Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 4 de junho de 2007
Guiné 63/74 - P1813: Os heróis desconhecidos de Cussanja, os balantas das boinas amarelas (César Dias)
Foto: © César Dias (2007). Direitos reservados.
Texto do César Vieira Dias (ex-Fur Mil Sapador Inf, CCS do BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)(1):
Camarada Luís Graça:
Num dos momentos nostálgicos que nos assaltam periodicamente, lembrei-me de prestar homenagem a uns miúdos que, penso, nem 20anos teriam e foram os protagonistas deste episódio.
Se achares que é de partilhar com a nossa gente, fogo na peça , estás á vontade.
Envio-te essa foto que nada tem a ver com o episódio mas é do cruzamento do Cussanja.
Um grupo de Balantas de boinas amarelas
por César Dias
Era um improvisado destacamento, no cruzamento de Cussanja. Estava situado no entroncamento da estrada Mansoa-Cussaná- Cussanja com a estrada Jugudul-Porto Gole, a poucos kilómetros de Mansoa.
Dado a sua localização, era um ponto priveligiado pelo IN do Changalana para tentar flagelar Mansoa, o que obrigava as NT a um grande desgaste em patrulhamentos e emboscadas sucessivas nessa zona.
Foi necessário improvisar um destacamento neste ponto, e a sua defesa foi entregue a um reduzido grupo de Balantas, a pedido destes.
Foi-lhes atribuída uma viatura Unimog, algumas G3 , Mausers e 1 ou 2 morteiros. Rapidamente escavaram abrigos que cobriram com troncos de palmeira e simultaneamente construiram 3 tabancas, nascendo assim o destacamento do cruzamento de Cussanja.
No primeiro dia que aparecem em Mansoa para se abastecerem, surpreendem toda a gente com as suas boinas amarelas, côr que escolheram para serem diferentes, manga de ronco.
Mas esta situação durou pouco tempo, pois em 23 de Setembro de 1969 um numeroso grupo IN atacou o destacamento durante 5 minutos, destruindo-o e incendiando-o, e causando 2 mortos queimados e 5 feridos.
Com a reacção da Artilharia de Mansoa, o IN bateu em retirada e quando chegou socorro de Mansoa já não teve contacto. O que restou dos mortos carbonizados chegou a Mansoa nas capas de chuva.
E assim terminou o grupo dos boinas amarelas que foi sacrificado por uma causa em que acreditaram. Terminou também o destacamento, voltando a zona a ser patrulhada e emboscada periodicamente.
Lembrei-me de relatar este episódio, com as imprecisões da distância no tempo, mas com a intenção de relembrar os heróis desconhecidos que, a não sermos nós, ficariam eternamente esquecidos.
Um abraço
César Dias
Ex Furriel Miliciano
CCS - BCAÇ 2885
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Nota de L. G.:
(1) Vd. posts anteriores do César Dias:
30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1472: Sobrevivente do BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá) (César Dias)
1 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1557: No regresso éramos menos 32 (César Dias, CCS do BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)
3 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1643: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, do Pel Cacç Nat 58 (3): 10 mortos em emboscada com luta corpo a corpo (César Dias)
domingo, 3 de junho de 2007
Guiné 63/74 - P1812: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (10): As mulheres dos meus homens eram minhas irmãs
Luís: Continuo hoje com mais uma das minhas memórias (1). Trata de conflitos rácicos e vou, pela primeira vez, utilizar iniciais a substituirem um nome.
Penso já ter dito em anterior memória que o Pel Caç Nat 53, ao contrário de grande parte de outras unidades, tinha uma composição muito heterógenea: balantas, fulas (futa-fulas, fulas-cativos, fula-forros), mandingas e beafadas.
Apesar de toda esta mistura, havia um espírito de corpo notável, talvez o mérito seja meu, jamais tive dentro do grupo qualquer conflito. É claro que as diferenças comportamentais entre um balanta e um fula eram abissais:um bebia como uma esponja, e era animista; o outro não bebia e era islamizado. Por vezes dizia aos islamizados, quando havia algum balanta mais alcoolizado:
- Nada de criticas,vocês, fulas, gostam de mim e respeitam-me mesmo quando estou de cabeça grande [com os copos]. Eu bebo como um balanta e sou religioso como um fula ou um mandinga islamizado, a única diferença é ser cristão.
A tabanca do Saltinho era composta por mandingas, era relativamente pequena. A menos de 1km - antes da construção e ocupação do Reordenamento de Contabane -, tinha sido improvisada uma tabanca para instalar os habitantes daquela que ficava na estrada que ligava a Aldeia Formosa e tinha sido destruída, Contabane.
Um dos meus soldados, o Iaia Dabó, mandinga, perdeu-se de amores por uma bajuda de Contabane e, um dia, ao anoitecer deram-lhe uma grande arraial de porrada que
o deixou muito maltratado.
Guiné > Saltinho > Pel Caç Nat 53 > 1971 > O Alf Mil Santiago, de bigode e barrete fula na cabeça, ladeado, à sua direita, pelo 1º cabo Verdete, e à sua esquerda pelos Sold Samba Seidi, bazuqueiro, e Abdulai Baldé, um dos seus fiéis guarda-costas.
Foto: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados.
Estava no bar bebendo uns copos, esperando o jantar, quando ouvi dois tiros (sinal utilizado para reunir o 53). Os Furrieis estavam também comigo, o que se estaria a passar? Viemos a correr até as moranças do pessoal que ficavam a seguir à porta de armas do quartel. Estavam todos num alvoroço e armados até aos dentes. Dou meia dúzia de abanões aos primeiros que encontrei, indagando quem dera ordens para reunir o grupo de combate. Muito excitados, começam a dizer-me que vão lixar o pessoal de Contabane por terem atacado um militar do 53.
Procuro meter calma naquela gente mas começo a sentir que não estou a ser bem sucedido, apesar de alguma violência física que utilizo. Noto um grupo a encaminhar-se em direcção à tabanca do Régulo Sambel (nesta data ainda o filho não tinha sido transferido para o 53) , corro atrás, junto com o CapClemente [, comandante da CCAÇ 2701, unidade de quadrícula do Saltinho 1970/72], que entretanto aparecera e a quem explico o que se passa enquanto corremos.
Peço ao 1º cabo Sanhá, beafada, para me dar a G3, tendo ele obdecido. Continuo a correr, pois já estou a ver os militares que iam à minha frente a distribuir coronhadas e pontapés aos primeiros tipos da população que lhes apareceram pela frente.
Ofegante, lá chego aos berros para acabarem com aquela merda. Ninguém me ouve, nem ao Clemente. Mando uma rajada para o ar com a G3 que o Sanhá me entregara e a calma vem por momentos. Vejo que estão lá representadas todas as etnias do meu grupo. Volta a excitação, queriam apanhar o Sambel, ele tinha de pagar pela porrada que deram no Iaia.
Fui buscar o Sambel, juntamente com o Cap Clemente e, à frente de todos, demos-lhe uma piçada: não tinha direito para bater num militar, se tivesse alguma queixa contra ele deveria ter-mo comunicado, jamais poderia fazer outra cena igual.
Acalmados, ainda que com alguns encontrões, lá regressaram às moranças. No dia seguinte, chamei um dos fulas, que se mostrara mais excitado e pus-lhe o problema:
- Tu, fula, andaste ontem a distribuir coronhada nos teus irmãos de raça!?
- Alfero, o Iaia é do 53, no mato é ele que está ao meu lado, não é o Régulo Sambel. - Gostei da resposta...
Passado pouco tempo outro conflito, também à noite e também estava no bar. Aparece-me à porta o Amadú Baldé, um dos auto-intitulados meus guarda-costas, excelente militar, com uma Cruz de Guerra, completamente descontrolado, pois um militar da [CCAÇ] 2701, o 1º cabo M.C. tinha tentado abusar da mulher. Era meu lema As mulheres dos meus homens eram minhas irmãs.
Quem era o 1ºcabo M.C. ? Natural da minha freguesia, ainda meu parente afastado, trabalhava na Secretaria da Companhia, sendo o seu estado natural de bebedeira pura e dura.
Fui ao abrigo onde estava o M.C., com o Amadú e mais alguns do 53 atrás de mim, trouxe-o cá para fora e enxertei-lhe o pelo valentemente, mais furioso ainda por ser um conterrâneo meu a fazer uma canalhice daquelas.
Deixei-o caído na parada, mas ameaçando-me ele com um tiro. Não liguei à ameaça, virando-lhe as costas. Não é que o tresloucado foi mesmo buscar uma G3 para me atingir? Valeram-me os meus homens que estavam perto. Desarmaram-no com a maior das facilidades e, se eu não tivesse intervido, tinham-lhe limpado o sebo.
Nessa noite desapareceu o M.C.... Fiquei preocupado. Vinha de férias pela 1ª vez, daí a uns dias, e,como tudo se sabe, e geralmente com distorções, já começava a imaginar o que iriam dizer acerca da minha pessoa, sendo que os pais e os irmãos eram óptimas pessoas. O Clemente andava fodido.
Ao fim de 3 dias, vindo do lado de Aldeia Formosa, apareceu o M.C. Vinha todo roto. O Clemente mandou formar a [CCAÇ] 2701 e o [Pel Caç Nat] 53 e ordenou ao fugitivo para lhe dizer o que tinha andado a fazer.
-Tentei ir para a República da Guiné, utilizando o carreiro dos djilas, mas comecei a ter medo das minas e armadilhas, perdi-me e andei vagueando ao longo do [Rio] Corubal, até conseguir regressar... Comi umas folhas para enganar a fome - explicou o M.C.
