Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3192: Álbum das Glórias (47): Talão de almoço e Licença Militar (Tino Neves)
Olá Camaradas, Luís, Vinhal e Briote e restante Tabanca
Há muito que não escrevia algo para o blogue, aqui vão dois temas:
1) - Almoço em Bissau
2) - Título de Licença
1) – Junto imagem dum talão de almoço que tive com mais dois camaradas amigos, que encontrei em Bissau, um deles meu vizinho e da minha criação, ou seja desde as carteiras da escola primária, o Fur Mil Arménio Delfim da Silva Santos, que estava julgo que em Olossato.
O almoço nesse tempo era barato! Três almoços bem comidos e melhor regados por 230$00 vai fazer agora dia 19 de Setembro trinta e sete (37!!!) anos, uma beleza.
O Bar NOÉ, talvez não fosse muito conhecido, mas era muito frequentado, por quem queria comer bem e barato.
Alguém se lembra do Snack-bar Noé, em Bissau, onde três manos almoçavam por 230 escudos (pesos) ? Nos dias de hoje, nem dá para a gorjeta... Repare-se, por outro lado, no número de telefone (2226), o que dá uma ideia do tamanho da rede telefónica da então província portuguesa da Guiné (CV)...
2) – Título de Licença, era o documento, que qualquer militar, (não sei se só para os desmobilizados) com a caderneta militar em dia, quisesse se deslocar à nossa vizinha Espanha, teria que pedir em qualquer Quartel Militar (neste caso, o de Tavira).
Esta licença foi-me passada em 13 de Julho de 1981, para simplesmente me deslocar por umas horas a Ayamonte.
Em 1981 ainda era preciso cumprir esta formalidade? Desconhecia (CV)
Sem mais
Um abraço para todos os Tertulianos
Tino Neves
Almada
Fotos: © Tino Neves (2008). Direitos reservados.
Legendas de Carlos Vinhal
2. Comentário de L.G.:
Sobre o "nosso poder de compra", na época, ver os seguintes postes:
28 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXIX: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (1) (Luís Graça)
1 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXII: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2) (Luís Graça)
Recorde-se que com uma nota de cem pessos, o tuga (militar) compravas, na caserna, duas garrafas de uísque novo. O Old Parr (uísque velho, então muito apreciado lá e cá) já custava mais: 130 ou até 150 pesos, se não me engano… Além do pré (6oo pesos/mês), os soldados africanos da CCAÇ 12 (que eram praças de 2ª classe!, lembre~m-se...) recebiam mais 24,5 pesos por dia pelo facto de serem desarranchados (o mesmo que nós, os metropolitanos).
Ainda em matéria de Comes & Bebes, um quilo de camarões tigres, do Rio Geba, comidos na tasca do Zé Maria, em Bambadinca, com uma linda vista para o rio, custava cinquenta pesos (uma exorbitância(… Um bife com batatas fritas e ovo a cavalo (supremo luxo de um operacional quando ia a Bafatá, "mudar o óleo"...) costumava, na Transmontana cerca de vinte a vinte e cinco pesos.
Ainda me lembro, isso sim, de o vagomestre da CCAÇ 12, o Jaime, comprar uma vaca raquítica por 950 pesos, depois de bater não sei quantas tabancas da região de Bambadinca… Nas tabancas, fulas, por onde passei e onde fiquei, uma semana ou mais, era costume comprar, mesmo a custo, galinhas e frangos, mas já não me lembro quanto pediam pelos bichos de capoeira (sete pesos e meio?)… As ostras em Bissau custavam 20pesos (uma travessa)… E por aí fora.
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Notas de CV:
(1) - Vd. último poste de 26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2216: Os nossos vídeos (1): Feliz Natal e até ao meu regresso (Tino Neves)
(2) - Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina).
Guiné 63/74 - P3191: Bibliografia de uma guerra (30): Memórias literárias da Guerra Colonial (José Martins)
Com o intuito de promover a literatura sob o tema Guerra Colonial, a Biblioteca-Museu República e Resistência – Espaço Grandella vai organizar um ciclo de conferências intituladas Memórias Literárias da Guerra Colonial que irá decorrer entre Setembro e Novembro de 2008.
Com cerca de 60 romances, a literatura forma uma das correntes mais importantes, centrada na temática da guerra.
Por isso, convidamos todos os que se interessam por este assunto a participarem.
A entrada é livre. Consulte o programa em anexo.
http://blx.cm-lisboa.pt/noticias/detalhes.php?id=441
2. Comentário do editor:
No programa estão incluídos os nossos camaradas da Tabanca Grande, António Graça de Abreu e Mário Beja Santos, que vão falar dos seus livros, respectivamente, "Diário da Guiné: Sangue, Lama e Água Pura" (2007) e "Diário da Guiné: 1968-69: Na Terra dos Soncó" (2 e 23 de Outubro, respectivamente).
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Nota: artigo relacionado em
29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3100: Bibliografia de uma guerra (29): Romance de Armor Pires Mota: A Cubana que dançava flamenco (Virgínio Briote)
Guiné 63/74 - P3190: A guerra estava militarmente perdida (29)? A situação na metrópole (A. Marques Lopes)
A. Marques Lopes (1)
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Situação na Metrópole (alguns dados)
1962
12 de Janeiro – Franco Nogueira propõe a Salazar a realização de conversas exploratórias secretas com o regime senegalês, uma vez que a Guiné se configurava como um território para o qual era difícil delinear uma solução aceitável.
Julho – Agostinho Neto (MPLA) e Vasco Cabral, dirigente do PAIGC, evadem-se clandestinamente de Portugal a partir da Doca do Bom Sucesso, em Pedrouços, com o apoio dos dirigentes do PCP Jaime Serra e Dias Lourenço.
1963
18 de Janeiro – Debate pelo Governo português de um projecto de Lei Orgânica do Ultramar.
10 de Junho – É comemorado em Lisboa pela primeira vez.
10 de Agosto – Crítica do Marechal Craveiro Lopes a alguns aspectos da política ultramarina.
12 de Agosto – Discurso de Salazar sobre o problema do ultramar, que teve grandes
repercussões internacionais e levou os nacionalistas a reafirmarem a continuação da luta.
23 de Agosto – Cerimónia de apoio dos generais e oficiais superiores a Salazar e à política ultramarina.
27 de Agosto – Manifestação nacional no Terreiro do Paço, em Lisboa, de apoio à política ultramarina do Governo, que serviu de base à legitimidade da política de defesa ultramarina do Governo português.
17 de Outubro – Decisão do Governo português de considerar os crimes previstos na legislação militar, como cometidos em tempo de guerra.
1964
Janeiro – Realização da II Conferência das Forças Antifascistas Portuguesas, promovida pela FPLN.
11 de Janeiro – Aprovação pela Assembleia Nacional, de uma moção de apoio à «política de defesa intransigente do solo pátrio», com referência ao Ultramar.
Março – Comunicado do PAIGC distribuído em Argel, afirmando o acordo entre a oposição portuguesa, representada por Humberto Delgado e os movimentos de libertação africanos, para estreitamento de relações e concordância numa acção comum.
5 de Março – Concessão de facilidades da Alemanha para recuperação de militares mutilados nas guerras coloniais.
8 de Março – Reunião de dirigentes do PAIGC e da FPLN em Argel.
21 de Março – Comunicado da PIDE a acusar Humberto Delgado de auxílio aos «grupos terroristas».
17 de Março – Garantias de apoio do cônsul de Portugal na Rodésia a Ian Smith no caso de declaração unilateral de independência da minoria branca.
25 de Setembro – A França anuncia a entrega a Portugal de oito navios de guerra, como contrapartida pela cedência da base das Flores.
31 de Dezembro – No final do ano de 1964, os efectivos portugueses nos três teatros de operações ultrapassaram os 84.000 homens. Declaração de Franco Nogueira sobre o abandono da ONU por parte de Portugal.
1965
Janeiro - Portugal põe em causa a legalidade da constituição do Conselho de Segurança da ONU, pelo que declara não se considerar obrigado por qualquer decisão sua.
2 de Janeiro – Abertura da base aérea alemã em Beja.
13 de Fevereiro – Assassínio de Humberto Delgado pela PIDE, próximo de Badajoz.
18 de Fevereiro – Salazar, referindo-se à política ultramarina portuguesa, designa Paris e Argel como as capitais da subversão contra Portugal, referindo que os portugueses combatem sem espectáculos e sem alianças, «orgulhosamente sós».
21 de Maio – Assalto à sede da Sociedade de Escritores, na sequência da atribuição do Grande Prémio de Novelística a Luandino Vieira.
3 de Setembro – Encerramento pela PIDE, da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa.
1966
Abril – Legislação do Governo português para travar a emigração clandestina. Terá limitado, mas, como posso ver pelo quadro em baixo, não travou a emigração, quer legal quer clandestina. Pelo contrário, aumentou.
29 de Maio – Criação do Vicariato Castrense Português, com um corpo de capelães e um bispo.
Agosto – Aumento dos impostos decretado pelo Governo português entre 7 e 27 por cento para fazer face às despesas militares.
14 de Outubro – Difusão das normas a observar pela Direcção dos Serviços de Censura em especial sobre as notícias que visem a «politica adoptada quanto ao Ultramar Português».
15 de Outubro – Abstenção de Portugal na ONU na criação do Dia Internacional para a Eliminação da Descriminação Racial.
Novembro – Personalidades da oposição pedem a Américo Tomás a demissão de Salazar.
1967
23 de Fevereiro – Inauguração do Comando Ibero -Atlântico (Iberlant) da NATO em Oeiras
Abril – Encerramento pela PIDE da Cooperativa católica Pragma. O Hospital Militar de Hamburgo recebe 88 mutilados de guerra portugueses.
17 de Maio – Assalto por um comando da LUAR à delegação do Banco de Portugal na Figueira da Foz.
Setembro – Início dos contactos da PIDE com sectores da oposição ao regime da Guiné-Conacri.
Outubro – Publicação do Manifesto pela Oposição Democrática exigindo para o Ultramar uma solução política.
1968
2 de Fevereiro – Visita de Américo Tomás a Cabo Verde e Guiné.
9 de Julho – Entrada em funcionamento do Centro de Alcoitão para mutilados de guerra.
11 de Julho – Entrada em vigor da nova Lei do Serviço Militar.
19 de Agosto – Bettencourt Rodrigues substitui Luz Cunha no Ministério do Exército e Manuel Pereira Crespo rende Quintanilha Mendonça Dias na pasta da Marinha.
7 de Setembro – Revelação pública de um acidente de Salazar, com irrecuperáveis lesões cerebrais.
26 de Setembro – Anúncio por Américo Tomás da substituição de Salazar por Marcelo Caetano
27 de Setembro – Governo de Marcelo Caetano com Sá Viana Rebelo na Defesa Nacional, Bettencourt Rodrigues no Exército, Franco Nogueira nos Negócios Estrangeiros e Silva Cunha no Ultramar.
27 de Novembro – Discurso de Marcelo Caetano na Assembleia da República, onde declara que «a liberdade e independência dos países da Europa ocidental joga-se não só na própria Europa, como em África».
