quinta-feira, 15 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > Destacamento da Ponte dos Fulas > O Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, que de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 passou por três unidades no TO da Guiné: pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa ). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74).

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, com data de 14 do corrente, em resposta ao Beja Santos (1)

Meu caro Mário Beja Santos

Li atentamente o teu texto, que constituiu o post 2838 e não concordo com as conclusões que do mesmo retiras, ou seja, "que a guerra na Guiné estava militarmente perdida" (1).

Partes, julgo eu, de um pressuposto que os Mig iriam entrar na guerra da Guiné e então pode perguntar-se porque o não tinham feito até então.

Não tinham pilotos para eles, como dizes, mas repara que a entrada de pilotos russos na guerra poderia "internacionalizar" e abrir portas ao Estado Português, que até então estavam fechadas.

Uma coisa eram os cubanos, outra bem diferente eram pilotos russos a pilotarem aviões russos, por isso, e por muito mais razões, tenho sérias dúvidas que isso alguma vez fosse acontecer.

Mas se consideramos esse pressuposto como real, então temos de considerar também a possibilidade então muito falada e dada quase como certa de que o esforço de guerra em Angola, começaria a ser desviado para a Guiné, com a possível chegada também dos F 84, que são do mesmo tempo dos Mig.

Realmente, sei-o por experiência própria, a guerra em Angola praticamente já não existia, a não ser algumas acções esporádicas que se destinavam a tentar manter "vivos" os movimentos de libertação.

Sabemos bem que, à data do 25 de Abril, o MPLA era muito mais um partido político do que um movimento de guerrilheiros. Ao que se sabe, e agora se vai tornando cada vez mais claro, foram as Forças Armadas Portuguesas saídas do 25 de Abril que armaram este movimento na sua chegada a Luanda.

Falas em diversos documentos, reuniões, avisos, etc. mas nós sabemos por experiência própria que a informação que chegava a Lisboa, e até a Bissau, estava carregada de informações erradas, umas propositadas e outras não, apenas por incompetência.

Sabemos bem, e já foi dito no blogue, que havia informações "aumentadas" sobre o esforço de guerra tendo em vista a obtenção de mais meios militares para a Guiné.

Dizes também:

«Estuda os livros dos diplomatas que de 1972 a 1974 procuraram comprar armamento em Washington, Londres, Bona e Paris.»

Meu caro Mário, sabemos que a compra de armamento nestas condições não se faz "governo a governo", mas sim por intermediários que a tudo têm acesso, e não constam obviamente das actas de qualquer reunião.

Aliás é do conhecimento geral que, na "voz do povo", poderia estar iminente a compra de Mirages para a Guiné, claro está, não ao Governo Francês.

Mas mais do que tudo isto fala a guerra no terreno!

Já o disse e repito, que "tiro o chapéu" ao PAIGC que soube unir esforços à volta de, essencialmente três quartéis das nossas Forças [, Guileje, Guidaje, Gadamael], criando nesses três espaços situações de terrível pressão e com isso transmitir uma sensação de que era o que se passava no resto do território.

Nada mais falso!

Com efeito na zona Leste circulava-se com relativa facilidade entre Xime e Nova Lamego, Bambadinca, Xitole, Saltinho, Galomaro, abria-se a estrada Jugudul/Potogole/Bambadinca, fiz não sei quantas seguranças a colunas de Mansoa para Mansabá sem uma única intervenção de guerra e por aí fora, numa situação que poderíamos dizer de guerra mas sem constrangimentos sérios.

A guerra estava perdida sim, mas não militarmente, e com isto não quero dizer que gostava ou quereria que ela continuasse.

Quero apenas fazer jus ao esforço extraordinário dos portugueses anónimos, que mais de vontade própria, ou mais obrigados, se empenharam em defender uma Pátria, (discutível na sua extensão), e que hoje são tão mal tratados pelos poderes públicos.

Não lhes retiremos ao menos a dignidade de saberem que não foi por não terem lutado, que a guerra se perdeu, mas sim pela politica errada de a mesma ter sido travada.

E não me apetece escrever mais nada agora, porque isto ainda mexe muito comigo.