O Clemente disse que era sua intenção dar-lhe a punição máxima, mas em consideração
por mim iria ouvir-me primeiro. Depois de muita insistência, consegui convencer o Cap Clemente a esquecer o incidente.
Paulo Santiago
PS-O M.C. foi para a Venezuela. É raro vir cá, e quando vem provoca distúrbios graves. A própria família não gosta de o ver.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post anteriores:
23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1687: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (9): Maluqueiras na picada Saltinho-Galomaro-Bafatá
12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa
5 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1564: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (7): Fogo no capinzal
13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)
4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha
13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra
19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri
13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança
12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado
Guiné 63/74 - P1811: Vim para Portugal aos 7 anos, em 1969, e não tenho uma fotografia de meu pai, A. Pinho Brandão (Gilda Pinho Brandão, 44 anos)
Guiné- Bissau > Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Destacamento de Ganjola > "As instalações que eram do Sr. Brandão que vivia em Catió, eram compartilhadas pela tropa e por uns poucos civis, duas famílias. Nas duas fotos, dois meninos e uma menina, filhos de habitantes locais. Os mestiços eram irmãos e dizia-se, entre a tropa, que eram filhos do proprietário, o Sr. Brandão" (VC) (1).
Numa das fotos, o Victor Condeço (ex- Fur Mil Mecânico de Armamento, CCS do BART 1913, Catió 1967/69) (2) deixa-se fotografar com a menina . Como se chamaria ela ? Onde estará hoje ? Terá algum parentesco com a nossa amiga Gilda Pinho Bandão ? O Victor, que vive hoje no Entroncamento, regressou a Portugal no T/T Uíge, em Março de 1969.
Fotos: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem de Gilda Pinho Brandão, filha de Afonso Pinho Brandão, comerciante português do sul da Guiné, em resposta ao nosso post de 30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1798: Região de Catió: Descendentes da família Pinho Brandão procuram-se (Gilda Pinho Brandão)
Caros Amigos,
A Guiné, de facto, deixou-nos marcas que nos vão acompanhar a vida inteira.
Os vossos testemunhos são impressionantes; apesar de terem passado momentos muito maus, continuam a gostar da Guiné e dos guineenses.
Eu não sei se o Afonso e o Manuel Pinho Brandão seriam irmãos ou não; presentemente sei que o Afonso (o meu pai) tem um irmão (também comerciante) na Guiné chamado Arnaldo Pinho Brandão que, por incrível que pareça, não reconhece os filhos do irmão como familiares, mas isso não me interessa pois, o meu objectivo é ver a imagem (fotografias) do homem que foi meu pai, para que possa ajudar a minha filha a entender as origens dela.
A minha história é um bocado longa, mas vou tentar resumi-la em poucas linhas:
(i) Vim da Guiné em 1969, a pedido da mãe do militar (Furriel Pina) que me trouxe; tinha 7 anos e lembro-me de vir num barco de guerra com os militares todos e mais um menino negro chamado Domingos (já falecido).
(ii) Esta família deu-me tudo e cuidou de mim como se fosse da família; hoje com 44 anos, perdi um bocado as minhas raízes guineenses, mas tenho uma família portuguesa fantástica.
(iii) Este ano acabei por descobrir que tenho mais 8 irmãos (só da parte do pai Afonso), espalhados por Portugal, Alemanha e Guiné. Conheci dois deles no fim-de-semana passado e espero muito em breve conhecê-los todos.
(iv) Os meus familiares maternos continuam na Guiné, poucas lembranças tenho deles, o único membro de que me lembrava mais ou menos era da minha avó, mas que já faleceu há algum tempo, a minha mãe faleceu há cerca de 2 anos.
(v) Nunca mais voltei lá mas, agora que tenho uma filha, terei que pensar em visitá-los, para lhe apresentar a família biológica.
Mais uma vez muito obrigada pelas vossas palavras, a guerra foi muito “feia” e “má”, mas contribuiu para se fazerem GRANDES AMIZADES.
2. Resposta do editor do blogue:
Querida amiga Gilda:
Vamos tentar ajudá-la, o melhor que pudermos e soubermos. A nossa vocação não é propriamente essa, a de encontar pessoas, familiares ou outras, que se perderam por lá, Guiné, ou por cá, Portugal. Mas não podemos recusar esse gesto de solidariedade humana. Afinal, fomos os últimos soldados do nosso império colonial... Além disso, centenas de camaraas de nossos visitam-nos todos os dias (chegamos a ter 1500 visitas por dia)...
Vamos, por isso, a questões concretas: diga-nos, para já, a que companhia ou batalhão é que pertencia o furriel Pina com quem você, aos 7 anos, veio para Portugal. E em que sítio da Guiné é que ele estava. Ele, que deve ter feito a sua comissão de serviço entre 1967 e 1969, também pode contactar-nos directamente (Camarada, esperemos que ainda estejas vivo e de boa saúde!). Sabe em que navio (Niassa, Uíge...) é que vocês os dois vieram e em que dia é que partiram de Bissau ? A família portuguesa que a acolheu terá, seguramente, essa informação. Peça, por exemplo, para ver a caderneta militar do ex-Furriel Pina.
De qualquer modo, onde é que o seu pai, Afonso Pinho Brandão, e a sua mãe viviam na altura ? Catió ? Ganjola ? Tem que nos contar um pouco mais da sua história de infância... Eu imagino quão doloroso deve ser para si evocar esses tempos: afinal foi separada da sua mãe, da sua avó, do seu pai e dos seus irmãos, aos 7 anos, e trazida para viver num país que lhe era completamente estranho!...
Já vimos que havia uma família Brandão em Catió. Pode ser que os nossos camaradas Mário Dias, Mendes Gomes e Victor Condeço, que andaram lá para aqueles lados, possam trazer mais algum elemento novo ou mais alguma pista que leve à localização da sua família.
Sobretudo não desista. Alguém pode ter uma fotografia do seu pai, já que os militares portugueses conviviam bastante com os comerciantes locais. Desejo-lhe boa sorte nas suas diligências em busca das suas raízes que não são apenas biológicas, mas também afectivas, sentimentais e culturais. Ninguém pode viver sem memória, muito menos a sua filha. Vou apelar aos nossos camaradas e amigos para que a ajudem.
Estou inteiramente de acordo consigo: a guerra da Guiné, como todas as guerras, foi muito feia e má mas nela também se fizeram grandes amizades... Convido-a, desde já, a fazer parte da nossa Tabanca Grande...Os camaradas e amigos da Guiné ficarão certamente sensibilizados pelo seu caso e gratos pelo seu exemplo de coragem, determinação e inteligência emocional...
Luís Graça
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjola, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira
(2) Há mais fotos e comentários do Victor Condeço sobre o Catió:
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1505: Lembranças da Vila de Catió (1): Albano Costa / Mendes Gomes / Vitor Condeço
15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1528: Lembranças da Vila de Catió (2): Albano Costa / Vitor Condeço
11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço
(3) Vd. post de 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)
Guiné 63/74 - P1810: Convívios (13): CCAÇ 816 (Oio, 1965/67), em Joane, Famalicão, em 5 de Maio de 2007 (Rui Silva)
Famalicão > Joane > 5 de Maio de 2007 > Convívio da CCAÇ 816 (que esteve na Região do Oio entre 195 e 1967) > Um imaginaivo pasteleiro concebeu este bolo original, onde se pode ler Justiça e Luta, entre o símbolo da justiça (a balança) que também pode ser lido como OIO)...
Fotos: © Rui Silva (2007). Direitos reservados.
1. Texto do Rui Silva, com data de 7 de Maio último :
No passado sábado, 5 de Maio, a CCAÇ 816 (1) fez mais um alegre e emotivo convívio, desta feita em Joane (Famalicão).
No cemitério de Joane foi prestada uma sentida homenagem ao nosso saudoso colega Furriel Silva, falecido em combate na estrada Olossato-Farim, m 1 de Agosto de 1965.
Antes, o grupo da 816, sempre com muitos familiares, fizera uma idêntica romagem/homenagem ao cemitério de Atouguia-Creixomil aonde se encontram sepultados os nossos saudosos amigos Pinto e Cow-boy , falecidos recentemente. No cemitério de Joane estiveram também presentes familiares do falecido Silva (passaram 42 anos!), o que muito sensibilizou e honrou os seus antigos camaradas ali presentes.
Como sempre, o ex-Comandante da Companhia, Luís Riquito, procedeu a eloquentes e personalizados discursos, quer nos cemitérios quer depois no almoço de confraternização no restaurante do amigo e camarada da 816, o Nelito.
Luís, um abraço. Rui Silva
Foto > Famalicão > Joane > Cemitério > 5 de Maio de 2007
Cemitério Homenagem dos camaradas da 816 na sepultura do saudoso Furriel Silva, morto em combate na estrada Olossato- Farim no dia 1 de Agosto de 1965.
Foto > Cemitério de Joane > 5 de Maio de 2007
O então Capitão Riquito, Comandante da Companhia, fez uma justa e sentida alocução junto à sepultura do Silva.
Foto > Famalicão > Joane > 5 de Maio de 2007 >
Os organizadores do Convívio-2007: Carneiro, Nelito e Carvalho, também militares da CCAÇ 816
Foto > Famalicão > Joane > 5 de Maio de 2007 >
O Rui Silva (à esquerda), ladeado pelo coronel e escritor Rui Alexandrino Ferreira (autor do best-seller da guerra colonial Rumo a Fulacunda) (2), que tem honrado o pessoal da CCAÇ 816, com a sua presença.
