O filme reúne testemunhos de guineenses sobre a guerra colonial/guerra de libertação que se travou no país, entre 1963 e 1974.
Na Guiné-Bissau, quarenta anos depois da guerra, aqueles que aderiram ao movimento nacionalista de Amílcar Cabral e aqueles que lutaram no exército colonial põem em cena uma multiplicidade de discursos e memórias, fragmetadas e irreconciliáveis.
A exibição integra o programa dos Seminários CesA 2014, uma
iniciativa do Centro de Estudos Africanos do ISEG especialmente dirigidas a estudantes do (i) mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional e do (ii) doutoramento em Estudos de Desenvolvimento.
Fotograma do filme Pabia de Aos, de Catarina Laranjeira (Portugal, 2013) |
Entrada livre. (*)
Alberto Branquinho |
Luís
Fui HOJE ver o "Pavia de Ahos". Parece ser de corrigir a grafia (Ahoj/Ahoje?), embora não existam regras oficiais.
Aqui vão, assim, no imediato, os meus pontos de vista:
(i) São, efectivamente, "...memórias irreconciliáves..." como a autora diz e, acrescento, contraditórias, como tudo o que é sujeito ao juízo dos homens a esta distância temporal e, também, porque colocados em diferentes espaços físicos de um mesmo território. Seja não só quanto aos naturais que colaboraram com a tropa portuguesa (fuzilados), seja quanto ao reconhecimento (aos sobrevivos) dos seus direitos pelas autoridades portuguesas, seja sobre a independência, a democracia, seja sobre o momento da morte ou a morte de A. Cabral, etc.;
(ii) A tese de mestrado da realizadora poderá focar-se "...em artefactos visuais (fotografias e outros) que antigos combatentes da Guiné, sejam do PAIGC ou do exército português...", mas este filme não. Este filme só contém as tais "memórias irreconciliáveis", tiradas da parte de guineenses (combatentes ou não); nunca de antigos combatentes portugueses. (Aliás, surgem, a dada altura, imagens onde estão enquadrados dois indivíduos de raça branca, que, pela nossa experiência das viagens à Guiné, serão antigos combatentes em visita à Guiné. Ambos são filmados de longe e um tenta manobrar uma antiga anti-aérea enferrujada. Nenhum depoimento foi colhido deles; ali no filme, claro.);
(iii) Acho que uma intervenção do lado português poderia esclarecer um aspecto chocante que ficou, com certeza, na mente das pessoas que viram o filme. Conviria esclarecer se o lançamento de guerrilheiros (?), ao mar a partir de aviões, era prática das forças armadas ou da PIDE;
(iv) Nas declarações a realizadora agradeceu a um senhor guineense os conselhos recebidos, pois passou a compreender que "nem tudo é a preto e branco"(sic). Não há dúvida que foi um bom ponto de partida.
Alberto Branquinho
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 11 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12825: Agenda cultural (307): Tiveste medo, pai?... Lançamento do livro de Catarina Gomes, jornalista do Público, com a participação de Lídia Jorge... Lisboa, FNAC Chiado, 27 de março, 18h30... Doze histórias de ex-combatentes e dos seus filhos, incluindo a do Tiago Teixeira & José Teixeira e a de um filho do João Bacar Jaló
(**) Vd. poste de 31 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12225: Agenda cultural (293): Estreia do filme da jovem realizadora portuguesa Catarina Laranjeiro, "Pavia de Ahos", sobre memórias guineenses da guerra de libertação / guerra colonial. Doclisboa'13, hoje, 5ª feira, 31/10/2013, 17h00, Cinema São Jorge, Sala 3
8 comentários:
Sendo esta a visão, apenas dum dos intervenientes na guerra, nem valia a pena, obrigarem os jovens a assistir. Já em tempos ouvi coisa parecida, com o terrorista Nino e fiquei piurso. Obrigado Camarada Alberto Branquinho, pelo alerta.
Veríssimo Ferreira
CCAÇ 1422, Fur.Mil. 65/67
"Conviria esclarecer se o lançamento de guerrilheiros (?), ao mar a partir de aviões, era prática das forças armadas ou da PIDE;"
Alberto Branquinho, eram "turras de luxo" que só viajavam de avião, gente fina é outra coisa.
Esta conversa muito bem orquestrada e estudada (MPLA,PAIGC,UPA,FRELIMO) dos aviões mandarem turras ao mar, começou e faz parte da explicação da "revolta e do massacre" feito pelos brancos de milhares e milhares de pretos em 1961 em Angola.