1969
Março – Autorização de despesas, a contrair pelo Governo português, até ao montante de dois milhões de contos, para reequipamento do Exército e da Força Aérea.
8 de Abril – Início de uma visita de Marcelo Caetano à Guiné, Angola e Moçambique.
24 de Setembro – Refúgio de Marcelo Caetano no Posto de Comando da Força Aérea em Monsanto, por causa de rumores sobre um golpe de Estado.
8 de Novembro – O ministro da Defesa Nacional informa a Cruz Vermelha sobre a existência de 23 militares «retidos» na República da Guiné-Conacri, cinco na República Democrática do Congo, quatro na Tanzânia e um na Zâmbia.
15 de Dezembro – A Assembleia Nacional exorta, por unanimidade, Marcelo Caetano a prosseguir a «política nacional de manutenção e defesa da unidade e integridade de todos os territórios portugueses».
1970
15 de Janeiro – Remodelação ministerial, com Sá Viana Rebelo a assumir a pasta do Exército e Rui Patrício a dos Negócios Estrangeiros.
28 de Janeiro – Os Estados Unidos decidem fornecer a Portugal equipamento militar «não letal». Fevereiro – Vaga de prisões de estudantes africanos das universidades portuguesas.
20 de Fevereiro – Prisão do pároco de Belém (Lisboa), Padre Felicidade Alves, por denunciar a situação da guerra colonial.
Abril – Organização de um curso de «guerra subversiva» pela Legião Portuguesa, com exercícios na Serra de Sintra. Protesto de Portugal na ONU por a Assembleia Mundial da Juventude, realizada sob a égide da ONU, ter convidado directamente representantes de Angola, Moçambique e Guiné sem o conhecimento do Governo português.
Maio – Informação de Portugal ao secretário-geral da ONU de que não participaria na Assembleia Mundial da Juventude, a realizar em Julho. Reorganização territorial do Exército na metrópole e nas províncias ultramarinas.
29 de Maio – Visita a Lisboa do secretário de Estado norte-americano, William Rodgers.
19 de Junho – Prisão em Lisboa de vários cristãos por assumirem posições contra a guerra colonial.
15 de Agosto – Deserção de seis alunos da Academia Militar, durante uma visita à Suécia, e a quem este país concedeu asilo político.
29 de Agosto – Rebentamento de um engenho explosivo na Embaixada de Portugal em Washington, sendo desmontado outro engenho no gabinete dos adidos militares.
27 de Setembro – Conversa em família de Marcelo Caetano, em que acusa as Nações Unidas de instigarem a «subversão no Ultramar».
26 de Outubro – Acção da ARA, braço armado do PCP, contra o navio Cunene, fundeado no porto de Lisboa e pronto a partir para África com material de guerra. Acção do António João Eusébio e do António Pedro Ferreira. “O Comando Central da 'ACÇÃO REVOLUCIONÁRIA ARMADA' declara que ao atacarmos a máquina de guerra que alimenta a guerra colonial não estamos contra os soldados, os sargentos e oficiais honrados, forçados a fazer uma guerra que odeiam. Estamos, sim, contra a continuação desta criminosa guerra de opressão colonial que se transformou num flagelo para os povos de Angola, Guiné e Moçambique e num cancro que corrói a nação, que queima vidas e bens do povo português para servir os interesses dum punhado de monopolistas sem pátria. Estamos solidários com a justa luta libertadora dos povos coloniais.”
29 de Outubro – Acção de sabotagem no navio Vera Cruz em Lisboa. Criação da associação Sedes, como esboço de um partido politico de tendência moderada.
20 de Novembro – Destruição parcial da Escola Técnica da PIDE-DGS, pela ARA. Na acção participa Carlos Coutinho (ex-combatente em Moçambique). Neste dia, destruição igualmente pela "ARA" de importantes quantidades de equipamento e material de guerra armazenados no cais privativo da C.N.N., prontos para embarque no navio Niassa. A "ARA" colocou uma bomba no "Centro Cultural" da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa.
2 de Dezembro – Entrega pelo Governo à Assembleia Nacional de uma proposta de revisão constitucional, prevendo um estatuto de autonomia interna para as províncias ultramarinas.
4 de Dezembro – Deserção de três oficiais do Exército, que se refugiam na Bélgica.
17 de Dezembro – Julgamento do Padre Mário de Oliveira, pároco de Macieira da Lixa, por oposição à guerra.
1971
8 de Março – Atentado da "ARA" contra aeronaves militares (vários helicópteros) na Base Aérea de Tancos. Acção do Ângelo Manuel Rodrigues de Sousa (pseudónimos Tavares e Miguel), já falecido.
Maio – Portugal retira-se da UNESCO em virtude de esta organização apoiar os movimentos de libertação.
28 de Maio – Promoção de um jantar legionário no Porto contra a reforma constitucional de Marcelo Caetano.
3 de Junho – Atentado da ARA [Acção Revolucionária Armada] contra a central radiotelegráfica e telefónica (RARET) de Lisboa, no dia de abertura de uma cimeira da NATO.
19 de Junho – Promulgação da nova Lei Orgânica da Ultramar, passando Angola e Moçambique a ser designados por Estados.
16 de Agosto -Profunda alteração da Constituição de 1933.
27 de Outubro – Acção da ARA contra as instalações de Oeiras do Comiberlant, na véspera da sua inauguração.
19 de Novembro – A Assembleia Nacional decreta o «estado de subversão», por se verificarem «actos subversivos graves em algumas parcelas do território nacional».
25 de Novembro – Criação pela DGS, do Grupo de Trabalho Madeira, com a finalidade de efectuar a «integração» da UNITA e de Jonas Savimbi.
28 de Novembro – Comunicado do PCP a criticar a acção das BR e dando o seu apoio às acções da "ARA".
1972
12 de Janeiro – “Na madrugada do dia 12 de Janeiro de 1972, um comando da ARA colocou duas potentes cargas, uma explosiva e outra incendiária, num dos armazéns do cais de Alcântara em Lisboa. Em consequência da forte explosão e do incêndio que se lhe seguiu foi destruída grande quantidade de material pronto a embarcar para a guerra colonial, entre o qual se encontrava importante material de guerra recém-chegado de França e destinado a unidades de caçadores pára-quedistas. Porque o comando da A.R.A actuou entre as 6 e as 8 horas da manhã, quando no Porto de Lisboa não há trabalhadores em actividade, não houve mortos nem feridos. O comando da A.R.A que realizou a acção não teve baixas.”
4 de Fevereiro – Primeira reunião do Grupo de Trabalho Madeira, da DGS.
17 de Abril – Divulgação de um manifesto da oposição «O Fracasso do Reformismo», denunciando a crise do regime.
29 de Abril – Directiva do ministro da Defesa sobre a alta prioridade das Forças portuguesas à missão de informação, propaganda e contra propaganda.
18 de Junho – Acusação de Marcelo Caetano à oposição, por esta ter aberto a «quarta frente de combate».
19 de Junho – Publicação da Lei Orgânica do Ultramar Português.
5 de Julho – Decisão do Governo de libertar mais de 1.500 prisioneiros internados em campos situados nas colónias.
11 de Julho – Destruição pelas Brigadas Revolucionárias, em Cabo Ruivo, de 15 camiões destinados ao Exército português.
28 de Julho – Agravamento pelo Supremo Tribunal Militar, para dez anos de prisão da pena do capitão cubano Pedro Peralta.
Agosto – Criação pelo Estado-Maior-General de uma rede de informações para actuar em diversos países africanos, chefiada por Alpoim Calvão.
9 de Agosto – Acção da "ARA" de destruição de duas dezenas de torres eléctricas nas áreas de Lisboa, Porto e Coimbra, da rede eléctrica nacional. Participaram na acção António João Eusébio e António Pedro Ferreira (ex-combatentes em Angola).
30 de Setembro – Publicação da Lei Orgânica da DGS.
2 de Outubro – Discurso de Rui Patrício na ONU, boicotado pela maioria dos delegados.
30 de Novembro – Início da vigília na Capela do Rato, em Lisboa, durante a qual um grupo de católicos aprova um documento contra a guerra colonial.
1973
1 de Janeiro – Aproveitando a circunstância de se comemorar o Dia Mundial da Paz, um grupo de cristãos que tinha iniciado uma acção de cariz Anti-Colonial, de forte impacte, ocupando a Capela do Rato, em Lisboa, inicia uma greve de fome, organizando ao mesmo tempo, uma assembleia aberta a cristãos e não cristãos, para discussão do problema da guerra colonial, assunto totalmente proibido pelo Regime.
2 de Janeiro – Uma força da Polícia de Choque, comandada pelo capitão Maltês Soares, irrompe, pelas 19h00, na Capela do Rato e prende 70 pessoas.
11 de Janeiro – Demissão da função pública de todos os funcionários que participaram na vigília da Capela do Rato.
13 de Janeiro – Marcelo Caetano numa «Conversa em Família» declara que «só temos um caminho, defender o Ultramar».
4 de Abril – Realiza-se em Aveiro o III Congresso da Oposição Democrática. A sua realização foi cercada de intensas medidas repressivas, entre elas o ataque da Polícia de Choque aos congressistas quando se deslocavam em manifestação silenciosa ao cemitério local, em romagem ao túmulo de Mário Sacramento (eu e o José Luís Judas levámos umas pancadas – eu fiquei ferido num braço – e tivemos que nos refugiar numa casa).
6 de Abril – Atentados das BR, no Porto, contra instalações militares.
29 de Abril – Rebentamento de petardos em várias localidades do país com panfletos contra a guerra colonial.
25 de Maio – Visita de Costa Gomes, chefe do Estado-Maior-General, à Guiné.
1 de Junho – Desenrola-se no Porto o chamado I Congresso dos Combatentes do Ultramar, através do qual o Governo pretende demonstrar, interna e externamente, a «adesão entusiástica» dos militares à política ultramarina. A sua forma de organização antidemocrática desencadeia um amplo repúdio no seio das Forças Armadas, em Portugal Continental, Ramalho Eanes, Hugo dos Santos, Vasco Lourenço e outros encabeçam um vasto movimento de protesto. Com o mesmo objectivo, são recolhidas quatrocentas assinaturas de oficiais do Quadro. Enviado um telegrama ao congresso assinado por Marcelino da Mata e Rebordão de Brito.
13 de Julho – É publicado, no Diário do Governo, o Decreto-Lei n.º 353/73 (e posteriormente o 409/73, com pequenas alterações), o qual criava um conjunto de condições que facilitava o ingresso dos oficiais milicianos no Quadro Permanente, medida que vem incrementar a contestação já latente nos oficiais desse Quadro, tornando-se o verdadeiro rastilho para a criação do futuro Movimento dos Capitães.
16 de Julho – Início da visita oficial de Marcelo Caetano a Inglaterra, onde é recebido com manifestações de protesto.
6 de Agosto – Regresso de António de Spínola a Portugal, vindo a ser substituído nos cargos que desempenhava na Guiné.