Famalicão > Joane > 5 de Maio de 2007 > O então Capitão (1965/67), Luís Riquito, parte o tradicional bolo , com o emblema da CCAÇ 816.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior > 3 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1809: Base do PAIGC, em Iracunda, Oio: Eram quatro horas e meia da madrugada... (Rui Silva)
(2) Vd. post de 30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1800: Álbum das Glórias (14): De Alferes (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) a Capitão (CCAÇ 18, Quebo, 1970/72) (Rui Ferreira)
Guiné 63/74 - P1809: Base do PAIGC, em Iracunda, Oio: Eram quatro horas e meia da madrugada... (Rui Silva)
Um grande abraço Luís Graça extensivo à fantástica tertúlia.
Cá recebi a tua mensagem que me encheu de alegria. Não tens nada de pedir desculpa por respostas atrasadas pois percebe-se bem os teus muitos (e nobres) afazeres.
Já vi a minha figura na galeria de fotos. São só 42 anos de diferença entre as minhas duas.
Vou continuar, com muito gosto, a enviar-te material incluindo fotos em Bissorã e Olossato principalmente. Por agora vou-te enviar o intróito do meu caderno de memórias a que lhe dei o nome de Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa.
Muita saúde e bem-estar para todos!!.
Rui Silva
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Páginas negras com salpicos cor-de-rosa > Introito,
Eram 4 horas e meia da madrugada quando parámos. Fazia noite, noite escura. Já tínhamos andado um bom par de quilómetros.
Olhares que se interrogam e… era a espera. Era aquele terrível espaço de tempo que se repetia sempre em todas as operações de Golpes de mão. Era aquela inquietante altura do tempo que nos punha na maior tensão e ansiedade. Era o aguardar da hora H, a hora do assalto ao refúgio inimigo e era ao mesmo tempo o retemperamento das energias gastas ao longo da caminhada.
Algumas dezenas de metros mais adiante estava o inimigo, oculto, algures acoitado naquela densa e emaranhada mata. A obscuridade dava às árvores e à sua folhagem feições de figuras fantasmagóricas e assustadoras. Estávamos todos reunidos, uns sentados, outros deitados, outros ainda nas posições que mais lhes apeteciam. Havia o maior silêncio, apenas cortado por um ou outro pigarrear inevitável ou pelo estalar de folhas secas provocadas pela mudança de posição deste ou daquele.
De olhos extasiados, circunspectos e de músculos contraídos, entreolhávamo-nos e parecia interrogarmo-nos: Como vai ser?..., Haverá surpresa?..., Conseguiremos o objectivo?, ou estarão eles já alertados e à nossa espera com uma emboscada montada?
Eram estas as pertinentes interrogações que nos martelavam o cérebro numa expectativa profundamente emocional. Que pesadelo!!... Não, naquela altura não éramos seres humanos, sentíamos e pensávamos como irracionais, quais animais selvagens prontos a atacar a presa.
Estávamos ali para matar, sim, matar, matar o semelhante, só que este tratava-se do inimigo, que, também… nos queria matar.
…E chegou a hora!!
O dia começou a nascer. Era na semi-obscuridade a altura ideal para atacar. Em pé e como autómatos tomámos as posições iniciais de fila indiana e a coluna retomou a marcha. Os cuidados agora redobravam-se. Era a etapa final, a curta etapa que precedia o ataque. As armas foram tomando nas mãos a posição adequada e os cuidados de progressão cingiram-se ao máximo.
De repente, inesperadamente, soa um tiro!... e foi o começo! Foi como que uma gigantesca trovoada então entoasse no silêncio da madrugada. As rajadas ouviam-se incessantemente; o matraquear da metralhadora pesada inimiga fazia-se destacar com as suas fortes detonações; os rebentamentos de granadas de bazooka e lança-rockets faziam-se aqui e acolá; o fogo era pleno… de parte a parte. A nossa reacção, como que impelida por uma mola, foi de imediato. Vi os soldados de dentes cerrados e feições crispadas apertarem com raiva os gatilhos, e trocarem os carregadores em movimentos nervosos mas calculados.
Foram 25 minutos de fogo cerrado e ininterrupto, e, embora lentamente, o inimigo foi cedendo… cedendo...
A peito descoberto e ainda debaixo de fogo, avançámos em leque, em passos firmes e decididos, na direcção do refúgio inimigo que, entretanto, se põe em debandada, mas sem, no entanto deixar de atirar na nossa direcção, com rajadas cada vez mais esporádicas e cada vez também mais distantes.
E o refúgio de Iracunda [, entre Bissorã e Mansabá, a sul do Olossato e Fajonquito,] deu então lugar a gigantescas chamas que reduziram a cinzas aquela importante e estratégica base inimiga algures no Oio, zona de grande poderio e concentração inimiga.
O inimigo reagiu, e de que maneira! Reagiu forte e decididamente!
Aliás foi o primeiro a atacar, pois tinha-se gorado o factor surpresa com que contávamos, o que aliás acontecia em grande parte das vezes, e então emboscou-se aguardando a nossa aproximação.
O tal tiro era o sinal para abrir fogo.
Deram bem a noção da sua força, quer humana quer bélica. Tinham-nos também escapado, mas o seu tributo não tinha deixado de ali ser pago e de forma implacável: no chão, jaziam os corpos de três guerrilheiros; três corpos despedaçados, por, presumivelmente, granadas das nossas bazookas ou dos nossos morteiros.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 30 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1711: Tertúlia: Apresenta-se o Fur Mil Rui Silva, CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67)
sábado, 2 de junho de 2007
Guiné 63/74 - P1808: Propaganda do PAIGC e subtilezas do crioulo ou vir ao Fundão e 'pôr a cereja no cimo do bolo' (Fernando Barata / Luís Graça)
Guiné > Panfleto propaganda do PAIGC, escrito em crioulo (frente e verso). Sem data.
Fotos: © Carlos Vinhal (2006). Direitos reservados.
1. Mensagem do Fernando Barata, ex-Alf Mil Fernando Barata, da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72):
Caro Luís
No Post 1346 é abordada propaganda do PAIGC, escrita em crioulo (1). Na tradução do texto para português, o Mário Dias ("assessor principal para as questões étnico-linguísticas da Guiné e tradutor oficial da nossa tertúlia") teve dificuldade na tradução da frase: "i ca ta pembi na ragas". Falei com alguém que fala crioulo e me deu a seguinte tradução: "não se traz ao colo".
Aquele abraço
Fernando Barata
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Não aceitem que colonialista tuga vos agache (esconda?) atrás dos seus
quartéis, porque todo aquele que se agacha (baixa; esconde) i ca ta pembi
na ragas! [não sei traduzir esta frase] não aceitem receber armas da mão do
colonialista tuga, porque todo aquele que pegar arma do inimigo contra nós,
é inimigo da nossa terra, é inimigo do nosso povo! Não aceitem mais escutar
as mentiras dos colonialistas, porque querem–vos mansos e submetidos
debaixo do seu cativeiro, com vossas mulheres e vossos filhos!
(Tradução do Mário Dias)
2. Comentário do L.G.:
Obrigado, Fernando. Vejo que és um membro da nossa tertúlia, crítico, atento, solícito e proactivo...Infelizmente poucos de nós sabem crioulo. O teu contributo é precioso. Saúdo-te, daqui, da terra das cerejas, o Fundão, onde me encontro e onde tenho uma irmã, que é enfermeira. E, como prova de que este mundo (incluindo a blogosfera) é pequeno, dou-te o exemplo do Torcato Mendonça, membro da nossa tertúlia, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), marafado sulista, com genes algarvios e alentejanos. Ontem tinha-lhe dito que ia passar pela terra (adoptiva) dele, onde casou, teve filhos e foi autarca (ou ainda é, pelo menos, presidente da Assembleia Municipal)... E que talvez pudéssemos dar dois dedos de conversa, por volta das 10h...
Hoje, justamente por volta das 10,30h, ao chegar de Lisboa, com meia hora de atraso, e ao atravessar, de carro, a zona histórica do Fundão, dou de caras com ele, a descer o passeio, de óculos escuros, com os jornais de fim-de-semana debaixo do braço... Belíssima coincidência, pretexto para logo ali o abraçar e matar saudades, e darmos umas voltas pela cidade da Cova da Beira... No final, deu-me mais um CD-Riom com mais estórias de Mansambo e fotos falantes...
Fernando, Torcato, Mário e demais tertulianos: tenham um belo fim de semana... A festa da cereja aqui só será nos dias 15 e 16 de Junho. Este ano a cereja está atrasada e escasseia, quiçá por culpa das malditas mudanças climatéricas que já nos atormenta, de Lisba a Bissau, de Nova Iorque a Pequim... Em suma, volto a Lisboa a salivar como o cão do Pavlov... Na terra da melhor cereja do mundo, tenho que me contentar com o que há (no mercado, que é pouco e fraco)... Em contrapartida, o Fernando acaba de me pôr a cereja (linguística) que faltava no cimo do bolo do Mário Dias. Digam-me lá se esta tertúlia não é a melhor do mundo, capaz até de fazer inveja ao Fundão, capital mundial da cereja ? Uma tertúlia, ou melhor, um sítio virtual na blogosfera, onde há sempre alguém capaz de 'pôr a cereja em cima do bolo', mesmo em ano de má colheita. (LG).
