quarta-feira, 28 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

A Guerra estava militarmente perdida?

Uma polémica que está para durar, viva e saudável...

Adaptação do texto e sublinhados da responsabilidade de vb.
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Escreve o Paulo Santiago, em 24 de Maio:

Camaradas,

Após leitura do P2872, bem escrito pelo António Graça Abreu, fico com dúvidas acerca da guerra de guerrilha, melhor acerca da guerra na Guiné.

À pergunta implícita no título não me acho capaz de responder, mas permitam-me algumas considerações.

Diz o António que os guerrilheiros, os turras, como se dizia na época, não controlavam nenhuma cidade, vila ou aldeia importante dentro do território da Guiné.
Pergunto: seria preciso?

Sabemos que uma guerra de guerrilha, qualquer que seja, é dos manuais, não tem que ocupar posições estáticas no terreno. A função da guerrilha é atacar, destruir e retirar.
Isto também é verdadeiro para as tropas especiais – atacar, destruir, retirar de imediato.

Também é verdadeiro, a guerrilha para existir e continuar na luta tem de contar com o apoio das populações, seja esse apoio camuflado ou não. Diz o António que viviam 400.000 guineenses juntos das NT. Entre aquele número, quantos não apoiariam o PAIGC, o IN na designação oficial?

Na zona do Saltinho havia um tipo que era suspeito de apoiar o IN, verificou-se, após a independência isso ser falso, o apoio do PAIGC, estranhamente ou não, era o actual chefe de tabanca do Saltinho, tabanca Mandinga, isolada num mar de tabancas fulas. Aquele chefe de tabanca, Abdu, frequentava diariamente o quartel, exercendo trabalho de magarefe e outros.
Quando estive em Bambadinca diziam, como piada, que nos Nhabijões, à noite, um militar das NT de G3,ao passar ronda, se cruzava com um guerrilheiro de AK. Qual o fundo da piada?

Diz o António que as FA tiveram sempre superioridade de meios terrestres, navais e aéreos. Concordo.

Mas, será isto suficiente?

Vejamos o caso de Gandembel, tão bem retratado pelo Idálio no blogue. Em Abril de 68 a companhia do Idálio ocupou Gandembel, construiu um quartel, desocupado depois em Janeiro de 69. Neste espaço de tempo, tão curto, teve 372 ataques, mais de um ataque por dia em média.
Onde andavam os heli-canhões, os T6 e os Fiat? Ainda não havia Strella's, de que valeu a superioridade aérea?

Em todas as guerras de guerrilha, nunca a superioridade de meios de combate e de combatentes das forças regulares, chamemos-lhe assim, foram suficientes para vencer um número inferior de guerrilheiros dotados de uma panóplia de armamento muito inferior em quantidade e eficácia.
Exemplos não faltam. Os argelinos da FLN não precisaram de ocupar cidades para que os franceses chegassem à conclusão que tinham a guerra da Argélia perdida.

Recentemente, o poderoso exército soviético, com toda a sua tecnologia de ponta em meios de combate, com um número de militares impressionante, foi obrigado a abandonar o Afeganistão onde tinha um inimigo muito inferior numericamente e cujas armas eram AK's, RPG's, canhões sem-recuo e...Strella's. O comandante Massoud e os guerrilheiros afegãos, deslocavam-se a pé e a cavalo, não tinham viaturas militares, não precisaram de ocupar vilas ou cidades, nestas estavam os militares afegãos do Najibullah e os seus apoiantes soviéticos. O general Lebed, comandante dos páras soviéticos, último militar a atravessar a ponte na fronteira sovética-afegã, diz não ter sido vencido militarmente. É possível, certa foi a sua retirada.

Também no Vietname nunca a guerrilha ocupou vilas, aldeias ou cidades. Ocupava túneis no meio da selva, o armamento era inferior ao dos Estados Unidos e dos seus aliados vietnamitas de Saigão, numericamente os guerrilheiros estavam em inferioridade comparando com o efectivo dos dois exércitos aliados. Não valeu de nada a superior qualidade e quantidade de armamento americano, nem a maior quantidade de efectivo combatente.

No Vietname até se chegou à última fase da guerra de guerrilha, quando esta se transforma em guerra clássica, o que levou aquele episódio trágico da retirada militar a partir dos telhados da embaixada.

O António rebate uma afirmação do Beja Santos sobre a Katiuscha, vulgarmente chamada Órgãos de Estaline dizendo que nunca ninguém os viu na Guiné.

Vou discordar dos dois. Na segunda-feira de Carnaval de 1971, houve um baile na escola que ficava junto do quartel do Saltinho, eu fiquei no bar, andava na altura com a coxa direita cozida devido a um acidente com o morteiro 60, quando ia no terceiro ou quarto copo, ouço umas saídas que me levam a abandonar o bar e, agarrado à bengala, encaminho-me para o exterior procurando chegar ao abrigo.

Quando atravessava a parada vejo uns rastos de fogo no horizonte seguidos de uns rebentamentos para os lados de Aldeia Formosa, repetindo-se a cena várias vezes.
Devo dizer, visto àquela distância era interessante, ouviam-se as saídas, viam-se seis rastos de fogo no céu, depois os rebentamentos.

Chega um militar das transmissões dizendo que o quartel de Aldeia perguntava que ataque era aquele que estávamos a sofrer. Mas não é a Aldeia que está a ser atacada? perguntei-lhe. Uma situação bizarra.

Que porra de arma era aquela? Passados poucos dias chegou informação do Com-Chefe, indicando que naquele dia tinha sido utilizado pela primeira vez no TO da Guiné, a Katiuscha, seguindo as especificações da arma.

Sendo assim, caro António, pelo menos uma vez, houve um ataque com os Órgãos de Estaline.


A URSS foi o primeiro país a utilizar os lançadores múltiplos de foguetes durante a segunda guerra mundial. Foram utilizados pela primeira vez em Smolensk, em 1941, durante a investida alemã. A este sistema foi dado o nome de Katiusha, ao qual os soldados soviéticos passaram a chamar "órgãos de Estaline" (VB).


Foi sendo melhorado ao longo de vários conflitos. Muito utilizado em Angola nos combates entre o MPLA, a FLNA e a UNITA, após a independência. Existem actualmente dois sistemas a equipar os exércitos de alguns países: o BM-8 de curto alcance e o M-30 de longo alcance.

Mário, a Katiuscha era montada num camião, precisava de uma estrada ou picada, não sei se voltou a ser utilizada, mas pela precisão demonstrada naquela noite penso que não era arma para temer. Seria boa contra as concentrações de Panzer’s, ou para destruir uma cidade, nada mais.

Já aqui escrevi uma vez que as Forças Armadas Portuguesas, como diz o especialista J.P Cann, bateram-se, atendendo aos escassos recursos, arduamente, esperando uma solução política que nunca chegou.

Quanto à pergunta: a guerra estava militarmente perdida?

Não sei responder, porque se disser não, aparece-me outra pergunta, até quando?

Abraço,

Paulo Santiago
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Nota do co-editor VB:

Artigos relacionados em

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

1 comentário:

A.Teixeira disse...

Gostaria apenas de adicionar uma nota à nota já acima colocada pelo editor do blogue:

A designação oficial do sistema a que se referem durante a Segunda Guerra Mundial era BM-13. Katiusha foi o nome carinhoso que ganhou junto dos soviéticos. "Orgãos de Staline" foi o nome (não tão carinhoso...) que lhe deram os alemães.

http://herdeirodeaecio.blogspot.com/2007/09/katyusha-designao-carinhosa-de-uma-arma.html