Quadragésimo primeiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
Há dias o companheiro combatente José Dinis, exemplificando um episódio que se passou no seu aquartelamento, que estava situado em zona de combate, menciona umas palavras, que nós, os antigos combatentes, creio que nunca usámos quando lembramos a nossa passagem por aquele conflito. A certa altura ele descreve: "À minha frente, empunhando a espingarda automática G3, com o cinturão a pender da cintura, mas sem lhe tapar o órgão genital, apresentava-se um contra-guerrilheiro”.
Para quem lá andou, este cenário era normal em qualquer aquartelamento, em qualquer localidade onde estavam militares aquartelados, pois o clima era sobretudo quente e húmido, portanto muito diferente da Europa, de onde quase todos os militares eram oriundos, usando, naquela altura das suas vidas,
o mínimo de roupa sobre o corpo. Mas as palavras “contra- guerrilheiro”, sim, contra-guerrilheiro, são novas quando nós antigos combatentes, mencionamos algumas passagem por aquele conflito, pelo menos para mim, e agora pensando bem, o que éramos nós naquele cenário e na voz dos guerrilheiros?
Nós estávamos lá a lutar “contra” o inimigo, que neste caso eram os guerrilheiros que compunham o grupo organizado e armado que lutava pela independência dos seu território, ele, o inimigo, que neste caso eram os guerrilheiros, talvez não dissessem essas palavras, quando se referiam a nós, os militares, pois tinham outros adjectivos, mas no fundo éramos uns “contra-guerrilheiros”, sofredores, sem condições de alojamento, vivendo debaixo de abrigos, dentro de uma cerca de arame farpado, com uma dieta fraca, e quase sempre igual, a nossa higiene, quando praticada era deficiente, alguns, algumas partes do seu corpo só via água quando chovia ou quando atravessavam as bolanhas e os canais, quando iam em patrulha, que era quase todos os dias, e então aí sim, molhavam-se, calcando bolanhas e savanas, carregando material de guerra, algum obsoleto, procurando um inimigo que não conheciam, a quem nunca tinham falado, com quem nunca se tinham zangado, e no tempo em que lá estive, vivi dois anos nesse cenário, embora não estivesse sujeito às tarefas dos companheiros de acção, mas via o que esses homens sofriam, com o camuflado e as botas rotas, cara de angústia, alguns dizendo mal de tudo, outros não querendo falar, muitos procurando na bebida e no cigarro, entre outras coisas, esquecer onde estavam acantonados, e os que não usavam a bebida ou o cigarro, nem sempre feito de tabaco, pelo menos no meu tempo, procuravam um espaço para poderem ter uns momentos de sossego debaixo dos mosquiteiros, isto tudo, quando regressavam das diversas tarefas a que quase todos os dias estavam submetidos, pois alguns, infelizmente não regressavam.
Estou a falar de todos, soldados, milicianos e militares de carreira, que se desdobravam pelos diversos cenários de guerra, com que o governo de Portugal estava envolvido, que era a muitos quilómetros da Europa, onde quase todos tinham nascido, e iam para combate, num espaço ambiental completamente diferente, ao que estavam acostumados, sem o treino, material de guerra, e preparação psicológica, para se poderem defender.
O José Dinis, trouxe até nós umas palavras, que talvez fossem ditas com alguma graça, mas fazem muito senso.
Tony Borie, Julho de 2013
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Nota do editor
Último poste da série de 21 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12481: Bom ou mau tempo na bolanha (40): Não era o Pai Tónio (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Essa do contra guerrilheiro tem porras.
É caso para dizer, é flórida.
Porque será que Spínola e outros comandantes inventaram nomes como Comandos Africanos, Flexas, Milícias, e não se lembraram deste termo Contra-Guerrilheiro?
Talvez nem eu que estive na guerra 13 anos, nem Marcelino da Mata que esteve quase tanto tempo como eu ouvimos este termo «Contra-guerrilheiro»
Só neste blog é que os historiadores um dia interpretarão a sério porque é que existiu uma guerra colonial à-lá-tuga.
Sim, porque com o tempo corre-se o risco de ficar na história que andámos lá apenas a "gastar cêra com ruím defunto".
È que estes contra guerrilheiros ao serem desarmados, os guerrilheiros em toda a África, até hoje, nunca mais lhe faltaram fornecedores de metralhadoras.
O nome mais apropriado seria mesmo esse.
E aí já seriam todos os régulos e as milhares de tabancas que eram contra-guerrilheiros.
Cumprimentos
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