1. Mensagem, enviada em 25 de Fevereiro de 2009, pelo João Seabra, membro da nossa Tabanca Grande, advogado com escritório em Lisboa, ex-Alf Mil da CCAV 8350, Piratas de Guileje (Guileje, 1972/73) (aqui na foto, à esquerda, no Cumbijã));
Assunto - O Coronel Comando na reserva Ferreira da Silva (*)
Luís,
Conforme indicações tuas (**), contactei, há duas semanas, com o Sr. Coronel Comando Ferreira da Silva, que, ademais, é (ou foi) meu Colega de profissão.
Não se mostrou agastado comigo pelo escrito em que eu o refiro – de uma maneira não tão respeitosa como devia – e propôs-me que escrevêssemos um texto conjunto sobre Gadamael.
O Coronel Ferreira da Silva foi inicialmente colocado no Batalhão de Comandos da Guiné, numa operação no Morés, a sua viatura (um Unimogue) rebentou uma mina que matou os demais ocupantes, tendo ele sofrido fracturas nos dois braços e mais ferimentos, e sido obrigado a pedir a sua própria evacuação.
Evacuado para Portugal, pediu para terminar a sua comissão na Guiné, sendo colocado no CIM [Centro de Instrução Militar] de Bolama.
No dia 31 de Maio de 1973, foi recolhido de helicóptero e depositado em Cacine, seguindo-se uma viagem de sintex para Gadamael onde foi despejado ao fim da manhã, para substituir o Sr. Coronel (hoje Major General) Durão, com quem teve uma brevíssima conversa, onde lhe foi sugerido que o Sector estava calmo e controlado.
Este último oficial, seguiu imediatamente para Cufar, via Cacine, no mesmo sintex.
O Coronel (então Capitão) Ferreira da Silva nem teve tempo para reconhecer o aquartelamento, e mal conheceu os capitães das duas Companhias [ ali estacionadas ].
Ao princípio da tarde desse mesmo dia começaram as flagelações a Gadamael, e no dia seguinte de manhã os dois capitães foram evacuados.
O Capitão (hoje Coronel) Ferreira da Silva não conhecia os demais oficiais e, naquela confusão, não sabia onde os encontrar.
Dito isto, o proverbial “tratamento jornalístico” encontra logo um grande motivo de interesse: “ficou sem oficiais”.
Aflige-me a ideia de ser injusto ou excessivo com qualquer pessoa, especialmente um ex-camarada de armas.
Relendo cuidadosamente o meu texto de há cinco anos (**) – e vendo as coisas com mais lucidez – posso ter dado a entender que a debandada teria sido induzida por uma ordem dele, quando, na realidade, tudo estava predisposto para que tal acontecesse, em vista da confusão e falta de condições de comando que reinavam no aquartelamento, como descrevi no meu texto em causa.
É, nomeadamente, a isso que me refiro quando digo que “só por comodidade de expressão se pode falar em tropa comandada pelo Capitão Ferreira da Silva”.
Quanto à ordem em si, diria que, efectivamente, a melhor maneira de proceder numa flagelação daquela amplitude seria a de, observando as tendências e a orientação do fogo IN, procurar os pontos menos batidos logo que, para isso, se proporcionasse a oportunidade. E se a indicação for, por hipótese, para seguirem para a Tabanca, e a população estiver a fugir, a tendência do pessoal, entregue a si próprio, é para entrar na procissão.
Com a minha vasta experiência nesta matéria, o melhor conselho que posso dar, a quem se vir envolvido numa situação semelhante, é que nunca tente mudar de posição quando sentir os impactos insuportavelmente perto: o próprio uso das armas que nos flagelam, acabará por desviar o fogo de nós.
Aliás, eu próprio, tendo observado as diversas tendências do fogo IN durante a tarde de 31 MAI e a manhã de 1 JUN, acabei por escolher – para me posicionar a mim e ao meu pelotão, à medida em que iam chegando do tarrafo e de Cacine – o topo superior da pista, junto ao início da estrada Gadamael-Ganturé-Guileje, ao lado do pelotão de canhões sem recuo comandado pelo meu amigo, e condiscípulo de vários anos nos Salesianos do Estoril, Alferes Rocha.
O então Capitão Comando Ferreira da Silva ficou em Gadamael até 1974, e pode contar-nos coisas muito interessantes sobre aquele sector, no pós JUL 73.
Tem algumas dificuldades com a Net, mas eu vou pôr-lhe o meu “dispositivo” à disposição.
Quanto ao seu processo de averiguações para atribuição de condecoração militar, eu não poderia ser uma testemunha menos indicada: tenho a tendência para banalizar as situações, e se me perguntarem se me recordo de algum acto que revele heroísmo, só me ocorrem termos como “decência”, “sensatez”, “bom-senso” … quando muito o termo anglo-saxónico “gallantry”.
