sexta-feira, 2 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P836: Empada: os Gã Martins, vítimas da onda de terror da primeira metade dos anos 60 (Leopoldo Amado)

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instalado nas velhas casernas da tropa...
Foto: © Inês / Xico Allen (2006)


Caro Luís,

Com a devida autorização do Leopoldo, envio a resposta dele ao meu mail e com autorização de publicação (julgo de interesse para todos pois refere-se à época da pré-luta armada desencadeada pelo PAIGC que, para nós, é a pré-história das nossas histórias).

Abraço.
João Tunes


Caro Tunes,

1. Muito agradeço as tuas simpáticas palavras. Quanto ao nosso jantar, relembro-o com saudades, tal a profundeza das questões que nele abordamos e que ainda agora me interpelam. Conversas dessas são certamente úteis, quanto mais não seja, para, através da partilha, aprimorarmos os modestos conhecimentos e igualmente darmos vazão à necessidade que se impõe de aprofundarmos a camaradagem.

2. O meu avô, tanto quanto sei, foi preso e fuzilado numa altura em recrudesceu por toda a Guiné a violenta repressão da PIDE sobre os nacionalistas guineenses. Numa noite ­- conta a minha mãe e tios meus -, que após as tropas terem cercado a Casa Grande da herdade Gã Martins e terem revirado toda a casa na sequência de uma minuciosa revista, levaram o meu avô fim de prestar declarações no aquartelamento local.

3. Passadas semanas, comunicaram a minha avó a morte repentina do meu avô na prisão, tendo os Gã Martins solicitado os restos mortais sem que, todavia, tivessem obtido qualquer resposta da parte do Comandante Militar local.

4. Como um soldado português - que assistiu ao fuzilamento do meu avô - resolveu confidenciar a minha avó que o marido teria sido fuzilado e enterrado numa vala comum na companhia de vários guineenses, entre os quais o seu amigo e enfermeiro, Anselmo de Carvalho.

Numa atitude concertada, os Gã Martins apresentaram-se enlutados (com indumentária preta) defronte ao Palácio do Governo (1) em Bissau (meu avô tinha uma prole que em muito supera uma equipe de futebol, incluindo suplentes), tentando expor a sua indignação e, em vão, exigir que se fizesse justiça. Simplesmente, foram admoestados por elementos da PIDE que, trajados à paisana, os advertiram a abandonarem o local.

5. É evidente que o meu avô não foi julgado, assim como centenas de outros guineenses que, na época, foram alvos das terríveis vagas de repressão que a PIDE protagonizou na Guiné após tal Pindjiguiti (2), tal o convencimento de que, à partida, era mister abafar qualquer tentativa de subversão e divisão da pátria portuguesa, tanto mais que a própria PIDE local, através de um municioso trabalho de investigação policial, baseado sobretudo em interrogatórios coercivos, tinha logrado reconstituir os objectivos imediatos do Movimento de Libertação: dar início a luta armada.

6. Sobre a defesa da minha Tese, a mesma foi adiada para Setembro ou Outubro próximos. Informarei atempadamente os membros da Tertúlia e informo, desde já, que terei todo o prazer em poder contar com a vossa honrosa presença, tanto mais que a sessão é pública.

PS: Pode-se partilhar este E-mail com mais colegas e amigos, pois não conseguii enviá-lo.

Um abraço amigo
Leopoldo Amado
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Nota de L.G.

(1) Os cinco governadores que abarcam este período sinistro (e pouco ou nada conhecido), antes e depois do massacre do Pijiguiti, em 1959, dos acontecimentos no norte de Angola, em 1961, do recrudescimento do nacionalismo entre os guinéus, do início da luta armada sob a liderança do PAIGC (1963) e da política de terra queimada até ao consulado de Spínola (1968), são:

Álvaro Rodrigues da Silva Tavares (1959-1962);
António Agusto Peixoto Correia (1957-58);
António Augusto Peixoto Correia (1959-1962);
Vasco António Martinez Rodrigues (1962-1965);
António Schultz (1965-1968)

Fonte: Lista de Governadores da Guiné Portuguesa > Wikipedia

(2) Vd. também a versão do nosso amigo e camarada Mário Dias: post de 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXV: Pidjiguiti, 3 de Agosto de 1959: eu estive lá (Mário Dias)

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