de Mansoa 

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27016: Notas de leitura (1819): "Guiné Destino Imposto", por Rui Sérgio; 5livros.pt, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
Temos aqui uma nova narrativa, por vezes com histórias bem curiosas de um médico que assina com o nome de escritor Rui Sérgio. Andou por Dulombi, Cancolim e Saltinho, fez serviço médico nos Bijagós, assistiu ao fim do Império na Guiné. Em permanência, homenageia quem combateu na aspereza daqueles caminhos, recorda carinhosamente os seus colaboradores, lamenta do fundo do coração a hecatombe que se seguiu. O fio da memória está vivo, tão vivo que iremos ouvir falar dele nas terras da Guiné.

Um abraço do
Mário



Foi alferes médico em Galomaro e tem histórias para contar

Mário Beja Santos

Mais um comprovativo de que a literatura memorial está viva e recomenda-se. O título da obra é "Guiné Destino Imposto", por Rui Sérgio, 5livros.pt, 2020. Rui Sérgio é já um nosso autor conhecido, temos agora um punhado de memórias avulsas, lembra a sua partida para a Guiné, foi o segundo filho a marchar para a guerra, o irmão mais velho, também médico, esteve na 18.ª Companhia de Comandos em Moçambique. Em Bissau comunicam-lhe que irá para Galomaro, viajou do Pidjiquiti até ao Xime numa LDG, e começa por nos apresentar algum do pessoal que estava na sede do BCAÇ 3872, dele guarda recordações memoráveis, tanto do BCAÇ 3872 como do pelotão de reconhecimento e da CCAÇ 3491, vai elencando os nomes, desde os comandantes aos capitães e alferes, não esquecendo o tenente da secretaria e o padre capelão. “Fui substituir o António Pereira Coelho, que transitou para diretor do Hospital de Bafatá, e que é hoje professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, onde se destacou como o homem da inseminação e procriação in vitro. Nesta guerra fui o alferes miliciano médico, Rui Vieira Coelho, licenciado na Faculdade de Medicina do Porto, com a especialidade hospitalar de Cirurgia Geral. Regressado, fui assistente da Faculdade de Medicina da cadeira de Clínica Cirúrgica.” Confessa que não esqueceu tudo o que por lá passou, as amizades que fez, os seus colaboradores diretos, aqui agradece-lhes muitíssimo, e não esquece o batalhão que substituiu o 3872, o BCAÇ 4518. E dá-nos seguidamente um quadro muito afetivo das suas lembranças.

Logo o Jamba, um encarregado civil pela limpeza do aquartelamento. “Era um homem de porte atlético, de etnia Mandiga, de olhos esbugalhados e com uma face de quase riso permanente, bem musculado e sempre com uma atividade acima do normal. Tinha uma grande liderança em relação à sua equipa de limpeza quer da parada quer dos refeitórios, ajudando em todos os serviços da cozinha, assim como no posto de saúde, a limpeza da enfermaria.” Um dia encontrou-o acabrunhado, ansioso, o médico ofereceu-se para conversar com ele. Jamba contou de sua justiça. “Há cerca de duas semanas, quando ia do quartel para casa, encontrei na porta uma galinha preta, sem cabeça e uma cruz de sangue na soleira, fora feito um grande feitiço, nunca mais fui homem.” Perdera todo o ensejo de fazer amor, perdera vontade de viver, pensava em fugir. O médico procurou descansá-lo, deu-lhe uma mezinha para beber, com a garantia de que passado uma hora ficaria mais homem do que alguma vez teria sido. O médico deu-lhe um comprimido efervescente de vitamina C, em frente dele deitou o comprimido no copo de água, Jamba bebeu e o médico disse-lhe para voltar à tabanca dentro de uma hora. Duas horas depois Jamba voltou alegre, cheio de vitalidade, a mezinha dera efeito.

