quinta-feira, 15 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2846: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (16): Salvemos o Cantanhez (II)


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Rio Cacine > Cananima > 2 de Março de 2008 > Concentração dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje na praia e porto fluvial de Cananima, frente a Cacine, na margem direita do Rio Cacine (1).

O Cantanhez é delimitado pelos dois rios principais, o Cumbijã e o Cacine. As margens destes rios são constituídas por uma vasto e rico mangal. A bacia do Cumbijã é conhecida por ser (ainda) um dos celeiros de arroz do país (cerca de 13 mil hectares de bolanhas cultivadas em finais da décad de 1990). A actual crise alimentar no mundo está também a afectar a Guiné-Bissau, cujos dirigentes políticos e agentes económicos têm apostado na monocultura do caju, para exportação (seguindo, desgraçadamente, o mau exemplo colonial, da o da monocultura do amendoím), e na importação de arroz estrangeiro que, devido aos preços mais baixos particados pelos grandes produtores mundiais, acaba por ter uma vantagem decisiva em relação ao arroz nacional. É preciso que os guineenses aprendam as sábias lições do Cantanhez. Hoje, mais do que nunca... É preciso salvar as bolanhas. É preciso lutar contra a erosão e a salinização das melhores terras de cultura do arroz... É preciso evitar a sangria dos jovens, atraídos pela miragem da grande cidade... É preciso dar sentido ao futuro, é perciso dar esperança aos guineenses...

O Rio Cacine, por sua vez, é rico em peixe e moluscos. É muito procurado por pescadores da vizinha Guiné-Conacri, concentrados sobretudo na Ilha de Melo, na foz do Rio Cumbijã. As espécies piscícolas mais procuradas são o Djafal, o Bagre e o Tubarão (este apanhado sobretudo como juvenil, o que vem compromter o equilíbrio da fauna marinha, já que é uma espécie que está no topo da cadeia alimentar). Há uma crescente consciente ecológica entre as gentes do Cantanhez, que representa, pela sua biodiversidade, um património riquíssimo que é preciso preservar, proteger e utilizar, numa óptica de custo-benefício, de maneira a tirar partido de todas as suas potencialidades, hoje e sobretudo amanhã.

Segundo a ONG Tiniguena - Esta Terra É Nossa que lançou um belíssimo calendário para 2008 - Matas de Cantanhez: Biodiversidade ao serviço da soberania, com magníficas fotos de Augusta Henriques (sua secretária-geral), Emanuel Ramos, Pierre Campedron, André Barata e Cristina Silva - , um estudo feito junto dos Nalus mostrou que mais de 200 espécies vegetais selvagens são utilizadas regularmente pelas famílias, mais de metade das quais na farmacopeia (produtos medicinais tradicionais) e cerca de 20% na alimentação. "Estes recursos e saberes da biodiversaidade são um valioso património a proteger contra a biopirataria e a preservar para o futuro", diz a Tiniguena.

A floresta também satisfaz a quase totalidade das necessidades da população local, em matéria de energia. A recolha de lenha não é vista como um perigo. Duas das ameaças que pairam sobre o Cantanhez, levando à degradação das suas florestas (que os Nalus consideram sagradas), são a produção de carvão com fins comerciais e as queimadas para fins agrícolas. Por razões históricas e culturais, mas também económicas e sociais, logo, de sobrevivência das gerações futuras, é fundamental salvar o Cantanhez, verdadeiro ex-libris da Guiné-Bissau.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A simpatiquíssima Cadidjatu Candé, da comissão organizadora do Simpósio Internacional de Guileje e colaborada da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, servindo um fabuloso arroz com filetes de peixe do Cacine e óleo de palma local, que tem fama de ser o mais saboroso do país, devido à qualidade da matéria-prima e às técnicas e condições de produção (artesanal). Na imagem, um diplomata português, o nº 2 da Embaixada Portuguesa, que integrou a nossa caravana (e cujo nome, por lapso, não registei, lapso de que peço desculpa).



Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um dos pratos que foi servido no almoço de domingo, aos participantes do Simpósio Internacional de Guileje, foi peixe de chabéu, do Rio Cacine, do melhor que comi em África... Durante a guerra colonial, na zona leste, em Bambadinca, só conheci conhecíamos o desgraçado peixe da bolanha....


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O nosso camarada Cor Art Nuno Rubim passando revista à logística do Comes & Bebes, da comissão organizadora do Simpósio, e que nos acompanhou desde Iemberém... É obra, isso dar de comer e beber a tanta gente, esfomeada e sedenta...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um outro aspecto da improvisada cozinha que foi montada em Canamima, logo de manhã, e onde se fez o almoço (um prato de carne e outro de peixe) para as dezenas de participantes do Simpósio.



Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Francisca Quessangue, uma das mulheres que fez a guerrilha e esteve no ataque a Guileje, como enfermeira.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O Luís Graça entre a Francisca , enfermeira, e a senhora Ministra dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria, Isabel Buscardini.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Catarina Silva, filha do Pepito e da Isabel, que é portuguesa. É formada em psicologia social, pelo ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa. Integrou a nossa caravana e foi sempre uma simpatiquíssima companhia durante este fabuloso fim-de-semana. É também, como o pai e a mãe, uma entusiástica defensora do Cantanhez, da sua fauna, da sua flora, das suas gentes.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Catarina Santos que, juntamente com o Vitor Ramos e o Alfredo Caldeira, representaram (e muito bem!) a Fundação Mário Soares no Simpósio Internacional de Guileje.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O famoso óleo de palma do Cantanhez. A sua cor vermelha intensa deve-se às características da variedade do chabéu (termo científico, Elaeis guineenses), que é rico em caroteno.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um médico cubano, ortopedista, cooperante em Bissau, o Dr. Mário. Pelo pouco que conversei com ele, soube que trabalha no Hospital Nacional Simão Mendes é também professor da Faculdade de Medicina de Bissau, criada em 1977 e desactivada no início dos anos 90, tendo o projecto sido relançado mais recentemente com o apoio da cooperação cubana. Cuba é dos países mais activos na cooperação com da Guiné-Bissau, no campo da saúde e da educação.


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Em primeiro plano, da direita para a esquerda, a Isabel, a Alice e o Álvaro. De perfil o Pepito, em segundo plano, mais o Sérgio Sousa, um Gringo de Guileje.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Diana Andringa, que registou em vídeo todas ou quase todas as actividdades destes oito dias, com destaque para as comnunicações ao Simpósio. Em segundo plano, a Júlia.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > A Diana Andringa e o marido, Alfredo Caldeira; em segundo plano, a Júlia e o marido, Nuno Rubim.

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O Dr. Alfredo Caldeira, chefe da delegação da Fundação Mário Soares...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > O nosso amigo catalão, Josep Sánchez Cervelló, professor universitário em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa... Esteve encantado estes dias todos com os tugas...
Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Uma jovem, da região, que estava grávida, e que tinha o marido em Bissau (se não me engano). Caíu nas boas graças das nossas senhoras, sempre muito maternais: a Júlia, a Alice, a Isabel... Seu nome: Cadi, filha de um antigo guerrilheiro, nalu, da região...

Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > 2 de Março de 2008 > Um amostra de conchas do Rio Cacine, reveladoras da riqueza, em moluscos, marisco peixe, deste belíssimo rio do sul da Guiné...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.



II. O Turismo na região de Tombali (2) (Continuação)
por Brígida Rocha Brito


(...) 1.2. Os elementos culturais

A população residente na região de Tombali estava estimada em 91.930 habitantes, por referência a 2004 (…), representando 7,1% do total. Do ponto de vista étnico, os grupos principais são Nalu, Fula, Balanta, Tanda e Sosso, encontrando-se grupos secundários como Manjaco, Djakanka, Papel, Bijagó e Mandinga.

Tradicionalmente esta era uma área identificada com os Nalu, etnia caracteristicamente animista, com hábitos enraizados, desenvolvendo práticas culturais ancestrais perpetuadas ao longo do tempo através do costume e da tradição oral, entre as quais os ritos de iniciação e de passagem. Uma parte do território, identificada como as Florestas de Cantanhez, é tradicionalmente conhecida como o Tchon di Nalu (…) ou Terra dos Nalu, apesar de actualmente, e depois de se terem efectuado deslocações internas, se encontrar uma multiplicidade de comunidades com origens étnicas diversas.

Cada grupo étnico apresenta particularidades próprias no que respeita à forma e ao tipo de produção principal, à organização do espaço e materiais utilizados na construção, às práticas rituais e às formas de culto. Apesar da paisagem florestal ser dominante, a influência da diversidade étnica na forma de produzir a terra e de relacionamento com o meio confere à região uma imagem de mosaico marcado pela heterogeneidade.

Dadas as características de toda a zona costeira e fluvial, e tendo presente a importância e a dimensão dos rios e cursos de água, as áreas de mangrove, mangal ou tarrafes, adquirem grande importância, principalmente para os Balanta que aproveitam o solo salinizado para a produção de arroz M'pampam.

A fertilidade do solo, natural ou provocada através da prática de queimadas, tem permitido incrementar a produção frutícola, com destaque para os citrinos e o caju, que tem vindo a ser fortemente explorado pelas potencialidades (*) que o caracterizam. Este tipo de produção, conseguido a partir da desflorestação e das queimadas, é fortemente desenvolvido pelas comunidades de origem Fula, que eram tradicionalmente pastores.

Em maioria, os Nalu são pescadores, agrupando-se muitas vezes em acampamentos temporários e itinerantes, e dedicando-se também à extracção de óleo e vinho de palma ou à produção de culturas agrícolas para consumo directo.

Além da produção para subsistência, as comunidades locais produzem peças de artesanato e utensílios vários, que utilizam no dia-a-dia ou que vendem em mercados locais e lumus (**) . São objectos típicos e fáceis de encontrar para observação aquando das visitas às tabancas, se bem que ainda não se verifique a disponibilidade para aquisição: esculturas e máscaras de madeira produzidas pelos homens Nalu; esteiras e cestos trabalhados pelas mulheres Nalu; potes e recipientes de barro produzidos pelas mulheres Balanta; panos confeccionados pelos homens Manjaco.