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1346: PAIGC (1): Propaganda: morte aos colonialistas portugueses e seus cachorros de dois pés (Carlos Vinhal / Mário Dias / Luís Graça)
sexta-feira, 1 de junho de 2007
Guiné 63/74 - P1807: António Graça de Abreu na Feira do Livro para autografar o seu Diário: Porto, dia 2 de Junho; Lisboa, dia 10
Foto: Guerra e Paz Editores, SA (2007) (com a devida vénia...)
1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu (1):
Meu caro Luís Graça ou Carlos Vinhal:
Peço-vos o favor de inserirem o meu texto no blogue, ou talvez enviarem-no àquele pessoal nosso que tem e-mail e está na vossa lista, com uma relativa urgência. Luís, ainda tens por aí uns textos meus e fotografias que não publicaste, mas não é importante.
Um abraço
Feira do Livro 2007 > Porto e Lisboa
No próximo sábado, dia 2 de Junho, vou estar no Porto, na Feira do Livro, pavilhão Rosa Mota, pavilhão 4, a partir das 17 horas para autografar o meu livrinho Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura.
No domingo 10 de Junho, Dia de Portugal, estarei na feira do livro de Lisboa, ali no parque Eduardo VII, também para autografar o meu Diário, a partir das 17 horas no pavilhão da minha editora, a Guerra e Paz, não sei qual o número do pavilhão.
O livro vai de 23 Junho de 1972 a 20 Abril de 1974, com o meu testemunho da presença num CAOP 1 (Comando de Agrupamento Operacional) em Teixeira Pinto (Canchungo), Mansoa e Cufar (2).
Saudações a todos os tertulianos, companheiros de armas por terras da Guiné.
António Graça de Abreu
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Nota de L.G.:
(1) O nosso camarada António Graça de Abreu nasceu no Porto (em 1947), licenciou-se em Filologia Germânica e é Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Entre 1977 e 1983 leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Pequim e Shanghai. Tem onze livros publicados na área da Sinologia, da poesia e dos estudos luso-chineses. Vive no Estoril. É actualmente professor, na Escola de Ensino Secundário José Saramago, em Mafra.
Traduziu para português O Pavilhão do Ocidente (1985), teatro clássico chinês, e os Poemas de Li Bai (1990) - Prémio Nacional de Tradução 1990 , além dos Poemas de Bai Juyi (1991) e Poemas de Wang Wei (1993). É autor de China de Jade (1997), China de Seda (2001), Terra de Musgo e Alegria (2005) e China de Lótus (2006) e co-autor de Sinica Lusitana, vol. I e II, (2000 e 2003).
Escreveu a biografia de D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim, (1751-1808), Lisboa, Universidade Católica, 2004.
Pertenceu, entre 1996 e 2002, à direcção da European Association of Chinese Studies (Heidelberg e Oxford).
Como alferes miliciano, teve uma visão privilegiada da escalada da guerra da Guiné, entre 1972 a 1974, a partir do CAOP 1 a que pertenceu (Teixeira Pinto ou Canchungo, Mansoa e Cufar). Dessa sua exoperiência, do seu diário e dos mais de 300 aerogramas que escreveu, resultou o seu 12º livro, Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, lançado em 2007. (Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007. ISBN: 9789898014344. Preço: € 22. O preço na Feira do Livro deve ser, no mínimo, 20% inferior). 20.Quais são os seus heróis?
Na resposta a um pergunta sobre os seus heróis, do famoso questionário de Proust, conduzido pelo PEN Clube Poprtuguês de que é sócio, o António respondeu:
- Os soldados que morreram a meu lado na guerra da Guiné.
Li Bai, poeta chinês do Séc. VIII (701-762), é um dos seus poetas preferidos, a par de Camões e de Wang Wei. É casado c om uma chinesa, de quem tem um filho. A mulher da sua vida não é, pois, a mesma a quem escreveu centenas de aerogramas quando estava na Guiné. Tive o grato prazer de o conhecer pessoalmente em 28 de Abril de 2007, no Pombal, no 2º encontro da nossa tertúlia. Disse-me que não desejava voltar à escrita sobre a guerra da Guiné.
Desejamos-lhes os melhores sucessos editoriais para o seu livro, onde é feita uma simpática referência ao nosso blogue.
No sítio da editora, pode ler-se algumas observações críticas feitas ao livro e ao seu autor, por parte de Ramiro Santos, que pertenceu à 35ª Companhia de Comandos, que estava integrada no CAOP 1, e que esteve em Teixeira Pinto na mesma altura do Alf Mil Abreu. Veja-se também a resposta do autor. Enfim, não são propriamente questões de fundo, mas sim dados factuais ou até questões de lana caprina...
(2) Vd. posts de:
5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor
6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)
27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)
16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1601: Dois anos depois: relembrando os três majores do CAOP 1, assassinados pelo PAIGC em 1970 (António Graça de Abreu)
17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)
Guiné 63/74 - P1806: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (48): Junho de 1969: Missirá em estado de sítio
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 28 de Maio de 1969 > Aerograma enviado pelo Beja Santos à sua noiva, Maria Cristina Allen, logo a seguir ao ataque do PAIGC a Bambadinca, sede do sector L1 da Zona Leste (1). O aerograma, que tem a data do correio de 31 de Maio de 1969, dá pormenores do ataque e confirma a ida (temerária) do Beja Santos com um grupo de voluntários em socorro de Finete (que se julgava estar a ser atacada nessa noite) e depois, possivelmente, já pela manhã, a sua visita a Bambadinca, ainda não refeita do susto. Passo a transcrever (LG):
(...) "Mas foi Bambadinca que foi atacada! Julguei delirar, impossível! Mas lá fomos a toda a velocidade pela bolanha [de Finete] fora até ao cais, onde já nos esperavam três tanques ligeiros do Machado [, coamdnate do Pel Rec Daimler]; após travessia com lodo até à cintura, lá chegámos à área desvastada, onde os meus camaradas iam dando pormenores da refrega.
"Os rebeldes vieram pela pista de aviação e cemitério, atacaram o quartel frente à porta de armas, a tabanca fula [Bambadincazinha,], onde o Almeida [, comandante do Pel Caç Nat 63,] tem a sua tropa nativa, começou a ser incendiada, enquanto as morteiradas caíam na central eléctrica, residência de oficiais e sargentos.
"Todos, que nunca sonharam ser possível um tal arrojo, encheram-se de pânico, e vieram para a a parada onde desataram a fazer fogo desnorteado, e só um milagre salvou os resultados trágicos. Os abrigos encheram-se, mas ninguém fazia fogo. Só o Capitão Neves se pôs no morteiro, e a tropa do Almeida repeliu os rebeldes que já avançavam para a residência de oficiais. E lá retirarm quando o pesado morteiro de Bambadinca começou a fazer os seus estragos. Muitos quartos esburacados, tectos desfeitos. Crises de histeria entre a filharada e mulheres de oficiais e sargentos.
"Com a nossa chegada, só aquela espontaneidade possível em actos de guerra - abraços, a rapaziada negra dando aso ao seu contentamento por não ter havido mortos nem feridos graves. Só o apontador do morteiro do Almeida, que de manhã estivera em Finete, enquanto fôramos a Chicri, foi atingido , mas sem consequências de maior" (...).
Fotos: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
Caro Luís, aqui vai folhetim da semana, com o texto revisto. Toma esta como a versão definitiva. Reenvio-te uma fotografia do furriel Pires. Sexta feira 18, reencontrarei o Augusto e o Calado para falarmos da flagelação de Bambadinca a 14 de Junho. Voltarei ao teu contacto a partir de 14. Os livros aqui referidos seguem pelo correio. Quando tiveres um período mais brando no teu trabalho, não te esqueças que me prometeste as cartas de Bambadinca/Mansambo/Xitole e Bambadinca/Xime. Adeus e até ao meu regresso, Mário.
48ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (2). Texto enviado a 9 de Maio de 2007. Subtítulos do editor do blogue.
A noite em que Missirá viveu em estado de sítio, por Beja Santos
O Pires sugeriu que o nosso encontro se realizasse na Livraria Barata, na Avenida de Roma, em Lisboa, pelas 18 horas. Foi mais pontual do que eu, o que deu para eu me ir aproximando e medir as transformações operadas neste camarada da guerra, de quem me despedira em 1970.
Ainda nos encontrámos uma vez a seguir ao 25 de Abril, numa récita da ópera La Bohéme, no Coliseu dos Recreios, mas não pudémos conversar. O Pires, que depois do Saiegh e do Casanova foi o furriel a quem devo mais atenções, mantém o seu sorriso doce, modos calmos, voz ponderada mas o rosto está marcado por uma exaustão patológica (virei a saber que teve um enfarte, há mais de 10 anos).
O reencontro com o Furriel Pires
Escrevera-lhe a pedir esta reunião, explicando-lhe taxativamente que gostava de ter a sua ajuda, nomeadamente para os acontecimentos de Junho de 69 em diante. Rememorou episódios depois de me ter advertido que tudo estava esfumado e com pouca sequência.
Chegara a Bissau em Janeiro desse ano, vindo no Alfredo da Silva. Estivera uns meses em Bissau até que foi informado que ia partir para Missirá. Tinham-lhe dito que era uma zona calma. Chegado a Bambadinca, talvez para o praxarem, a informação passou a ter um sentido totalmente oposto . O que mais o chocara fora a falta de informação sobre usos e costumes, o tipo de guerra, as melhores respostas para conviver com a população civil, a total ausência de informação cultural, religiosa ou etnográfica.
