quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11121: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (7): Fogo!!!.... O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas!

1. Notícias da nossa Anabela Pires, com data de 17 do corrente:

[Foto à direita: Anabela Pires, em Catesse, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 20012. Créditos fotográficos: AD - Acção para o Desenvolvimento]


Car@s amig@s, família, ex-vizinhos e ex-colegas

Há 1 mês que estou em Auroville. Para aqueles que não sabem estou há 2 semanas a trabalhar numa quinta que está a fazer a reconversão para agricultura biológica. E já sei andar de lambreta!

Continuo bem e satisfeita por aqui estar. Há 2 dias começou a fazer aquele calor húmido que nos faz ter sempre a sensação de estarmos sujos. Felizmente esta tarde a trovoada chegou e com ela a chuva! Já o ar está mais aliviado!

Esta semana não vou enviar o habitual diário para aqueles que o pediram - não escrevi nada! Não me apeteceu, não tive oportunidade.

Os meus votos para que todos se encontrem o melhor possível. Ficarei feliz de também receber notícias vossas.Um enorme abraço, Anabela Pires.

2. Resposta imediata de L.G.:

Querida, não vistes o blogue, com a triste notícia da morte da Cadi... Esta semana que passou... [, Foto à direita, 2010, crédito fotográfico: Pepito].

 Obrigado pelas tuas notícias com os teus progressos em Auroville. Um beijinho. Luis

PS - Continuo a publicar o teu diário, que já tem fãs...

3. Continuação da publicação do Diário de Iemberém


Diário de Iemberém, por Anabela Pires [, que escreve de acordo com a antiga ortografia] (Parte VII) (*)

10 de Fevereiro de 2012

Ontem à tarde estava combinado que ia fazer com a Satu uma sopa e experimentarmos fritar bananas como a minha mãe fazia em Moçambique e às quais eu não resistia. Não fizemos nada pois apanhámos um susto!

Recebi ontem, finalmente, as encomendas que tinha metido no correio antes de sair de Portugal (já estavam em Bissau há uns 15 dias mas só ontem veio um carro da associação que as trouxe até aqui! Ai meu rico cafezinho que já andava a beber nescafé há quase uma semana!) e as coisas que tinha pedido à Isabel e à Binto para me comprarem em Bissau.


Estava toda contente, como uma criança pequena quando recebe um presente, a tirar as coisas dos caixotes, ouvi uma gritaria no terreiro. Não liguei, é frequente e ouvia a Jóia muito zangada e pensei que o pequeno Mamadu já tinha feito algum disparate. Entretanto sai da cozinha para ir à varanda procurar um saco com um pacote de manteiga e queijo de bola e o que vejo? O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas! Quer dizer, ardia tudo menos o forno que é de barro. O telheiro é de colmo, como na grande maioria das moranças, os suportes de paus, a caixa de amassar o pão, a mesa, enfim, tudo de material muito bom para arder!

O forno fica a 1 metro de distância da parede lateral da minha casa. À minha porta estava já o jardineiro que me disse para eu tirar a roupa que estava estendida na varanda mas eu não era capaz pois o calor era imenso. Saí, apanhei umas roupas que não eram minhas e que estavam a secar na minha vedação de bambu (que, nem sei como, não ardeu!) e fui ao terreiro das mulheres. Nessa altura já elas vinham com bacias e baldes de água e alguns homens também para apagarem o fogo. Vi-os encostarem o grande escadote em metal à parede da minha casa e começarem a atirar água para o meu telhado que é de zinco. Um dos barrotes exteriores já estava a arder.

Tivemos muita sorte pois o vento puxava as chamas para cima e as árvores são muito altas. Lá andámos todos a transportar água e fiquei a saber que só não podíamos deitar água em cima do forno sob pena de se partir todo. Enfim, além do forno ainda se salvou a pá do padeiro, a mesa e a caixa de amassar o pão, bastante chamuscadas. Tudo o resto foi à vida!

Vi o rosto da Jóia transfigurado e imaginei que tinha sido “habilidade” do Mamadu, que entretanto já tinha levado umas valentes palmadas e tinha fugido para o mato. O Mamadu tem pouco mais de 4 anos e, pelo que, descobrimos mais tarde, foi com um outro menino, o Talibe, experimentar o isqueiro da Cadi [, esposa do padeiro] . Já me tinha apercebido do fascínio do Mamadu pelos isqueiros pois sempre que está ao pé de mim tenta acender o meu mas não consegue pois ainda não tem força suficiente.

Tudo acabou em bem, o Mumini nem se alterou, a Satu vai pagar o prejuízo, hoje começam a reconstrução do telheiro. A Jóia é empregada da Satu há 5 anos, mãe solteira de 2 crianças, mas a Satu já gosta dela como de uma filha. Fui buscar o Mamadu ao mato, trouxe-o aqui para casa de onde, literalmente, não queria sair! Dei-lhe banho, lanche, e pu-lo a desenhar no chão do quarto que está quase vazio. Mas primeiro levei-o a ver os estragos e creio que se a memória dele já funcionar não voltará a brincar com o fogo.

À noite, no terreiro, acabámos todas a rir pois a Satu, passado o susto, reconta a história com imensa graça e com muita mímica. Então a grande aflição foi a minha casa, o facto de eu ter uma botija de gás numa divisão que dá para o lado do forno, o facto de eu estar em casa! Mas em vez de me chamar e me dizer o que se estava a passar, não, diz que desatou a tremer e a gritar em fula (eu não percebo crioulo quanto mais fula!) “ajudem-me, ajudem-me!”! Alguém teve a imediata preocupação de apanhar a minha roupa que estava a secar numa outra corda ao lado do forno mas não me chamaram!

Enfim, nunca tinha presenciado uma cena destas. Certamente por causa do calor no meu telhado esta manhã tinha 2 morcegos a voar na minha cozinha! Devem ter saído pelo respiradouro do telhado que fica na casa de banho e que pedi desde o 1º dia para ser vedado mas ainda não foi! Tudo se vai fazendo ….. lentamente, muito lentamente. Um dos morcegos já saiu para a rua mas o outro não sei onde está! E assim foi a tarde de ontem!

Tentei telefonar à minha Mila duas vezes mas não consegui falar com ela! São horas de me ir despachar para ir trabalhar.

(Continuação)

[Foto acima: Farim do Cantanhez, 10 de dezembro de 2009. Crianças.  Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]

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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11088: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (6): O mundo das mulheres é sempre muito especial e aqui ainda mais, onde mulheres e homens não se misturam muito no dia-a-dia, por razões da cultura muçulmana

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