sábado, 5 de novembro de 2011

Guiné 63/74 – P9001: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (15): As “Piscinas” dos Furriéis da 816



1. O nosso Camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato e Mansoa - 1965/67), enviou-nos a seguinte mensagem desta sua série.


Camaradas,

Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.

Dos tais salpicos das minhas memórias “Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa”:

As “Piscinas” dos Furriéis da 816 

Pessoalmente só conheci, na Guiné, a piscina de Nhacra, ou antes, um tanque alargado aí com 12-15 metros de comprimento por 8-9 m. de largura, mas não tomei banho nela. Vi-os a tomar, para raiva minha. Que melhor naquela canícula do que ter uma piscina ali perto, mesmo daquela água, que até parecia boa (pelo menos de temperatura).

Estava de passagem. Foi breve ali. Na minha estadia na Guiné o percurso não passava por ali.

Uma vista geral do aquartelamento em Nhacra
 A piscina de Nhacra

(Fotos reproduzidas, com a devida vénia, do site “olossatoguinebissau.blogspot.com”)

No entanto, diga-se de passagem, também passei bons bocados em Bissau, note-se. Mas tinha o trabalho de desenfiar em dois internamentos no HM241. De resto, passagem para tomar lugar no Super-Constellation da TAP rumo à metrópole para férias e, aí, ver no avião bajuda branca.

No aeroporto de Bissalanca parecia que já cheirava a Lisboa.

E por falar em avião da TAP seguem-se, e a propósito, duas fotos reproduzidas, com a devida vénia, de www.enciclopedia.com.pt artigos: TAP Portugal:
                     
Este é o quadrimotor “Super Constellation” da TAP que nos trazia de férias para a metrópole.


A TAP oferecia uma bolsa aos passageiros. Não era propriamente uma Louis Vuitton. Era de plástico, mas, naquele tempo, andar de avião era um luxo, assim, a bolsa era exibida com muito garbo.

Mas as piscinas que quero falar são outras, ora vejamos:

Quer em Bissorã quer no Olossato as horas de tédio eram muitas, pois a operacionalidade era feita praticamente de noite. As saídas para “golpe-de-mão” eram feitas com 2 a 3 dias de intervalo. Havia, por o meio, patrulhas, emboscadas, as “operações-vaca”, recolha de populações (a tal psico) e melhorias do quartel, mas ainda restava muito tempo, as tardes principalmente.

Que fazer?... E o disco do Roberto Carlos “Quero que tudo o mais vá pr’ó inferno” sempre a tocar, até desfazer-se.

Então jogava-se à bola, de preferência se estivesse a chover (no tempo dela, claro). Em Bissorã apanhamos o tempo das chuvas e no campo do clube local, quando chovia, o terreno ficava logo numa lama barrenta e viscosa e então era quem mais deslizava para gáudio da tribo. Quando se escorregava não se sabia aonde se ia “estacionar” depois de percorrer alguns metros em posição pouco ortodoxa.

Ou jogava-se às cartas, com burburinho por o meio, de vez em quando - o que até fazia parte - mas era mais para sacudir o marasmo, ou então dormitava-se nas cadeiras de baloiço à porta da messe. Não, não tínhamos cadeiras de baloiço no sentido esmerado, mas cadeiras feitas com as ripas dos pipos de vinho. Como aquelas eram arqueadas, o habilidoso que as fez pôs dois arcos a servir de base e daí o baloiçar. Boa obra que já fomos encontrá-la no Olossato e que deixamos, este rico espólio, aos camaradas vindouros.


Uma cadeira baloiçante. Como se pode ver 2 ripas arqueadas na base (uma de cada lado) permitiam o baloiço.

Então as vezes, para sacudir aquela seca, alguém se lembrava de dizer: “Vamos fazer uma piscina?” (não me lembro quem foi o batizador de “piscina”).

O da ideia estava nas últimas sílabas e já se via um a correr à cozinha (?), que ficava atrás da messe, buscar o alguidar de inox no qual o Dunga (cozinheiro nativo dos sargentos) se servia para cozinhar o tacho da malta. Ponho um ponto de interrogação em cozinha, pois também era um grande viveiro de baratas. Não se viam, até que alguém se lembrou de mudar uns balcões. Meu Deus, eram… eram… aos milhares, embora fossem baratas.

Uma vez o alguidar aí com 45 cm. de diâmetro sobre uma das mesas da messe, havia um habilidoso a fazer a “piscina”.

Primeiro o excipiente: o vinho tinto da tropa (não sei se canforado ou não. Se sim, não parecia fazer efeito).

Depois toda a espécie de mistura espirituosa. Peppermint, Whiskey, Brandy, Rum, Oporto wine e tudo que andasse por ali. Graças a Deus de bebidas fortes estávamos bem servidos. Tínhamos um bom frigorífico também. Quando algum vinha de férias trazia sempre novidades em líquido espirituoso. Mas em Bissau em bebidas fortes havia do melhor também, a seguir …à cerveja, que com as ostras era a combinação perfeita.

Feita a mistura, com muito gelo por o meio, haja alguém para começar. Uma mão em cada asa e alguma força muscular para os primeiros (alguidar quase cheio) e pronto, dava a roda, uma, duas, três vezes... . Alguns mais demorados do que outros, mas, ninguém reclamava, só perto disso.

Bom até aqui tudo trivial. Beber em conjunto, mesmo de alguidar, ou mais na intimidade o seu copito, melhor ou pior, fazia parte de qualquer militar e de qualquer Companhia e em qualquer lugar da Guiné.

Então para quê vir contar isto para aqui?

