1. Texto enviado por António Garcia Matos (*), ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, com data de 1 de Maio de 2009:
Concordo com o Miguel Pessoa na sua relutância em abraçar o seu inimigo. Não concordo, porém, que ele (Miguel) fosse o inimigo.
Há já algum tempo decidi que, se a saudade me fizesse sentir a necessidade de voltar à Tabanca, fá-lo-ia com redobrada expectativa como se de uma operação se tratasse, prescutando aqui, ouvindo atentamente os sons dali, tentando enquadrar a realidade momentânea, e desferir um eventual ataque caso visse postas em perigo as minhas convicções e os meus credos.
Voltei hoje, e rápido me vi empolgado em participar num contacto após a leitura do post P4271 (**) do meu homónimo António Matos, ainda que de Garcia nada tenha mas de Martins não desdenhe.
Essa leitura levou-me a outras e dou por mim a magicar numa frase do Luís Graça ao dizer que o Miguel Pessoa já não podia apertar a mão (***), quiçá dar um abraço, ao homem (Caba Fati) que o tentou matar (falava do strella com que o alvejara) pois este já tinha falecido.
Sempre defendi que a história não pode nem deve ser contada sem o distanciamento que o tempo imporá sob pena de darmos a conhecer versões tolhidas pelo calor dos acontecimentos e com a objectividade ferida por algum facciosismo.
Apreciei a frontalidade do Miguel ao expôr com verticalidade o seu repúdio a tal cumprimento ainda que não desprezasse o respeito pelo combatente inimigo.
Mas estes 37 anos que me separam daquela realidade deixam-me ver, claramente visto (numa perspectiva pessoal) a grande diferença existente numa tentativa de liquidação dum inimigo no corpo-a-corpo com a destruição dum avião.
Na situação do corpo-a-corpo (emboscada ou flagelação), a destruição do inimigo passava pelo atingimento explícito do corpo do combatente e o troféu seria vê-lo dobrar pelos joelhos numa clara manifestação de derrota.
Tenho para mim que ao apontar uma arma pesada a uma avião e toda a logística que se lhe associa, não haverá a ideia que o inimigo seja outra coisa que não a aeronave.
Deixem-me ficar com esta convicção pois não estou nada a ver pegar numa G3 e calcular o cockpit onde estava o piloto e tentar acertar-lhe entre os olhos !
O objectivo será o avião em si e não o piloto pelo que não concordo com a expressão... o homem que te tentou matar...
Provavelmente esta discussão poderia ser endossada para um âmbito meramente filosófico só não sei se há interessados nela.
Talvez o Miguel
Talvez o Luís Graça
Talvez o Matt Hurley
Eu próprio, definitivamente.
Abraços generalizados e desculpem se a polémica não vos merecer atenção especial.
António Matos ( Garcia )
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4296: Espelho meu, diz-me quem sou eu (2): António Matos
(**) Vd. poste de 1 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4271: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (10): Respondendo ao João Seabra (António Martins de Matos)
(***) Vd. poste de 28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)
Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3587: Controvérsias (12): Chicos, furras e ripanços em Catió, 1968 (Jorge Teixeira)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
António Matos:desculpa lá mas li e merece-me atenção o que dizes. Não vou focar o aspecto de atirar ao avião ou ao homem. Não. Somente isto, que se prende com o ter estado na Guiné em tempo de guerra. Participei nela. Tentei esquecer e até perdoar. Mas não.Não esqueço e não sei perdoar. Acabei de ver o 9º e ultimo episódio da II Série de A Guerra. Foi lá focado e relatado, até por pessoas que conheci, a versão portuguesa. Depois a versão do outro lado (PAIGC)relatada por antigos combatentes e dirigentes. Aos poucos tinha-me despido e estava com o camuflado vestido - em sentido figurado, evidentemente- e digo-te não lhes perdoo e não esqueço. Tenho(!?)consideração pelo Pedro Pires e Aristides Pereira mas, se os tivesse de cumprimentar era com sacrifício.Eles ralados...! Mesmo após a independência da Guiné, se lá estivesse, faria os cumprimentos militares absolutamente necessários.A mais não era obrigado e respeitaria os meus mortos. Vê ou melhor lê o escrito dos Comandos Africanos e de outros que foram fuzilados. Sabes com quem estás a tratar. Sabes,como eu sei, o que se passava e continua a passar naquela terra. Não apoio e discordo com a maneira como foi morto o Presidente daquele País e o CEMFA, de igual modo como discordo de outras mortes nestes anos todos e durante a luta...A guerra é a maior bestialidade praticada pelo homem. Só que há homens que conseguem ultrapassar ainda e em muito, essa bestialidade...Fui longo e muito diria.É um comentário meio "peado"e quase nada disse. AB TM
Caro António Matos
No Poste 4259 tive a oportunidade de referir num comentário que fiz ao Luís Graça: "Devo dizer que nunca o encarei a ele (Caba Fati) como o 'homem que me quis matar'. Numa guerra muitas vezes nem há ódio envolvido nas acções que fazemos; trata-se, não de 'querer matar alguém', mas sim de 'querer evitar que alguém nos mate'. Por isso nunca tive qualquer ódio ou ressentimento contra o Caba Fati, embora também não houvesse motivo para querer fazer dele meu 'amigo do peito'."