Uma grande parte do artesanato produzido, nomeadamente pelos animistas Nalu, tem significado simbólico representando as forças sobrenaturais, havendo a crença de que conferem poderes a quem os usa ou detém. Estes são os caso do Banda, uma máscara que reproduz uma imagem de associação entre o Homem e os animais, como a ave, a cobra, o peixe e o crocodilo, utilizada em momentos festivos; ou do Ninte-Kamatchol [ou Nhinte-Camatchol] (3), uma cabeça de ave com rosto humano, utilizada em ritos de iniciação.

Todas as peças artesanais são susceptíveis de adquirirem interesse turístico, sendo necessária a disponibilização de originais para mostra, exposição e comercialização.

No que respeita às comunidades animistas, é possível encontrar junto de áreas residenciais elementos e locais de culto, nomeadamente pequenos recipientes contendo água para o irã, onde são realizadas práticas de veneração. Além da importância das crenças animistas, na região sul da Guiné-Bissau, o islamismo tem adquirido importância sendo hoje predominante, de tal forma que existem escolas islâmicas com professor próprio, organização e funcionamento autónomo do ensino formal.

A religião e as crenças influenciam ainda os modos de vida das comunidades, no que respeita por exemplo a horários, gastronomia e vestuário: nas tabancas muçulmanas, é habitual o dia iniciar com as orações cantadas pelos homens, que se levantam de madrugada, sendo cuscus marroquino a primeira refeição.

Qualquer uma das práticas exemplificadas reveste interesse turístico no sentido da divulgação e do aprofundamento dos conhecimentos sobre os modos de vida e de organização social das populações autóctones, por serem elementos diferenciadores e conotados com exotismo.


1.3. Os Factores Históricos e Nacionalistas

A região de Tombali, em particular os sectores de Bedanda e de Cacine, fortemente envolvidos pelas Floresta de Cantanhez, é entendida para a maioria do povo guineense como o berço da independência. Esta foi a zona de excelência da luta armada contra a colonização portuguesae o ícone da libertação, tendo albergado alguns dos principais aquartelamentos de tropas portuguesas, como Guiledje, Bedanda, Cacine e Cameconde, mas também os acampamentos da guerrilha, protegidos e apoiados pelas comunidades animistas Balanta e Nalu.

Os Matos de Cantanhez reúnem dois traços que são entendidos como fundamentais para o sucesso das tropas do PAIGC: por um lado, a riqueza dos recursos florestais e as difíceis condições físicas impostas pelo meio denso e fechado, que favoreceram as comunidades locais que detinham conhecimentos únicos propiciados pela vivência directa, adquiridos atravésda experiência ancestral. Por outro lado, a crença no apoio espiritual e na protecção das forças superiores da floresta, o irã, reforçaram a auto-estima e a identidade comunitária, resultando em catalisadores para a concretização da luta.

Os momentos chave da longa guerra colonial foram assim enquadrados pela densidade florestal, desde a fase de organização até às disputas armadas propriamente ditas. Ao longo dos sectores de Bedanda e de Cacine são vários os locais de valor histórico e que representam marcos na História nacional, onde ainda existem partes de aquartelamentos, antigos abrigos, material de guerra, como obuses que se encontram ora espalhados pelo parque florestal, ora amontoados após ter sido efectuada uma primeira recolha, e objectos vários, como pratos e materialde cozinha. Da mesma forma, nas proximidades da tabanca Cassacá, existe um marco de importância extrema para a História da República da Guiné-Bissau: o local onde foi realizado, em 1964, o 1º Congresso do PAIGC, local que Luís Cabral tinha intenção de transformar em cidade pelo simbolismo que representa.

Paralelamente, vivem na região testemunhas vivas da guerra colonial, ex-combatentes que, em maioria, demonstram receptividade para contar e descrever vivências pessoais relacionadas com os momentos mais marcantes, sejam dificuldades ou sucessos, experiências que se transformaram em histórias de vida de uma época que é definida como um dos períodos mais importantes para a Guiné-Bissau e para Portugal.

pp. 35/37
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Notas da autora:

(*) O caju é aproveitado como fruta fresca, secando-se a castanha para comercialização, produzido sumo, vinho e aguardente.

(**) O lumu é um mercado local de dimensão alargada e sujeito a uma determinada organização que funciona com uma periodicidade semanal, reunindo comerciantes que se deslocam a partir das diferentes localidades da região.
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Notas de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série: 24 de Abril de 2008 >
Guiné 63/4 - P2793: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (15): Salvemos o Cantanhez (I)

(2) Vd. publicação disponível, em formato pdf, no sítio do Instituto Marquês de Valle Flôr :Estudo das Potencialidades e dos Constrangimentos do Ecoturismo na Região de Tombali

(3) Vd. poste de 31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau

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