Segue-se Bacar Djaló, antigo pisteiro, fora ferido em combate e perdera um olho, agora era o tradutor-intérprete do médico. Bacar apresentava-se no Centro de Saúde, organizava a vila nos doentes dentro da seguinte lógica: primeiro os Futa-Fulas, depois os Fula-Forros, mais adiante os Fula-Negros, seguiam-se todos os outros, terminando nos Biafadas. Como o médico considerava que deviam ser atendidos em primeiro lugar aqueles mais graves pediu explicações ao Bacar que respondeu que “Fula é conde! Mauro Dótor tem de entender que Fulas mesmo pequenino já fala e escreve três línguas. De manhã anda na escola portuguesa, sabe português e escreve de cima para baixo e da esquerda para a direita. À tarde, menino vai na escola árabe e lê e escreve de baixo para cima, da direita para a esquerda, Fula tem inteligência na cabeça e, portanto, é conde, portanto fica em primeiro em qualquer fila.” Quando Bacar via o médico a cumprir rigorosamente os horários de trabalho, Bacar interpelava-o: “Calma, Mauro Dótor, não tem pressa no trabalho. Para quê trabalhar depressa se o trabalho nunca mais acaba?”.

O autor recorda as colunas para Dulombi, a 18 km de Galomaro, onde o médico ia com frequência, não esqueceu a picagem dos caminhos, a admiração que tinha por todos, por aquelas árduas caminhadas na época das chuvas, as picadas inundadas. Descreve a vida em Galomaro, os edifícios, os diferentes itinerários, e regressa às lembranças pessoais.

Logo, Binta, uma jovem lavadeira de riso e alegria contagiantes, foi uma heroína, recusou energicamente a mutilação genital. Ocorre-lhe a referência da quadrícula em que se inseria o seu batalhão, o setor L5, as unidades que o compunham, as companhias operacionais em Cancolim, Dulombi e Saltinho, a população predominante era a Fula; não esquece os pelotões de milícias e os pelotões de caçadores nativos e onde cumpriam a sua missão, na zona do batalhão operavam 15 pelotões de milícia, visitas frequentes do posto militar de saúde; lembra também a Marinha, as canseiras das colunas de abastecimento, sobretudo ao Saltinho. Refere os perigos da vida corrente, como a desidratação, as doenças que tratava, as de transmissão sexual. “Confiavam em mim e no segredo profissional que estava subordinado, servindo de intermediário válido entre eles e o comando. O medo e em alguns a ansiedade permanente levava por vezes a depressões quase todas de caráter reativo à situação de guerra por que passavam, que se agravava exponencialmente, com mortos e ou feridos, com a falta de notícias. O sentido de perigo constante fazia com que entre camaradas a amizades e a solidariedade fosse a melhor terapêutica para um bom equilíbrio emocional. Não é por acaso que o pessoal militar que passou pela Guiné tem um sentido tão gregário.” Como não será por acaso que se formaram organizações não-governamentais solidárias, na área da saúde e educação, predominantemente. Volta a falar nas doenças com que se confrontava, a malária, a disenteria amebiana, o programa de vacinação no campo da saúde pública (tuberculose, cólera, difteria, tétano e tosse convulsa, bem como a hepatite).

Guarda recordações dos Bijagós, ele era subdelegado de saúde da zona de Galomaro, competia-lhe prestar assistência médica no arquipélago, percorria Orango, Bubaque, a Ilha das Galinhas, guarda saudades. Refere depois um aeródromo de recurso, tudo usto já no final da guerra. Constava na boataria que estava para breve um assalto final a Bissau pelo PAIGC, os comandos decidiram que era necessário uma aeródromo de recurso no arquipélago dos Bijagós, concretamente na ilha Caravela, havia que instalar uma tenda de apoio médico, assistiu a todo aquele espetáculo de máquinas de terraplanagem a nivelarem as terras revolvidas, passadas todas estas décadas não sabe se aquele aeródromo de recurso da ilha Caravela chegou a ser concluído sem empréstimo.

Junta um vasto elenco de fotografias, despede-se homenageando todos os antigos combatentes da guerra.

Rui Sérgio
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Nota do editor

Último post da série de 11 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27003: Notas de leitura (1818): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 2 (Mário Beja Santos)