1. Em 1 de Dezembro de 2008, Anónimo deixou um este comentário no poste Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos O...:
Senhores
Quando cheguei ao Cachil este era o furriel que já lá estava com um pequeno grupo de homens e três morteiros.
Foi o furriel que punha sempre os soldados à sua frente, conversava, falava, jogava, aconselhava e fazia a vigilância da mata, por eles.
Pareciam todos felizes quando os novos por lá ficavam tristes e sozinhos. Muitos de nós acabaram no jogo da lerpa e na cerveja.
Este furriel também tinha sempre um conselho para nós. Poucas vezes o vi festejar ou a beber com os outros furriéis e alferes da minha Companhia.
Este era o furriel que depois de cada ataque vinha saber de posto em posto, como estávamos e dizia-nos que já tinha terminado tudo, que esta já se tinha passado e outras coisas. Tinha sempre uma palavra que nunca ouvimos dos nossos alferes ou furriéis.
Para mim é um grande homem como um pai, porque me ajudou e aos meus companheiros. É o furriel que não dava ordens. Explicava e ensinava e os soldados faziam tudo sem serem precisas ordens.
Este furriel, se quisesse alguém para o seguir numa patrulha para morrer, tinha sempre mais voluntários do que se fosse para um rancho melhorado. Quando se foi embora nunca mais nos sentimos seguros. Só éramos mais experientes.
Estou a morar na Bélgica, não tenho internete, mas há uns portugueses companheiros mais novos do trabalho que têm e vão deixando ver essas coisas da tropa do meu tempo.
Desejo que o senhor Oliveira seja muito feliz, porque também me fez feliz.
Soldado Carvalho
2. Luís Graça deixava também um comentário dirigido a Santos Oliveira, nestes termos:
Aqui está um depoimento de um antigo soldado teu que te vai encher de orgulho. Como português e como homem.
Luís
3. Por sua vez, o visado, camarada Santos Oliveira deixou, ainda neste dia o seguinte comentário no mesmo poste, dirigido a Luis Graça:
Conseguiste pôr-me a chorar.
Inseri este desabafo de muita saudade por quantos "passaram" ou por quem "passei".
Não era um Soldado do Pel Mort 912; presumo seja duma das CCaç que desfilaram pelo Cômo.
Nunca me senti tão pequenino.
Abraços
Santos Oliveira
4. Outro comentário de Santos Oliveira, este dirigido ao ex-Soldado Carvalho
Camarada Carvalho
Se tens vindo a ler as nossas Histórias, certamente já reparaste que todos nos tratamos por tu; portanto será desse modo que te escrevo. As Patentes (ou Postos) que tínhamos, aqui e agora, já não têm cabimento. Fomos Soldados, Cabos, Furriéis, Sargentos, Alferes ou Capitães, porque assim era. Mas agora apenas somos só Homens, Camaradas, Companheiros e Amigos.
Dos Homens ou da Pátria nunca recebi uma Honraria como a que acabas de me conceder. Foi o maior Louvor, a mais alta Medalha ou o mais sublime Colar que, embora aparentemente invisíveis, guardarei no meu peito. A comoção aperta-me o coração, porque acho que passei por tantos camaradas que não lembro mais, mas que a cada dia se vão revelando. Isso traz-me imenso orgulho, mas também alguma frustração por me sentir impotente e incapaz de corresponder ao que ainda vão esperando de mim.
Como dizes, Ordens não as dei como tal e não seria agora que as daria. Mas, dentro do que tão bem ajuizaste, percebes que gostaria de falar contigo frente a frente (nada me daria mais prazer), por telefone, por carta ou pela Internet. Se assim o entenderes podes consultar os Editores deste Blogue luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e ser-te-hão facultados todos os meus contactos.
Por mim, Amigo Carvalho, eu espero continuar por aqui mais uns tempos.
Para ti, por cá ou pela tua Bélgica de adopção, quero desejar-te as maiores venturas. Mais, pela época que se aproxima, votos que abranjam os teus familiares e teus solidários companheiros de trabalho, UM SANTO E FELIZ NATAL
Abraços, do
Santos Oliveira
Tite > Setembro de 1965 > Santos Oliveira
5. Comentário de CV:
Não pudemos deixar de publicar esta troca de comentários, cuja origem foi uma singela, mas sentida homenagem de um homem que não tem pejo em se assinar como Soldado Carvalho para se identificar. Trata-se de alguém que como tantos outros ex-combatentes, não tiveram outra alternativa que não a diáspora, para levarem uma vida mais confortável materialmente. Pelo modo como se dirige ao nosso camarada Santos Oliveira, denota uma sinceridade e uma humildade dignas de nota. Humildade no sentido de não ter vergonha de se expôr, e enobrecer alguém que ainda hoje é uma referência para ele.
Caro Santos Oliveira, aceita a minha inveja por não ter ninguém a quem tenha deixado a minha marca, naquele ambiente tensão, medos, incertezas, onde o espírito de camaradagem e solidariedade eram tão importantes, especialmente para quem, tendo uma patente inferior, era digno de respeito, como ser humano que era. Temos a certeza que honraste a farda e as divisas que trazias nos ombros.
Subscrevo a tua afirmação. Nenhum Louvor ou Condecoração vale tanto como este elogio vindo da Bélgica, de alguém que passados tantos anos, ficou contente por saber de ti.
Ao Soldado Carvalho, nosso velho camarada de armas, votos de muita saúde e uma boa vida na Bélgica. Que o afastamento da Pátria lhe tenha sido favorável, já que ela o não soube compensar.
____________
Notas de CV:
Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66
(*) Vd. poste de 30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3544: O segredo de... (2): Santos Oliveira: Encontros imediatos de III grau com o IN
Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3525: Blogoterapia (72): Gabriel, Cruz de Guerra na Guiné, coveiro na freguesia...(V. Briote)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Carvalho, meu bom amigo
Se olhares este destaque que é feito á tua sublime mensagem, lembra-te-ás do que disseste e do quanto disseste. É, para mim, demasiado importante o teu contacto.
Por favor, atende ao meu apelo e torna real o que ainda parece sonho.
Um abraço, do
Santos Oliveira
Caro Vinhal
Com a ansiedade de poder obter um qualquer contacto do Grande Soldado Carvalho, acabei por “esquecer” a Nota /Comentário que ainda me faz sentir mais pequenino.Mil perdões. Mas a justiça tardia pode e deve fazer-se momento a momento e de dia em dia. Eu não só aceito de bom grado a tua “inveja” como a partilho contigo, os demais Editores e com quantos de nós por lá passou e criou, certamente, um bom número de Soldados Carvalho, espalhados por este nosso Portugal e pelo Mundo, como se vê. Gente metida nos seus silêncios, mas que, sabemos (sentimos) é orgulhosa do que foram e do que são; lamentamos não se disponham a revelar-se, a dar a cara com coragem semelhante ou igual ao deste muito apreciado Soldado Carvalho.
Um Bem Haja para todos
Santos Oliveira
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