Portugal > s/l, algures, > de Setembro de 2005 > Um reencontro de velhos camaradas, militares portugueses que estiveram na Guiné, tendo participado na Op Tridente (Ilha do Como, de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964)... Quarenta anos depois... Alguns dos bravos da mítica batalha do Como... Entre eles, está o nosso Mário Dias (o segundo, a contar da direita). ... Já agora aqui fica a legenda completa (Os postos, referentes a cada um, são os que tinham à época dos acontecimentos): Da esquerda para a direita: (a) sold João Firmino Martins Correia; (b) 1º cabo Marcelino da Mata (hoje tenente-coronel, na situação de reforma); (c) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo; (d) fur mil António M. Vassalo Miranda; (e) fur mil Mário Fernando Roseira Dias (hoje sargento na reforma); (f) sold Joaquim Trindade Cavaco.
Foto (e legenda): © Mário Dias (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
Angola > Luanda > 1963 (?) > Em primeiro plano, o fur mil 'comando' Mário Dias, em segundo plano, da esquerda para a direita, o fur mil Artur Pereira Pires, o sold Adulai Jaló e o alf mil Justino Coelho Godinho (estes três últimos já falecidos). No aeroporto de Luanda à espera de transporte para o QG / CTIG. O primeiro grupo de Comandos do CTIG, sob o comando do alf mil Saraiva, particpou na Op Tridente (jan-mar de 1964).
Foto cedida por Vassalo Miranda, ex-fur mil, Gr Cmds ‘Panteras’
Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
Guiné-Bissau > Bissau > 2001 > A catedral de Bissau símbolo do catolicismo, que sempre teve fraca penetração num país em que predominam o islamismos e o animismo.
Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de Mário Dias
(i) Mário [Fernando Roseira] Dias [, foto de 2005, à direita]
(ii) nasceu em 1937 em Lamego;
(iii) foi pra a Guiné, com a família, em 1952, ainda adolescente;
(iv) assistiu à modernização e crescimento de Bissau, capital da Província desde 1943;
(vi) conheceu, entre outros futuros dirigentes e combatentes do PAIGC, Domingos Ramos, de que se vai tornar amigo, na recruta e depois no 1º Curso de Sargentos Milicianos [CSM], que se realizou na Guiné, em 1959;
(vii) com o posto de fur mil, partiu, em 29 de outubro de 1963, para Angola, integrando num grupo de Oficiais, Sargento e Praças, do CTIG, a fim de frequentarem um curso de Comandos, no CI 16 na Quibala - Norte, e on se incluía o major inf Correia Diniz; alf mil Maurício Saraiva; alf mil Justino Godinho, 2º srgt Gil Roseira Dias, fur mil cav Artur Pereira Pires, fur mil cav António Vassalo Miranda, 1.º cano at inf Abdulai Queta Jamanca e Sold. At. Inf.ª Adulai Jaló.
(viii) este grupo esteve na origem da criação, em julho de 1965, da Companhia de Comandos do CTIG (CCmds/CTIG), tendo sido nomeado seu comandante o cap art Nuno Rubim, substituído em 20 de fevereiro de 1966 pelo cap art Garcia Leandro;
(ix) em 1966, seguiu para Angola, onde prestou serviço, seguindo a carreira militar.
(x) depois de reformado dedicou-se à música: dotado de grande sensibilidade e talentos artísticos, é mais conhecido por M. Roseira Dias, no meio musical, é autor de inúmeros arranjos musicais de canções populares a açoriana Olhos Negros, e tantas outras que por aí circulam em Portugal e no Brasil: são e dezenas e dezenas de arranjos para coro, saídos do talento musical do nosso camarada: por exemplo, Granada, de Agustin Lara; Minha História, de Chico Buarque; Morte que mataste lira (Popular, Açores); Natal de Évora (Popular); Lembranças do Douro (Folclore do Alto Douro); Perdigão perdeu a pena (Cancioneiro da Alta Estremadura); Tempo suão (Cancioneiro da Alta Estremadura)... Mas não só arranjos como músicas orignais: por exemplo, Dança do vento (poema de Afonso Lopes Vieira); Regresso ao lar (poema de Guerra Junqueira); Cantiga das tristes queixas (poema de Afonso Lopes Vieira)...só para citar uns tantos exemplos.