20 de Agosto – Publicação do Decreto-Lei 409/73, que corrige alguns aspectos do DL 353/73, referente às carreiras dos oficiais do exército.
Setembro – Deserção de 5 marinheiros durante a realização de um exercício NATO no Atlântico Norte. Encontro em Paris de delegações dos Partido Socialista e Partido Comunista, chefiadas por Mário Soares e Álvaro Cunhal.
9 de Setembro – Tendo por local de encontro o Templo de Diana, em Évora, 136 oficiais dirigem-se ao monte do Sobral, em Alcáçovas, a uma herdade de um familiar do capitão Diniz de Almeida, onde nasce formalmente o «Movimento dos Capitães». Exige-se a revogação do Decreto 353/73, um abaixo-assinado será entregue na Presidência da República e na Presidência do Conselho de Ministros, pelos capitães Lobato Faria e Clementino País. 94 Capitães e subalternos, em comissão em Angola, assinam colectivamente um protesto e enviam-no a Marcelo Caetano. Em Moçambique elabora-se um documento idêntico que recolhe 106 assinaturas, entre oficiais superiores, capitães e subalternos.
14 de Setembro – Reunião de Kaúlza de Arriaga com outros generais das Forças Armadas para preparação de uma acção concertada contra o Governo.
21 de Setembro – Reunião do movimento dos Capitães em Luanda, onde se decide a apresentação de um pedido individual de demissão de oficial do Exército.
6 de Outubro – Reunião alargada do Movimento dos Capitães, em Lisboa, realizada simultaneamente em quatro locais, onde se coloca a hipótese do emprego da força para derrubar o regime. Início da assinatura de um pedido de demissão de oficial do Exército por parte dos oficiais abrangidos pelos decretos de 13/7 e 20/8, que ficaram na posse de uma comissão coordenadora provisória.
18 de Outubro – Reunião do Movimento dos Capitães em Bissau e Luanda, decidindo-se, em ambos os lados, prosseguir a mobilização dos oficiais, apesar da suspensão dos decretos.
28 de Outubro – Eleições para a Assembleia Nacional com a desistência da Oposição Democrática (CDE) que classifica o acto de fraude eleitoral.
7 de Novembro – Remodelação ministerial que afasta o Ministro da Defesa, general Sá Viana Rebelo e o secretário de Estado do Exército, Alberty Correia. Em sua substituição são nomeados para as pastas da Defesa Nacional e do Exército, respectivamente, o Prof. Joaquim da Silva Cunha, até então Ministro do Ultramar, e o general na reserva Alberto Andrade e Silva, sendo o coronel de artilharia Carlos Viana de Lemos designado subsecretário de Estado do Exército e Telo Polleri para a Aeronáutica.
24 de Novembro – As Comissões Coordenadora e Consultiva provisórias do Movimento dos Capitães reúnem num casarão nas traseiras da Colónia Balnear Infantil de O Século, em S. Pedro do Estoril. É necessário fazer um ponto de situação e eleger uma Comissão Coordenadora definitiva que seja verdadeiramente representativa do Movimento. A «guerra do decreto» devia ser ultrapassada pela acção e passar-se a uma nova fase de luta. Os delegados são solicitados a auscultar as suas unidades sobre o caminho a prosseguir pelo Movimento dos Capitães. Luís Banazol fala da necessidade de fazer uma revolução e se colocam três hipóteses de futura actuação; conquista do poder, exigência de eleições livres ou reivindicações exclusivamente militares.
Dezembro – Manifestação contra a guerra colonial (não me lembro do dia exactamente) que saiu do Marquês de Pombal e só chegou até perto do Parque Mayer. Éramos umas dezenas. A polícia de choque veio da Praça da Alegria e bateu. O José Luís Judas (ex-pára-quedista e, então, contabilista da Novopca) e o Jorge Aguiar (jovem engenheiro das Construções Hospitalares) enfiaram-se no Parque Mayer a jogar matraquilhos. Nada. Eu, o Muradali Mamadussen (era estudante, foi adjunto do Samora Machel depois e com ele morreu no desastre (?) de avião) e o António Monteiro (actual Relações Públicas da TAP) socorremo-nos do Ribadouro. O Muradali assentou-se, logo à entrada, numa mesa onde estavam turistas e agarrou num copo. Passaram. Eu e o António Monteiro fomos para o balcão onde a polícia de choque nos foi apanhar pelos cabelos (era moda na época). O que é que foi?!! Que merda é esta?!! O que é isto?!! Arrastaram-nos até à porta mas lá nos largaram...
1 de Dezembro – Reunião, em Óbidos, do Movimento dos Capitães, em que é eleita uma comissão coordenadora alargada e votados os nomes dos generais a contactar pelo movimento. Após se ter tomado conhecimento de que as bases do Movimento não pretendiam, por ora, ir além das reivindicações militares, importantes decisões são tomadas. Vota-se o nome do general Costa Gomes como chefe prestigiado que o Movimento deveria chamar a si. Delibera-se alargar o Movimento aos outros ramos das Forças Armadas (Marinha e Força Aérea). Elege-se uma Comissão Coordenadora e Executiva (CCE), com 3 oficiais por cada arma e serviço do Exército.
5 de Dezembro – 1ª Reunião da nova CCE, numa casa de praia na Costa da Caparica. Prepara-se uma proposta com base em reivindicações militares, a apresentar a elementos dos outros dois ramos. Esse documento era de tal forma ambicioso que seria uma forma de pressão quase extrema para o Executivo. Para a CCE foi escolhida uma direcção: majores Vítor Alves, Otelo Saraiva de Carvalho e capitão Vasco Lourenço.
17 de Dezembro – Vislumbram-se insistentes sinais de que estaria em preparação um golpe de Estado de extrema-direita, com a implicação dos generais Kaúlza de Arriaga, Silvino Silvério Marques, Joaquim Luz Cunha e Henrique Troni, visando a conquista do poder.
20 de Dezembro – Ordem de embarque imediato para a Guiné de alguns oficiais do batalhão de Ataíde Banazol.
22 de Dezembro – São revogados os Decretos-Lei 353/73 e 409/73 que haviam estado na origem do Movimento dos Capitães. Teme-se que a mobilização da luta alastre à maioria dos militares.
1974
23 de Janeiro – Apresentação à hierarquia de uma exposição do Movimento dos Capitães de Moçambique sobre a situação resultante dos acontecimentos da Beira, assinada por 180 oficiais. É redigida a 1ª circular do Movimento (circular n.º 1/74), por decisão da sua direcção. A mesma é amplamente distribuída, relatando os acontecimentos ocorridos em Moçambique e apelando a que cada militar «...dentro das mais estritas regras da disciplina...» se empenhe na exigência de um desagravo à instituição. Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço avistam-se com Spínola, dando-lhe conhecimento da posição do Movimento. A referida circular viria a ser citada na BBC, no Le Monde e na emissora Rádio Portugal Livre de Argel.
26 de Janeiro – Reunião do movimento dos Capitães no Estoril, onde é constatada a necessidade de elaborar um documento que defina os seus objectivos políticos.
27 de Janeiro – Abaixo-assinado elaborado pela comissão regional do Movimento dos Capitães na Beira (Moçambique) sobre os últimos acontecimentos.
29 de Janeiro – Envio pela comissão do Movimento dos Capitães em Nampula, de um relato circunstanciado dos acontecimentos da Beira, para Lisboa e para as comissões regionais.
5 de Fevereiro – O Movimento dos Capitães politiza-se de forma galopante. É necessário adoptar um programa, para isso realiza-se um encontro alargado da CCE no qual é eleita uma Comissão de Redacção do Programa do Movimento; dela fazem parte o tenente-coronel Costa Brás, majores Melo Antunes e José Maria Azevedo e capitão Sousa e Castro. Chegada a Lisboa de Jorge Jardim para conversações com o Governo sobre uma proposta de resolução do problema de Moçambique, supostamente apoiada pelos dirigentes de alguns países africanos.
12 de Fevereiro – Publicação do documento do bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, «Imperativo de Consciência».
13 de Fevereiro – Restabelecimento de contactos entre a UNITA e a administração de Angola.
14 de Fevereiro – Carta do Movimento dos Capitães da Guiné sobre a situação geral e a necessidade de ser passar à acção contra o regime.
22 de Fevereiro – Sai do prelo o livro “Portugal e o Futuro”, da autoria de António de Spínola, que se esgota rapidamente, conhecendo um enorme sucesso. O general defende uma solução política e não militar para o Ultramar. Fica demonstrado publicamente o conflito existente no seio do regime em torno de uma solução para o problema colonial.
5 de Março – Mini plenário do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas, em Cascais, o último antes do 25 de Abril. Presentes 194 oficiais, das unidades de Infantaria, Artilharia, Cavalaria, Engenharia, Administração Militar, Transmissões, Serviço de Material, Pára-quedistas e Força Aérea (FA), representando 602 militares. O documento, de índole política, «O Movimento, As Forças Armadas e a Nação» recolhe 111 assinaturas.
6 de Março – Marcelo Caetano faz defesa inflamada da política do Governo para o Ultramar, em discurso proferido perante a Assembleia Nacional e transmitido pela RTP. No seu seguimento é aprovada pelos deputados uma moção de apoio à «política ultramarina do Governo». Elaboração de um plano por Kaúlza de Arriaga e Luz Cunha para por fim à «subversão comunista do Exército».
9 de Março – Os capitães Vasco Lourenço, Antero Ribeiro da Silva (Presidente da Delegação do Norte da Associação 25 de Abril) e Pinto Soares são detidos, tendo os dois primeiros, decorridos alguns dias, sido transferidos compulsivamente para os Açores e a Madeira, respectivamente, enquanto o terceiro foi internado num estabelecimento hospitalar.
11 de Março – Aprovação da politica colonial do Governo, pela Assembleia Nacional.
14 de Março – As chefias das Forças Armadas e de Segurança e os oficiais generais dos três ramos vão a S. Bento afirmar ao Presidente do Conselho de Ministros e ao Governo a sua fidelidade e apoio à política ultramarina, em nome das respectivas instituições.
15 de Março – Demissão de Costa Gomes e António de Spínola dos cargos de chefe e vice-chefe do Estado-maior General das Forças Armadas. Os jornais anunciam com grandes parangonas a exoneração dos generais Francisco da Costa Gomes e António de Spínola dos cargos de Chefe do Estado-maior General das Forças Armadas e vice-CEMGFA, respectivamente.
16 de Março – Às 04:00 da madrugada, uma coluna do Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha passa os portões do aquartelamento, comandados pelo capitão Armando Marques Ramos. Pretende executar um golpe militar, marchando sobre Lisboa e depondo o Governo, a apenas a três quilómetros da capital terá a noção de que se encontra isolada. Um precipitado e deficiente planeamento da acção leva ao seu fracasso, sendo presos quase duas centenas de militares, oficiais, sargentos e praças, entre os quais o tenente-coronel João de Almeida Bruno, majores Manuel Monge e António Casanova Ferreira e capitães Marques Ramos e Virgílio Varela. Um avanço à margem do Movimento por parte dos spinolistas, constituiu, embora, um importante balão de ensaio para o 25 de Abril.