Uma coisa é certa: no dia 1 JUN73 a posição dele era muito mais difícil do que a minha.
Abraço
João Seabra
2. Comentário de L.G.:
Como eu já tive oportundiade de dizer, ao telefone, ao nosso camarada Ferreira da Silva, o seu lugar é aqui, junto a nós, no seio da Tabanca Grande. Ele não precisa de convite formal. Vamos recebê-lo de braços abertos. Sê bem vindo, camarada. Um Alfa Bravo para ti e para o João.
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes desta série:
24 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3789: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (2): Esclarecimento adicional de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)
25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3790: Dossiê Guileje / Gadamael (3): "Um precedente grave" (Diário, Mansoa, 28 de Maio de 1973) ... (António Graça de Abreu)
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)
29 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3816: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (5): Strellado nos céus de Guileje, em 25 de Março de 1973 (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav)
(**) Em 6 de Fevereiro de 2006, mandei o seguinte mail ao João Seabra:
João: Estou no Norte... Só volto no domingo... O Ferreira da Silva, dos comandos, que esteve contigo em Gadamael, queria falar contigo e explicar-se... Pede o teu número de telemóvel.. Ainda é periquito nas coisas da Net... O mail dele é: ferreiradasilva43@gmail.com
Vive em Coimbra, onde é advogado e alfarrabista... Diz que tem muitos livros sobre a guerra, que vai coleccionando... Quer entrar para o blogue e contar as suas histórias, embora não tenha muito jeito para estas coisas... Mas antes precisa de falar contigo, explicar-se, repor a verdade de algumas situações... Diz que o Eduardo Dâmaso, do Público (****), deturpou as suas palavras... Posso dar o teu mail e/ou telefone ? Ou podes tu entrar em contacto com ele ?... Telemóvel dele é (...).
Um abraço. Luís
(***) Vd. poste de 27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)
(****) Vd. trabalho de investigação do jornalista Eduardo Dâmaso, onde há vários erros factuais (Público, 26 de Junho de 2005):
15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)
15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
(....) Ninguém entregou a condecoração ao coronel
Uma investigação de Eduardo Dâmaso
O coronel Ferreira da Silva resistiu com um punhado de homens ao avanço do PAIGC sobre Gadamael. Sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem médico, sem posto de rádio e com poucas munições. Foram louvados e o coronel chegou mesmo a ser condecorado por Carlos Fabião. Mas nunca recebeu a Cruz de Guerra.
Foi ao pôr do sol do dia 1 de Junho de 1973 que os três ou quatro soldados que sobravam da tropa comandada pelo recém-chegado capitão dos comandos Ferreira da Silva ficaram sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem médico, sem posto de rádio e sem munições de morteiro ali por perto. Foi nesse dia que o hoje coronel reformado e advogado Ferreira da Silva conquistou uma das suas mais vivas memórias da guerra colonial e também uma condecoração, a Cruz de Guerra, que nunca chegou a receber.
Ferreira da Silva, que antes tinha estado em Angola, acabara de poisar em Gadamael no dia 31 de Maio depois de uma nomeação relâmpago para a chefia do Comando Operacional 5 (COP5). Iniciara a comissão na Guiné em Dezembro de 1971, nos Comandos Africanos, e alguns meses depois foi ferido com gravidade. Evacuado para Lisboa, onde convalesceu, regressou à Guiné a seu pedido em Janeiro de 1973 e foi colocado em Bolama a comandar uma companhia de instrução.
A 31 de Maio, pelo meio-dia, chega ao quartel de Gadamael que vivia sob as brasas do episódio da retirada do capitão Coutinho e Lima do quartel de Guileje, situado a cerca de oito quilómetros do primeiro. Ferreira da Silva só teve tempo para um breve contacto com os dois comandantes de companhia ali presentes. Por volta das 15.00 começaram as flagelações com mísseis, morteiros e canhões sem recuo. Nesse dia houve um morto e um ferido. (...)
Vd. também poste de 27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Correcção de "gralha":
Onde está "...seguiu imediatamente para Cupos...", deveria estar "...seguiu imediatamente para Cufar...".
Eu Estava em Gadamael quando ele la chegou ele subtituio o cor Rafael Durão, e ao mesmo tempo o cap Maia Rodrigues que comandava a CCAÇ 4743, e foi ferido nesse dia em que o pessaol fugio para a bolanha , e ao que pareca foi por ordem do cap Maia Rodrigues. foi então que o cap Ferreira da Silva passou a comandar a CCAÇ 4743.
Quanto ao cap Ferreira da Silva é um Homem Corajoso Forte e Justo acima de tudo
Enviar um comentário