1. Mensagem do nosso novo camarada Rui Baptista, ex-Fur Mil da CCAÇ 3489/BCAÇ 3872, Cancolim, 1971/74, com data de 30 de Novembro de 2009:
Caro camarada Carlos Vinhal,
Antes de mais quero agradecer-vos todo o esforço pelo trabalho e dedicação que têm tido para fazer viver este blogue com as recordações boas e menos boas dos nossos camaradas de armas que viveram a guerra na Guiné. De seguida quero pedir desculpa por ter demorado tanto tempo a responder-vos e isso deve-se à minha grande falta de jeito para escrever.
Sou Rui Baptista ex-Furriel Miliciano e fiz parte do BCaç 3872. A minha Companhia operacional foi a CCaç 3489 (2.º Pelotão) aquartelada em Cancolim.
Actualmente estou reformado. Tenho 59 anos feitos no passado dia 10 de Setembro.
Sou casado e pai de duas garotas, uma já formada e outra em vias disso.
Vivo na Póvoa de Santo Adrião que fica nos arredores de Lisboa.
Embarquei para a Guiné no NT Angra do Heroísmo em 18 de Dezembro de 1971 e desembarquei em Bissau em 24 do mesmo mês.
Regressei a Portugal no navio Niassa que partiu de Bissau em 28 de Março e chegou a Lisboa a 4 de Abril de 1974.
Nesse espaço de tempo que permaneci na Guiné (27 meses e alguns dias), sempre em Cancolim (há que retirar o tempo do IAO no Cumeré, duas viagens de férias a Lisboa e dois internamentos no Hospital Militar em Bissau), aconteceram coisas que jamais poderei esquecer. Eis aqui um pouquinho dessa história:
A CCaç 3489 não teve muita sorte durante a comissão, principalmente nos primeiros meses. Logo no início em Cancolim em três quintas-feiras seguidas tivemos 4 mortos e 21 feridos.
Um morto e um ferido numa mina na picada entre Cancolim e o destacamento de Sangue Cabomba; 16 feridos ligeiros num despiste de uma viatura a caminho de Bafatá, e mais 3 mortos e 4 feridos na primeira flagelação do IN ao nosso aquartelamento.
Neste primeiro ataque tive a sorte de um ex-furriel dos velhinhos me ter empurrado para dentro da porta da Secretaria, ele, com esse gesto, acabou por ser ferido numa vista por um estilhaço de uma granada de morteiro 82 e eu escapei ileso.
A seguir a estes desaires tivemos o abandono do Capitão e de um Alferes, e a partida forçada para as tropas africanas do Alferes Rosa Santos do meu pelotão.
Como o IN não nos dava tréguas, e com o pouco material de guerra que tínhamos para nos defender (na altura apenas um morteiro 81), com o assalto pelo IN ao nosso destacamento e a captura de 2 homens nossos, a fuga de um soldado para o IN, juntamente com as notícias de mortos no Saltinho e emboscadas no Dulombi, o desânimo instalou-se nas nossas tropas.
Com a substituição do Capitão e dos alferes, acabamos por não ter um comando à altura de nos elevar o moral, passámos por um período do quase salve-se quem puder. Valeu-nos o reforço de um Pelotão do Dulombi e a visita de alguns Páras para as coisas acalmarem em Cancolim.
O resto da comissão, principalmente os últimos 7 ou 8 meses de 1973, foi bem mais calmo. O último ataque a Cancolim foi em 20 de Janeiro de 1974, nesse dia o IN veio de manhã quase junto ao arame, apesar de muitos de nós andarem a jogar futebol, conseguimos fazer com que batessem em retirada deixando um morto no terreno.
A primeira vez que fui parar ao Hospital Militar de Bissau foi devido a uma febre que ninguém conseguiu identificar. Cheguei lá a 6 de Junho de 1972 e saí quase um mês e meio depois. A segunda vez foi pouco tempo depois da primeira, foi logo na coluna seguinte a me irem buscar a Bafatá, dia 14 de Agosto de 1972. Não era a vez do meu Pelotão fazer a coluna. Quem estava na escala era do 1.º Pelotão comandado pelo Capitão, este alegando que não se sentia bem e como eu tinha estado fora da Companhia algum tempo, conseguiu convencer-me a substituí-lo dessa vez. Não gostei muito da ideia mas lá fui.
