domingo, 24 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4406: Tabanca Grande (147): António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto Rodas do BCAV 8323, Copá, 1973/74

1. Carta de António Rodrigues, Soldado do BCAV 8323, Copá, com data de 15 de Maio:

Porto, 15 de Maio de 2009

António Rodrigues, Soldado do BCav 8323
Autor de "Memórias de um Soldado – Copá – Guiné-Bissau"

Amigos e camaradas da Guiné.
Como não tenho Internete em casa e possuo poucos conhecimentos das novas tecnologias de informação e comunicação, raramente acompanho o que se passa no blogue Luís Graça, onde se podem ler todos estes textos e opiniões sobre a guerra na Guiné.

Sabendo destas minhas limitações, o meu prezado amigo António Graça de Abreu telefonou-me e fez-me chegar pelo correio o belíssimo texto que escreveu a meu respeito sobre Copá, com data de 7 de Março de 2009 e que colocou no blogue (*).
Avisado, fui espreitar e li o texto do António G. A. mais os oito comentários que se lhe seguiram.

Devo dizer que fiquei muito sensibilizado com todos eles a cujos autores agradeço o trabalho a que se deram, mesmo aqueles que ficaram com dúvidas quanto à veracidade dos factos por mim descritos, o que compreendo e respeito, pois essas pessoas não se encontravam então em Copá e muito menos na Guiné, como era o caso do Mário Fitas que nessa altura já tinha saído da Guiné há cerca de 9 anos e portanto talvez não tenha acompanhado a evolução do armamento que o PAIGC foi adquirindo nos últimos anos da guerra. Por exemplo, os mísseis Strela terra-ar fornecidos pela então União Soviética e que em Abril de 1973 começou a utilizar com os quais derrubou alguns aviões portugueses, o último dos quais (Fiat G 91) foi derrubado no dia 31 de Janeiro de 1974, em Copá, a que eu e os meus camaradas assistimos.

Lembro ainda o que aconteceu em Maio de 1973 em Guileje, no sul e em Guidage, no norte e não posso aqui também esquecer os Heróis nossos vizinhos de Canquelifá que muitas vezes eram flagelados nos mesmos dias e às mesmas horas que nós em Copá, honra lhes seja feita também porque muito sofreram.

Antes de continuar este meu esclarecimento e confirmação dos factos sobre Copá digo que não quero com este texto entrar em polémica ou ferir susceptibilidades seja de quem for, mas continuar a assumir tudo que escrevi sobre Copá.

O Mário Fitas põe aqui uma série de dúvidas e diz que também assaltou acampamentos do PAIGC e o armamento não tinha assim grande diferença. Pois bem, o Mário Fitas sai da Guiné em 1966, estes acontecimentos em Copá passaram-se em 1974, mas tenho todo o gosto em tentar esclarecer as suas dúvidas que são naturais.

Quanto à existência de auto-blindados por parte do PAIGC, aconselho-o a consultar o livro "Quem mandou matar Amílcar Cabral" escrito por José Pedro Castanheira, 3ª. Edição de Junho de 1995, Relógio D’Água Editores, na sua página 152 onde se pode ler que em Dezembro de 1972, um mês antes de morrer, Amílcar Cabral recebeu em Conacri uma visita (um infiltrado da PIDE) a quem mostrou especialmente dois carros blindados chegados recentemente e guardados no quartel guineense de Camp Alpha Yaya, um com lagartas e outro com rodas de borracha como faz notar “Alfa”. No porto estavam ancoradas três vedetas recebidas há pouco tempo.

Ainda no que diz respeito às armas novas que foram sendo fornecidas ao PAIGC, devo dizer que no dia 25 de Abril de 1974, Pirada foi flagelada com foguetões durante três horas e logo depois foi instalada em Pirada uma bateria anti-aérea, porque nessa altura se pensava que em breve seríamos bombardeados por aviões vindos de bases no Senegal.