Escreveu ele na altura, nas proximidades do Natal de 2005 (*):
(...) Aqui vai, não propriamente uma estória, mas o que poderemos chamar uma crónica ou memória de como era celebrado o Natal pelos rapazes (nunca vi raparigas a participar) de Bissau.
Caros camaradas de tertúlia:
Tintim, tintim, tintim,… “Bom festa pa tudo dgenti. Prança Deus bó iangaça tudo quê que bó misti”
Traduzo, ou não é preciso? Então lá vai: Boas-festas para todos. Queira Deus que alcanceis tudo quanto desejais.
Mário Dias
Nota do editor: Achámos por bem reproduzir aqui, hoje, esta sua descrição do Natal de Bissau de 1952. É reveladora da sua grande sensibilidade socioantropológica. Com votos de bom ano de 2019 e um alfabravo fraterno ao Mário, que é dos um membros da nossa Tabanca Grande, da primeira hora. Muitos dos mais recentes grã-tabanqueiros nunca tiveram oportunidade de ler os seus notáveis textos (como por exemplo as crónicas da Op Tridente, 1964 ou as "memórias do antigamente" de Bissau ou "o segredo"..., o seu reencontro no mato com o amigo Domingos Ramos...)
2. Memória dos lugares > O Natal de Bissau nos tempos do "antigamente"
Tinha 15 anos no tempo já distante de 1952. Ia passar o meu primeiro Natal em Bissau (**) e nem calculava, nesses meus verdes anos, quão verdadeiro é o ditado popular: “cada terra com seu uso; cada roca com seu fuso”.
Em casa de meus pais, reunida a família para celebrar a consoada, comecei a escutar na rua sons e cantigas que me eram de todo estranhas, bem diferentes das que, em Portugal, celebravam o Natal. Curioso, vim à varanda e deparei com um cenário que me encantou de tal forma que ainda hoje dele me recordo com muita saudade.
Toda a rua onde morava (ia dar à avenida principal, perto do cinema da UDIB) era um mar de luzinhas e de sincopados sons. Não resisti e fui ver. Não queria perder o espectáculo para mim novo e bem longe do que poderia imaginar pudesse existir.
Grupos de 3 ou 4 crianças, transportavam pequenas casas feitas com armações de finas tiras de cana ou material semelhante revestidas com papel de seda de várias cores. Com um coto de vela aceso no seu interior, resplandeciam como se de vitrais se tratasse. E como havia algumas tão bem construídas e belas!... A catedral de Bissau, a casa do governador, o edifício da Administração Civil, ou simples casas saídas da fértil fantasia do seu construtor.
Também havia quem desse asas à criatividade e aparecesse com navios, aviões e de quanto a imaginação fosse capaz.
Iam parando em cada casa, ora à porta quando situada ao rés do passeio, ora penetrando nos pequenos jardins das mais recuadas, e um deles, portador de uma garrafa vazia e de um pequeno ponteiro de ferro batia o ritmo: tintim, tintim. tintim…
Então, ao compasso que o “tocador de garrafa” ordenava, todos rompiam nesta cantilena: (por sinal bem afinados)
S. José, sagrada nha Maria,
e quando foi, quando foi para Belém,
a resgatar o Menino de Jesus,
lá ao pé, lá ao pé da santa cruz.
(refrão)
Adoro mistério sobrinho da minha alma (1)
sobrinho da minha alma louva o Senhor.
Coração Santo todo ruminado
Todo vez em quando sempre a chorar
ai, ai, ai de vez em quando sempre a chorar,
ai, ai, ai de vez em quando sempre a chorar. (2)
O Angelino, Angelino já morreu,
e não queria confessar senão do Papa,
e nem do Papa nem do Bispo confessou
para nos dar boas-festas boa sorte. (3)
(repetiam o refrão)
Terminada a cantilena, dirigindo-se aos donos da casa, soltavam o inevitável “partim festa” (dê-nos as festas), querendo com isso pedir dinheiro ou algo que lhes fosse útil. Um deles estendia a mão para o donativo que sempre surgia e enquanto iam a caminho de outra casa algum perguntava:
- Kanto qui dá-bo? (quanto te deu)
- Dôs peso e meio.
