segunda-feira, 17 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12848: Notas de leitura (573): "Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa", por Pires Laranjeira e "Jornal Português" e a notícia do assassinato de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
A Universidade Aberta editou em 1995 um conjunto de ensaios sobre as literaturas africanas de expressão portuguesa. Aqui se faz o registo do que ao tempo era o balanço da literatura da Guiné-Bissau onde pontificava (como pontifica) a lírica.
Igualmente se junta uma referência a um jornal da extrema-esquerda publicado em Paris, tendo como público mais interessado os desertores e refratários, estamos em 1973, noticia-se o assassinato de Cabral e deixa-se claro que a morte do líder não irá desmotivar a luta armada em curso, fala-se também de atos de destruição perpetrados pelas Brigadas Revolucionárias.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, por Pires Laranjeira
*
Jornal Português noticia o assassinato de Amílcar Cabral

Beja Santos

A Universidade Aberta editou em 1995 “Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa”, com coordenação de Pires Laranjeira cujo capítulo dedicado à Guiné-Bissau foi redigido por Inocência Mata. Vale a pena um olhar em relance o que nos propõe a investigadora.

A literatura guineense é tardia e escassa. Entre as principais razões que se pode encontrar há que ter em conta a débil implantação das estruturas educacionais, mesmo na última fase do período colonial. Recorde-se que só nos anos de 1960 é que foi implantado decisivamente o ensino secundário no país.

Com a separação da Guiné de Cabo Verde em 1879, instalada a capital em Bolama, foi aqui que surgiram as primeiras manifestações literárias. Logo, em 1920, à volta do jornal Ecos da Guiné. O primeiro jornal editado por um guineense, de nome Armando António Pereira, foi O Comércio da Guiné, que teve curta vida (1930-1931) e onde colaboraram, entre outros, Juvenal Cabral, Fausto Duarte e João Augusto da Silva. A propósito, escreveu Leopoldo Amado na análise que efetuou à literatura colonial guineense: “Antes da chegada em massa de cabo-verdianos, a bifurcação entre a sociedade guineense e a colonial era bastante acentuada, foi o elemento étnico cabo-verdiano que aproximou as duas componentes”. O que importa realçar é que os filhos da Guiné pugnavam por uma crioulização social como modo de inserção dos autóctones na sociedade colonial. Digamos que o balanço desta intervenção foi bastante exíguo. Seja como for há uma especificidade literária que não se pode iludir e onde pontificaram os nomes de Fernanda de Castro e Fausto Duarte.

Por último, merece menção 1963, foi neste ano que se publicou em São Paulo o livro “Poetas e Contistas Africanos”, de João Alves das Neves e o representante guineense foi António Baticã Ferreira. No termo do período colonial, em 1973, foi publicado um caderno de poesia de onze autores, intitulado Poilão, edição do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do Banco Nacional Ultramarino.

Aquilo que é hoje a literatura guineense teve como seu percursor Vasco Cabral, cujos poemas datam de 1955. Os investigadores recusam considerar que Vasco Cabral tenha sido o criador desta literatura, um sistema literário pressupõe uma tradição, Cabral era um poeta muito formal, claramente marcado pela cultura portuguesa, a despeito das suas mensagens anticolonialistas.

A seguir à independência surgiram antologias poéticas: “Mantenhas para quem luta!”, “Antologia dos Jovens Poetas” e “Os Continuadores da Revolução”. Aparecem todos estes poetas irmanados pela carga panfletária, pelo orgulho africano, pelo sentimento da pátria emergente e pelos sonhos de progresso e justiça. Avulta neste período, pela sua inegável qualidade, Hélder Proença. O crioulo aparece claramente como língua de criação literária. Já nos anos 1990, foram publicadas outras duas antologias: “Antologia Poética da Guiné-Bissau” e “O eco do pranto”. Desvela-se uma poesia de grande tristeza pelos sonhos falhados, esses sonhos parecem canalisados na criança. Dois nomes desta geração apareceram como promessas, Jorge Cabral e Domingas Samy.

Resta acrescentar que nos anos 1980 Vasco Cabral viu publicado “A luta é a minha Primavera”, que Inocência Mata observa: “À primeira vista, uma escrita em desfasamento com o tempo. Mas é preciso não esquecer que o mais antigo poema data de 1951, o que explica o compromisso ideológico, a intensão de transformação social, tão cara à ideologia marxista”. A poética guineense iria mudar de rumo mas já não cabe no âmbito da recensão deste livro.

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O “Jornal Português” e a notícia do assassinato de Amílcar Cabral

Vasco de Castro é nome cimeiro do desenho de humor na segunda metade do século XX. Foi em Paris que conheceu o triunfo a trabalhar para a imprensa mais influente. Como escreveu o historiador de arte António Valdemar, a propósito de Vasco: “Conheceu, através do Paris Match, o Siné, o Bosc e o Chaval, nos seus desenhos agressivos. De 1961 a Abril de 1974, quase sempre em Montparnasse, lado a lado com os maiores cartoonistas, colaborou em Le Monde, Figaro, Cannard Enchainé, Harakiri, etc. Viver a vida foi, certamente, mais importante do que isso. Vasco entrou em seis ou sete filmes, esteve nos movimentos underground, nas barricadas do Maio de 68, no ativismo da extrema-esquerda”. É exatamente deste ativismo que Vasco meteu as mãos na massa na produção de jornais que lhe mereceu recentemente um claro elogio de José Pacheco Pereira a propósito da imprensa revolucionária. Em Abril de 1973, surgia Jornal Português, todo o grafismo lhe pertence, era o primeiro jornal de mensagem revolucionária publicado na imprensa parisiense. Logo nesse número, deu-se destaque à notícia do assassinato de Amílcar Cabral, morto em 20 de Janeiro. A notícia classifica o seu desaparecimento como dolorosa perda, não obstante não iria impedir o povo da Guiné-Bissau de prosseguir tenazmente a sua luta contra o domínio colonial.

Basil Davidson, um incondicional amigo de Cabral é citado a propósito de um artigo que escrevera em Le Monde Diplomatique, em Fevereiro anterior, onde dá expressão às preocupações do líder do PAIGC: “Em 1972, decidimos promover um grande número de jovens (homens e mulheres) apostos de responsabilidade, estávamos a ficar rotineiros. Descobrimos que tínhamos demasiados dirigentes reconhecidos, com uma tendência à formação de frações. Por isso, alargamos a direção”.

Jornal Português dá ainda notícia de aeronaves abatidas em Moçambique, ao assalto a instalações do Ministério do Exército pelas brigadas revolucionárias, às explosões nas instalações do Distrito de Recrutamento e Mobilização nº 1, na Avenida de Berna.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12837: Notas de leitura (572): "Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné", de Gomes Eanes de Azurara (Mário Beja Santos)

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