Lembrava-se dos episódios da flagelação de 17 de Julho, da brutalidade da época das chuvas, da dureza dos nossos abastecimentos, dos bidões a rolar de Missirá para a fonte de Cancumba e desta para o balneário de Missirá, dos macacos cães a roubarem a batata doce e os agricultores aos gritos. Trazia algumas fotografias, e de repente vejo-o perto do poço cuja construção tinha vindo a ser adiada desde a visita do Capitão Neves, em Fevereiro. O régulo Malã tinha dúvidas se era possível captar água no centro de Missirá. Depois, descobriu-se um especialista em fazer poços e lá para Maio arranjou-se uma verba, o especialista veio do Cossé, era um mandinga que se sentava com as pernas cruzadas, começava a cavar à volta dele, tirava terra e voltava a cavar, desbastou , foi fazendo buracos dentro de um círculo onde formou paredes e que eram o seu suporte para subir e descer enquanto fazia o poço. Até que um dia que nos avisou que havia água a 5 metros de profundidade. O poço nunca foi muito utilizado e curiosamente ficou danificado na flagelação de 17 de Julho.
Um mês de Junho de 1969, a ferro e fogo
Eu procurava intervir e fazer perguntas, em muitos casos havia o bloqueio de "não me recordo" ou "não sei se estava lá". Não, não se lembrava daquela noite em que eu ficara angustiado com doze soldados mais inválidos que sãos e uma população civil armada de Mauser, à espera do pior, depois de ter ouvido fogo para lá de Finete e ter esperado horas em vão pela vinda da coluna comandada pelo Casanova. Vale a pena contar.
O mês de Junho foi vivido a ferro e fogo em todo o sector L1 [da Zona Leste] : emboscadas, ataques brutais a tabancas em autodefesa, minas, operações com e sem contacto, flagelações nas operações de desmatelação, de Xime a Amedalai, do Xitole à Ponte dos Fulas, obuses sobre Mansambo, a surpresa e o pavor do fogo a todos tocou.
A 4, a meio da manhã, o Pimbas saiu de surpresa de um helicóptero e veio ver o andamento dos trabalhos, creio que por imposição do Felgas. Será a sua derradeira visita a Missirá Aproveitou para desabafar:
- Olha, ficas a saber que devo ter os dias contados aqui. A toda a hora recebo questionários de Bafatá, o Felgas fala-me com rispidez, acusa-me de inoperância. Sei que não vou aguentar esta pressão. Pá, faz as tuas emboscadas nocturnas, vai a Mato de Cão, não me peças mais tropa que não tenho, vamos dividir o mal pelas aldeias, mantém o quartel limpo para evitares novas reprimendas e aproveito para te agradecer teres ido naquela noite de flagelação a Bambadinca.
A 14, Bambadinca voltaria a ser flagelada durante alguns minutos e a partir daí o Pimbas não voltou a ter descanso e acabaria por ser punido. É por essa altura que nasceu a peregrina ideia de fazer o destacamento no rio de Udunduma, um buraco onde havia uns abrigos mal amanhados, umas valas, e nada para fazer já que a tropa ali sediada não podia abandonar, fosse em que circunstâncias fosse, a posição defensiva.
Em Missirá, com cada vez gente mais doente, íamos à Aldeia do Cuor para vigiar o que se passava do lado de lá em Bissaque, já que o roubo de vacas passara a ser denunciado por gente de Mero em Bambadinca.
Mato de Cão, escrevi eu, passa a ser uma penitência duas vezes ao dia, o que obriga a duas colunas de 15/20 homens cada e a fazer com que metade de Finete esteja permanentemente a circular pelas picadas de Malandim até Gambaná, encontrando-se com os elementos de Missirá. O Geba, pelas minhas contas, está a escoar toda a mancarra do Leste e a trazer cada vez mais munições e armamento pesado.
É no meio deste pesadelo de fogo que se ouve no fim da tarde pela madrugada fora, de gente que vai carregada de malária para os reforços, de colchões que aparecem a boiar nos abrigos depois de dias seguidos de intempérie, que pelas 10 de manhã o Casanova à frente de uma coluna vai buscar arroz para uma esfomeada população civil. Antes destas partidas, fazíamos as contas até uma ginástica impossível de garantir contigentes em Finete e Missirá, gente em Mato de Cão e mais alguma gente a aprovisionar o Cuor. Seriam 6 da manhã quando negociei os horários:
- Fico aqui com doze homens nas obras, nos postos de sentinela estarão civis, vocês regressam o mais tardar pelas 5, eu parto para Mato de Cão às 8 da noite , os doze que ficam irão para uma emboscada não mais de duas horas, no regresso irão também fazer reforço. Que ninguém saia de Finete, entrega esta carta ao Bacari Soncó, regressarei de Mato de Cão ao amanhecer e ele partirá para novo patrulhamento pelo meio dia. Não quero confusões nos horários.
Passaram-se as cinco e as seis da tarde, anoitece e ouve-se fogo de canhões sem recuo, morteiros e bazucas, há quem diga que é Amedalai, talvez Demba Taco, talvez o Xime, a serem flagelados . Não será Finete? Não estará o Casanova a defender Finete? O escuro sepulcral esbate todas as formas, obriga a tomar decisões urgentes, extraordinárias. Convoco o chefe de tabanca Mussá Mané que me ouve atónito: até chegar a coluna de Finete, as mulheres e as crianças vão para os abrigos; a partir dos 16 anos, todos os homens pegarão nas suas Mausers e estarão nos postos de vigia, levem toda a comida que possam, ninguém está autorizado a voltar às cubatas; os doze militares disponíveis, caçadores nativos e milícias, são distribuídos pelas metralhadoras, recebem dilagramas, vão para os morteiros. O régulo aparece e faz perguntas. Eu respondo:
-Estamos em estado de sítio, não sei se vai haver ataque, até acredito que nada aconteça, mas o pior seria não estarmos precavidos. Conto que me vai ajudar, ninguém dorme até chegar a coluna de Finete.
E assim aconteceu e se viveu a noite mais insólita de Missirá, com o choro de crianças, os civis a bombear petromaxes , um soldado a dormitar junto do morteiro enquanto outro vigiava, o Teixeira a fazer perguntas para Bambadinca, mensagens sem resposta. Ninguém sabia da coluna de Finete, não havia pormenores sobre as flagelações, no meio dos equívocos já me perguntavam se Missirá fora atacada, pediam-me para não sair.
A coluna de Finete chegou às 8 da manhã e encontrou uma população barricada e ensonada. Como África é África, tudo acabou às gargalhadas, já que havia uma explicação plausível para o Casanova não ter saído de Finete. A coluna estava pronta para sair pelas 5 da tarde, altura em que se ouviram tiros de obus no Xime e pensou-se que havia uma grupo rebelde a cambar o Geba perto de Mato de Cão ou Enxalé. Fizeram-se contas e pensou-se que era a vez de Finete ser atacada. Por isso a coluna permanecera até ao amanhecer, à espera do pior. Ouvi tudo a cair de sono, fui tomar banho e parti para Finete. Rezei a todos os santos para que nunca mais voltasse a ter uma experiência como esta.
Passou um ano desde que desfilei no 10 de Junho no Terreiro do Paço
O meu estado de saúde não melhorou desde que o David Payne me pediu para repousar e eu desobedeci. O correio em chamas da minha família deixa altas colunas de fumo na minha ala. Sei que não posso contar com mais tropa e que esta época das chuvas está a deixar muita gente enfermiça. Consulto amigos, escrevo e peço conselhos: devo casar por procuração, deixar a Cristina em Bissau, à espera de uma transferência para um território mais pacífico? Não posso tomar decisões de ir a Lisboa, ainda não recebi o veredicto ao meu recurso. É uma época em que escrevo pedaços de diário num aerograma, adormecendo a meio, deixando frases ininteligíveis com que devo assustar quem me lê do outro lado do oceano.
Passou um ano desde que desfilei no 10 de Junho, no Terreiro do Paço. Sente-se que a guerra está a conhecer uma nova evolução e nós impotentes. Os vermes do cansaço, os gestos automatizados, as viaturas atascadas, as colunas de víveres com transporte a tiracolo, é o que recordo deste tempo dominado pelos tornados, chuvas torrenciais, soldados e civis à porta da enfermaria de Bambadinca, um PAIGC que instalou a supremacia da surpresa. Vou ainda tentar reagir.
Para a semana, ainda sem saber que em breve haverá modificações na constituição dos sectores e que Enxalé sairá do sector de Mansoa e passará para o sector de Bambadinca, meto-me à estrada e regresso a esse Enxalé donde os meus soldados partiram para Missirá, em 1966 . Não há sinal de qualquer reacção à emboscada de Sinchã Corubal. No fim do mês, farei uma viagem relâmpago a Bissau para ir testemunhar a favor de Ieró Djaló. Consola-me ler no aerograma que vieram algumas toneladas de materiais e que o Serifo Candé ficou a tomar conta do gerador. Haverá ainda uma pequena flagelação, mas será a partir de Julho que o bigrupo de Madina/Belel irá estar presente na evolução da nossa guerra. É o que por ora vos tenho para contar, relembrando com calafrios os segundos, minutos e horas daquela noite de estado de sítio.
O Leproso, um conto do Miguel Torga cuja leitura me marcará durante décadas
Exausto , procurei releituras ou leituras aligeiradas. A minha mãe emprestou-me Novos Contos da Montanha, uma edição de 1945. Até então Torga para mim era A Criação do Mundo e os Bichos. Comove a grandiosidade destes relatos onde a paisagem rural predomina, entre pedras, barrocos e pastoreio, uma religiosidade trágica, relatos de contrabando, ajustes de contas à facada e a tiro de zagalote.