Assim, nesse ponto concordamos que a expressão "o homem que me tentou matar" poderá ser um pouco excessiva (embora eu não tenha tido qualquer interferência nessa expressão). Mas o facto é que o objectivo num combate é inibir o material e o pessoal de que o IN dispõe, no sentido de o impedir de prosseguir a sua acção contra as nossas forças. Assim, numa acção contra um meio aéreo, se o objectivo primário é o de destruir ou incapacitar a aeronave, impedindo-a de prosseguir a sua acção, definitivamente ou por um período prolongado de tempo, interessa naturalmente que o piloto seja também impedido de continuar a sua actividade. Chame-se-lhe 'matar' ou qualquer outro termo mais suave, a ideia é a de pôr fora de combate (de preferência para sempre, digo eu) o piloto que estava a bordo. Não interessa agora analisar a relevância que teve para o caso a minha posterior recuperação física que me permitiu continuar a operar no Teatro de Operações, a verdade é que para o IN teria sido melhor se a minha actividade tivesse terminado definitivamente no dia em que fui abatido.
Se se quiser comparar com outros meios terrestres, embora num ataque a um carro de combate o objectivo primário seja a destruição do veículo, não dou muito pela saúde do pessoal que estava lá dentro depois de levar com uma bazookada em cheio... E se tivessem a sorte de sair do carro, certamente que iriam ser metralhados pelo pessoal que tinha acabado de os atingir.
O mesmo se verificou na 2ª Guerra Mundial com os pilotos que tinham acabado de ser abatidos, os quais eram por vezes alvejados pelos aviões inimigos durante a sua descida de pára-quedas sobre território amigo, pois a sua sobrevivência podia significar que no dia seguinte estariam outra vez aptos a combater.
Vais-me desculpar, mas as discussões filosóficas que sugeres não são definitivamente o meu terreno. Sendo uma pessoa prática, preocupo-me fundamentalmente com as que me doem, esquecendo rapidamente aquelas de que já me safei... Uma conhecida socialite dizia há uns tempos qualquer coisa como esta: "Estar vivo é o contrário de estar morto". Nisso estou absolutamente de acordo com ela. E em filosofia não vou mais longe do que isto...
Não me parece que o assunto que agora aqui trouxeste seja objecto de grandes polémicas, pelo menos da minha parte.
Um abraço. Miguel Pessoa
Caro Torcato Mendonça (TM?), pelo teu comentário quer-me parecer que estamos em consonância no que aos sentimentos que aquela guerra nos provocou diz respeito.
É-me particularmente penoso recordar aqueles tempos pelo que de pernicioso representaram .
Não vim com stress pós traumático mas reconheço em muitas das minhas atitudes, movimentos subtis, calculados, prenhes de auto-defesa e tudo nas mais elementares situações do dia a dia.
O novo terrorismo que hoje assola o nosso país não pode ser sub-valorizado ao ponto de continuarmos a admitir que isto são apenas pequenos focos circunstanciais e nada mais !!!
Não, não é !
Caso tenhas vontade ( aviso que é violento !) aqui te deixo uma amostra do que se passa em Portugal no séc. XXI para que se tenha a percepção clara que isto já ultrapassou a barbárie do que eu vi na Guiné !
(Faz um copy/paste para pesquisa no motor de busca e depois conta-me ...)
http://mail.google.com/mail/?ui=2&ik=a77d5318c6&view=att&th=120f46ab33a01b8e&attid=0.1&disp=attd&realattid=0.1&zw
Perante isto, e ainda que academicamente eu pudesse apertar a mão ao meu inimigo de ontem numa manifestação humanista de querer participar na construção duma paz que desejava para os meus filhos e netos, já não concebo outra coisa para esta juventude absolutamente transviada de hoje que não sejam as medidas mais extremas que levem a sociedade a livrar-se destes especímens.
Não sei se o meu raciocínio está capazmente perceptível mas, tal como tu, também me vejo a vestir o camuflado, e começar a acelerar o ritmo cardíaco e gritar por justiça, segurança, paz e prosperidade.
Acredito na bonomia das minhas intenções mas ainda tenho para mim a excelência da formação moral da minha geração cujo desprezo a que foi votada abriu o caminho à insurreição que os governantes, pela imbecilidade e incompetência deram origem.
Para que não subsistam dúvidas, só me refiro aos especímens da geração em causa !
António Matos
Caro Miguel Pessoa, obrigado pelo teu comentário.
Objectivamente tens razão na defesa do teu conceito de abate do inimigo.
Tentei, de facto, uma aproximação menos emotiva e mais de manual belicista para manifestar a minha solidariedade para contigo.
Ainda bem que as tais discussões filosóficas não te apaixonam ( e provavelmente a ninguém deste blog ) pois assim não nos perderemos em alguma esterilidade ocupando-nos, por isso, a continuar na demanda de histórias que fundamentem a existência desta Tabanca.
Um abraço,
António Matos
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