A verdade é que durante as últimas noites que passámos em Copá, em Janeiro de 1974, fomos sobrevoados duas ou três vezes por uma aeronave que não respondia as nossas transmissões, mas de concreto nunca chegámos a saber de que se tratava.

Quanto ao alferes que é preso e reaparece, devo esclarecer o seguinte:

No dia 7 de Janeiro de 1974, a guarnição de Copá era constituída pelo 4º. Pelotão da 1ª. Companhia do BCav 8323 formado por 27 militares europeus e um pelotão de africanos comandado por um alferes e um furriel brancos, num total de 25 homens.
Esta guarnição estava instalada em 7 abrigos e respectivas trincheiras.
As armas existentes em Copá nessa data eram as nossas G3, uma metralhadora Breda montada num tripé, uma HK 21, um lança granadas foguete, um morteiro 81, um morteiro 60 e granadas de mão.

O poderio de fogo, de meios e julgo que também de homens do PAIGC nessa noite de 7 de Janeiro de 1974 era bastante superior ao nosso. Desconheço a verdadeira razão porque acabaram por se retirar ao fim de uma hora e cinco minutos, mas em minha opinião, e sem me querer armar em herói, julgo que foi devido à nossa forte reacção e termos-lhes causado feridos e mortos, como pudemos confirmar no dia seguinte junto do nosso arame farpado.

No dia 7 de Janeiro, durante a flagelação da tarde com morteiros 120 que durou cinco horas e vinte minutos e o ataque ao destacamento a partir da meia noite, a população de Copá e todos os elementos africanos do respectivo pelotão desertaram e fugiram, muitos deles em direcção do Senegal e o último a fugir foi o Demba, um dos cabos africanos desse pelotão que cerca das 0,30 h, vindo do abrigo do comando e transmissões, ao passar pelo abrigo n.º 7, onde eu me encontrava, nos disse que o alferes já estava preso e nós não tínhamos como confirmar isso pois nesse momento estávamos debaixo de fogo intenso e o nosso abrigo ficava distante, do lado oposto ao do comando. Mas passados poucos minutos, o alferes gritou como era seu hábito, a perguntar se estava tudo vivo e aí percebemos que ele não estava preso nem nunca chegou a estar. E nós estávamos todos bem vivos. Espero que com este esclarecimento não fique qualquer dúvida sobre este ponto.

Relativamente ao morteiro 81 lançar granadas fora do tripé, não foi caso único, tenho conhecimento de várias situações que foram relatadas onde isso aconteceu. Eu também não estava junto do morteiro 81 que em Copá foi uma das nossas principais armas de defesa, porque estava instalado num outro abrigo, o nº. 3, mas acredito no relato do meu camarada artilheiro Francisco Vaz Gonçalves que nos disse que actuou dessa forma para tirar o melhor partido da arma porque a distância a que estava o inimigo era muito curta e ele tinha de fazer fogo com o morteiro quase aprumado.

Se as granadas de morteiro 60 fizeram ou não recuar o blindado, também não posso garantir, mas o que posso afirmar, porque a cena se passa à minha frente é que foi a partir do início da nossa reacção com o morteiro 60 sobre o blindado que o inimigo começou a retirar e a partir daí começa o fim do ataque.

Quanto à luta corpo a corpo, ela não existiu mas eu também não escrevi isso em parte nenhuma do livro, digo sim que a luta era quase corpo a corpo porque alguns dos meus camaradas em certos momentos chegaram a estar a uma distância de 10 a 15 metros do inimigo.

Os jornalistas podem e têm todo o direito de investigarem o que quiserem, mas para contar a verdade terão de falar e informar-se com quem esteve e viveu esses dias de inferno em Copá.