18 de Março - Otelo e Vítor Alves redigem a Circular 2/74, procedendo a uma análise dos acontecimentos e apelando à firmeza e perseverança nos objectivos do Movimento. Encontram-se com Melo Antunes, no Café Londres, e pedem-lhe que elabore um programa político do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA), com base no Manifesto aprovado no plenário do dia 5. O diário República, dirigido por Raul Rêgo, desde sempre ligado à oposição ao Estado Novo, publica, de forma criptográfica, na página desportiva, a notícia intitulada «Quem travará os leões» na qual se conclui que «perdeu-se uma batalha, mas não se perdeu a guerra»
19 de Março – General Joaquim da Luz Cunha, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.
21 de Março – Após um contacto estabelecido no alto do Parque Eduardo VII por iniciativa do capitão Luís Macedo, colocado no Regimento de Engenharia 1 (RE 1), em que solicita a Otelo, em nome de muitos camaradas, que assuma a condução militar do Movimento, este aceita a missão e designa-o seu adjunto operacional.
22 de Março – Reunião em casa de Vítor Alves de um pequeno núcleo de oficiais do Exército, da Força Aérea e da Armada. Melo Antunes lê a primeira versão do programa político do Movimento, sendo por todos aprovada. Melo Antunes comunica que, por ironia do destino, em resultado de um pedido seu, deferido apenas naquela altura, irá partir nessa noite para Ponta Delgada, devido a ter sido colocado no Comando Territorial dos Açores (CTIA). Fica combinado o célebre telegrama em código que o irá informar do grande momento: «Tia Aurora segue dia... Um abraço António». O comandante Almada Contreiras acompanha Melo Antunes ao aeroporto, sendo apresentado por este a Álvaro Guerra, jornalista do República.
24 de Março – A CCE reúne e é aprovado por unanimidade que os dois elementos da direcção ainda activos assumam a responsabilidade da preparação militar e da preparação política do movimento. Otelo aceita, perante os presentes, gizar um plano operacional e elaborar a «ordem de operações» respectiva. Garante que o golpe será desencadeado entre 20 e 29 de Abril e, desta vez, para conduzir à vitória.
28 de Março – Marcelo Caetano faz, na RTP, a sua derradeira «Conversa em Família», em que reafirma a politica ultramarina do seu Governo e condena os implicados no movimento de 16 de Março.
4 de Abril – Carta da direcção do movimento de oficiais para as colónias, informando as respectivas comissões de que não deveriam tomara iniciativa de qualquer acção.
13 de Abril – Informação do movimento de oficiais da Guiné à comissão de Lisboa de que está preparada para assumir a iniciativa do movimento, caso seja necessário.
15 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho conclui o Plano Geral das Operações, que intitula simbolicamente «Viragem Histórica». Divide o país em duas grandes áreas de operações: Zona Norte e Resto do País, sendo este segmentado em quatro áreas. As unidades do Norte deveriam convergir para o Porto, onde ocupariam pontos estratégicos, nomeadamente o Quartel-General, instalações de forças de segurança, estações de rádio e televisão, aeroporto e pontes. As unidades situadas a Sul do Douro adoptariam idêntica manobra relativamente à capital, sendo atribuídas a algumas das colunas mais importantes missões de natureza táctica (EPC e EPA). Nesse mesmo dia entrega-o ao tenente-coronel Garcia dos Santos para que este elabore o Anexo de Transmissões. Encontro no restaurante Califa, em Benfica (perto da minha casa...), de Otelo, do capitão Frederico Morais e dos tenentes milicianos Luís Pessoa e Miguel Amado com vista a planear a tomada da Emissora Nacional. Escolha do Rádio Clube Português (R.C.P.) para posto emissor do MFA, em virtude de possuir uma rede que cobre o país e o Ultramar, emitir noticiários de hora a hora em simultâneo e de dispor, nas instalações da Rua Sampaio e Pina, nº 26, de um estúdio compacto, de gerador de emergência com entrada automática em funcionamento e radiotelefone para o centro emissor em Porto Alto.
16 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho reúne, no RE 1, com o major Eurico Corvacho a quem explica a ideia geral de manobra, particularizando as movimentações a levar a cabo na Zona Norte. A pedido deste, agrega-lhe as forças do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE) de Lamego, cometendo-lhes a missão de reforçar as tropas do Porto.
17 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho distribui as missões aos delegados do Agrupamento Norte (November), no apartamento de Dinis de Almeida, estando presentes todos os agentes de ligação para esse sector, facto que se repete nas restantes reuniões.
18 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho distribui as missões aos delegados do Sector Centro (Charlie), em sua casa, contando-se entre estes o capitão Correia Bernardo, em representação da Escola Prática de Cavalaria (Santarém).
19 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho distribui as missões aos delegados do Sector Sul (Sierra), em casa do major Fernandes da Mota.
20 de Abril – Finalmente, na mais importante das reuniões, Otelo Saraiva de Carvalho distribui as missões aos delegados das unidades da Região Militar de Lisboa (Lima), na residência, então vaga, do pai do tenente Américo Henriques, em Cascais. Conclusão do essencial dos textos políticos (em cuja redacção, coordenada por Vítor Alves, participaram Franco Charais, Costa Brás, Vasco Gonçalves, Nuno Lopes Pires e Pinto Soares, pelo Exército; Vítor Crespo e Lauret, com a participação menos activa de Teles e Contreiras, pela Marinha e a ocasional presença do major Morais e Silva e do capitão Seabra). A partir desta data, Otelo, que também assegura a ligação com Spínola, passa a efectuar os contactos, por razões de segurança, através do major de cavalaria na reserva Carlos Alexandre de Morais. São da lavra do general algumas das modificações introduzidas, nomeadamente a designação de Movimento das Forças Armadas (MFA), em substituição da versão anterior de Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA) e de Junta de Salvação Nacional (JSN) em alternativa à proposta de Directório Militar.
21 de Abril – Encontro na marginal em Oeiras, de Otelo e do major Moura Calheiros com os coronéis Rafael Durão (representante do general Spínola) e Fausto Marques, com vista a obter a adesão do Regimento de Caçadores Pára-quedistas, comandado pelo último oficial, iniciativa que se revela inconclusiva.
22 de Abril – A partir do início deste dia, todos os delegados do Movimento nas unidades entram em estado de alerta, preparados para receber o contacto do agente de ligação, portador das instruções finais. A Escola Prática de Transmissões (EPTM), localizada em Sapadores, recebe autorização do Estado-Maior do Exército (EME), por proposta do tenente-coronel Garcia dos Santos, para o estabelecimento de uma linha directa com o RE 1, da Pontinha, numa extensão de 4 quilómetros. Inicia-se, sem demora, a sua instalação, efectuada por uma equipa comandada pelo furriel Cedoura, que ficará concluída em menos de 24 horas. Tal iniciativa viria a permitir ao Posto de Comando do MFA o acesso permanente às escutas das redes de transmissões militares e das forças de segurança, missão de apoio técnico cometida à primeira unidade militar, em que se destacaram os capitães Fialho da Rosa, Veríssimo da Cruz e Madeira.
23 de Abril – Otelo Saraiva de Carvalho e Costa Martins, protegidos pelo major FA Costa Neves, avistam-se, no Apolo 70, com João Paulo Diniz. Este esclarece que apenas colabora no programa matutino Carrossel do R.C.P., razão pela qual não poderá emitir a senha pretendida. Obtêm, contudo, a garantia de transmissão do seguinte sinal, entretanto combinado, “Faltam cinco minutos para a meia-noite. Vai cantar Paulo de Carvalho «E depois do adeus»”, através dos Emissores Associados de Lisboa (E.A.L), que apenas dispõem de um raio de alcance de cerca de 100 a 150 quilómetros de Lisboa. A limitada potência do emissor torna, assim, necessária a emissão de um segundo sinal, através de uma estação que alcance todo o País. Deslocam-se, seguidamente, para junto da Penitenciária de Lisboa, onde aguardam que o ex-locutor do Programa das Forças Armadas em Bissau obtenha informação no Rádio Clube Português sobre a constituição da equipa que entrará de serviço na madrugada de 25. Este apura que o serviço de noticiário estará a cargo de Joaquim Furtado mas, conhecendo-o mal, não arrisca estabelecer contacto.
25 de Abril – Às 00h40 na EPC, em Santarém, os oficiais do MFA procuram obter a adesão ao Movimento do tenente-coronel Henrique Sanches. Não o conseguindo, procedem à sua detenção.
E foi o que veio a seguir...
__________Notas:
1. A. Marques Lopes, ex- Alf Mil Inf ( hoje Cor DFA, reformado), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro)
2. artigos relacionados em:
21 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3077: A Guerra estava militarmente perdida (27)? Reacções a nível internacional. Os efectivos das NT. (A. Marques Lopes).
13 de Julho > Guiné 63/74 - P3057: A Guerra estava militarmente perdida? A situação político-militar na Guiné (26). A. Marques Lopes.
terça-feira, 9 de setembro de 2008
Guiné 63/74 - P3189: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (17): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971).
Mensagem do Paulo Santiago, com um pedido à memória dos Camaradas:
É uma pena não conseguir lembrar-me do nome dos Fur Mil instrutores, só ficou o Dinis, talvez por ter sido do 53.
Lamento não me lembrar do nome daquele estupidamente morto no regresso, lá para os lados de Nova Lamego.
Talvez apareça algum tertuliano que se lembre do episódio e do nome. Agradecia essa lembrança.
Abraço,
Paulo Santiago
__________
Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (17)
Texto e fotos do Paulo Santiago
ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 53
Saltinho 1970/72
Encerramento do curso e...tragédia
Em 24 de Dezembro de 1971, terminou com cerimónia oficial, a formação da companhia de milícias.
Do programa constava, início com formatura geral, pelotões ainda enquadrados pelos instrutores, a fim de prestar honras militares ao Com-Chefe, General Spínola, seguindo-se demonstrações de combate, demonstração de tiro, encerrando a cerimónia com nova formatura, já sem os instrutores, substituídos pelos comandantes de pelotão, perante a qual o General fazia um discurso.
na carreira de tiro no dia de encerramento.
Na tribuna encontravam-se as autoridades tradicionais, comandantes de batalhão, comandante do CAOP 2, oficiais superiores do QG e da Amura. À volta do campo de futebol, onde se realizava a cerimónia, espalhavam-se civis das tabancas próximas.
Como era altura do Natal, e o General andava na visita aos quartéis do CTIG, tudo foi abreviado havendo apenas a formatura final para o respectivo discurso.
Ten. Cor Polidoro Monteiro, Gen Spínola, Alf Mil Paulo Santiago e de costas o Fur Mil Dinis. Este ia agora conhecer o Saltinho e integrar-se no PelCaçNat53.
Apanhei boleia para o Saltinho, onde o Spínola ia dar as Boas-Festas, sabendo que no início de Janeiro, regressava a Bambadinca, onde tinha outra companhia de instrução a aguardar.
