sábado, 22 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19318: Os nossos seres, saberes e lazeres (299): Viagem à Holanda acima das águas (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2018:

Queridos amigos,
O viandante desconhecia inteiramente o acervo monumental do museu Kroller-Muller, de Van Gogh sabia da existência de um museu em Amesterdão, de alguns quadros no Rijks, também de Amesterdão, nada sabia desta impressionante coleção privada. Mas a senhora Helen Kruller-Moller era profundamente eclética e deixou a Fundação com um espantosíssimo património que tem vindo a ser aumentado até aos dias de hoje. Se nos temos que orgulhar dos espaços da Gulbenkian e de Serralves, não deixa de assombrar a visita a um museu que abre para estes hectares mimosamente tratados e com um conjunto escultórico que não deve ter paralelo no mundo inteiro.
E depois de passear pelos jardins e até de visitar o acervo da sua escultora predileta, Barbara Hepworth, atirou-se impaciente para as salas mágicas dos óleos e desenhos de Vincent Van Gogh.
Como se contará a seguir.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (4)

Beja Santos

O viandante ciranda pelo Museu Kröller-Müller, está fascinado pela coleção, pelas instalações, pelo espaço envolvente. Felizmente que pode entrar e sair quando lhe apetece. À hora da pitança do almoço, perdeu amor aos euros e comprou um catálogo para se situar o quando, o como e porquê desta esplendorosa casa de arte. A colecionadora Helene Kröller-Müller tinha dinheiro a rodos, em 1921 era detentora da mais importante coleção particular de Arte dos Países Baixos, e só estava a dar os primeiros passos. Em 1933, possuía 4 mil desenhos, 275 esculturas e centenas de quadros, a maior parte de altíssima qualidade. Depois leio os projetos arquitetónicos que envolveram alguns dos nomes mais importantes de arquitetos do seu tempo. A fatia de leão, o que sobretudo atrai o visitante é a impressionante coleção de Van Gogh, ocupa o núcleo central, mas o visitante é habilmente induzido a passear-se entre a Arte antiga e expoentes da Arte mais contemporânea, o mesmo se passa com o itinerário escultórico que se pode contemplar nos jardins. James Ensor, Seurat, Signac, aguçam o apetite logo à entrada. Veja-se este Signac intitulado “O Pequeno-Almoço”, obra pontilhista, próxima de Seurat, e com referências a Monet. O que atrai neste quadro de Signac são as cores complementares e contrastantes, as figuras são pintadas de frente ou de perfil, imóveis, sem nenhuma expressão ou sentimento, nada têm de retratos, Signac era um admirador dos anarquistas e daí a crítica implícita que faz à suficiência do mundo burguês.


Ensor é useiro em atmosferas de Carnaval, notabilizou-se pelas suas criações burlescas, há qualquer coisa de Bosch ou Breughel, são criaturas estranhas mascaradas, parecem retiradas do teatro popular e do confronto entre o bem e o mal. Para Ensor, a vida é uma mascarada onde se procuram dissimular as paixões e a bestialidade em cores vaporosas, alegres, que marcam o contraste com os temas cáusticos que ele explora.


A notável coleção inclui Picasso, Juan Gris, Fernand Léger, Mondriaan, Giacomo Balla, Marino Marini, Claes Oldenburg, Richard Serra ou Christo. Este Giacomo Balla intitulado “O Voo das Andorinhas” é uma das marcas de água de um dos maiores futuristas italianos. Os futuristas viviam centrados no movimento e na dinâmica. O que aqui há de inovador é o efeito que se pode comparar à sucessão de diferentes imagens de um filme, e o cinema era uma invenção bem recente.




Esta escultura é hoje um ícone da Arte italiana, aparece nas moedas de 20 cêntimos de Itália. É da autoria de Umberto Boccioni e chama-se “Forma Única da Continuidade no Espaço”. É menos importante o homem que marcha, o significado está na modificação das formas que sobrevêm quando se move no espaço. Entre o que separava os cubistas dos futuristas é que os primeiros consideravam que só havia um movimento, o observador desloca-se à volta do objeto e representa todas as facetas desse objeto; para os futuristas, o movimento é complexo porque há os homens e há as máquinas, ficaram célebres as telas futuristas com ciclistas e automóveis.


Esta composição em losango é de Piet Mondriaan, por quem o viandante tem uma indisfarçável admiração, inclui-o na trindade que revolucionou as Artes Plásticas no século XX , ao lado de Picasso e Matisse. Porque este Mondriaan experimentou de tudo, desde o figurativismo até ao geometrismo mais ousado. Começou no naturalismo, relacionou-se então com Van Gogh e Seurat, sofreu influências do cubismo analítico de Picasso, rompeu com os determinismos, considerando que as formas de base da beleza, o que dá harmonia e ritmo precisa de linhas diretivas ou linhas curvas, mesmo sinaléticas. Construiu tramas de linhas verticais e horizontais, que explorou nas suas idealizações arquitetónicas e até no design de interiores. Vê-se e é sempre uma lufada de ar fresco.


Fernand Léger foi um cubista que seguiu uma via diferente da de Picasso e Braque, chegando a soluções em que o volume é o dado plástico que funciona como elemento central. Foi infatigável a investigar os contrastes nas formas, nas cores e nos assuntos. Com a evolução, fascinou-se pelas máquinas no meio de um certo número de superfícies e de formas com cores vivas, é tudo referenciado à mecânica, com alusões à ideia de democracia, às possibilidades que devem ser facultadas a todos sem exceção.






A colecionadora julgava-se autora de um conceito original de Arte: até finais de século XIX a primazia pertencia aos realistas, aí começaram a marcar posição os idealistas, onde ela incluía Van Gogh, o seu artista de culto. Adquiriu pintura dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII, e daí este Lucas Cranach, o Velho, esta tela de Vénus com o Amor percorre o mundo inteiro. Adquiriu Picasso como adquiriu Renoir, Gauguin ou Cézanne, veja-se antes de Lulas Cranach “O Barco Ateliê” de Monet, uma obra-prima do impressionismo: o que estava em causa era a imaterialidade da luz exterior, a instabilidade do céu e da água, a fugacidade do momento. Neste quadro as formas não possuem nenhum contorno nítido. Que beleza! E já chega de depenicar, voltear em torno do grande mestre que trouxe o viandante a este local, vamos mergulhar fundo nessa piscina olímpica de Vincent Van Gogh.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19294: Os nossos seres, saberes e lazeres (298): Viagem à Holanda acima das águas (3) (Mário Beja Santos)

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