Após a saída de Bafatá comecei a sentir que algo não ia correr bem. Ao chegarmos a Sangue Cabomba fui colocar o saco do correio (a mais sagrada das coisas para nós) na última viatura, e dei algumas indicações aos condutores de como iríamos proceder à passagem das zonas mais perigosas do resto do percurso até Cancolim.
Foi exactamente no último bocadinho do troço onde nos podiam emboscar que deflagrou a mina colocada na picada. A partir desse momento não me lembro de muita coisa, sei que ainda dei instruções ao homem do rádio para pedir o batimento da zona e também de pedir uma arma e água a um elemento da população e deste me dizer que a mina não era para mim (Furriel desculpa a mina não era para ti – foi o que me ficou gravado na mente). A seguir fui evacuado de heli para Bafatá, recordo ainda de desmaiar sempre que me agarravam no ombro partido e de me terem posto numa maca dentro de numa DO. Acordei em Bissau quando me estavam a cortar o camuflado e voltar a desmaiar quando me agarraram no ombro para radiografar, acordei ao fim de três dias todo ligado e entubado na sala de observações. Estive hospitalizado 40 dias. Nesta mina tivemos 17 feridos, dois deles foram evacuados para Lisboa.
Até aqui só escrevi sobre coisas menos boas, mas também existiram algumas bem divertidas como por exemplo aquela de eu ter pedido uma ZUP em vez de 7UP na primeira vez em que entrei na messe de sargentos no Cumeré, foi um salta pira geral.
As corridas de arcos com gancheta que fazíamos na parada de Cancolim.
Um ou dois festivais da canção de Cancolim (uma das canções vencedoras "Rio Chancra" cantada pelo Rodinhas (Furriel Mecânico Correia), as caçadas às galinhas e cabras da população, e a fisgadas as pombos do nosso pombal para os petiscos, os campeonatos das mais variadas jogatinas de cartas, as missivas que escrevíamos aos ratos para não nos roerem as roupas dentro dos armários – quando vim de férias da primeira vez, dei com o meu saco de viagem todo desfeito e no meio dos farrapos uma ninhada de 7 ratinhos. E mais, muito mais que eu não sei contar aqui.
Por agora é tudo.
Um grande abraço a todos os camaradas.
Rui Baptista
Foto 6 > Bissau, 26NOV71 > Apresentação do Batalhão ao ComChefe (Gen Spínola) > Em 1.º plano o Alf Mil Rosa Santos, falecido há pouco tempo.
Foto 3a > Aquartelamento de Cancolim
Foto 3b > Aquartelamento de Cancolim
2. Comentário de CV:
Caro Rui Baptista, bem-vindo à Tabanca Grande, entra e instala-te comodamente, porque estás entre camaradas, que como tu, tiveram a sua experiência de guerra na Guiné.
Numa das mensagens que nos enviaste, anexaste muitas fotografias. Embora neste poste só publique estas três, vou criar no nosso Blogue um álbum para ti. Se tiveres mais, por favor envia só depois de veres publicadas as que já mandaste. Trabalho é coisa que não falta por aqui, embora feito com prazer. O dia é que só tem 24 horas.
Esperamos que nos mandes histórias onde possamos anexar as ditas fotografias. Embora haja uma série do nosso querido camarada Torcato Mendonça, chamada Fotos falantes, na verdade elas dizem mais quando acompanhadas de legendas e dos relatos dos acontecimentos que retratam.
A tua Companhia já foi falada no nosso Blogue, infelizmente não pelos melhores motivos. Vê, se não conheces ainda, os postes abaixo listados*.
Julgo que sabes, que da nossa tertúlia fazem parte, que me lembre, quatro camaradas do teu Batalhão. A saber:
- Carlos Filipe Coelho, ex-Radiomontador da CCS
- Joaquim Guimarães, ex-Soldado da CCAÇ 3490
- Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS
- Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491
Ficaste com a responsabilidade de representar a tua CCAÇ 3489, pois, para já, és o único tertuliano no Blogue.