Soube, já no Saltinho, que tinha havido um problema gravíssimo com um dos pelotões de milícia, lá para os lados de Nova Lamego, com vários mortos incluindo um Fur Mil e vários desaparecidos. Só no regresso a Bambadinca soube da dimensão da tragédia.
Não sei, haverá algum tertuliano que tenha conhecimento?
Em Janeiro retorno a Bambadinca, via Bissau. Já contei no blogue que no dia do meu aniversário (24º) apanhei um heli no Saltinho até Bissau, onde passei três ou quatro dias na boa vida.
De Bissau para Bambadinca vou num DO 27 e seguia também na aeronave o Major Anjos de Carvalho que tinha vindo tratar de um qualquer assunto. Quando saímos do avião, tínhamos o Polidoro Monteiro à nossa espera.
- "Estou aqui para vos informar que o médico apanhou dez dias de prisão, estando preso no quarto, donde sairá para outra unidade", disse-nos.
Atendendo a vários antecedentes, esta "porrada" não me causou estranheza.
Nesta 2ª companhia que comandava, havia dois pelotões Fulas e um Balanta. Dos dois primeiros, um destinava-se a Galomaro, outro a Mampatá (Saltinho), sendo que o Balanta tinha como destino a Ponta Luís Dias.
Numa noite da segunda semana de instrução, após o jantar, noto que na formatura, antes da instrução nocturna, apenas se encontra o pelotão de Balantas. Os dois pelotões de Fulas resolveram ficar na caserna, como forma de protesto, informa-me o meu soldado Amadú Baldé, monitor e futuro comandante do pelotão de Mampatá.
Qual era a causa do protesto? Simplesmente os Fulas não queriam estar juntos, na mesma caserna, com os Balantas, porque se embebedavam, perturbavam as orações, etc.
A caserna situava-se a seguir às instalações do Pelotão de Cavalaria. Disse ao Amadú "vai lá dentro chamar os gajos para virem formar de imediato".
Foi o Amadú e voltou sem conseguir convencer os "revoltosos".
Tinha a G3 às costas, e a mostarda chegou-me ao nariz, entrei na caserna e o pessoal deitado em cima das camas, dei-lhes um minuto para se levantarem e virem formar.
Os gajos nada, agarro na arma pelo cano e começo a varrer, à coronhada, todos os que se encontram em cima das camas. Ficaram convencidos, vieram formar de seguida.
No dia seguinte na formatura da manhã, resolvi fazer uma pequena palestra, procurei apelar ao espírito de corpo, ali não podia haver conflitos entre etnias, eram todos "guinéus".
-"Santiago, tu eras muito duro, mas preparaste-nos bem, nunca te esquecemos".
Na despedida deram-me duas galinhas e três ovos...quanta falta lhes fariam.
Em Fev/05. Cansamange. O Paulo Santiago junto do Mussa e dos outros dois antigos instruendos de há trinta e três anos atrás.
Ex-guerrilheiro maneta
O Fafe era um ex-guerrilheiro, comandante de grupo, tinha sido ferido em combate, levado para Bissau para o HM, onde lhe tinha sido amputado o braço esquerdo devido aos ferimentos. Estava ali para ser o futuro comandante do pelotão.
Apesar da deficiência física, era respeitado pelos outros instruendos, também, apesar da diferença, era um óptimo instruendo e um excelente atirador na carreira de tiro. Tinha preferência por uma AK, não sentia a G3 como boa para ele. O caso foi resolvido quando um dia apareceu o Spínola com o Fabião e quiseram saber da evolução do instruendo Fafe Nkumba.
Em conversa falei-lhes na arma. Passado pouco tempo chegou uma AK e respectivas munições.
Procurei falar bastante com o Fafe, saber das condições no mato, como tinha sido tratado para ler-lhe alguns pensamentos.
Não consegui saber muito, falava muito bem comigo, gostava de conversar, mas quanto aqueles assuntos mais importantes, fechava-se em copas.
Constou-se que após a instrução voltou para o PAIGC juntamente com outros instruendos, milicias já na altura.
Penso que a partir de fins de Fev. de 1972, já se encontrava em Bambadinca o batalhão para substituir o do Polidoro, havendo já serviços a serem feitos pelos "periquitos".
Em determinado noite, avisei o oficial de dia "periquito" que tinha uma instrução nocturna nas traseiras da casa do Rendeiro, pelo que teria que avisar o posto de sentinela sobranceiro a essa zona.
Não sei explicar, estava com um pressentimento, pelo que procurei sempre manter-me numa zona iluminada pelos holofotes, para que a minha cor se notasse.
Não adiantou nada. Repentinamente, zumbe uma saraivada de balas por cima das nossas cabeças. Tudo para o chão a gritar "filhos da puta somos nós, milícias"!
Mais uma rajada a passar. O local era fodido, o posto de sentinela lá no alto e nós no fundo da barreira completamente a descoberto. Parece ter passado uma eternidade, até que alguém começou a gritar por nós.
Entrei no quartel com instinto para pregar um tiro em alguém, aparecendo-me o Polidoro que me agarra com vigor. Estava de cabeça perdida, podia ter morrido gente estupidamente. O Alf oficial de dia diz que avisou o sargento de dia, este diz que avisou o sentinela, este ficou com medo ao ver tantos pretos à noite e armados, parecendo fazer manobras de aproximação ao quartel que carregou no gatilho da Breda (?).
Será que houve os avisos, ou alguém se esqueceu?
Em fins de Março de 1972, mais uma cerimónia de encerramento do curso de milícias, sendo que desta vez se cumpriu todo o programa.
Gostei destes seis meses em Bambadinca. Pela primeira vez tinha tido uma flagelação, ligeira, no Xime, em tarde de futebol. Tinha visitado o "buraco" chamado Mato do Cão e, após a reocupação, tinha andado pelas "meninas" de Bafatá.
Ia regressar ao Saltinho e ao PelCaçNat 53, não imaginando os maus tempos que me aguardavam.
Guiné 63/74 - P3188: A guerra estava militarmente perdida? (28): René Pélissier, uma crítica, uma adenda, um ponto final (António Graça de Abreu)
Guiné > Região do Oio > Teixeira Pinto >O António Graça de Abreu, Setembro de 1972.
Guiné > O António Graça de Abreu, "na LDG Alfange com os meus soldados, a caminho de Cufar, Junho de 1973".
Guiné > Região do Oio > O António Graça de Abreu, na estrada Mansoa-Porto Gole.
Guiné > Região Oio > Teixeira Pinto > Meninos em Teixeira Pinto a caminho da escola
Fotos e legendas: António Graça de Abreu
Editor: Virgínio Briote
Meu caros Luís Graça, Briote e Vinhal
Estamos no início de Setembro, 2008. Creio que a poeira das polémicas assentou.
Compreendo que tenham congelado os meus dois textos anteriores, subjacentes a alguma dessa polémica. Não é essa, natural e inteligentemente, a orientação do blogue que vocês com tanto esforço e dedicação têm posto de pé.
Mas peço-vos, por favor, que publiquem agora o meu texto abaixo transcrito. Quanto ao conteúdo, não difere muito das duas versões anteriores que enviei em Julho e vocês, por bem, decidiram não publicar. Na prosa que agora envio, limei todas as arestas que podiam ferir quem quer que fosse. Está um texto escorreito e limpo.
Creiam-me, sempre amigo e disponível,
António Graça de Abreu
2. René Pélissier, uma crítica, uma adenda, um texto final
1972/74)
René Pélissier, em entrevista a Lena Figueiredo, publicada no jornal Diário de Notícias, Artes, de 02.04.07
O meu filho João tem vinte anos e é mais inteligente do que o pai. Quando envio os meus textos para o blogue do Luís Graça, uso o seu computador e o João costuma lê-los. Ele é curioso, procura saber os porquês das coisas da vida. Foi, aos dezoito anos, o meu primeiro leitor do Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura, Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2007, então ainda só na memória do processador de texto.
O meu filho João, tal como os outros filhos, tem tentado entender o que aconteceu ao pai durante a passagem, 1972/74, pelas terras africanas da Guiné Portuguesa/Guiné- Bissau.
Ao enviar o meu último texto para o blogue do Luís Graça, o meu filho João disse-me mais ao menos as seguintes palavras:
“Porque é que tu te continuas a preocupar e a perder tempo com esses gajos da Guiné? Os gajos contam mais de sessenta anos, têm ideias feitas, não é agora que os vais esclarecer ou fazer mudar de opinião.”
O meu João sabe. Por isso me apetece um absoluto silêncio e deixar fluir, longe de mim, algum do desconcerto do mundo.
Mas nas veias, nas artérias, no tutano corre-me sangue e osso português. Se já sou capaz de me sentar, sereno, diante de uma flor de lótus ou de um majestoso pôr-do-sol, a Guiné ainda bole comigo.
Por isso alinho estas palavras.
No nosso blogue Poste 3050, o nosso amigo A. Marques Lopes, diz, como muitos outros camaradas, que pensa em voz alta (I) e assegura “Não entro nessa polémica…” no que à guerra militarmente perdida diz respeito. Depois no Poste 3057, publica uma extensa prosa (II), algo exaltante em relação ao PAIGC, que o Marques Lopes foi buscar, a várias proveniências, mas sobretudo, creio, a textos de 1992 (no blogue aparece Editorial Notícias, 1972 ???), que deram origem à obra inicialmente publicada em fascículos no jornal Diário de Notícias por Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes. Tudo bem.
Desculpem-me, mas neste longo texto cronológico, no que aos anos de 1972/74 diz respeito, não consegui descortinar a derrota militar dos portugueses. Mas há referências a mais três Fiats, que caíram (abatidos pelos mísseis Strella ?) que gostava de ver melhor explicadas. Apenas sabia da queda de um Fiat perto do Morés, em Setembro de 1973 (estava convencido de que por avaria técnica) e sabia que o piloto foi recuperado por dois helicópteros que viram o pára-quedas no ar e o foram buscar ao solo. Está no meu Diário da Guiné, pag. 144.
No primeiro poste do nosso amigo Marques Lopes o visado sou eu, António Graça de Abreu, por isso, peço aos editores do nosso blogue que me concedam o direito de resposta e publiquem este texto que tem tudo menos a intenção de ofender quem quer que seja.
Vamos começar por mim, embora estas coisas sejam menos pessoais do que, à primeira vista, possa parecer.
De início, o A. Marques Lopes, por quem tenho todo o respeito, afirma: “Tenho lido o terçar de razões sobre se a guerra estava perdida ou se podia ser ganha.”
“A guerra perdida”? A guerra que “podia ser ganha”?
A guerra no que à sua natureza política diz respeito? A guerra no que ao político-militar diz respeito? A guerra no que à essência militar do conflito diz respeito? Simplesmente, a guerra? Eu digo e repito:
Nunca escrevi que a guerra podia ser ganha, jamais acreditei que com Spínola e a política da “Guiné melhor” a guerra podia ser ganha. A guerra na Guiné estava politicamente perdida desde o primeiro dia, desde a flagelação a Tite, Janeiro de 1963. A guerra na Guiné também não podia ser militarmente ganha, uma guerra de guerrilha num território como o da Guiné, e com todo o enquadramento geo-político e estratégico que a rodeava, nunca podia ser ganha.
