1. O nosso Camarada Rui
Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato e Mansoa - 1965/67), enviou-nos a seguinte mensagem
desta sua série.
Camaradas,
Como sempre
as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os ex-Combatentes da
Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas
daquela maldita guerra.
Dos tais salpicos
das minhas memórias “Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa”:
As
“Piscinas” dos Furriéis da 816
Pessoalmente
só conheci, na Guiné, a piscina de Nhacra, ou antes, um tanque alargado aí com
12-15 metros de comprimento por 8-9 m. de largura, mas não tomei banho nela.
Vi-os a tomar, para raiva minha. Que melhor naquela canícula do que ter uma
piscina ali perto, mesmo daquela água, que até parecia boa (pelo menos de
temperatura).
Estava
de passagem. Foi breve ali. Na minha estadia na Guiné o percurso não passava
por ali.
A piscina de Nhacra
(Fotos
reproduzidas, com a devida vénia, do site
“olossatoguinebissau.blogspot.com”)
No
entanto, diga-se de passagem, também passei bons bocados em Bissau, note-se. Mas
tinha o trabalho de desenfiar em dois internamentos no HM241. De resto,
passagem para tomar lugar no Super-Constellation
da TAP rumo à metrópole para férias e, aí, ver no avião bajuda branca.
No
aeroporto de Bissalanca parecia que já cheirava a Lisboa.
E
por falar em avião da TAP seguem-se, e a propósito, duas fotos reproduzidas,
com a devida vénia, de www.enciclopedia.com.pt
artigos: TAP Portugal:
Este
é o quadrimotor “Super Constellation” da TAP que nos trazia de férias para a
metrópole.
A
TAP oferecia uma bolsa aos passageiros. Não era propriamente uma Louis Vuitton.
Era de plástico, mas, naquele tempo, andar de avião era um luxo, assim, a bolsa
era exibida com muito garbo.
Mas
as piscinas que quero falar são outras, ora vejamos:
Quer
em Bissorã quer no Olossato as horas de tédio eram muitas, pois a operacionalidade
era feita praticamente de noite. As saídas para “golpe-de-mão” eram feitas com
2 a 3 dias de intervalo. Havia, por o meio, patrulhas, emboscadas, as “operações-vaca”,
recolha de populações (a tal psico) e melhorias do quartel, mas ainda restava
muito tempo, as tardes principalmente.
Que
fazer?... E o disco do Roberto Carlos “Quero que tudo o mais vá pr’ó inferno”
sempre a tocar, até desfazer-se.
Então
jogava-se à bola, de preferência se estivesse a chover (no tempo dela, claro).
Em Bissorã apanhamos o tempo das chuvas e no campo do clube local, quando
chovia, o terreno ficava logo numa lama barrenta e viscosa e então era quem mais
deslizava para gáudio da tribo. Quando se escorregava não se sabia aonde se ia
“estacionar” depois de percorrer alguns metros em posição pouco ortodoxa.
Ou
jogava-se às cartas, com burburinho por o meio, de vez em quando - o que até fazia
parte - mas era mais para sacudir o marasmo, ou então dormitava-se nas cadeiras
de baloiço à porta da messe. Não, não tínhamos cadeiras de baloiço no sentido
esmerado, mas cadeiras feitas com as ripas dos pipos de vinho. Como aquelas eram
arqueadas, o habilidoso que as fez pôs dois arcos a servir de base e daí o
baloiçar. Boa obra que já fomos encontrá-la no Olossato e que deixamos, este
rico espólio, aos camaradas vindouros.
Uma
cadeira baloiçante. Como se pode ver 2 ripas arqueadas na base (uma de cada
lado) permitiam o baloiço.
Então
as vezes, para sacudir aquela seca, alguém se lembrava de dizer: “Vamos fazer
uma piscina?” (não me lembro quem foi o batizador de “piscina”).
O
da ideia estava nas últimas sílabas e já se via um a correr à cozinha (?), que
ficava atrás da messe, buscar o alguidar de inox no qual o Dunga (cozinheiro
nativo dos sargentos) se servia para cozinhar o tacho da malta. Ponho um ponto
de interrogação em cozinha, pois também era um grande viveiro de baratas. Não
se viam, até que alguém se lembrou de mudar uns balcões. Meu Deus, eram… eram…
aos milhares, embora fossem baratas.
Uma
vez o alguidar aí com 45 cm. de diâmetro sobre uma das mesas da messe, havia um
habilidoso a fazer a “piscina”.
Primeiro
o excipiente: o vinho tinto da tropa (não sei se canforado ou não. Se sim, não
parecia fazer efeito).
Depois
toda a espécie de mistura espirituosa. Peppermint,
Whiskey, Brandy, Rum, Oporto wine e tudo que andasse por ali.
Graças a Deus de bebidas fortes estávamos bem servidos. Tínhamos um bom
frigorífico também. Quando algum vinha de férias trazia sempre novidades em
líquido espirituoso. Mas em Bissau em bebidas fortes havia do melhor também, a
seguir …à cerveja, que com as ostras era a combinação perfeita.
Feita
a mistura, com muito gelo por o meio, haja alguém para começar. Uma mão em cada
asa e alguma força muscular para os primeiros (alguidar quase cheio) e pronto,
dava a roda, uma, duas, três vezes... . Alguns mais demorados do que outros,
mas, ninguém reclamava, só perto disso.
Bom
até aqui tudo trivial. Beber em conjunto, mesmo de alguidar, ou mais na
intimidade o seu copito, melhor ou pior, fazia parte de qualquer militar e de
qualquer Companhia e em qualquer lugar da Guiné.
Então
para quê vir contar isto para aqui?