Pois, o caricato, ou melhor a razão do conto que saltou para as minhas memórias, é já a seguir:

Quase todos os Furriéis usavam bigode; alguns mais ou menos aparados outros à existencialista, isto é, o bigode crescia crescia…, ali na Guiné tudo crescia depressa!

Quando chegava a um bigodeiro, este, ao beber, mergulhava também o bigode (lembro que um bigode fica logo acima da boca - e em certos casos a tapar esta -) no precioso líquido e até parecia estar a marinar (termo culinário); então quando tocava aos farfalhudos o bigode entrava aí uns bons 2 centímetros no líquido. E ali ficava até passar a outro.

Foi essa dos bigodes (alguns com matizes amareladas, não sei se do tabaco) dentro do cocktail que me ficou na retina e então há que registar.

Alguém morreu?

Alguém apareceu com moléstias?

Não! Afinal só o bigode é que ficava com aquela “água de colónia” por uns tempos para passar a língua mais tarde e de vez em quando.

Acresce dizer que no nosso Convívio de 2010 em Esposende alguém se lembrou de fazer uma “piscina”. Passados quarenta e cinco anos (quase meio século!) a piscina voltou aos Furriéis da 816. Ele há cada coisa! Bom, bigodes daqueles já não havia e porque aos sessenta e muitos tal já não se resiste assim a tudo, como por exemplo o porco (?) do mato em Uaque (“apanhado” - para não dizer roubado - algures no mato) que nem quarenta por cento estava queimado e foi todo (ai os 20 anos!).

Então em Esposende só se molhou o bico. Tudo biqueiro, ou melhor, pouco bebedeiro. Coisas do tempo… que já não volta, embora o António Mourão assim o pedisse, já quando lá andávamos. Lembro-me bem da maquineta de discos na esplanada do Café Portugal em Bissau.

Ah!, e a Ada de Castro com o “Adeus”.


Uma vista parcial da messe dos sargentos no Olossato. Como podem ver, tínhamos já ecoponto e até vasos com plantas exóticas. Também encostada à parede ao fundo vê-se uma cadeira baloiçante. Eu estou a acender um cigarro. Provavelmente um Craven A


O Craven A era um cigarro muito apreciado pela malta. Como Craven “vem” de crava, haviam histórias hilariantes à mistura.

Há mais pr’a ver neste “Memórias…”

Rui Silva
Fur Mil da CCAÇ 816
____________
Nota de MR:

Vd. último poste desta série em:

19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8797: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (14): Quando do PCA veio a ordem para atacar a base de Morés...

  

4 comentários:

Luis Faria disse...

Caro Rui Silva

Postas as bigodaças de molho nesse tipo de piscina,com certeza não havia nos tempos seguintes,mosquito ou maleita que se aventurasse a tentar intrometer-se!!

Um dia fiz uma experiência(?)similar que ...resultou em demasia!!!

Cá fico à espera de mais uns "salpicos".

Um abraço
Luis Faria

Manuel Joaquim disse...

Olá, meu caro Rui!

Dizes: «... e o disco de Roberto Carlos, "Quero que tudo o mais vá p'ró inferno", sempre a tocar, até desfazer-se».
Eh pá, pelos vistos também me calhou a mim ajudar a acabar com o disco!

Passei o mês de julho/1966 no "teu" Olossato, ou melhor, num "bunker" recém construído a poucos kms do Olossato, em guarda à ponte de Maqué (estrada Bissorã/Olossato).Desculpa mas, por mais que tente, não me lembro de ti. Alguma razão deve haver, se calhar não estavas lá.

Não sei se era todos os dias, mas foram muitos, em que ia almoçar à vossa messe. Após o almoço, vinham os "digestivos" e o convívio com a "furrielada" excecional da 816. Sempre presente, um gira-discos para animar a sessão. E não havia sessão em que não "saltasse" Roberto Carlos com "Quero que tudo mais vá p'ró inferno!"

Momentos nunca mais esquecidos! As imagens, retenho-as nítidas e é com alguma emoção que as recordo.
Vejo o inesquecível furriel Baião (infelizmente já falecido) a dirigir o coro da malta que, num quase grito libertador, quase orgástico, segue o maestro entoando com as gargantas em explosão: "só quero que você me aqueça neste inverno e que tudo o mais VÁ P'RÓ INFERNO!"
Inolvidável!

Quanto às "piscinas", não dei por nada! É óbvio que, logo após almoço, não seria ocasião para isso. E eu , mesmo esticando um pouco o convívio com a malta da 816, tinha que regressar ao buraco de Maqué.

Um grande abraço

Joel Viola Pacheco disse...

Caro RUI SILVA:Cheguei ao olossato em Maio de 72,e encontrei um tanque/piscina que nunca foi utilizado por nós e pela comp. que fomos render, o dito tanque estava entre o bar e as casa de banho dos soldados, ao lado das oficinas. Quanto aos bigodes, quase todos usavam os ditos, ainda mantenho o meu, já grizalho e a resistir ao pedido da minha esposa para o cortar. ABRAÇÕS para todos aqueles que estiveram no OLOSSATO. VIOLA DA CCAV 3568/72/74

Hélder Valério disse...

Caro Rui Silva

Não tive oportunidade de comentar no momento em que o 'post' viu a luz do dia mas sai agora para te dizer que da piscina de Nhacra também usufruí numa das vezes que fui até lá.
Quanto à outra 'piscina', a do cocktail/surpresa pois deve ter sido uma maluqueira bem grande mas, como dizes, eram outros tempos, o pessoal andava vacinado e não consta terem havido doenças daí derivadas. Fica, contudo, como bem relembras, a imagem de bigodes farfalhudos a ficarem ensopados para darem as seus proprietários 'aquele' suplemento que outros já não teriam.

Abraço
Hélder S.