A questão fundamental não é esta, é a “guerra militarmente perdida” em 1973/73, perdida por todos nós, militares, que lá estávamos, no terreno, é a debilidade, a “derrota” das tropas portuguesas, “irremediavelmente batidas” em 1973/74, é o “colapso” das tropas portuguesas na Guiné em 1973/74, é a “superioridade” em armamento do PAIGC, e consequentemente a “inferioridade” e “incapacidade” militar das tropas portuguesas na Guiné 1973/74. Esta é que é a questão fundamental, repito.
No poste 3077, o camarada e amigo A. Marques Lopes acrescenta mais um extenso texto e conclui:
“Eles (PAIGC) continuavam a ter apoios para a sua sobrevivência, em população, alimentação e armamento. E nós não. Acho que não íamos ganhar aquela guerra.”
Concordo com o Marques Lopes quando diz que “não íamos ganhar aquela guerra”, mas não posso deixar de manifestar um certo espanto quando um camarada de armas escreve em Julho de 2008, que em 1971, nos anos do fim da guerra, nós (tropa portuguesa) não tínhamos apoios para a nossa sobrevivência, em população, alimentação e armamento. Até o Aristides Pereira, dirigente do PAIGC, já afirmou em entrevista ao Leopoldo Amado que em 1974 a logística das tropas portuguesa era superior à dos guerrilheiros que faziam das fraquezas forças e então lutavam como heróis.
É por estas razões, por diferentes entendimentos de uma mesma realidade que se têm terçado razões no nosso blogue.
Deixemos a política, a “quinta essência do ultracolonialismo” português do René Pélissier para outros debates. Estamos a falar do que realmente acontecia, da verdade dos factos, ponto VIII do código de conduta do nosso blogue. Aceito naturalmente que muitos dos nossos amigos tertulianos tenham opinião diferente da minha, continuarei a ter-lhes todo o respeito como camaradas de armas. Mas alguns dos argumentos a favor da “guerra militarmente perdida” partem de ideias feitas, desinformação, futurologia e equívocos. Eu sei que não é essa a intenção mas alguns desses argumentos servem para denegrir e rebaixar as tropas portuguesas - todos nós, 1973/74 -, que aguentaram firme, sofreram enormidades e morreram na fase final do conflito na Guiné. E tem sido por estas razões, a verdade dos factos, e não porque acreditasse alguma vez que Portugal ia ganhar aquela guerra, que tenho escrito os meus textos.
No meu Diário da Guiné, pag. 98, escrevi em Mansoa, a 17 de Maio de 1973:
Cresce em mim o respeito pelo sacrifício que os homens da minha geração, e também os mais velhos, oficiais e sargentos do QP, fazem nestas guerras de África. Não aprovo uma linha da política ultramarina de Salazar e Caetano que nos conduziu a estes dilacerantes becos sem saída, a guerra está errada, não é justa, não existe solução militar para o conflito na Guiné. Mas estamos cá, temos de sobreviver. No meio destes homens fardados, oriundos um pouco de todo o Portugal, conheço melhor o meu povo. E amo a terra onde nasci.
Voltemos ao primeiro texto do A. Marques Lopes. Diz o nosso camarada:
"Este livro do António Graça de Abreu, 'Diário da Guiné – Lama, Sangue e Água Pura' é um livro notável.
(…) Acho que o René Pélissier tem razão quando diz dele:
“Um assunto verdadeiramente angustiante é tratado num excelente livro do género ‘memórias de uma derrota anunciada’. Este Diário da Guiné é a via-sacra, a derrota lúcida e frouxa de um exército desmoralizado e ultrapassado. O autor, alferes de Junho de 1972 a Abril de 1974 redigiu a sua obra a partir do seu diário pessoal e dos aerogramas que enviou à família.
"Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar (no sudeste) foram as etapas desta derrocada, à qual assiste sem no entanto participar nas operações pois pertencia à sacrossanta Administração Militar. Graça de Abreu observa a política contestada de Spínola e permanece duvidoso quanto às pretensões do PAIGC em dominar todo o território. (…) Apesar da calma na zona de Teixeira Pinto, as emboscadas na estrada de Bissau intensificam-se. A partir de Fevereiro de 1973, quando chega ao chão balanta, os guerrilheiros encontram-se a 4 ou 5 quilómetros. Os guerrilheiros e o exército português bombardeiam-se à distância mas acotovelam-se no cinema local.
(…) "Em Junho uma parte do batalhão é transferida para Cufar (nas rias do sul), reconquistado por Spínola. À medida que a data da desmobilização se aproxima, a indisciplina dos soldados aumenta. No final de 1973, Cufar e todas as guarnições em redor são bombardeadas pelos 122, 'órgãos de Estaline' do PAICG.”
Fiquemos por aqui na citação do texto de René Péllissier que eu desconhecia, o amigo Marques Lopes leu e agora fez o favor de transcrever, publicado sob o título “Soldados, gorilas, diplomatas e outros literatos” nas páginas 1107 e 1108 da revista Análise Social, vol. XLII (185), 2007.
Primeiro tenho de agradecer quer ao Marques Lopes quer ao Pélissier o juízo de valor sobre o meu Diário da Guiné, “um livro notável” para o primeiro, “um excelente livro” para o segundo.
Vamos ao historiador francês Pélissier. Fala do meu livro como “memórias de uma derrota anunciada”, “a derrota lúcida e frouxa de um exército desmoralizado e ultrapassado.”
O meu Diário da Guiné não é um livro de memórias mas um diário de guerra e nele jamais defendo a tese da derrota militar das tropas portuguesas, porque esta tese era falsa em 1973/74, é falsa em 2008. O que escrevi é que, no final da guerra, a situação no sul da Guiné era complicada e muito difícil para todos nós. O abandono de Guileje possibilitou aos guerrilheiros entrarem e saírem para a Guiné-Conacry com muito mais facilidade e, por exemplo, pela primeira vez, já em Março e Abril de 1974, chegarem até perto de Bedanda com blindados (?) e com viaturas carregadas com toneladas de material de guerra que despejavam sobre os aquartelamentos portugueses na zona. Cadique, Jemberém, Chugué, Cobumba, Bedanda transformaram-se num verdadeiro inferno.
Quer isto dizer que a guerra estava militarmente perdida? Sabem o que é uma guerra, meus amigos e camaradas, sabem qual é a diferença entre a guerra e uma batalha, ou uma sucessão de batalhas? Acho que sim, todos passámos por lá. Mas é natural entendermos uma mesma realidade de modo diferente. Alguns de nós estavam na Guiné, na altura, 1972/74, outros já tinham regressado a Portugal e viviam a guerra à distância, num país de ditadura mole, mas ditadura, onde havia censura, onde éramos mal informados e onde era proibido emitir opiniões sobre o tabu das guerras de África. Por isso eu compreendo os defensores de teses diferentes da minha.
Querem exemplos da importância do abandono de Guileje e da desinformação que em Portugal corria? Leiam o meu Diário da Guiné, em Mansoa, a 28 de Maio de 1973, pag. 106:
“Guileje é um precedente grave. Diz-se por aqui que depois de Guileje outros aquartelamentos se seguirão, irão sendo abandonados, tipo bola de neve e já se fala em começarmos todos a preparar a trouxa para marcharmos para Bissau, a caminho de casa. Não acredito.
(…) "De Lisboa, chegam bocas, deformações, notícias fantásticas: um quartel a vinte quilómetros de Bissau tomado pelo PAIGC, centenas de mortos. Valha-nos Deus!”
No meu Diário da Guiné, ainda em Mansoa, a 18 de Junho de 1973, eu escrevia:
“Um alferes da 38ª. de Comandos regressou agora de férias de Portugal e contou-me que em algumas paredes de Coimbra, a sua terra, aparecera escrito: 'Se tem o seu filho na Guiné, considere-o morto.' Uma frase tremenda. Mas os meus pais, e os pais de quase todos nós, vão ter os filhos vivos de regresso a Portugal.”
No meu Diário da Guiné, já em Cufar, a 27 de Junho de 1973, eu escrevia:
“De Lisboa, contam-me as “bocas” que por lá correm. E “bocas” falsas.
"Fala-se em evacuar da Guiné mulheres e crianças. Mas onde e porquê? É verdade que a população nativa, os africanos das aldeias de Guidage, Guileje e Gadamael, abandonou essas tabancas por causa do perigo nas flagelações constantes do IN. Mas não houve nenhuma evacuação nem sei se tal está previsto pela nossa tropa. Também é verdade que muitos milhares de habitantes da Guiné Portuguesa procuraram fugir à guerra e refugiaram-se quer no Senegal quer na Guiné-Conacry, no entanto esta procura de um lugar mais pacífico para habitar não é novidade, começou há já alguns anos com o agravamento do conflito armado.
"De Lisboa, dizem-me também que o Eng. Vaz Pinto se demitiu de presidente da TAP por causa de um ultimato do PAIGC, mais ou menos nestes termos: se os aviões da TAP voarem para a Guiné, serão abatidos, se transportarem militares dentro da Guiné, também serão atingidos pelos mísseis terra-ar. Ora isto nada tem a ver com as realidades que aqui vivemos. Deve ser invenção.
"Os aviões da TAP vindos de Lisboa e de Cabo Verde entram e saem da Guiné voando sobre as ilhas dos Bijagós e a chamada ilha de Bissau. Com 99,9% de certeza posso garantir que os guerrilheiros não controlam nem têm efectivos militares nessas regiões. São as zonas mais seguras de toda a Guiné. Os aviões da TAP também não fazem qualquer transporte de tropas dentro da Guiné. Os transportes via aérea são assegurados pelos três Nordatlas e pelos dois DC 3 da Força Aérea. Nada têm a ver com a TAP, nem sequer quanto à manutenção. Depois, creio que os homens do PAIGC não estão interessados em atacar aviões civis, grandes ou pequenos. Não atacam os TAGP (Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa) e vão atacar a TAP?... Os TAGP são a linha civil, comercial da Guiné. Têm quatro avionetas Auster de cinco lugares e transportam sobretudo civis. Em Abril e Maio, no período crítico a seguir à queda das cinco aeronaves militares, os TAGP ajudaram na evacuação de feridos porque a Força Aérea Portuguesa não voava. Os pilotos dos TAGP não são suicidas, também voam ou muito alto ou muito baixo, mas as suas avionetas vermelhas e brancas, mais pequenas do que as DOs, são facilmente referenciáveis cá de baixo. Quem sabe se os TAGP, mesmo colaborando com as NT, não são também úteis ao IN?
"Agora em Cufar, volto a lidar diariamente com os pilotos, almoçam comigo, conversamos bastante. Creio estar bem informado do que se passa na Guiné, em termos de aviões.
"Em Portugal, as 'bocas', os boatos são galopantes. Pela ponta de um dedo, toma-se o braço todo."
Depois deste pequeno interregno, regressemos ao fluir da guerra.