Pois,
o caricato, ou melhor a razão do conto que saltou para as minhas memórias, é já
a seguir:
Quase
todos os Furriéis usavam bigode; alguns mais ou menos aparados outros à existencialista,
isto é, o bigode crescia crescia…, ali na Guiné tudo crescia depressa!
Quando
chegava a um bigodeiro, este, ao beber, mergulhava também o bigode (lembro que
um bigode fica logo acima da boca - e em certos casos a tapar esta -) no
precioso líquido e até parecia estar a marinar (termo culinário); então quando
tocava aos farfalhudos o bigode entrava aí uns bons 2 centímetros no líquido. E
ali ficava até passar a outro.
Foi
essa dos bigodes (alguns com matizes amareladas, não sei se do tabaco) dentro
do cocktail que me ficou na retina e
então há que registar.
Alguém
morreu?
Alguém
apareceu com moléstias?
Não!
Afinal só o bigode é que ficava com aquela “água de colónia” por uns tempos
para passar a língua mais tarde e de vez em quando.
Acresce
dizer que no nosso Convívio de 2010 em Esposende alguém se lembrou de fazer uma
“piscina”. Passados quarenta e cinco anos (quase meio século!) a piscina voltou
aos Furriéis da 816. Ele há cada coisa! Bom, bigodes daqueles já não havia e
porque aos sessenta e muitos tal já não se resiste assim a tudo, como por
exemplo o porco (?) do mato em Uaque (“apanhado” - para não dizer roubado - algures
no mato) que nem quarenta por cento estava queimado e foi todo (ai os 20 anos!).
Então
em Esposende só se molhou o bico. Tudo biqueiro, ou melhor, pouco bebedeiro.
Coisas do tempo… que já não volta, embora o António Mourão assim o pedisse, já
quando lá andávamos. Lembro-me bem da maquineta de discos na esplanada do Café
Portugal em Bissau.
Ah!,
e a Ada de Castro com o “Adeus”.
Uma
vista parcial da messe dos sargentos no Olossato. Como podem ver, tínhamos já
ecoponto e até vasos com plantas exóticas. Também encostada à parede ao fundo
vê-se uma cadeira baloiçante. Eu estou a acender um cigarro. Provavelmente um Craven
A
O
Craven A era um cigarro muito apreciado pela malta. Como Craven “vem” de crava,
haviam histórias hilariantes à mistura.
Há
mais pr’a ver neste “Memórias…”
Rui
Silva
Fur Mil da CCAÇ 816
____________
Nota de
MR:
Vd.
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4 comentários:
Caro Rui Silva
Postas as bigodaças de molho nesse tipo de piscina,com certeza não havia nos tempos seguintes,mosquito ou maleita que se aventurasse a tentar intrometer-se!!
Um dia fiz uma experiência(?)similar que ...resultou em demasia!!!
Cá fico à espera de mais uns "salpicos".
Um abraço
Luis Faria
Olá, meu caro Rui!
Dizes: «... e o disco de Roberto Carlos, "Quero que tudo o mais vá p'ró inferno", sempre a tocar, até desfazer-se».
Eh pá, pelos vistos também me calhou a mim ajudar a acabar com o disco!
Passei o mês de julho/1966 no "teu" Olossato, ou melhor, num "bunker" recém construído a poucos kms do Olossato, em guarda à ponte de Maqué (estrada Bissorã/Olossato).Desculpa mas, por mais que tente, não me lembro de ti. Alguma razão deve haver, se calhar não estavas lá.
Não sei se era todos os dias, mas foram muitos, em que ia almoçar à vossa messe. Após o almoço, vinham os "digestivos" e o convívio com a "furrielada" excecional da 816. Sempre presente, um gira-discos para animar a sessão. E não havia sessão em que não "saltasse" Roberto Carlos com "Quero que tudo mais vá p'ró inferno!"
Momentos nunca mais esquecidos! As imagens, retenho-as nítidas e é com alguma emoção que as recordo.
Vejo o inesquecível furriel Baião (infelizmente já falecido) a dirigir o coro da malta que, num quase grito libertador, quase orgástico, segue o maestro entoando com as gargantas em explosão: "só quero que você me aqueça neste inverno e que tudo o mais VÁ P'RÓ INFERNO!"
Inolvidável!
Quanto às "piscinas", não dei por nada! É óbvio que, logo após almoço, não seria ocasião para isso. E eu , mesmo esticando um pouco o convívio com a malta da 816, tinha que regressar ao buraco de Maqué.
Um grande abraço
Caro RUI SILVA:Cheguei ao olossato em Maio de 72,e encontrei um tanque/piscina que nunca foi utilizado por nós e pela comp. que fomos render, o dito tanque estava entre o bar e as casa de banho dos soldados, ao lado das oficinas. Quanto aos bigodes, quase todos usavam os ditos, ainda mantenho o meu, já grizalho e a resistir ao pedido da minha esposa para o cortar. ABRAÇÕS para todos aqueles que estiveram no OLOSSATO. VIOLA DA CCAV 3568/72/74
Caro Rui Silva
Não tive oportunidade de comentar no momento em que o 'post' viu a luz do dia mas sai agora para te dizer que da piscina de Nhacra também usufruí numa das vezes que fui até lá.
Quanto à outra 'piscina', a do cocktail/surpresa pois deve ter sido uma maluqueira bem grande mas, como dizes, eram outros tempos, o pessoal andava vacinado e não consta terem havido doenças daí derivadas. Fica, contudo, como bem relembras, a imagem de bigodes farfalhudos a ficarem ensopados para darem as seus proprietários 'aquele' suplemento que outros já não teriam.
Abraço
Hélder S.
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