Agradecendo o teres-te juntado a nós e esperando a tua colaboração activa e contínua, deixo-te um abraço em nome da tertúlia.
A partir de hoje tens mais umas centenas de bons amigos.
CV
__________
Notas de CV:
(*) Vd. postes de:
6 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2921: Em busca de... (29): António Manuel Rodrigues (1) (Juvenal Amado)
6 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3117: Álbum fotográfico do Juvenal Amado (1): Imagens de Cancolim
e
22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias)
Vd. último poste da série de2 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5358: Tabanca Grande (191): Balanta furtador (Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 1419)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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9 comentários:
Caro Rui Batista
Bem vindo à Tabanca Grande. Qualquer dia teremos que pensar na Tabanca de Odivelas e Arredores.
Temos que arranjar um encontro para que nos conheçamos, sejamos de origem ou não.
Um abraço
José Martins
Caro Rui
Pelo que li no teu escrito escorreito,passaste por lá uns maus momentos , entremeados por pinceladas de actividades simples que ajudavam a desopilar e a ultrapassar toda a dureza dessa vida.
Gostei.Fico a aguardar novas estórias e devo dizer-te que essa conversa do " geito ..." não me convenceu.
Bem vindo até nós
Um abraço
Luis Faria
Camarada Rui
Fiquei com uma dúvida após ter lido
o teu post, agradecia o teu esclarecimento. O AlfMil Rosa Santos foi o meu sucessor no comando do PELCAÇNAT 53 ? O nome não me diz nada, mas a cara diz-me
qualquer coisa. Se foi o meu substituto, penso que chegou ao
Saltinho em 1/08/72, andava eu com
paludismo,e em 3/08 vim para o
Xitole a aguardar transporte para
Bissau. Não deu para conhecer, mas
tenho ideia que o camarada que me
rendeu era da zona da Figueira da
Foz.
Fico a aguardar o esclarecimento.
Abraço
P. Santiago
Camarada Baptista
É com prazer que te vejo aparecer no blogue.
Até agora só tinha estado com o Correia que era apontador de morteiro e tomava conta do depósitos dos géneros.
O Rosa Santos ainda estive com ele num almoço na Mealhada. Cinco ou seis anos depois liguei para a empresa dele e soube que ele tinha falecido.
Tu talvez não te lembres de mim, mas eu estive muitas vezes em Cancolim onde também passei uns bocados azedos. Era 1º cabo condutor de Berliet.
Por baixo do teu poste de apresentação está uma série de fotos de Cancolim e tu deves lá conhecer muita malta.
As fotos que tu nos trazes são porreirissimas.
Meu caro assima de tudo confirmas praticamente o que eu tinha na memória, em relacção a alguns factos passados.
Um abraço e espero muitas recordações de Cancolim.
Se me quizeres contactar directamente há uma lista da tertúlia e basta pedires ao Carlos Vinhal.
Juvenal Amado
Caro Rui Batista
Bem vindo à nossa Tabanca Grande.
Fico contente de ter aqui alguém do meu batalhão e da Companhia de Cancolim (o primeiro a comunicar e a mostrar a garra dessa azarada companhia que, como tu dizes teve um mau começo, mas depois brilhou a grande altura e para o fim da comissão foi pancada n os guerrilheiros).
Um abraço
Luís Dias
Ex-Alfº da CCAÇ3491
ola ...
sou o ex furr.armas pesadas da 2 comp. do bat 4518 que esteve em cancolim de janeiro a setembro /74
se vcs " levaram no pêlo " , nós zeramos nem 1 ataque tivemos ao destacamento nem contatos diretos no mato.
foi com viva emoçao que li relatos de colegas q nos precederam.
golfinho100mar@hotmail.com
ola...
casualmente encontrei alguem que como eu esteve em cancolim ; emotivo os relatos que vcs teem aqui.
sou ex furr mil de A.P. da 2 comp do bat 4518 q esteve em cancolim de jan a set / 74
golfinho100mar@hotmail.com
golfinho100mar@gmail.com
ola sou manuel moura da 2ª ccaç do bat 4518 de cancolim :
meu contato : 962518099
golfinho101mares@hotmail.com
golfinho101mares@gmail.com
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