- Esse i bom branco.
Desta maneira corriam todas as ruas de Bissau, visitando as casas ou abordando quem passava nas ruas:
- Partim festa.
- Kanto que dá-bo?
- Só cinco patacon (20 centavos)
- Bé… rijo mon (bolas…que avarento)
Intercalados, outros grupos diferentes surgiam. Eram os rapazes do “Kinkon”. Traziam também uma garrafa para marcar o ritmo, (tintim, tintim, tintim,) mas o “chamariz” apelativo ao “partim festa” era outro. Um boneco recortado em papelão, com braços e pernas articuladas por um engenhoso sistema de cordéis e montado numa vara, era transportado por um dos miúdos que o fazia movimentar ao ritmo da batida na garrafa “tintim, tintim, tintim”.
O portador do boneco atirava:
- Kinkon, kinkon.
Respondiam os outros em coro:
- Rabada di kon.
De novo o líder:
- Kinkon, Kinkon.
Resposta do coro:
- Nariz di Kon.
E sempre alternando, líder e coro iam acrescentando à cega-rega diversas partes do corpo:
Kinkon, kinkon,
Cabeça di Kon.
Kinkin, kinkon,
Orelha di Kon.
Por vezes, os mais ousados lançavam alusões a partes anatómicas menos próprias. Alguns dos companheiros riam-se, outros não gostavam e protestavam:
-Abó ka t’a burgonho (tu não tens vergonha).
Mantinham a cantilena o tempo necessário a que alguém viesse oferecer as desejadas “festas” e seguiam para outro lado.
Por ali me quedava embevecido, admirando estas encantadoras cenas tão inesperadas e atraentes.
E por ter ficado de tal forma apaixonado com tão extraordinária tradição, todos os anos, mal se aproximava o Natal, não continha em mim a ânsia da sua rápida chegada, para mais uma vez veras crianças de Bissau, vindas do Chão Papel, Alto do Crim, Cupilon, Gã Beafada, Santa Luzia e outros bairros, inundarem as ruas com as suas casinhas luminosas ou com os “kinkons” articulados e garrafas para marcar o ritmo:
…tintim, tintim… São José, sagrada nha Maria…
…tintim, tintim… Kinkon, kinkon,… rabada di kon…
Certamente que muitos dos que passaram por Bissau assistiram a esta tradição e dela se devem recordar. Quanto a mim, já passaram mais de 50 anos e ela continua tão viva na minha memória que, quando chega o Natal, dou por mim a cantarolar aquela lenga-lenga e nos meus ouvidos ecoa o “tintim, tintim”. Involuntariamente sinto-me transportado ao passado e perante mim desfila, com toda nitidez e riqueza de pormenores, o encanto de cores e de sons que os rapazes de Bissau me proporcionavam.
Falando há tempos com um amigo que lá esteve recentemente, por ele fui informado que esse costume se perdeu e que as actuais gerações nem o conhecem. Se assim for, é pena. Nenhum povo deve esquecer e, menos ainda, menosprezar as sua tradições.
Caros amigos guineenses: Vamos restaurar esta tão bela tradição?
Torna-se talvez conveniente explicar o significado da cantiga que, como devem ter reparado, não é crioulo. É pretensamente cantada em português, com versos de cânticos religiosos que os rapazes, na sua ingenuidade deturparam.
Notas do autor:
(1) “Adoro o mistério sobrinho da minha alma…” corresponde a: “Adoro o mistério sublime da minha alma…”
(2) “Coração santo todo ruminado, todo vez em quando, sempre a chorar” é do cântico “coração santo, tu reinarás, o nosso encanto, sempre serás”.
(3) Quanto a esta alusão ao tal Angelino, nunca consegui saber do que se trataria.