Capa, da autoria de Victor Palla, do livro de Miguel Torga, Novos Contos da Montanha, Coimbra Editora, 1945.
Foto: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
Mas destes contos um vai ficar, impressivo, a boiar na memória e entrará em funções décadas mais tarde. Trata-se de "O Leproso". Durante uma cava, Julião fez a corte a Margarida que o trata por "leproso dos infernos". De uma horrível inquietação passou-se mesmo à condenação como Torga descreve:
"Havia muito que qualquer coisa em si medrava como o morrão nas espigas por amadurar. Cresciam-lhe na cara gomos de carne dura, insensível e vermelha...". Votado ao abandono, ninguém quer saber do Julião, todos fogem dele, imagem da peste. Confirmada a doença, resta-lhe ainda uma última esperança, um remédio que o livre da sua cruz. Então toma banho em azeite, cheio de fé olhando os pés transformados em patorras, os caroços no peito, sôfregos como cogumelos numa podridão. Depois, agarrou na vasilha e revendeu o azeite em que se banhara a um comerciante que por sua vezo passou para a população. Um dia soube-se tudo e instalou-se o terror no povoado:
"Ficavam como petrificados no mesmo sítio, invadidos de nojo, agoniados, a deitar contas à última almotolia que tinham comprado. E no fim, quando a dura certeza se lhes impunha, queriam arrancar o estômago, purificar-se daquela peçonha, vomitar no mesmo instante a lepra que já sentiam no sangue".
Mais tarde, quando precisei de um texto que falasse de terrores alimentares foi a este "O Leproso" que recorri, lido a horas desencontradas no novo abrigo de Missirá. Releio igualmente Ficções de Jorge Luís Borges, mas confesso que estes caudais de cultura, prodigiosamente redigidos, deslumbram mas parecem ser alimento de pouca dura. Mal sei eu que este Borges vai permanecer um grande companheiro, um mestre insuperável que ajuda a tornar mais simples as complexas maquinações do conhecimento.
Em Bafatá encontrei Mickey Spillane e o seu mais fogoso cavaleiro andante, Mike Hammer. Em O Reverso do Espelho este detective digno dos livros da série negra é confrontado com um génio criminoso, uma criança obrigada a crescer e usada à exposição do seu génio até saltar todas as fronteiras da perversidade. Nesta época, o gráfico da Colecção Vampiro é o pintor Lima de Freitas que nos deixa neste livro a marca do seu talento.
Capa, da autoria do pintor Lima de Freitas, do romance policial de Mickey Spillane, O reverso do espelho. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. (Colecção Vampiro, 235).
Foto: © Beja Santos / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
Antes de adormecer, escrevo a 11 de Junho à Cristina:
"Peço-te o favor de visitares a D. Alzira Pimentel Bastos, a mulher do meu Comandante, que se encontra em Lisboa a cuidar da sua octogenária sogra. A morada é Rua Ponta Delgada, 65, 2º esq, telefone 44033. Chove agora muito, as trovoadas voltaram, há formigas e bicharada que nos obriga constantemente a levantar de noite. Tenho tantas saudades tuas!".
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Nota de L.G.:
(1) vd. post de 25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1786: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (47): Finete já está a arder ? Ou o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969
quinta-feira, 31 de maio de 2007
Guiné 63/74 - P1805: In memoriam (1): Adeus, Zé Neto (1929-2007) (José Martins, Humberto Reis, Luís Graça, Virgínio Briote e outros)
Foto: © José Neto (2007). Direitos reservados.
O Zé Neto (1929-2007) é a nossa primeira baixa na tertúlia. E logo ele que, com tanta esperança e afinco, e o nosso solidário apoio, se meteu na sua útima guerra, a guerra contra o cigarro, aos 77 anos. Os seus últimos quatro meses de doença, já este ano, foram dolorosos e penosos para ele e para a família. Morreu no dia 29 de Maio de 2007, anets da meia-noite.
Hoje a família e os amigos disseram-lhe o último adeus, no cemitério dos Olivais. O Virgínio Briote esteve no funeral e representou-nos a todos. Na véspera, alguns de nós já lhe tinham prestado a última homenagem, velando o seu corpo: eu, o Humberto Reis, o José Martins passámos pela Igreja de São João de Deus... Creio que outros cmaradas também por lá passaram: o Nuno Rubim, o Helder Sousa...
Conhececemos pessoalmente a viúva, um das suas três filhas e dois dos seus quatro netos, a Leo e o Afonso. É uma menina de oiro e é um menino de ouro, dois netos de que o avô nos falava no nosso blogue. Certamente que dos outros dois ele também tinha orgulho, mas não tivemos ocasião de estar com eles.
Vimos também gente que privou com o Zé Neto, nas mais variadas situações profissionais, desde Macau à guarda fiscal. Transmitimos à família o nosso apreço pelo Zé e o nosso pesar pelo seu desaparecimento. Em nome de todos, do pessoal do nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Aproveitamos hoje para publicitar, aqui, mensagens dos nossos camaradas de tertúlia que nos têm chegado. É a nossa maneira, pública, original mas sincera, de lhe dizer adeus e lhe testemunhar a nossa saudade. Zé, a tua memória e os escritos ficarão connosco. Vê como te escreveram palavras bonitas e sentidas, parta ti, que eras o nosso patriarca, o homem grande, como te chamou o Pipo. E podes ficar descansado: terás sempre o teu cantinho nesta generosa e magnífica tertúlia de amigos e camaradas da Guiné. (LG)
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José Martins
Caros amigos [mensagem dirigida à família]:
Recebi a notícia. Sinto a vossa dor, e se vos pode servir de alguma coisa, também vos acompanho na dor.
Conheci o Zé, permitam-me a forma como me exprimo, e apenas alguns momentos bastaram para se cimentar uma amizade que, creio, tambem era recíproca.
Mais um partiu, quiçá, para preparar a nossa chegada.
Não deixem perder a memória do vosso pai ou avô. É a maior homenagem que se lhe pode prestar. Para mim, perdurará na minha amizade.
José Martins
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Virgínio Briote
Caro Luís,
Acontecimentos importantes esta semana na nossa tertúlia. O doutoramento do Leopoldo Amado e a morte do José Neto. Ao 1º não fui, com muita pena minha. E bem gostaria de lá ter estado. Para ver todo o trabalho do doutorado e para vos ver e abraçar, ao J. Tunes, António Santos, José Martins (que belo trabalho tem desenvolvido este nosso camarada, desenterrar e ajudar a pôr no sítio tanto tijolo) e ao Hugo Moura Ferreira.
Infelizmente estive presente no velório do José ainda ontem e hoje assisti ao ofício fúnebre. Procurando alguém conhecido, encostado por ali, ainda vi que tinha assinado a presença o Helder Santos que não tive oportunidade de procurar, porque entretanto fui abordado por uma senhora que me disse ser a viúva. Respondi que era da tertúlia do foranada, um blogue de ex-combatentes da Guerra da Guiné. Que conhecia e que viu logo que eu devia ser do blogue. Chamou a neta Leonor, inconsolável.
E pronto, como se diz agora, ali fiquei até à saída de cena do José Neto.
Um abraço,
vb
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A. Marques Lopes
Até breve, Zé Neto!
A minha companhia, quando fui para a Guiné, tinha o lema "Sem Temor". Já o tinha antes, quando nos disseram que íamos para Timor. À última da hora diseram-nos que, afinal, tínhamos de ir para a Guiné. Durante a viagem no Ana Mafalda, os alferes reuniram e decidiram que havia que mudar de lema e que devia ser "Sem Timor". E logo pensámos na morte que nos esperava. E lá ficaram alguns: os alferes Fernandes e Peixoto, o capitão Guimarães, o furriel Canadas e vários cabos e soldados... que morreram "sem temor" porque "sem Timor". Glória e recordação permanente ao seu sacrifício. Outros foram morrendo, entretanto.
Os que ficámos temos a vantagem de deixar mais recordaçãoes. Além dos camaradas de guerra, nunca nos esquecemos uns dos outros,. há as mulheres e os filhos, que, embora não compreendendo totalmente (só compreende por completo quem viveu por completo as mesmas situações), nos procuraram aceitar e entender, com sacrifício e amor.
Meu amigo Zé Neto, lá, no "assento etéreo onde subiste" ( e estás lá com certeza, porque, se não, vou desacreditar totalmente), tens a recordação dos teus familiares e dos teus amigos, incluindo os deste blogue "noveforanadaevaotres", nome fuleiro, invulgar... mas com gente fixe que gosta de ti.
Um grande abraço, Zé Neto, e até breve.
A. Marques Lopes
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J.Vacas de Carvalho
O Talmude diz-nos que o nascimento e a morte são como uma viagem de barco. Quando nascemos ou quando partimos, não sabemos como vai ser a vida ou a viagem. Pode ser calma, com muitos amigos, boa familia ou tempestuosa. Vamos enfrentar dificuldades?. Vamos ser homens honestos ou canalhas?. Então, quando nascemos vamos chorar, porque não sabemos o que vida ou a viagem nos virá trazer.
Mas quando a viagem chega ao fim, e temos orgulho nela, como é o caso do Zé Neto, então vamos rir, vamos beber um copo, porque quando se chega ao fim de uma grande viagem, com a dignidade do Zé, com a amizade e o amor que ele partilhava com os amigos e com a família , então, valeu a pena fazer a viagem, valeu a pena viver.