Tomo a liberdade, que sei não levas mal, de dar conhecimento deste mail aos editores da nossa Tertúlia.

Um abraço amigo até Monte Real

Joaquim Mexia Alves


PS. Não revejo o texto que escrevi, não estou para isso, por isso mesmo desculpa o "atabalhoamento" que o mesmo possa conter!


2. Resposta do Beja Santos, na mesma data:

Assunto - Perguntas a um amigo querido, que vou rever em breve

Joaquim, meu querido penúltimo Comandante [do Pel Caç Nat 52]:

Desculpa ser breve,os funcionários públicos trabalham, tenho que seguir para Sintra, quando voltar vou para o computador escrever sobre a Operação Macaréu à Vista, é a minha sina.

Primeiro, peço-te que refutes Caetano, Spínola, Costa Gomes. Abandonar quase dois terços da Guiné, segundo Caetano, para quê? Costa Gomes propôs a retirada dos aquartelamentos limítrofes, Spínola recusou,tinha assumido compromissos com as populações, passou a batata quente ao seu sucessor.

Segundo, desenhava-se uma guerra convencional «à carta», as tropas do PAIGC despejavam os «órgãos de Estaline" quando queriam, sem resposta das nossas tropas, era uma nova inferioridade.

Terceiro, Marcello Caetano queria agir com legitimidade, em cooperação com os Aliados. Os Aliados abandonaram-no, não há qualquer referência na literatura disponível à compra no mercado negro de armamento, aliás fomos pesadamente afectados pela inflação, a partir de Setembro de 1973. No 1º trimestre de 1974 a taxa de inflação já estava elevadíssima, o dinheiro tornou-se caro e escasso.

Quarto, não entendo como vens invocar o heroísmo das nossas tropas quando o problema era tecnológico, tinha a ver com equipamento para o qual não havia resposta. Sim, fazíamos as estradas que referes,mas havia bolanhas cultivadas a 4 km do Xime ou Missirá. O IN nunca desarmou, nunca perdeu posições. O IN era uma república reconhecida por mais de 80 países, em finais de 1973. A nossa diplomacia tinha perdido tudo, na Guiné.Vamos conversar mais, em Monte Real.

Um abraço do Mário

3. Contra-resposta, rapidinha, do JMA:

Mário, meu comandante:

Resposta rápida também.

Quanto a Caetano, Spinola e Costa Gomes, não faço ideia que informações deram a Caetano que o levassem a propor tal coisa.

«Segundo,desenhava-se uma guerra convencional «à carta», as tropas do PAIGC despejavam os«órgãos de Estaline quando queriam, sem resposta das nossas tropas,era uma nova inferioridade.»

Porque é que não havia de haver resposta das nossas tropas? E onde é que estavam os órgãos de estaline?

Com certeza que não há referência a compras de armamento o que não quer dizer que não existissem.

As bolanhas seria no teu tempo, porque no meu nem pensar.

O IN nunca perdeu posições?

Falaremos então em Monte Real.

Abraço amigo do
Joaquim
_________

Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

5 comentários:

Anónimo disse...

As grandes armas que as forças portuguesas utilizaram, foi o apoio das populações, arma essa, que Beja Santos tão bem descreve.

Atenção que as populações não eram, nem são hoje, tão apolíticas nem ignorantes como muitas vezes os "brancos" olhamos para elas.

As grandes armas do PAIGC, foi o apoio internacional, que o prestígio alcançado por Amilcar Cabral, conjugou à volta dele e dos outros movimentos.

Logicamente, que com tais forças em presença, a duração da guerra tinha os dias contados, pela nossa parte.

A dúvida que se deve tirar, é se a guerra durou o tempo suficiente, se terminou cedo de mais, ou se nunca devia ter começado.

Não concordo com o discurso do GELDOF, nesta altura do campeonato, porque há 34 anos, já os angolanos se estavam a matar uns aos outros. E os comandos guineenses estavam a ser fuzilados.

E o Paulo de Carvalho cantava "candidamente" OS MENINOS DO HUAMBO.

Muitos cumprimentos para toda a tertúluia,
Antº Rosinha

Anónimo disse...