Como não apareciam nem valas comuns para fotografar pelos bem organizados MPLA e UPA e seus amigos internacionais, nem qualquer indício dos massacres, pois tudo o que aconteceu é o que toda a gente já viu e reviu, inventaram essa dos aviões para explicar a ausência de indícios da matança...e se tínhamos aviões com fartura.
Igual a esse massacre dos aviões foi criada também a matança das várias dezenas (50 arredondando para a história)de estivadores no Pidjiquiti em Bissau, como as fotos só mostram 2 ou 3 mortos, inventaram aquela do lançamento das dezenas de cadáveres ao Geba, por isso ninguém encontrou tanto cadáver.
Alberto Branquinho, só é pena que sejamos nós os antigos metropolitanos a criar mentiras que nem o povo da Guiné acredita, como essa de insistirmos anualmente a 20 de Janeiro na teoria de Spínola ou PIDE metidos na morte de Cabral, como oficializou o Russo, autor dos "três tiros".
Nem o povo da Guiné já liga a essa conversa.
Desde o Tarrafal, à Ilha das Galinhas até São Nicolau ou Wiriamu ou a baixa de Cassange tudo está bem explicado e até em certos casos tudo foi bem ampliado.
Bem lutámos por evitar Melilas e Lampedusas, mas não adiantou!
Cumprimentos
Não consigo compreender a ligeireza como ao tratados assuntos destes.
Hoje, o que é raro, fui ouvinte de um comentário de um amigo.Dizia ele: oh pá o livro é escrito por um médico (como isso fosse sinónimo de verdade irrefutável) e os soldados colonialistas (aí abri o ouvido direito)penduravam crianças por uma perna e faziam tiro ao alvo...interrompi e disse-lhe que tinha sido combatente na Guiné. Conheço-o, é optima pessoa mas pensa, sem avançar um milimetro, que o Lenine e camaradas disseram a verdade. Breve troca de palavras,brevissima e saí pois o descontrole aparece rápido...logo lhe digo qualquer "coisa" ou moita carrasco.
Não é este o caso, como diz o Branquinho e crescentas tu Anónio Rosinha, aqui é falta de informação ou algo mais. Por isso é bom ler os muitos depoimentos aqui deixados por quem os viveu, como militar ou militar e civil.
Eu não esqueço e nunca perdoarei a quem praticou actos abjectos, principalmente quando tu Rosinha estavas aí a trabalhar.
Abraço para vocês, T.
Quase subscrevo o que refere o "mais velho", apesar dos abusos a coberto da lei. A Constituição de 1933, rezava no artº.136º: "O Estado pode forçar os indígenas a trabalhar em serviços públicos de interesse geral para a colectividade", citado em "Angola 61", pg.33. Também Marcelo Caetano corrobora a ideia em "Os Nativos na Economia Africana", pg.84.
Ainda em "Angola 61", pg.53 e sgts, refere-se que Rebocho Vaz verberou com fundamento a explorção indigna e desapiedada exercida a favor da Cotonang. E já aqui se falou de portugueses de 2ª, do IGM, e dos contratados, aspectos descriminatórios e indignos de um Estado de direito e contrários à Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Sobre Wiriamu, vimos na série de J.Furtado um alferes que comandou um assalto.
Mas não tenho dúvida em dizer que um ou outro excesso, foram excepções no decurso da guerra nas 3 frentes.
Mas quem praticou a chacina com método, não foram os portugueses - veja-se "De Campo em Campo" com Bobo Keita.
E sobre o contacto dos portugueses com os africanos, recordo com gosto e vaidade, as afirmações comparativas do Xico sobre a convivência na sua terra no pós-independência, bem como a satisfação e orgulho evidenciados por guineenses e moçambicanos, que conheci nas suas terras, e manifestaram saudades da nação lusitana. Mas o tempo não volta para trás.
Em resumo, a central política de S. Bento nunca esteve à altura das necessidades, também no que ao Ultramar dizia respeito: não soube incrementar e desenvolver as sociedades daquelas provincias; não permitiu o povoamento nem dignificou as relações laborais e de convivência; reprimiu os estudantes ultramarinos que em Lisboa debatiam as conjunturas, pelo que desperdiçou talentos para colaborarem na óbvia necessidade de desenvolvimento e agregação social, entre outras coisas, como os sinais do tempo.
Abraços fraternos
JD
Ando com azar, não pude ver o filme (que é um documentário, de 57') quando da sua estreia no doclisboa'13, em 31/10/2013... Nem quando passou na Cinemateca. Nem sequer amanhã, por razões da minha agenda profissional. Enfim, a realizadora ficou de me dar um DVD...