Quase todos os mortos e feridos dos dez ou doze aquartelamentos do Tombali e Cantanhez, e das operações militares, tinham de passar pelo aeroporto de Cufar a fim de serem evacuados para Bissau. Em 1973/74 eu assumi muitas vezes o papel de os ir buscar ao porto de Impungueda, no rio Cumbijã, aos hélis, de os levar para a enfermaria de Cufar, de transportar os cadáveres para a capela. Leiam as páginas 199 a 211 do meu livro, está lá tudo bem documentado. Há dois anos, quando passei estas páginas ao computador, os olhos encheram-se-me de lágrimas. A emoção, a raiva, a dor. Era uma guerra injusta a dilacerar o corpo e a alma de todos nós.
Significa isto que a guerra estava militarmente perdida, no terreno, no espaço onde nos movimentávamos? Nesta altura, 73/74 (e nas outras!), apesar do seu razoável poder militar, quantos aquartelamentos conquistou o PAICG no sul da Guiné? Nenhum. E nós entrámos em colapso, deixámos de nos defender e de lutar? Claro que não.
Então mas Guidage e Gadamael, em 1973, não sofreram tormentos, não se contou um extenso rol de mortos? Com certeza, mas não houve uma derrota militar. Apesar dos canhões M-30, dos morteiros 120, -- armas superiores às que possuíamos – mas disparadas a partir de um país estrangeiro, a Guiné-Conacry, quem perdeu a batalha por Guidage e por Gadamael foram os guerrilheiros do PAIGC, que não conseguiram conquistar os aquartelamentos ou forçar o seu abandono, como sucedera em Guileje. Isto apesar do auxílio militar do exército de um país estrangeiro, o da Guiné-Conacry. É esta ou não a verdade dos factos?
Entendem porque é que eu fui buscar as palavras de António Lobo Antunes que diz que os nossos soldados, além de excepcionais “camaradas” eram “duros”? E porque citei Camões “um fraco rei faz fraca a forte gente”. O meu amigo, forte general Manuel Monge, sabe.
Quanto ao “exército desmoralizado e ultrapassado” leiam o que eu escrevi no meu Diário da Guiné, pag. 101, em Mansoa, a 22 de Maio de 1973, já depois de Guidage e dos aviões abatidos pelos mísseis Strella:
“O que tem abalado os portugueses neste último mês é a quase ausência da nossa aviação, o armamento cada vez melhor, em maior quantidade e melhor utilizado pelos guerrilheiros e, acima de tudo, o estado anímico e psíquico da tropa portuguesa. No entanto, continuo a acreditar que esta guerra está longe de se resolver no campo militar e terá, só Deus sabe quando, uma solução negociada, política.
"Creio que continuamos em vantagem sobre os guerrilheiros, dominamos os centros urbanos e as maiores povoações da Guiné, existem aquartelamentos espalhados por todo o território e temos muitos mais militares do que eles.”
Na altura eu já reconhecia que a desmoralização era real, mas não suficiente para perdermos militarmente a guerra.
O Marques Lopes diz no Poste 3050:
“O que me espanta é que, agora, a mais de trinta anos de distância, ele (António Graça de Abreu) tenha as certezas que então não tinha.”
Meu caro A. Marques Lopes, lê o que escrevi no meu Diário da Guiné, pag. 32 e 33, em Teixeira Pinto, a 26 de Julho de 1972:
“Sinto que em Portugal é que o PAIGC vai ganhar a guerra, aqui não a perde e no terreno não a consegue ganhar.
"As NT, as nossas tropas são constituídas por cerca de 35.000 homens, incluindo os negros que combatem do nosso lado. Pensa-se que o IN, o inimigo, os guerrilheiros do PAIGC, conta com cinco a sete mil homens.
"Quem controla todos os centros urbanos, vilas, estradas, aeroportos, rios principais e ilhas da Guiné são os portugueses. O território é pequeno, pouco maior do que o Alentejo e os guerrilheiros nunca estão longe. Têm capacidade para lançar ataques, flagelações, emboscadas, colocar minas um pouco por todo lado, não é difícil movimentarem-se por entre a malha do dispositivo militar português. Todavia é um exagero afirmar-se que dois terços da Guiné estão nas mãos do PAIGC. Só controlam as aldeias escondidas nas florestas, quase sem estradas, onde não existe luz eléctrica, não têm viaturas para se movimentar, não dispõem de meios aéreos, nem de barcos, a não ser canoas. As suas principais bases militares situam-se do outro lado da fronteira, no Senegal e na Guiné-Conacry. Daí partem muitas vezes em acções militares e, cumprido o plano, para lá regressam. As zonas libertadas de que falam corresponderão em termos reais talvez a um terço do território da Guiné. São as tais florestas quase impenetráveis, às vezes circundadas por rios onde só costuma entrar a nossa tropa especial e há logo escaramuças, contactos de fogo. Trata-se de regiões mártires sujeitas a frequentes bombardeamentos da aviação portuguesa. Aí o IN controla a população, há pequenas aldeias, escolas e hospitais, tudo muito primitivo. Algumas das zonas libertadas próximas dos nossos aquartelamentos estão também sujeitas a ser flageladas pela artilharia das NT, temos os obuses 14, uns canhões já antigos (do tempo da 2ª. Guerra Mundial?) que disparam uns projécteis de todo o tamanho, por exemplo, sobre a Caboiana, a zona libertada aqui a norte onde os guerrilheiros instalaram uma das suas maiores bases dentro da Guiné, com defesas montadas em quadrado, cerca de trezentos combatentes e três mil elementos da população. Os canhões têm um alcance de dez a doze quilómetros, os nossos artilheiros calculam o local onde se abrigam os elementos IN e bombardeiam em diferentes períodos do dia. Do Bachile são disparados em média quinze tiros sobre a Caboiana, diariamente, do Cacheu são disparados outros quinze. Cada projéctil pesa cinquenta quilos e custa dois contos e quinhentos, o salário normal de um mês de trabalho de um cidadão em Portugal.
"As populações das zonas libertadas vivem em condições deploráveis, numa insegurança constante, os tiros de canhão, os bombardeamentos aéreos acertam por vezes nas suas aldeias".
A 2 de Agosto de 1972, em Teixeira Pinto, eu escrevia no Diário, pag. 36.
"Quase ainda não saí para o mato mas já deu para entender, no local, que bastam quatro ou cinco negros armados de bazuca, lança-granadas ou coisa parecida, escondidos atrás de umas palmeiras para, com pontaria e sorte, fazerem estragos numa coluna das NT. Uma dúzia de guerrilheiros é suficiente para lançar umas bazucadas e granadas de morteiro 60 ou 80 sobre um aquartelamento nosso e, com sorte e mira afinada, provocar estragos. Também não seria muito difícil colocar bombas em Canchungo (Teixeira Pinto) ou em Bissau, como na nossa terra fazem a ARA e as Brigadas Revolucionárias. Ainda não acontece, poderá vir a acontecer.
"Será que os homens do PAIGC estão cansados, após anos e anos de privações de toda a espécie? No chão manjaco e noutras zonas da Guiné, o controle – sempre relativo -- das populações e muitas das iniciativas de operações pertencem aos portugueses. Os guerrilheiros, às vezes pelo fresquinho da noite, vêm por aí abaixo e lançam um original fogo de artifício sobre os nossos aquartelamentos, raramente provocam baixas nas NT. Depois regressam, lestos e lampeiros, às zonas libertadas.
"Em termos militares, não têm força para ganhar a guerra, isto é um conflito prolongado com uma solução militar tão a longo prazo que o mais valente – IN ou NT – desanima".
O que escrevi há trinta e seis anos atrás não difere quase nada do que tenho escrito e defendido neste blogue nos últimos meses. E segundo Marques Lopes e René Pélissier, o meu Diário da Guiné é “um livro notável, um “excelente livro”. Onde é que está no meu livro aquilo a que Pélissier chama “derrota anunciada”, a “derrota lúcida e frouxa de um exército”?
Regressemos ao texto do René Pélissier.
Diz o francês que eu assisti à “derrocada”, sem participar nas operações porque “pertencia à sacrossanta Administração Militar.” É verdade que eu tinha uma secretaria num Comando de Operações e, por bênção de Deus, nunca precisei de disparar contra os meus irmãos negros do PAICG. Quanto ao resto, basta ler o meu Diário, “um excelente livro” - segundo Pélissier - , basta ler os textos sobre os meus últimos onze meses em Cufar, 73/74, para entender a que “sacrossanta Administração Militar” eu pertencia.
Depois Pélissier diz que eu permaneço “duvidoso quanto às pretensões do PAIGC em dominar todo o território.” Na altura eu não tinha muitas dúvidas, hoje tenho ainda menos, o PAIGC nunca controlou mais do que um terço do território da Guiné, controlavam uma população que nunca ultrapassou as 50.000 almas, enquanto na restante Guiné, à sombra da bandeira portuguesa (gostemos ou não, era assim que acontecia!) viviam quase 500.000 guineenses. Até os relatórios da CIA, os serviços secretos norte-americanos, já em 73/74, comprovam o que acabo de afirmar. Esta é a verdade, por muitos mapas coloridos que agora nos queiram mostrar.
Depois, também fiquei a saber pelo texto do francês Pélissier que “na zona de Teixeira Pinto as emboscadas na estrada para Bissau intensificam-se”. Não leu isto no meu Diário, limitou-se a inventar. René Pelissier é autor de uma História da Guiné, antes da luta de libertação e de vários trabalhos sobre o ultramar português. Deveria ter mais respeito pela História que se constrói com a verdade dos factos.
O que descrevi no meu livro, “excelente”, segundo Pélissier, na pag. 62, foi a emboscada de 31 de Outubro de 1972, entre Pelundo e Có. A coluna entre Teixeira Pinto e Bissau, com uma média de sessenta viaturas, realizava-se todas as terças e sextas e não era atacada há quase dois anos. Corrijam-me se estou enganado. Tanto quanto sei, depois de 1972, não foi mais atacada. E já agora, para os meus caros amigos tertulianos terem uma ideia de como é fácil inverter por completo os factos e daí falsificar a História, nessa emboscada, centrada em apenas cinco viaturas num total de cinquenta, houve alguns feridos NT, mas não morreu ninguém. Rapidamente chegaram os helicópteros de Bissau, o hélicanhão perseguiu e metralhou os guerrilheiros provocando-lhes meia dúzia de mortos. Nestas “emboscadas na estrada para Bissau (que) se intensificaram”, segundo afirma Pélissier que apenas conhece uma, a que descrevo no meu livro, os derrotados foram os combatentes do PAIGC.
Estão ou não estão a ver, meus caros amigos e tertulianos como é fácil falsificar a História, virando os factos ao contrário, colocando-os de pernas para o ar?
A propósito desta emboscada, no meu Diário, na mesma página 62, digo:
“ Foi então abatido um guerrilheiro que veio de heli para aqui (Teixeira Pinto). Eu sabia que havia feridos e lá estava na pista. O fuzileiro do PAIGC chegou ainda vivo, com o uniforme azul manchado de sangue e um estilhaço na cabeça, de bala de helicanhão. O médico e um furriel enfermeiro fizeram-lhe massagens no coração que de nada valeram, o homem morreu ali. Foi o primeiro guerrilheiro que vi, e logo agonizando numa maca de lona.”
