quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3651: Estórias do Zé Teixeira (32): Um Pide, um marabu e um balanta de Bula que se converte ao Islamismo (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mensagem de José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 16 de Dezembro de 2008

Carlos
Boa noite
Junto texto sobre uma história de conversão ao Islamismo.
Fraternal abraço
José Teixeira


Há dias tive o grato prazer de conhecer um guineense que se encontra em Portugal a cursar Psicologia.

Reportando-se à sua origem balanta, contou-me a história da conversão da sua família ao Islamismo, que nada teria de interesse se a política do Estado português de então não tivesse uma interferência directa no assunto.

Seus pais eram naturais dos arredores de Bula, onde possuíam uma lala que exploravam, sendo sustento de toda a família.

Em meados da década de 50 o seu pai contraiu a tuberculose, pelo que tiveram de vir para Bissau, com o objectivo de tentar a cura, o que conseguiu.

Recuperado da doença, a família pensou em voltar para Bula, onde tinham a lala sua base de sustentação. Entretanto deram-se os acontecimentos no Cais do Pdjiguiti. Na sequência deste acontecimento e numa tentativa de exploração a seu favor, o PAIGC, dinamizou toda uma campanha de mobilização em Bissau, notando-se uma fuga de africanos para o mato e alistagem no Partido.

A reacção do Governo português não se fez esperar, tendo decretado que quem estivesse interessado em ausentar-se de Bissau para o interior da Província tinha de se fazer portador de um salvo conduto emitido pela autoridade civil mais próxima da sua residência, caso contrário, se fosse encontrado pelas autoridades civis ou militares seria detido e considerado inimigo da Pátria, com as consequências que não são difíceis de adivinhar.

O pai do meu amigo, deslocou-se ao Posto civil mais próximo, nos arredores de Bissau a requisitar o salvo conduto para se poder deslocar para a sua terra. Um Cipaio seu vizinho, apercebeu-se da situação e foi a sua casa discretamente avisá-lo para não ir buscar o salvo conduto, dado que a Pide, logo de seguida o iria prender, como estava a fazer com todos os que tomavam esta iniciativa.

Face a este conselho, o pai do meu amigo, não foi levantar o salvo conduto no dia previsto e manteve-se por Bissau, mais uns tempos.

Passados uns dias, apareceu no lugar onde morava um agente da Pide a perguntar por ele. Dirigiu-se a um marabu(*) que se encontrava sentado à sombra de um mangueiro e tendo a seu lado o pai do meu amigo, pois eram vizinhos.

Claro que ao ouvir o seu nome, ficou assustado, mas o marabu com toda a calma informou que conhecendo toda a população local, tal nome não lhe dizia nada. Disse mesmo:
- Este aqui é meu filho e chama-se XPTO - um nome afecto à sua família para não criar suspeitas.

O Pide lá se foi embora, continuando a sua pesquisa, presumindo com certeza que o indivíduo que procurava se tinha ausentado para o mato, dado que nunca mais apareceu por aquelas bandas.

Comovido pela atitude do marabu que o salvou da prisão, dedicou-lhe uma amizade profunda tendo-se convertido ao Islão com toda a sua família.

A vida continuou, apareceram mais filhos, aos quais foram dados nomes próprios e sobrenomes da família do marabu. Um deles hoje é padre católico.

(*) Muçulmano que dirige as orações nas Mesquitas e da formação catequética das crianças. Pessoa querida pela postura na vida e pelo respeito que merece face ao posto que ocupa na religião, tal como os nossos padres das Igrejas Cristãs.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3559: Estórias do Zé Teixeira (30): Aquele Minuto (José Teixeira)

1 comentário:

Luís Graça disse...

Grande Zé! Que em 2009 a gente possa fazer uma festinha, na Tabanca de Matosinhos, para comemorar o lançamento do teu primeiro livro de contos!

Quem te deu esse talento, meu morcão ?

Hoje não vou estar aí, com muita pena minha, mas olha, dá uma cópia do meu "Poemombro ou um ombro amigo" a quem sentires mais em baixo, mais triste ou mais cansado da vida...

São os meus dois cêntimos para a festa da Tabanca de Matosinhos. Diz à malta que eu fico a roer as unhas de pena (e de inveja) por não poder estar aí vocês todos, como ainda planeei...

Alice tem estado adoentada... Devo chegar só à tarde, no sábado, e vou primeiro direito à aldeia (Candoz)... Passo o Natal na Madalena. A gente há-de se ver...
Luís