(**) Último poste da série > 1 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19062: Memória dos lugares (381): Bigene, na fronteira com o Senegal... Foi lá que fomos render a CART 3329, em outubro de 1972, antes de ir parar ao Cantanhez (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar, Nhacra, 1972/74)
Escreveu ele na altura, nas proximidades do Natal de 2005 (*):
(...) Aqui vai, não propriamente uma estória, mas o que poderemos chamar uma crónica ou memória de como era celebrado o Natal pelos rapazes (nunca vi raparigas a participar) de Bissau.
Caros camaradas de tertúlia:
Tintim, tintim, tintim,… “Bom festa pa tudo dgenti. Prança Deus bó iangaça tudo quê que bó misti”
Traduzo, ou não é preciso? Então lá vai: Boas-festas para todos. Queira Deus que alcanceis tudo quanto desejais.
Mário Dias
Nota do editor: Achámos por bem reproduzir aqui, hoje, esta sua descrição do Natal de Bissau de 1952. É reveladora da sua grande sensibilidade socioantropológica. Com votos de bom ano de 2019 e um alfabravo fraterno ao Mário, que é dos um membros da nossa Tabanca Grande, da primeira hora. Muitos dos mais recentes grã-tabanqueiros nunca tiveram oportunidade de ler os seus notáveis textos (como por exemplo as crónicas da Op Tridente, 1964 ou as "memórias do antigamente" de Bissau ou "o segredo"..., o seu reencontro no mato com o amigo Domingos Ramos...)
2. Memória dos lugares > O Natal de Bissau nos tempos do "antigamente"
por Mário Dias
Tinha 15 anos no tempo já distante de 1952. Ia passar o meu primeiro Natal em Bissau (**) e nem calculava, nesses meus verdes anos, quão verdadeiro é o ditado popular: “cada terra com seu uso; cada roca com seu fuso”.
Em casa de meus pais, reunida a família para celebrar a consoada, comecei a escutar na rua sons e cantigas que me eram de todo estranhas, bem diferentes das que, em Portugal, celebravam o Natal. Curioso, vim à varanda e deparei com um cenário que me encantou de tal forma que ainda hoje dele me recordo com muita saudade.
Toda a rua onde morava (ia dar à avenida principal, perto do cinema da UDIB) era um mar de luzinhas e de sincopados sons. Não resisti e fui ver. Não queria perder o espectáculo para mim novo e bem longe do que poderia imaginar pudesse existir.
Grupos de 3 ou 4 crianças, transportavam pequenas casas feitas com armações de finas tiras de cana ou material semelhante revestidas com papel de seda de várias cores. Com um coto de vela aceso no seu interior, resplandeciam como se de vitrais se tratasse. E como havia algumas tão bem construídas e belas!... A catedral de Bissau, a casa do governador, o edifício da Administração Civil, ou simples casas saídas da fértil fantasia do seu construtor.
Também havia quem desse asas à criatividade e aparecesse com navios, aviões e de quanto a imaginação fosse capaz.
Iam parando em cada casa, ora à porta quando situada ao rés do passeio, ora penetrando nos pequenos jardins das mais recuadas, e um deles, portador de uma garrafa vazia e de um pequeno ponteiro de ferro batia o ritmo: tintim, tintim. tintim…
Então, ao compasso que o “tocador de garrafa” ordenava, todos rompiam nesta cantilena: (por sinal bem afinados)
S. José, sagrada nha Maria,
e quando foi, quando foi para Belém,
a resgatar o Menino de Jesus,
lá ao pé, lá ao pé da santa cruz.
(refrão)
Adoro mistério sobrinho da minha alma (1)
sobrinho da minha alma louva o Senhor.
Coração Santo todo ruminado
Todo vez em quando sempre a chorar
ai, ai, ai de vez em quando sempre a chorar,
ai, ai, ai de vez em quando sempre a chorar. (2)
O Angelino, Angelino já morreu,
e não queria confessar senão do Papa,
e nem do Papa nem do Bispo confessou
para nos dar boas-festas boa sorte. (3)
(repetiam o refrão)
Terminada a cantilena, dirigindo-se aos donos da casa, soltavam o inevitável “partim festa” (dê-nos as festas), querendo com isso pedir dinheiro ou algo que lhes fosse útil. Um deles estendia a mão para o donativo que sempre surgia e enquanto iam a caminho de outra casa algum perguntava:
- Kanto qui dá-bo? (quanto te deu)
- Dôs peso e meio.