Acontece que o nosso blogue foi também uma das fontes de documentação da realizadora... Não sei se fez bom ou mau uso da pluralidade e riqueza dos nossoa materiais...
Aqui fica, em baixo, a mensagem, de 23/1/2013, em que a realziadora se apresenta e nos pede colaboração para a sua "tese de mestrado". Respondemos, nomeadamente, por escrito, a questões que nos pôs, na sequência deste email.
Se alguém do blogue puder assistir à sessão de amanhã, peço que aproveite a oportunidade para intervir e fazer chegar ao conhecimento da relaizadora algumns dos pontos aqui levantados nos nossos comentários.. Um abraço a todos os cpmentadores. Luis
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(...) Chamo-me Catarina Laranjeiro e atualmente estou a frequentar o
mestrado de Antropologia Visual e dos Media. A minha tese de mestrado focará artefactos visuais (fotografias e outros) que antigos
combatentes da guerra de libertação na Guiné, sejam do PAICG, ou do
exército português ainda conservem, explorando a representação que têm
hoje desse período histórico. Desta forma, a minha proposta de
investigação é sobre fotografias de guerra/luta. Sobre fotografias que
antigos combatentes e guerrilheiros guardam da guerra/luta e sobre as
histórias que as fotografias congelam e transportam. Sobre o que as fotografias revelam e sobre o que escondem. E sobre como foram
conservadas ou negligenciadas até aos dias de hoje.
Assim, para além da construção de um arquivo iconográfico e de uma
pesquisa histórica sobre estas fotografias, proponho-me também a
registar que memórias transportam e que histórias contam, consolidando
o num filme etnográfico.
Esta investigação já está a ser realizada em Portugal onde com
relativa facilidade tenho encontrado antigos combatentes e antigos comandos africanos com muitas fotografias para mostrar e muitas histórias para contar.
De qualquer forma, e tendo em visto o imenso trabalho que tem sido
feito através do blog, gostaria de saber se têm alguns conselhos para
mim ao nível da pesquisa histórica, pessoas que me indique que possam
ter fotografias importantes e que gostariam de participar no meu
trabalho.
Muito obrigada pela sua atenção (...)
Já estou com idade de ser "marreta".
Apetece-me por isso "marretar".
A história da guerra colonial está amplamente estudada e divulgada.
Só quem por ignorância e má fé diz disparates.
Diabolizar uma das partes em conflito só revela má fé.
Qualquer guerra revela a bestialidade de que o ser humano é capaz..não fomos santos..nem eles.
Cometeram-se barbaridades de parte a parte, mas não se pode tomar a parte pelo todo...
Para a "mestranda" Catarina Laranjeiro, apenas lhe quero lembrar que muitos dos ex-combatentes ainda,felizmente, estamos vivos..a guerra foi uma fase da nossa vida que nos marcará até ao fim das nossas vidas..somos muito susceptíveis a manipulações e mentiras porque está em causa a "NOSSA HONRA".
Só lhe peço que seja isenta na sua tese..
C.Martins
Lídia Jorge disse um dia num colóquio sobre a guerra de Joaquim Furtado com a presença deste (biblioteca de Alverca), na presença de um cabeleireiro oriundo de Lourenço Marques, que parte do que soube sobre a guerra foi no salão de cabeleireiro naquela cidade, com outras senhoras de oficiais, como ela.
Também Lobo Antunes, já discutido neste livro, fez aquelas afirmações de previlégio para as unidades que apresentassem mais serviço.
Já todas as teses e "tesões" foram feitas sobre aqueles 13 anos de guerra colonial, e qual delas a mais disparatada, só mesmo o tempo vai dizer sem complexos as barbaridades que tentámos evitar para a Europa e para África.
Caro António Rosinha
Quando vi o post onde o Luis Graça introduziu o meu escrito da noite a seguir à tarde em que vi a fita de que aqui se fala, disse para mim: - Não vou comentar nada.
Mas, agora, que li este teu segundo comentário, senti-me tão irmanado com o conteúdo, que não posso deixar de AFIRMAR aqui que já estou farto de ver referidos, como consagrados autores da guerra colonial, essa escritora (L.J.) e esse escritor (A.L.A.), que sobre o tema escreveram... por terem ouvido falar sobre o assunto: afinal, ela no cabeleireiro e ele no consultório médico (ou posto de socorros...). Assim se faz literatura imaginada (que, sob um certo ponte de vista) poderá ser aceitável e se carreiam factos para a História.
E o que mais me irrita é que já ouvi isso, em directo, e da boca de um GRANDE INTELECTUAL português e, por respeito, metia mão direita na boca para não reagir abruptamente.
UM ABRAÇO
Alberto Branquinho
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