Tenho uma cerveja fresca que vou beber por ele e pela família. Zé Neto, valeu a pena, fazer a viagem como tu a fizeste.
Um abraço
Zé Luis
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Carlos Vinhal
O Comboio da Vida!...
Camaradas: Por coincidência chegou hoje ao meu computador este trabalho de alguém que interpreta a vida assim...
O nosso Zé Neto será sempre chamado em cada Formatura do nosso Pelotão.
Carlos Vinhal
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Nuno Rubim
Querida Amiga Leonor:
É com profunda consternação que recebi a infaustosa notícia, não obstante estar preparado para ela.
Peço-lhe que transmita à família, especialmente à sua Avó, os meus sentidos pêsames e a minha solidariedade neste difíceis momentos. Espero estar presente no velório.
Um gande abraço
Nuno Rubim
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Sousa de Castro
É a lei da vida, por muito que nos custe, temos de ser fortes para enfrentar situações como esta que acaba de ocorrer. Nesta hora de profunda tristeza para a família e também para toda a tertúlia, apresento condolências à família do Zé Neto. Que descanse em Paz.
Sousa de Castro
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Idálio Reis
Neta Leonor, a minha mensagem de há dias, provavelmente já não foi do teu conhecinento nem do teu avô (*).
Toda a tua família perde um ente querido. Também vamos sentir a sua falta na nossa tertúlia. Deixará sempre uma lacuna difícil de preencher.
Nesta hora de manifesto pesar, curvo-me em silêncio à perenidade do Homem grande que foi o companheiro Zé Neto.
Sentidas condolências do Idálio Reis.
* May 25, 2007 8:09 PM > Subject: Oh meu grande Zé Neto!
Tomo conhecimento que o antigo camarada de guerra José Neto porventura debate-se com uma das mais duras batalhas com que actualmente está confrontado.
O determinismo da lei da vida prega-nos, de quando em vez, contrariedades de monta, como que armadilhas dolorosas. E somos tão insignificantes para contrariar tais vicissitudes.
O Zé Neto foi um dos homens que me impulsionou a escrever a história da minha Companhia, porque ele a viveu enquanto esteve em Guileje, e reconheceu como poucos essa fase dramática da nossa vivência naquela fatídica zona, deixando bem espelhado pela força da sua escrita o que Gandembel representou no contexto da guerra que se travava então naqueles tempos.
Desejo muito ardentemente que consiga sobrepujar esta fase crucial, da forma como ele merece.
À sua família, a minha solidariedade, pedindo-lhe que lhe transmita este meu recado. Com votos de rápidas melhoras, cordialmente Idálio Reis.
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Benito Neves
Luís,
Não tive o prazer de conhecer pessoalmente o Zé Neto, mas pelos seus escritos também vamos criando as nossas afinidades, admiração e respeito. A notícia que hoje recebemos provocou o mesmo sentimento que tive quando, na Guiné, vi cair outros camaradas: revolta e tristeza perante a impotência para vencer esta, como outras batalhas.
Que descanse em paz!
Agradeço-te que apresentes, em meu nome, os meus sentidos pêsames a toda a família.
Benito Neves
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Manuel Lema Santos
Prezada Leonor,
Não conheci pessoalmente o seu Avô. Mesmo no blogue não tenho antiguidade suficiente e as circunstâncias da vida não me proporcionaram o conhecimento desse Camarada.
Embora tenhamos partilhado, na Guiné, o ano de 1967 e parte de 1968, ramos diferentes das Forças Armadas - estive na Marinha - tornavam impossível vencer a distância física entre Gadamael, onde chegávamos e Guileje, onde o seu Avô esteve.
Mesmo como ilustres desconhecidos, a identidade adquirida foi a mesma e
indelevelmente gravada no espírito - Guiné.
Curvo-me, em silêncio, na sentida homenagem ao Marido, Pai, Avô, Homem e também Militar, num até breve.
Manuel Lema Santos
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José Teixeira
Querido Camarada e amigo Zé Neto:
Cruzamo-nos esporadicamente no campo de batalha em Buba. Pisamos o mesmo tchão. Vivemos as mesmas angústias. Tive opotunidade de dialogar contigo e receber de ti amáveis palavras de conforto sobre o meu simples trabalho de descrever a quente algum do tempo que vivi a contra gosto, numa guerra que não queria, para que os vindouros pudessem conhecer a verdadeira história.
Acolheste-me neste blogue com carinho e afecto, quando eu timidamente fazia passar as minhas estórias. Agora vejo-te partir para o eterno aquartelamento sem no mínimo te poder abraçar.
Deixa-me chorar um pouco, pois foi um pouco de mim, de nós todos, que partiu, mas fica. Fica na minha memória. Esta classe em extinção ficou mais pobre, ou talvez mais rica, quem sabe !
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Texto do José Neto, capitão (reformado), o patriarca da nossa tertúlia: era o Sargento da CART 1613, em Guileje, tendo feito uma comissão entre 1967 e 1968. Seguido da minha resposta.
Tenho acompanhado com interesse especial o Diário do José Teixeira por uma simples razão: Eu estava em Buba, com a CART 1613 (Os Lenços Verdes) quando a companhia dele [a CCAÇ 2381] lá desembarcou. Éramos a companhia de apoio ao novo Batalhão (BCAÇ 2835),"dita" em descanso depois de onze meses em Guileje.
A flagelação de 22 de Julho ao quartel de Buba que ele descreve foi "realmente uma brincadeira", pois foi efectuada a partir do outro lado do rio e dali "até com uma fisga se acertava no cu dum cozinheiro", mas não acertaram uma. Fraca pontaria? Não sei.
Desse evento guardo dois momentos hilariantes: (i) um capitão do comando do Batalhão (morreu há dias,Coronel) envergando um colete anti-balas vermelho que fazia parte do seu enxoval, acachapado numa vala e a guinchar como um desalmado; (ii) e a sessão fotográfica dos "maçaricos" (Comandantes incluídos) junto dos invólucros canelados de transporte das granadas que o IN lá deixou.
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Agora é a minha vez de saudar o Zé Neto e dizer-lhe que tem uma grande memória. Gostava de lhe dizer que os muçulmanos que têm dois traços na face e que lhe é colocada ao nascer, numa espécie de baptizado muito gira,em que em cheguei a participar, são "Fula Futas" ,ou seja um grupo Fula proveniente da região famosa do interior de África - Futa Jalon, que se entrosou com os Fulas e os Mandingas na Guiné.
Posso também informr que a partir de Agosto de 1968, acabaram-se as colunas de Buba para Quebo, pela estrada de Cumbijá. Aliás nessa data as povoações de Cumbijá e Colibuia estavam abandonadas. A sua população tinha sido evacuada para Mampatá. Era zona demasiado "quente" para ser transitada. Na penúltima coluna que se fez por lá, tive o meu baptismo de fogo em coluna, tivemos um morto e dois feridos por mina e duas ferozes emboscadas, as tais dos dois bi-grupos.
Na última , em que não participei, sei que as emboscadas foram violentas e o que nois salvou foi o grupo de Comandos africanos estacionados em Quebo, que avançaram para o IN de peito aberto - o tal encontro em que trouxeram como trofeus as orehas dos IN mortos.
As ligações para Gadamael Porto, via Buba também estavam encerradas e a estrada de Buba para Fulacunda intransitável, pois a meio do caminho havia o campo IN de Sare Tuto, que tive o preazer de visitar recentemente e ter o meu último e agradável encontro com antigos Guerrilheiros, como já foi também noticiado.
Um abraço
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Querido Zé: Que o Criador te acolha como tu soubeste acolher este amigo, no blogue. Gostei de te conhecer, tanto quanto gostaria que ainda estivesses no nosso meio.
Descansa em paz
J.Teixeira
Guiné 63/74 - P1804: Bibliografia (8): Rumo a Fulacunda, de Rui Ferreira: Em defesa do bom nome dos velhos comandos (João Parreira)
Emblemas do Grupos de Comandos Fantasmas (1965/66) e Apaches ( 1966) .
Fotos: Tantas Vidas, blogue de Virgínio Briote (com a devida vénia).
1. Texto do João Parreira, ex-furriel miliciano comando dos Grupos de Comandos Os Fantasmas e Os Apaches (1965/66) (1).
Caro Camarada de Tertúlia, Coronel Rui Alexandrino Ferreira,
Sobre o seu livro Rumo a Fulacunda (2), extremamente interessante e elucidativo - e como tal faço votos para que sejam vendidos muitos exemplares - gostaria, se me permite, e por me parecer pertinente, fazer apenas algumas considerações, caso contrário não ficaria bem com a minha consciência (3). Para isso vou transcrevo algumas, breves, partes do livro.
Estive nos Comandos em Brá, oficialmente desde 11 de Fevereiro de 1965 (excepto entre 21 de Fevereiro e 14 de Março de 1965) no Grupo Fantasmas (1º. Curso) e, depois da sua extinção, no Apaches (2º. Curso).
Fiquei neste grupo também até à sua extinção uma vez que em 30 de Junho de 1966 chegou a Brá a 3ª Companhia de Comandos que recebeu instrução em Lamego, no CIOE, e foi mobilizada no RAL 1.
Ainda foi ministrado na Guiné um 3º Curso que terminou a 28 de Abril de 1966, ou seja 2 meses antes de chegar a 3ª CCmds, e no qual participaram 14 soldados, quatro 1ºs. Cabos, o Fur Jorge Ázera e o 2º Sgto Galileu Cordeiro.