- Esse i bom branco.
Desta maneira corriam todas as ruas de Bissau, visitando as casas ou abordando quem passava nas ruas:
- Partim festa.
- Kanto que dá-bo?
- Só cinco patacon (20 centavos)
- Bé… rijo mon (bolas…que avarento)
Intercalados, outros grupos diferentes surgiam. Eram os rapazes do “Kinkon”. Traziam também uma garrafa para marcar o ritmo, (tintim, tintim, tintim,) mas o “chamariz” apelativo ao “partim festa” era outro. Um boneco recortado em papelão, com braços e pernas articuladas por um engenhoso sistema de cordéis e montado numa vara, era transportado por um dos miúdos que o fazia movimentar ao ritmo da batida na garrafa “tintim, tintim, tintim”.
O portador do boneco atirava:
- Kinkon, kinkon.
Respondiam os outros em coro:
- Rabada di kon.
De novo o líder:
- Kinkon, Kinkon.
Resposta do coro:
- Nariz di Kon.
E sempre alternando, líder e coro iam acrescentando à cega-rega diversas partes do corpo:
Kinkon, kinkon,
Cabeça di Kon.
Kinkin, kinkon,
Orelha di Kon.
Por vezes, os mais ousados lançavam alusões a partes anatómicas menos próprias. Alguns dos companheiros riam-se, outros não gostavam e protestavam:
-Abó ka t’a burgonho (tu não tens vergonha).
Mantinham a cantilena o tempo necessário a que alguém viesse oferecer as desejadas “festas” e seguiam para outro lado.
Por ali me quedava embevecido, admirando estas encantadoras cenas tão inesperadas e atraentes.
E por ter ficado de tal forma apaixonado com tão extraordinária tradição, todos os anos, mal se aproximava o Natal, não continha em mim a ânsia da sua rápida chegada, para mais uma vez veras crianças de Bissau, vindas do Chão Papel, Alto do Crim, Cupilon, Gã Beafada, Santa Luzia e outros bairros, inundarem as ruas com as suas casinhas luminosas ou com os “kinkons” articulados e garrafas para marcar o ritmo:
…tintim, tintim… São José, sagrada nha Maria…
…tintim, tintim… Kinkon, kinkon,… rabada di kon…
Certamente que muitos dos que passaram por Bissau assistiram a esta tradição e dela se devem recordar. Quanto a mim, já passaram mais de 50 anos e ela continua tão viva na minha memória que, quando chega o Natal, dou por mim a cantarolar aquela lenga-lenga e nos meus ouvidos ecoa o “tintim, tintim”. Involuntariamente sinto-me transportado ao passado e perante mim desfila, com toda nitidez e riqueza de pormenores, o encanto de cores e de sons que os rapazes de Bissau me proporcionavam.
Falando há tempos com um amigo que lá esteve recentemente, por ele fui informado que esse costume se perdeu e que as actuais gerações nem o conhecem. Se assim for, é pena. Nenhum povo deve esquecer e, menos ainda, menosprezar as sua tradições.
Caros amigos guineenses: Vamos restaurar esta tão bela tradição?
Torna-se talvez conveniente explicar o significado da cantiga que, como devem ter reparado, não é crioulo. É pretensamente cantada em português, com versos de cânticos religiosos que os rapazes, na sua ingenuidade deturparam.
Notas do autor:
(1) “Adoro o mistério sobrinho da minha alma…” corresponde a: “Adoro o mistério sublime da minha alma…”
(2) “Coração santo todo ruminado, todo vez em quando, sempre a chorar” é do cântico “coração santo, tu reinarás, o nosso encanto, sempre serás”.
(3) Quanto a esta alusão ao tal Angelino, nunca consegui saber do que se trataria.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 18 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - P367: ´'Bom festa pa tudo dgenti' ou o Natal de Bissau de 52 (Mário Dias)
(**) Último poste da série > 1 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19062: Memória dos lugares (381): Bigene, na fronteira com o Senegal... Foi lá que fomos render a CART 3329, em outubro de 1972, antes de ir parar ao Cantanhez (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar, Nhacra, 1972/74)