Agora também fui informado pelo René Pélissier, de que em Mansoa, em 1973, “guerrilheiros e exército português bombardeiam-se à distância, mas acotovelam-se no cinema local.” Vivi em Mansoa entre Fevereiro de 1973 e Junho de 1973, durante esses meses nunca tive o prazer de ser bombardeado pelos guerrilheiros – a vila não sofreu nenhuma flagelação -- e tive o desprazer de ver, e sobretudo ouvir, centenas e centenas de granadas de obus 14 (tínhamos três obuses no aquartelamento!) a serem, dia após dia, disparadas sobre o Morés e zonas em redor. Quanto a acotovelarmo-nos mutuamente no cinema, Pélissier também está enganado. O cinema de Mansoa era um espaço ao ar livre, num rinque de patinagem com bancadas à volta. Sobravam sempre imensos lugares, ninguém acotovelava ninguém. Não garanto que um qualquer guerrilheiro anónimo, à civil, não aparecesse lá pelo cinema. No Morés, no Oio, no Sara que filmes é que eles viam?
René Pélissier também explica no seu texto que “em Junho (de 1973), uma parte do batalhão do autor (António Graça de Abreu) é tranferida para Cufar nas rias do sul, reconquistado por Spínola.” Ora eu pertencia a um Comando de Operações, éramos trinta e poucos homens, no total. Qual batalhão? Para o sul, Cufar, fomos transferidos o major Mário Malaquias, eu próprio, o furriel Vitor Henriques e mais quinze soldados. Pélissier aproveita ainda para mostrar os seus conhecimentos e afirma que “Cufar (…) foi reconquistado por Spínola”. Cada cavadela, cada minhoca, cada frase, cada incorrecção. Cufar foi um importante aquartelamento no sul, criado em 1964. Desde então, sempre teve tropas portuguesas em permanência. O nosso Mário Fitas esteve lá em 1965/66, sabe muito sobre Cufar.
Já estou cansado de desmontar o texto do historiador francês, a prosa que agradou ao nosso Marques Lopes que afirma, no poste 3050 “Acho que o René Pélissier tem razão.” Com todo o respeito pelo Marques Lopes, eu, António Graça de Abreu, acho que o Pélissier não tem razão.
Para concluir, uma última adenda.
No seu comentário ao meu Diário da Guiné, Pélissier diz: “No final de 1973, Cufar e todas as guarnições em redor são bombardeadas pelos 122, ‘órgãos Estaline’”.
“No final de 1973”? Pélissier não sabe que, no total, foram disparados centenas e centenas de foguetões 122 sobre os aquartelamentos do sul, ao longo de todos os meses de 1972, de todos os meses de 1973, até Abril de 1974, quase sempre sem consequências para as nossas tropas? É preciso render justiça aos guerrilheiros do PAIGC. Lutaram, combateram heroicamente, morreram pela sua Pátria, a Guiné-Bissau.
Só Cufar, entre 23 de Outubro de 1972 e 23 de Dezembro de 1972, ou seja no espaço de dois meses, foi flagelada 26 (vinte seis!) vezes. Deveriam ter arrasado tudo. Não, não só não arrasaram nada como, para além de alguns incêndios em tabancas, não morreu ninguém. Já expliquei aqui que a companhia de caçadores 4740, em Cufar 1972/1974, não teve um único morto em combate, em flagelações, emboscadas, minas. E passaram por tudo isso. Tiveram muita sorte, é verdade, mas também é muito verdade que o poder militar e a eficácia dos guerrilheiros do PAIGC era muito menor do que defendem hoje algumas pessoas.
De registar, por fim, a confusão que Pélissier também faz entre foguetões 122 e os “órgãos Estaline”. Eram armas diferentes.
Creio que é a última vez que me debruço sobre estes temas. Isto não é uma polémica infindável, do género cada cabeça, cada sentença. Como diz o meu filho João “esses gajos da Guiné contam mais de sessenta anos, têm ideias feitas, não é agora que os vais esclarecer ou fazer mudar de opinião.”
Que cada um fique com as suas verdades. A mim, testemunha e actor nesses anos de 73/74, num comando de operações em três regiões diferentes (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar) no norte, centro e sul da Guiné, interessa-me a verdade dos factos. É isso que creio, também deve interessar a todos nós. Para saber quem fomos, para saber quem somos.
De resto, repito, a norma de conduta número VIII, do nosso blogue é “o respeito absoluto pela verdade dos factos.”
Os portugueses não foram militarmente derrotados, não se registou nenhum colapso militar, não saímos da Guiné de calças na mão.
S. Miguel de Alcainça, 30 de Agosto de 2008
Ano do Rato
António Graça de Abreu
3. Comentário de L.G.:
Meu caro António:
Li, com atenção e vagar, o teu texto, já publicado depois de receber o OK do Virgínio Briote, que é quem esta(va) com este pelouro, e a quem está atribuído o tratamento das tuas últimas mensagens... Fiz questão de apor esta pequena nota, pessoal, uma vez que o fundador e editor do blogue, Luís Graça, andou aparentemente alheado desta polémica que foi muito rica, calorosa, às vezes quente, mas quase sempre intelectualmente elevada...
Com referência a esta tua "versão final", agradeço muito a tua compreensão, e sobretudo o teu bom senso e bom gosto, a tua capacidade de entender e aplicar, com superior qualidade, as nossas dez regras do bom viver... De facto, não precisamos de aniquilar, destruir, ridicularizar ou achincalhar os outros para impor o nosso ponto de vista... Nem sequer precisamos de impor o nosso ponto de vista... Basta-nos saber defendê-lo, com galhardia, coragem e inteligência... Creio que foi o que fizeste... e bem.
Quanto ao resto, estou de acordo com o teu filho: Estes gajos (os velhos camaradas da Guiné, com as suas ideias feitas, as seus pesadelos, os seus sentimentos e ressentimentos...) já não mudam, já não estão em idade de mudar... E sabes porquê ? Por que toda a mudança é dolorosa, implica desaprender (o que é velho e aparentemente errado...) e aprender algo de novo (que pode ser uma outra versão da realidade, outros conceitos, outros conteúdos e continentes)...
Por outro lado, nenhum de nós, nem tu nem eu nem os restantes camaradas, temos o monopólio da verdade, muito menos o monopólio das memórias da guerra que fizemos no TO da Guiné. muito menos ainda o monopólio dos afectos por Portugal e a Guiné, países que, embora estando nossos corações, não nos pertencem... pelo menos em exclusivo.
Vimos e vivemos a guerra com os "óculos", as grelhas de leitura da época. Alguns de nós estavam mais infomados, mais lidos, tinham o privilégio da cultura, eram mais críticos, etc.. Mas todos eramos sensíveis à guerra, com os seus horrores, com o seu rol de destruição, morte, dor e sofrimento, de parte a parte... Nenhum de nós, individualmente, estava disposto a morrer por uma pátria que dificilmente reconhecíamos no chão fula, no chão balanta, no chão manjaco, etc., ou seja, nessa manta de retalhos e nesse território artificial, disputado e desenhado a régua e esquadro pelas potências coloniais europeias, que era a então província portuguesa da Guiné... Todos contámos, dia a dia, risco a risco, pauzinho a pauzinho, o tempo que nos faltava para a peluda... Não se infira daqui que eu defendo a tese de a guerra estava militarmente perdida... Posta sob a forma interrogativa, acho que é uma falsa questão... E eu, que ensino metodologia de investigação, costumo dizer aos meus alunos que nada pior do que uma má pergunta, por que só pode dar origem a uma má resposta...
Hoje estamos a (re)ver e a (re)viver essa dura realidade, também já com outros olhos, outros "óculos", outras grelhas de leitura do real... Ganhámos todos em sabedoria, tolerância, distância afectiva, humanidade... Onde estão os feros guerreiros de então ? Onde estão as certezas da nossa juventude ? Tudo mudou, nós mudámos... Hoje somos pais e avôs babados...
Devemos defender as nossas convicções... e não podemos deixar cair a nossa autoestima... Eu percebo que é duro, para nós, antigos antigos combantes, ler alguém que nos vem dizer que os nossos dois anos na Guiné foram um sacrifício completamente inútil e inglório, que a guerra estava irremediavelmente perdida, etc., etc. Mesmo que isso fosse verdade (e não é), seria sempre duro de engolir. Daí a onda de reacções em cadeia que esta polémica assumiu...
Só tenho pena que tenhamos caído, uma vez por outra, na tentação (fratricida) de, no calor da luta, puxar pela G3... Ainda houve alguns estilhaços que feriram - espero que ligeiramente - alguns de nós... Num caso ou noutro pisámos o risco, ultrapassámos a marca, excedemo-nos, não nos comportaámos como camaradas... Mas no final, ganhámos todos com a experiência deste debate... Sobrevivemos e reforçámos os laços que nos unem na Tabanca Grande.
Não considero (e, muito menos, declaro) encerrado o debate (até por que o Virgínio Briote ainda tem um ou outro texto pendente, a começar pelo resto do escrito do A. Marques Lopes), mas eu preferiria que o nosso blogue fosse mais de experiências, vivências, histórias de vida, de recolha de dados, de pesquisa, do que de opiniões, de análises históricas, de temas e debates, de polémicas, por muito interessantes, respeitáveis e necessárias que elas sejam... Aliás, poder-se-á criar um blogue só para esse efeito: a blogosfera está recheada de blogues que cultivam a polémica, o confronto (viril) de pontos de vista, e em muitos casos até o pugilato, a traulitada, etc. Mas não foi essa a minha intenção ao criar o nosso blogue, que começou por se chamar Blogueforanada e depois blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné...
António: Desejo-te a continuação de um Bom Ano do Rato. Dá os parabéns ao teu rapaz. Um abraço caloroso do Luís Graça e dos seus queridos co-editores, CV e VB.
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Notas de vb:
(*) Vd. últimos postes desta série:
21 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3077: A Guerra estava militarmente perdida (27)? Reacções a nível internacional. Os efectivos das NT (A. Marques Lopes)
13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3057: A Guerra estava militarmente perdida? A situação político-militar na Guiné (26) (A. Marques Lopes)
12 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3050: A Guerra estava militarmente perdida? (25). Vou pensando em voz alta (I) (A. Marques Lopes)
9 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3042: A Guerra estava militarmente perdida? (24). Comentário do J. Mexia Alves.
30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3002: A Guerra estava militarmente perdida? (23). Comentário do Cor Amaro Bernardo.
19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2966: A guerra estava militarmente perdida? (22): Comentário de um Quadro Guineense no Exterior (Anónimo)
19 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2964: A guerra estava militarmente perdida? (21): A Guerra estava militarmente perdida. Por mim, final da polémica (Mário Beja Santos)
19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2962: A guerra estava militarmente perdida? (20):Um Fraco Rei Faz Fraca a Forte Gente (António Graça de Abreu)