sexta-feira, 2 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P835: Empada: quem matou ou mandou matar o avô materno do Leopoldo Amado? (João Tunes)

Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > 2005> A antiga casa do chefe de posto. Escreveu o Lepoldo em post anterior: "O meu avô, Victor Vaz Martins, pai da minha mãe, era ali agricultor e comerciante, tendo mesmo chegado a desempenhar as funções de chefe do posto administrativo localuma figura muito conhecida não só em Empada, mas igualmente em Cubisseco, Dar-es-salam e outras localidades circunvizinhas de Empada. Porém, Victor Martins morreu em 1962, após ter sido preso e acusado pelas NT de prestar apoio e colaboração ao PAIGC. Soube-se mais tarde que fora fuzilado e enterrado numa vala comum, com muitos outros guineenses, todos acusados de subversão" (...).
Foto: © José Teixeira (2006)


Camarigo Leopoldo,

1. Desculpa meter-me em conversa alheia, mas não queria deixar de registar o prazer que senti em ver-te voltar à escrita e conversa na nossa tertúlia. Para mais, nesta fase em que andas sobrecarregado a ganhares para o rancho e aprontares essa magnífica tese de doutoramento prestes a rebentar e que me deste o privilégio de permitir a sua pré-leitura (a dissertação e apreciação será em Julho ou em Setembro?) sobre a guerra na Guiné (vai ser um ronco de todo o tamanho, pela inovação, rigor e pelo distanciamento que permitirá, estou certo, pelo menos a todos que lá estiveram, uma nova visão global, abrangente e mais clara sobre o terrível período de 1963-74).

2. Pela minha parte, muita luz já trouxeste à minha memória e meu entendimento sobre uma guerra que tanto marcou (e ainda marca) os nossos povos. Inesquecível o longo papo que tivemos há uma semana (até sermos expulsos das Amoreiras para poderem arrumar a mobília e fecharem o Centro...!!!) sobre a figura complexa, multifacetada, genial e única de Amilcar Cabral (o guineense tantas vezes tratado como caboverdiano...). Como desfizeste, com dados, facetas e revelações, tantos estereótipos cristalizados nos mitos (o do bom Cabral e o do mau Cabral, até o do Cabral que seria um bom teórico, diplomata e político mas não um chefe operacional) e que simplificam uma figura de tamanha dimensão, complexidade e abrangência.

E alguma luz me trouxeste ainda sobre as razões fundas da trama compexa e divisionista, sobretudo nas componentes geoestratégicas da fase da guerra fria, que desembocou no seu assassinato. Percebendo também melhor, como disse o Pepito, como é possível que Alpoím Calvão se pavoneie agora pela Guiné, com casa em Bolama, com reverências diversas para com este amigo do povo da Guiné. E a facilidade que teve a PIDE, através do comerciante de armas Zóio, de comprar rapida e directamente, sem qualquer entrave, à URSS as 2.000 Kalachnicov para equipar, como equiparam, os invasores de Conacri (isto em 1970!), na Mar Verde e em que um dos objectivos era precisamente o assassinato de Amilcar Cabral (adiado, pelo fracasso das informações da PIDE, para 1973).

3. Percebo e respeito o teu pudor na forma breve como passaste a breve referência à figura do teu avô, Victor Vaz Martins. Ficámos, pelo menos, a saber que foi preso pelas NT, fuzilado e mandado para uma vala comum por simples suspeita de simpatia para com o PAIGC. Mas nada disseste sobre o seu julgamento juridicamente assistido. Que não deve ter deixado de ter sido efectuado, como mandava a lei e a civilização cristã, cumprindo todas as garantias exigidas pelas comunidades nacional e internacional. E eu não quero imaginar que as NT (que eram mais minhas que tuas) tenham feito algo de semelhante ao que o PAIGC fez aos guineenses, comandos e não comandos, das NT. Pode lá ter sido!

4. Finalmente, a defesa da tua tese de doutoramento é em sessão pública? Se sim, tens alguma coisa contra que os camaradas (camarigos) que puderem e estejam interessados a ela assistam?

Grande abraço do
João Tunes

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Nota de L.G.

(1) O Leopoldo Amado, historiador guineense, é doutorando em história contemporânea pela Universidade de Lisboa com uma tese sobre guerra colonial 'versus' guerra de libertação (o caso da Guiné, 1963/74), a ser apresentada apresentada e discutida em provas públicas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, muito proximamente (no 3º ou 4º trimestre de 2006). Estamos todos muito ansiosos pela chegada desse dia... Pelo menos eu, o HumberTo Reis e o João Tunes já aqui manifestámos o nosso interesse e vontade em estarmos presentes nessa acto solene (e público)para levarmos ao Lepoldo um abraço fraterno da nossa tertúlia, de solidariedade, de apoio, de admiração e de júbilo!

Textos do Leopoldo Amado já aqui publicados:


22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)

16 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIV: Fala-se em 11 mil fuzilados (Leopoldo Amado, historiador)

26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVIII: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - III (e última) Parte

25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVII: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte

22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte

17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLI: Um hino ao amor (Leopoldo Amado)

17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLXIX: os periquitos e a prostituta de Bolama (Leopoldo Amado)

25 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXIX: Leopoldo Amado, guinense, historiador, novo membro da nossa tertúlia

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