quarta-feira, 31 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P822: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38.ª (Magalhães Ribeiro)

Dos cadernos (1) do Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612/74 (que esteve em Mansoa por escassos dias, cabendo-lhe a honra de arriar a nossa bandeira em 9 de Setembro de 1974, por ocasião da transferência de soberania do território para o PAIGC) (2):

Um Comando da 38ª

Era a minha sombra nas deslocações a Bissau
O meu guarda-costas preferido!... O número um!
Eu conhecia-o bem e sabia!... Que se necessário...
Dava a vida pelo amigo!... Como mais nenhum!

Na longínqua e bela Guiné,
Mais do qu’em qualquer outro lugar,
Encontrar um conterrâneo
Era o rei dos motivos p’ra festejar.

Para nós... do Porto e Lisboa,
Como éramos a maioria,
Amíude os encontros se davam
Sempre com renovada alegria.

Quando chegamos a Mansoa
Na recepção a nós, os periquitos (1),
Alguns velhinhos perguntavam
No meio daqueles pios esquisitos:

- Quais são os periquitos do Porto?…
Duas coisas tendes que fazer:
Pagar uma bebedeira mestra
E contar as novidades... que houver!

Fomos então p’rá cantina beber
E conversar, entusiasmados;
Nós, do Porto... do presente... de Abril
Eles... dos momentos ali passados.

Dias depois estes partiram,
O seu tempo de guerra... findara,
Foram estes os primeiros amigos
Com que a Guiné me brindara.

Um dia o Comandante disse-me:
- O vagomestre está muito doente,
Você vai substitui-lo como souber...
Vai alimentar toda esta gente.

Se mais proveito não lhe fizer,
Vai muitas vezes a Bissau… passear;
É um privilégio raríssimo,
Espero que não vá regatear!

Eu... um Operações Especiais?
Ouço, obedeço e não discuto!
Serei o Rei do desenrascanço?
Se calhar!... avancei, pois, resoluto!

No dia seguinte, surgiram-me ali
Num jipe, três Comandos , sedentos
Da 38ª Companhia (3)
Risonhos, amigáveis e... barulhentos.

Eram do Regimento de Comandos,
Sito na estrada p’ra Bissau, em Brá,
A cerca de sessenta quilómetros,
Que me convidaram a visitá-los… lá.

Mas entre eles estava um Cabo,
De seu nome Moreira Barbosa,
Que ao saber qu’eramos patrícios.
Exigiu comemoração honrosa.

Bebemos então e conversámos,
Ali cimentamos forte amizade
Daquele tipo hoje muito raro,
Com raízes par’a eternidade.

Ora... sempre qu’eu tinha d’ir à capital
Entrava nos Comandos a correr
- Ó Barbosa, queres vir comigo? -
Perguntai ao cego s’ele quer ver...

Provocavam enorme alarido
As viagens e as petiscadas
No Portugal, no Ronda, etc.
Estórias, anedotas... gargalhadas.

Ele conhecia metade do pessoal,
Apresentava-me toda a gente,
A nossa mesa depressa s’enchia
De malta faladora e contente.

Barbosa perto... tristeza longe,
O seu feitio guerreiro, destemido,
Completavam a sua forte alma
E contagiava o mais encolhido.

Como é lógico... muitas conversas
Versavam o tema da guerra,
As grandes operações e combates.
O sangue derramado na terra.

Os golpes de mão e emboscadas,
Os acidentes graves conhecidos,
O 25 de Abril...
Enfim... os mortos e os feridos

- Manga de ronco!... Compr’uma coisa?
Era o pregão local dos artesãos
Pululantes, insistentes, chatos,
Até qu’o Barbosa fechava as mãos!

Quis Deus que partisses mais cedo, amigo, irmão!
Quantas saudades deixaste dessa tua energia,
Da tua dinâmica... do teu empolgar pela acção,
Do teu espírito de aventura, do riso, da alegria!...
___________

Nota de L.G.

(1) Posts anteriores:

1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal

1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá

7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVI: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira...

10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIV: Cancioneiro de Mansoa (4): a arte de ser 'ranger'

1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDIX: Cancioneiro de Mansoa (5): Para além do paludismo

19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVIII: Cancioneiro de Mansoa (7): Os periquitos do pós-guerra

(2) vd. post de 21 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIV: Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)

(3) A 38ª CCmds teve como unidade mobilizadora o CIOE - Lamego. Esteve no TO da Guiné entre Junho de 1972 e Abril de 1974. Fui a última CCmds, de origem metropolitana, a ser mobilizada para este território.

1 comentário:

MAMA SUMAE disse...

Boas!!
O meu pai esteve na 38ª CCMDS, 1972 até 1974.
1º Cabo Cardoso

Abraço!!!

snpc@sapo.pt