Relativamente à ideia de se publicar uma 2.ª edição do meu livro com o meu nome (porque fui eu que o escrevi e não o Benigno Fernando) agradeço a todos os camaradas que se manifestaram nesse sentido, o que mais uma vez muito me sensibilizou e agradeço tal disponibilidade, mas acho que não vale a pena estar a criar mais polémicas com o livro. De resto, logo na altura da publicação pelo Benigno Fernando, tive oportunidade de o confrontar e de lhe dizer cara a cara que ele se tinha limitado praticamente a copiar o que eu escrevi e lhe forneci.

De qualquer forma, essa publicação pelo Benigno teve pelo menos o condão de ter dado a conhecer estas histórias a muitas mais pessoas, inclusive já cheguei a ver e ouvir ler uma passagem do livro num programa de televisão. Doutro modo, isto teria ficado pelo meu círculo de amigos, mais os camaradas do BCav 8323.

Esperando ter esclarecido algumas dúvidas, aqui deixo um abraço amigo para todos.

António Rodrigues,
ex-combatente em Copá,
18/11/73 a 12/02/74.


2. Comentário de CV:

Está formalmente apresentado à Tertúlia o nosso camarada António Rodrigues, autor moral do livro de Benigno Fernando, "O Princípio do Fim".

O destacamento de Copá, abandonado em meados de Fevereiro de 1974, era um local problemático, onde não havia população e a tropa era constantemente flagelada pelo PAIGC. Ainda hoje se pergunta por que não houve um ataque final e consequente aprisionamento dos militares que compunham a guarnição.

António Rodrigues, descreve, como ninguém, esta situação.

As pessoas podem consultar os postes abaixo indicados para fazerem uma pequena ideia do sofrimento a que foi sujeito aquele pequeno grupo de militares desterrado em Copá.

O António Rodrigues, sempre que queira, pode enviar para o nosso Blogue a descrição das suas memórias correspondentes àqueles conturbados tempos.
__________

Notas dos Editores:

(*) Vd. poste de 7 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3995: Os bravos de Copá e um caso de... 'abuso de confiança' (António Graça de Abreu / António Rodrigues)

Sobre Copá, vd. postes de:

11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3871: Em busca de... (65): Pessoal de Copá, 1ª Companhia do BCAV 8323/73 (Helder Sousa)

28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3810: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (3): Unidades de comando em Bajocunda

28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3809: Os últimos dias do destacamento de Copá, Janeiro/Fevereiro de 1974 (Helder Sousa / Fernando de Sousa Henriques)

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3797: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (2): Unidades de intervenção no subsector de Bajocunda

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3795: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (1): O princípio do fim, a história do Soldado António Rodrigues

30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3817: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (4): Unidades de coordenação na Zona Leste

Vd. ainda sobre Copá (destacamento das NT abandonado em 14/2/74):

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1410: Antologia (57): O Natal de 1973 em Copá (Benigno Fernando)

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)

30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3004: PAIGC: Op Amílcar Cabral: A batalha de Guileje, 18-25 de Maio de 1973 (Osvaldo Lopes da Silva / Nelson Herbert)

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3795: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (1): O princípio do fim, a história do Soldado António Rodrigues

16 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)


Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4393: Tabanca Grande (146): Eduardo Alves, ex-Soldado Condutor Auto da CART 6250 (Mampatá, 1972/74)

2 comentários:

Amilcar Ventura, Furri. Mecân. 1ª Comp. 8323 disse...

António Rodrigues Benvindo ao nosso e teu blogue companheiro de luta na Guiné fiquei muito contente pela meia hora de conversa que tivemos ontem ,falaste-me que havia uma data que não estaria correta é a de 7 Setembro 1973 pois nessa altura ainda estava-mos em Portugal, logo fazes a rectificação pois não tenho presente a data em que o nosso primeiro pelotão foi para Copá.

UM GRANDE E FORTE ABRAÇO

Anónimo disse...

Onde se lê "No dia 7 de Setembro de 1973", deve ler-se "No dia 7 de Janeiro de 1974".

António Rodrigues, Autor do texto.
24 de junho de 2009