1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís R. Sousa, Sargento-Ajudante
da GNR na situação de Reforma, (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4512/72, Jumbembem, 1972/74), com data de 20 de Dezembro de 2018:
Nesta quadra festiva que se aproxima, que todos os meus familiares e amigos, que saúdo especialmente, se deixem envolver pela fantasia de que na noite de Natal o Menino Jesus, indiferente ao frio e à chuva, desce pela chaminé, enfarruscando as suas vestes, para deixar os presentes que ao longo do ano vamos pedindo.
A mesma fantasia que eu vivi há uns bons anitos atrás:
Fantasias de Natal…
Sempre me disseram, em criança, alimentando a minha fantasia, que o Menino Jesus, que eu via habitualmente num dos altares da capela de S. Luís, muito pequenino, de feições angelicais, de cabelo loiro, vestido com umas vestes brancas e resguardado numa redoma de vidro, nos visitava na altura do Natal, entrando pela chaminé, para deixar uns presentes nos sapatos que ali encontrasse.
Como é que aquele ser tão frágil e indefeso, – pensava comigo próprio, embora criança – tinha o vigor físico para, pela calada da noite, ao frio, à chuva ou à neve, subir ao telhado da nossa casa e descer depois ao interior, com a dificuldade acrescida de ali não existir qualquer chaminé? As chamas da fogueira crepitavam livremente até ao tecto, saindo o fumo por entre as telhas.
Mesmo assim, pelo sim e pelo não, na noite de Consoada, à falta de sapatos, lá ia colocando os socos junto à lareira, condição essencial para Ele deixar os presentes, segundo me diziam, na expectativa de que aquele Menino seria mesmo capaz de vencer tais obstáculos e descer através das "lares" para me deixar qualquer coisa – um carrinho, uma gaita. Oh...! Que alegria seria a minha.
No dia seguinte, ansiosamente, bem cedo, ia ver os socos que, para minha decepção e tristeza, continuavam intactos e sem qualquer presente. A explicação dos meus pais era a de que Ele não teria brinquedos suficientes para todas as crianças, mas que, provavelmente, no ano seguinte seria a minha vez, ou então, diziam-me, que ele não teria entrado pelo facto de a nossa casa não ter chaminé e de não querer "enfurretar" as suas vestes alvas de neve na fuligem das "lares".
Serviam-me de algum consolo estas explicações e consolidava-se em mim aquela ideia de que o Menino Jesus, tão frágil, correndo o risco de se partir o barro de que era feito, não seria capaz de subir ao telhado da nossa casa. Isto por um lado. Por outro, chegava a pensar que Ele discriminava os meus socos, daqueles que o Zé "Baloiro" dos Pereiros fazia, visto que o habitual, segundo me diziam, era porem-se na lareira na noite de Natal os sapatinhos. Coisa que eu não tinha.
Num desses anos da minha meninice, também por altura do Natal, encontrava-me na aldeia da Carrapatosa, onde passava alguns períodos com a minha avó materna. Mais uma vez, na noite de Consoada, levado pela mesma fantasia, a minha tia Aninhas aconselhou-me a colocar os socos no canto da lareira antes de ir para a cama. Com alguma relutância o fiz, pela experiência anterior e visto que a casa da minha avó também não tinha chaminé.
No dia seguinte, bem cedo, "inspeccionados" os socos, para minha surpresa e alegria, estavam atacados de rebuçados. Como criança que era, rejubilei de felicidade! Perante esta realidade, e não perdendo tempo em trincar e chupar alguns deles, percorrendo com o olhar toda a altura entre o tecto e a lareira, não pude deixar de pensar que o Menino Jesus da Carrapatosa era muito mais audaz do que o da minha terra, e imaginava como as suas vestes teriam ficado negras pela fuligem do cadeado das "lares", por onde ele teria descido feito alpinista.
Logo nesse dia, na ida à missa de Natal com a minha avó, a tia Aninhas e os meus primos, à capela de Santa Luzia, tive a curiosidade de reparar na sua imagem, supondo eu, pelo que fez durante a noite, que estaria toda enfarruscada de fuligem.
Para minha admiração, estava imaculadamente limpa, como era habitual, o que me deixou pensativo, concluindo que aquele menino em nada se comparava a outro qualquer. A mim, por exemplo. Porque se eu fizesse o que ele fez, a minha roupa estaria que nem a de um carvoeiro, impregnada de pó negro da lareira.
Só mais tarde tive a noção de que o Menino Jesus, para não se sujar e não apanhar o frio da noite, fez o cambalacho com a tia Aninhas, que era mordoma da capela, incumbindo-a de ali colocar os rebuçados, que Ele tinha requisitado nas tabernas do Eugénio ou do Cassiano de Campelos para serem debitados na Sua "conta". Aqueles a que eu tinha direito – os socos estavam repletos – em compensação dos anos anteriores que não me tinha trazido nada.
Manuel Sousa
(Excerto do meu livro ONDE A CEGONHA POISOU")
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Nota do editor
Último poste da série de 22 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19316: Feliz Natal 2018 (1): Natal diferente (Paulo Salgado, ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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