Não creio, mas, se calhar, até publicam isto, depois da "revisão"!
Já chega de Beja Santos, o omnipresente, omnisciente, omnitudo, que, quanto sei, esteve num destacamento, como eu...mas que fez mais "guerra" do que todos nós juntos!
Protagonismo gratuito?
Protagonismo programado?
Chega!
Será que publicam?Outras....enfim!

Torcato Mendonca disse...

Discordo dos comentários supra.
O texto:
-penso ser assim, concordando e discordando, na parte ou mesmo no todo - se se "postar"justificação -parece-me que a maioria concorda com a parte e,só assim, hoje, saberemos o que se passou na Guiné 63/74. Vem a frase ao pensamento: de quantas mentiras é feita a verdade?Não! Escrevia-se antes- estávamos fartos...depois os Mig...agora pilotos russos...e o puzzle vai-se compondo e dará certamente a verdade. Não nos iludamos com estas guerras e saibamos separar as três onde estivemos envolvidos.TM

Luís Graça disse...

Meu caro camarada... anónimo:

Por que é que eu (ou os meus/nossos co-editores, Carlos Vinhal e Virgíno Briote) não publicaria(mos) o teu comentário ?

Não temos vocação de censores, e queremos manter este espaço o mais plural possível. Aqui cabem todos (ou quase todos) os camaradas da Guiné, dentro da teoria do maior denominbador comum... e desde que manifestem interesse e vontade em fazer parte da nossa Tabanca Grande.

Há algumas regras (éticas e editoriais) que aceitámos, e uma delas é "Não há insultos pessoais"... Isto é: a G-3 fica lá fora...

Tirando isso, és livre de fazeres as críticas (fundamentadas, não gratuitas) ao que aqui se escreve...

Espero que dês a cara e que apareças, com os teus textos, fotos, estórias/histórias, até para evitar que haja outros a usar (e a abusar) do seu tempo de antena...

Infelizmente são poucos os contribuines (líquidos) deste blogue... Há muito mais gente a consumir do que a produzir...

Um Alfa Bravo.

Luís Graça, editor

Anónimo disse...

A guerra estava militarmente perdida.

Este tipo de guerra, como sabemos raramente tem uma solução militar, se considerarmos como tal a derrota no terreno de uma parte pela outra. O que quase sempre se passa é que, quando a balança começa a pender decisavamente para um dos lados, aparece a solução política.
Nós estávamos confinados e "eles", os donos da terra (IN), iam circulando pelas "Zonas de Intervenção do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné (ZICCFAG). Lembram-se da área dessas zonas na carta do território? Algumas dessas zonas foram estrategicamente desocupadas pelas NT's para que o IN ali se localizasse e a Força Aérea 'tomaria conta' com ataques ar-terra. Nós, na guerra de posições, eles na guerra de movimento, e já com os mísseis anti-aéreos portáteis, retiraram-nos a supremacia aérea.
A queda de Guilege e os combates de Guidage comprovam a nossa incapacidade para reabastecer aquelas praças.
Lembram-se, nos anos 73 e 74 das 'colunas da morte'? Como sabemos, a estrada Jugudul/Bambadinca era um objectivo estratégico para nós e, por isso, foi bem guardada. Que pensaria o PAIGC? Especulo:"deixem os 'tugas' construir, que não vão poder levar a estrada para Portugal".
A propósito dos Migs, tenho gravada na memória uma certa directiva para diminuição de vulnerabilidades emitida pelos crâneos do COMCHEFE de Bissau em que, além das fotografias dos aviões, para compararmos com os Fiats, aconselhavam a cavar valas individuais, com a profundidade da altura de um homem, para dali resistir ao Migs com G-3 e HK-21. Estava a colocar-se também uma questão relacionada com a demografia: o iniverso do recrutamento obrigatório estava a esgotar-se, o que levaria à remobilização de pessoal que já tinha ido à tropa. Isto já se passava ao nível dos capitães, e, a prazo, essa necessidade iria "baixar de posto" e alargar-se a mais larga faixa da população.
Etc.

MILITARMENTE,A GUERRA ESTAVA GANHA?
Eurico Dias, ex-Alf.Milº, atirador de infantaria, Guiné 72/74.

eurico.dias31@gmail.com