quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Guiné 63/74 - P1091: Memórias de Mansabá (5): O terrível ataque ao aquartelamento em 12 de Novembro de 1970 (Carlos Vinhal)


Guiné > Região do Oio > Mansabá > Aquartelamento > Novembro de 1970 > Aspecto da enfermaria, destruída por canhão sem recuo.

Guiné > Região do Oio > Mansabá > Tabanca > Novembro de 1970 > Moranças destruídas na sequência do ataque do dia 12, que causou 14 mortos e 45 feridos à população.


Guiné > Região do Oio > Mansabá > Novembro de 1970 > A nova estrada (alcatroada) de Mansabá-Farim

Texto e fotos: © Carlos Vinhal (2006) (ex-furriel miliciano da CART 2732, Mansabá, 1970/72

Caro Luís e Camaradas:

O nosso camarada Vítor Junqueira veio avivar-me a memória, lembrando-me os conturbados tempos da construção do lanço da estrada Bironque-K3 (1). Foram tempos muito difíceis para todos os intervenientes, especialmente para a CART 2732 e CCAÇ 2753 que tinham a dupla função de forças de quadrícula e de intervenção.

Assim segue um trabalho sobre o ataque ao aquartelamento e povoação de Mansabá em 12 de Novembro de 1970.


Ataque a Mansabá em 12 de Novembro de 1970


Foi o terceiro ataque a Mansabá desde a nossa chegada (2). Foi ao escurecer apanhando toda a gente mais ou menos desprevenida.

O último tinha acontecido em 5 de Outubro, provocando a morte imediata a um milícia. No dia seguinte, no reconhecimento à zona envolvente da povoação e aquartelamento, morreu o alferes Couto, vítima do rebentamento de uma mina antipessoal quando a tentava neutralizar.

Desta feita, fomos atacados por um numeroso grupo IN, durante 45 longos minutos, que utilizou para bombardear Mansabá morteiro 60 e 82 e canhão sem recuo. Não faltaram as armas ligeiras (vulgo costureirinhas) para ajudar a desorientar.

As NT reagiram como puderam ao fogo, mas as forças do PAIGC não retiravam. A nossa artilharia começou a varrer a zona e nós, com armas ligeiras, bazucas e morteiro 60 e 81 tentávamos que eles não se aproximassem demasiado do arame farpado.

A determinada altura, e porque a situação ficou fora de controle, foi pedido apoio aéreo para Bissau. Na tabanca, também atingida pelo fogo IN, eram já visíveis vários focos de incêndio e a população, gritando, fugia desordenadamente.

Para sorte nossa o IN acabou por retirar e nós pudemos descansar um pouco, redistribuindo as poucas munições que sobraram e começando a recolher os mortos e feridos na tabanca. Ainda bem que não voltaram à carga, porque não tínhamos praticamente munições e resistiríamos pouco tempo. Se tivessem voltado bem podiam entrar pela porta de armas e apanhavam-nos à mão.

Falando de estragos: uma morteirada caiu junto dos quartos dos oficiais, outra junto à casa dos geradores, outra junto à Secretaria de Comando e outra junto ao bar dos sargentos. O bar dos praças foi mesmo atingido no telhado. A enfermaria foi atingida por canhão sem recuo provocando destruição parcial, seguida de incêndio. Tentou-se fazer corte ao fogo, mas mesmo assim os estragos foram elevados. Pelos alvos atingidos, é de supor que o IN tinha conhecimentos precisos do interior do aquartelamento.

Na tabanca havia muitas moranças a arder e os gritos dos populares eram horríveis. As nossas viaturas, num vaivém constante, recolhiam as vítimas, trazendo-as para o interior do quartel, onde eram tratados os feridos e posto de lado os mortos. Contabilizaram-se 14 mortos e 45 feridos só na população.

Felizmente que na altura tínhamos um médico na unidade e o nosso furriel enfermeiro Marques, que era enfermeiro na vida civil, tinha muita experiência. Havia também muitos militares da nossa CART a quem tinha sido dadas noções de primeiros socorros e enfermagem que se tornaram preciosos na colaboração que prestaram.

O apoio aéreo veio muito mais tarde e sobrevoou-nos muito lá por cima.

Este ataque fez parte de um programa do PAIGC para desestabilizar os trabalhos de construção do último troço que faltava para completar a estrada Mansabá-Farim que nessa altura ia só até ao Bironque. Neste mesmo dia tinha chegado a Mansabá muita gente vinda de outras tabancas com o fim de trabalhar na construção da referida estrada. Como na confusão do ataque muitos fugiram, foi preciso ir no dia seguinte, pelo mato fora, procurar e trazer de volta aqueles que por medo tinham partido.

No dia seguinte recebemos a visita do General Spínola que veio dar apoio moral às NT e fazer acção psicológica junto da população, para que eles não voltassem a fugir e convencê-los a colaborar na construção da estrada, que iria ser um factor de progresso e segurança na mobilidade de tropas e civis até Farim.

Há apenas dois dias, tinha sido reactivado o COP6 em Mansabá para coordenar as forças de protecção aos trabalhos (Operações Faixa Negra). No âmbito deste COP foram criados dois agrupamentos, um de Intervenção e outro de Trabalhos compostos por tropa especial como Companhias de Comandos, Companhias de Caçadores Paraquedistas, etc. A CART 2732 tinha como missão dar apoio logístico a todas as forças presentes, dispor de forças de intervenção e ainda participar na segurança próxima aos trabalhos.

Ao fim de muitos meses de sacrifício, contactos com o IN, accionamento de minas pelos trabalhadores civis, acidentes mortais, etc, esta estrada ficou pronta, passando-se a ir de Bissau ao K3 (na margem esquerda do rio Cacheu) em estrada alcatroada numa distância de mais de 120 Km. Para se chegar a Farim era só atravessar o rio de jangada. Valeu a pena, pois nós próprios ainda pudemos gozar deste conforto.

Carlos Vinhal
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Os Barões da açoreana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72) (Vitor Junqueira)

(2) Vd. posts de:

25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLI: A madeirense CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

(...) "Na manhã do dia [21 de Abril de 1970], [a CART 2732] seguiu para Mansabá [entre Mansoa e Farim, na região do Oio], onde chegou cerca das 13H00 para render a CCAÇ 2403. Neste mesmo dia, Mansabá foi flagelada pelo IN com morteiro 82 e armas ligeiras, causando 16 feridos na população. Assim estava consumado o baptismo de fogo".

8 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P857: 'Periquito vai no mato': de Bissau a Mansabá, passando por Safim, Mansoa, Nhacra, Cutia e Mamboncó (Carlos Vinhal, CART 2732)

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