Fiquei em Brá até 11 de Agosto de 1996, tendo regressado à Metrópole em 13 do mesmo mês.
Antes de ingressar no primeiro deles, de livre vontade, fui operacional da CART 730, onde fui colocado em 1964 após ter terminado com aproveitamento o treino físico do Curso de Operações Especiais (no CMEF) em Mafra e depois no CIOE em Penude (Lamego), e que na altura era referido como rangers.
1) Voltando ao livro, diz Rui Alexandrino Ferreira, na página 107: “Num à parte, para melhor compreensão da situação, refiro ter a dita Companhia de Comandos uma péssima fama entre a tropa macaca (era assim que estes se referiam às Companhias normais)".
1a) No que concerne à frade "para melhor compreensão da situação..... péssima fama", perdou-me o meu pensamento, mas não posso deixar de levar em conta que este nome depreciativo péssima foi muito provavelmente inventado para denegrir o bom nome dos Comandos e satisfazer eventuais ódios ocultos de meia dúzia de iluminados no contexto da Guiné.
Digo isto, salvo melhor opinião, porque tendo percorrido praticamente toda aquela Província, como é óbvio, e estado em contacto directo com imensas Companhias com as quais fizemos várias operações, nunca nenhum elemento dos meus Grupos sentiu qualquer inimizade, muito bem pelo contrário, pois não raras vezes foram enviados para reforçar Companhias que eram mais atingidas pelo IN.
1b) Tropa macaca: desconheço quem criou ou pôs a correr aquele nome, se é que de facto existiu; no entanto posso assegurar-lhe, se é que isso vale alguma coisa, que durante o período atrás referido, e como é natural, confraternizei em Bissau não só com camaradas doGrupos, desde alferes a soldados, como também de outras Unidades não só do Exército como da Marinha e da Força Aérea.
Nesses contactos nunca ouvi ninguém dos Grupos referir-se ou mencionar a tropa, que afinal éramos todos nós, como tropa macaca.
No que concerne aos outros dois ramos [, a Marinha e a Força Aérea,], nunca ouvi, igualmente, referirem-se ao Exército com aquele nome. Também em contacto directo nos aquartelamentos ou no mato com as imensas Companhias que nos fizeram ao longo do tempo a cobertura de ida e regresso, nunca ouvi no meu tempo, repito, qualquer elemento dos Grupos referirem-se a qualquer camarada do Exército como Vocês são tropa macaca;
2) Logo a seguir o autor do livro mencion: “Corria à boca cheia que num daqueles bambúrrios da sorte que acontecem uma vez na vida teve a dita cuja, a taluda, ou seja a inacreditável ajuda do acaso, ao dar de caras com uma mal protegida mas muito bem aprovisionada arrecadação turra, cheia de material de guerra” (página 107).
2a) Na realidade, quando às 19H00 se partiu para essa operação, a mesma estava devidamente referenciada e não a dita cuja, a taluda, ou seja a inacreditável ajuda do acaso, ao dar de caras...
2b) e, na mesma linha, com uma "mal protegida"... A informação emanada das Chefias Militares era que a referida base era composta por 80 homens bem armados ("mal protegida" ?).
De tal maneira estava a base mal protegida, como é mencionado, que o IN infligiu ao grupo, composto de 22 elementos, um morto, dois feridos graves que foram evacuados de heli para o Hospital de Bissau e mais 6 feridos ligeiros.
Tal como o Senhor Coronel, também fui ferido em combate não duas mas três vezes, tendo numa delas sido evacuado.
3) Seguidamente refere: “Guardadas, em recato, umas dezenas de armas que ali existiam, teriam entregue só uma parte e a partir de então, passou o Tenente Saraiva que a comandava e que foi no seguimento da Comissão promovido por distinção a Capitão, a afirmar alto e bom som, na messe de Oficiais, em Bissau que iria sair para o mato e só de lá regressava quando capturasse determinada quantidade de armamento, promessa que religiosamente cumpria” (página 107).
3a) “Guardadas em recato, umas dezenas de armas .....entregue só uma parte”... Acho muito difícil e pouco provável que o tenha feito sem o conhecimento dos elementos do Grupo, por outro lado como as transportaria escondidas, e onde as guardaria em recato e, por conseguinte sózinho, umas dezenas de armas: no armário do quarto, debaixo da cama, no QG, numa palhota secreta, em que lugar ?
3b)... “e a partir de então, passou o Tenente Saraiva que a comandava e que foi no seguimento da Comissão promovido por distinção a Capitão” (...) (página 107).
Para esse efeito o referido oficial deslocou-se a Portugal no dia 10 de Junho de 1965 (e foi também condecorado) tendo depois regressado à Guiné.
3c) “Afirmar alto e bom som, na messe Oficiais, em Bissau, que iria sair para o mato e só de lá
regressava quando capturasse determinada quantidade de armamento, promessa que religiosamente cumpria” (págima 107).
Parece-me injusto que na messe dos Oficiais lhe tenham posto na boca estas afirmações uma vez que nunca poderia satisfazer a promessa que religiosamente cumpria uma vez que o Grupo não efectuou mais operações em virtude de, pouco tempo depois, ter sido extinto.
Infelizmente, desde há 5 anos que o referido Oficial não se encontra no mundo dos vivos.
Respeitosos cumprimentos do tertuliano João Parreira
2. Comentário do editor do blogue:
João e Rui:
Estas questões do bom nome e da honra (do indivíduo ou do seu grupo de pertença), são deveras delicadas... Mas eu concordo que se venha a terreiro defender a memória dos camaradas com quem se conviveu e com quem se lutou... Acho bonito que o João venha defender a memória do seu camarada Saraiva, tanto mais que ele já não está cá, neste vale de lágrimas, para se defender...
Escusado será dizer que eu acho bem que que se cultive, no nosso blogue, o espírito crítico, a defesa da verdade ou valores como a liberdade de pensamento e de expressão... A regra é: podemos discordar, saudavelmente, uns dos outros, sem que isso descambe num conflito patogénico, disruptivo, disfuncional...
Em matéria de opiniões, cada um tem as suas e deve defendê-las, com elegância, inteligência, bom gosto, bom senso, etc. Já a verdade dos factos é um princípio fundamental do nosso blogue... A menos que se trate de textos ficcionados, devemos ser intransigentes neste ponto. É claro que hoje a memória pode atraiçoar-nos... E memso no passado, é bom não esquever que tínhamos uma visão parcelar das coisas... Quantas vezes não emprenhámos pelos ouvidos!
É claro que o livro do Rui, muito interessante e de leitura apaixonante em muitas das suas partes, foi concebido e elaborado num contexto que nada tem a ver com o nosso blogue ou a nossa tertúlia. É um livro, de memórias, está no mercado livreiro, está nas bibliotecas, pertence agora aos leitores e ao público...
É, de resto, nessa qualidade de leitor que o João aqui vem, a terreiro, pôr os pontos nos ii em relação dois ou três parágrafos referentes a um Grupo de Comandos. Se ele tiver razão, o Rui poderá ainda ir corrigir os parágrafos em causa (página 107), na 3ª edição, que eu espero esteja para breve... Mas o autor é sempre soberano...
Fiquem, os dois, com o meu apreço e a minha amizade. L.G.
PS - O João esqueceu-se que, entre camaradas, nesta caserna virtual, tratamo-nos todos por tu...
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post anteriores do (ou referentes ao) João Parreira:
3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros
6 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLI: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66)
20 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLIII: Com a CART 730 em Bissorã e Olossato (1965) (João Parreira)
12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P868: Diabruras dos comandos (João Parreira)
13 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXIII: O baile dos finalistas do Liceu de Bissau de 1965 (João Parreira)
23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1381: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu regresso (6): comandos de Brá em 1965, crime e castigo (João S. Parreira)
20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1389: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (5): Comandos A. Mendes & João S. Parreira
6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1405: Antologia (56): Marcelino da Mata, o último guerreiro do Império (João Parreira)
4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira
12 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1584: Um choro no mato e as (des)venturas de um futuro comando em Bissorã (João Parreira)
29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74: P1710: Tertúlia: Encontro de Pombal (2): Saudades (João Parreira / António Pinto / Vitor Junqueira)
(2) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)
(3) Vd. também a apreciação crítica do Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando :
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1718: Lendo de um fôlego o livro do Rui Ferreira, Rumo a Fulacunda (Virgínio Briote)
(...) "Do resto, emites algumas opiniões generalizadas sobre os cmds, opiniões a que tens evidentemente todo o direito. "Que corria à boca cheia que num bambúrrio de sorte....", que entraram numa arrecadação, coisa e tal, e que aquilo durou até ao fim da comissão...E perguntas-te a ti próprio se terá sido verdade. "Actuações terrivelmente confrangedoras..." "E se operacionalmente não era aquela CCmds um valor efectivo nem o podia ser nunca, pois ...., mal preparados..." Opiniões.
"A CCmds actuou de Jun 64 a Jun 66. Os efectivos rondaram os 200 homens. Tiveram 12 mortos e 19 feridos. Cerca de 70 armas capturadas, para falar só de armas. Foram estes os resultados. Não são opiniões.
"Àparte esta questão, repito, caro Rui, tive muito gosto em ler o livro. Rever aquelas terras, página a página, os nomes dos intervenientes quase todos meus conhecidos, foi uma leitura muito interessante.Caro Rui Ferreira, um grande abraço e até um dia destes" (...).