domingo, 7 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13582: Blogoterapia (262): Algo de estranho e sinistro (Amado Juvenal, ex-1.º Cabo Cond Auto do BCAÇ 3872)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 4 de Setembro de 2014:

Amigos
Não sei até que ponto este será uma assunto para o blogue.
Fica à vossa consideração certos que entenderei perfeitamente a sua não publicação.

Um abraçoJuvenal Amado


ALGO DE NEGRO E SINISTRO

Quando era jovem, pensava que os males da sociedade desapareceriam juntamente com as gerações onde o preconceito, o racismo e a xenofobia tinha sido prática comum. Aprendendo com os erros seria a evolução natural emendá-los.
Mais justiça e melhor distribuição dos rendimentos, fariam com certeza um Mundo melhor mas com o decorrer dos anos vi, que uns males, dão lugar a outros se não iguais, muitas a vezes piores.

A ambição pelos novos bens consumíveis, deram lugar a guerras territoriais mascaradas de disputas religiosas, quando na verdade o verdadeiro problema começa pela disputa entre ricos e pobres, sabiamente aproveitadas por potências, que são os grandes beneficiários desses conflitos regionais mas as populações pobres e espoliadas ficam numa situação de reféns, são usadas como escudos humanos e os jovens, são facilmente engajados para causas que os radicalizam, tornando-os em escravos de outro tipo, mesmo assim não menos joguetes de outros interesses muito menos básicos que julgam. São escravos do irracional, do terror e do falso poder que pensam ter adquirido.

Assim milhões de seres estão sujeitos a prepotências de toda espécie. Sem liberdade de culto, sem liberdade politica, são expulsos ou forçados a abandonar as suas terras, tentado assim salvar as suas vidas e dos seus filhos.
Eu sou defensor da liberdade religiosa e assim sendo, também defendo a liberdade de não praticar religião nenhuma.

Binta, a bajuda mais bonita de Galomaro
Foto ©: Juvenal Amado

Na Guiné vivi entre os Fulas fortemente islamizados, com uma hierarquia centrada nos costumes e nos homens grandes que decidiam praticamente tudo nas suas comunidades. Nós convivemos com esses homens, normalmente altos, magros, de longas vestes brancas e mitra bordada na cabeça. Entendíamo-nos no essencial e só a minha pouca idade foi responsável por não ter aproveitado mais do convívio, conversar sobre as suas aspirações, como as peregrinações a Meca, onde purificados acreditavam beber da fonte da santidade, elevando-os acima dos outros homens da comunidade.

Dizia-se que para falar com eles depois se tinha de oferecer animais ou objetos ou dinheiro. A ser assim, também se tornava a peregrinação um investimento a ter em conta. De qualquer modo, embora eu me sentasse a apreciá-los num daqueles banquinhos que nos faziam ficar com os joelhos ao pé do nariz, escapava-me toda aquela devoção e encantamento que os fazia rezar virados para Meca cinco vezes ao dia, mas de forma alguma era observado algum tipo de fanatismo e tanto as mulheres como as crianças, convivam connosco embora observassem as interdições próprias da sua religião como o álcool e a carne porco.

As mulheres variavam entre cor escura do ébano, o dourado do bronze e não raras vezes nos deparávamos com povoados onde eram cor de café com leite. Altas com perfis majestosos que não raras vezes vimos hoje nas passerelles dos eventos de moda como sendo da Somália ou Etiópia.
Todas belas, todas diferentes. Os meses que com elas convivemos de perto durante as nossas comissões, levou-nos a as apreciar ultrapassando conceitos estéticos com os quais fomos criados e educados. Era um prazer vê-las com os seus panos coloridos enrolados, com trouxas com os seus haveres, pequenos lenços nas cabeças, mais que tapar realçavam os penteados elaborados mais os seus “roncos” e mezinhas para lhes dar sorte, tudo fazia parte e realçava a beleza com que elas exibiam o corpo de forma natural, sem vergonha, apesar dos nossos olhares cobiçosos.



Mulheres da Guiné-Bissau
Fotos da Missão Dulombi, com a devida vénia

Entretanto os ventos de mudança estão a chegar à Guiné-Bissau, agora vê-se a todo o passo mulheres vestidas de preto, onde só o olhos mostram, a fazerem lembrar usos e costumes impostos noutras regiões por fanáticos religiosos, que tendem a cortar cerce todas as liberdades nos territórios que vão ocupando.
Também são vistas nas nossas cidades e à nossa tolerância, respondem eles com a intolerância de quem se julga dono da verdade.

Assistimos espantados à radicalização de jovens nascidos nas nossas cidades, que apostam na destruição da forma de vida em que foram criados e na sua tentativa de criar sociedades das quais os seus pais fugiram, em busca de um futuro melhor para as suas famílias.
Talvez a culpa seja de uma forma de exclusão, dos altos índices de desemprego, mas dai à implantação de estados medievais em nome de uma prática sanguinária, onde só as armas são modernas, é profundamente irracional. Nasceram mal com o Mundo.

Em resposta, aparecem movimentos seitas militarizadas, que defendem supremacia da raça branca, com nacionalismos perigosos, discursos racistas que facilmente atingem alvos na grande massa de desempregados, que são uma constante na nossa Europa, cada vez menos solidária.
Autos de fé, atentados e mesmo matanças, fazem sentir insegurança nas escolas e em todos o lugares que se frequentam, quer profissionalmente quer para o prazer do convívio.
Quanto a mim nada é mais triste do que ser atacado, não em resultado das minhas acções, mas pelo que penso, ou pela cor da minha pele, ou religião que eventualmente professe.

Na Guiné a questão da guerra religiosa nunca se pôs, a Deus quanto muito, pedíamos a protecção para voltarmos para a nossa terra e nunca me foi exigido que combatesse em Seu nome. Era uma situação mais clara e mais fácil porque se acreditava na liberdade e no homem como centro do bem-estar universal, não num conjunto de leis castradoras, que cada um interpreta à sua maneira, que está a fazer os países retrocederem nos direitos adquiridos e a causar sofrimento com a destruição de infraestruturas a que não podemos ficar alheios. Mais parece um confronto civilizacional do que pela melhoria de vida das populações.

Os meus pensamentos saltam de tema em tema, avançam e recuam de uma forma tal que temo perder a objectividade daquilo que quis escrever, mas a verdade é que não me sai da cabeça aquele mal-estar que costumo ter quando alguma coisa não vai bem, é que longe de parecer folclore, as mulheres de preto da cabeça aos pés, indicam que algo de muito negro e sinistro cresce no nosso seio, paira sobre os povos e as suas respectivas nações, só porque há pessoas que vivem em função do ódio e a quem retiraram a capacidade de sonhar com o que é belo.

Mulheres árabes
Foto retirada da internete

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Agosto de 2014 Guiné 63/74 - P13546: Blogoterapia (261): Esses sons de heli que ainda mexem connosco... (Luís Graça, en férias na Tabanca de Candoz)

3 comentários:

Anónimo disse...

"...as mulheres de preto da cabeça aos pés...". Parece-me estar tudo dito neste excerto do texto.

Não me parece que sejas o único a ter dúvidas, certezas ou muitas interrogações sobre o que se fez ou podia ter feito, aquilo que se pode ainda fazer, mas acima de tudo, certezas do que temos obrigação de combater para não deixar fazer.

Um abraço,
BS

Valdemar Silva disse...

Gostei de ler o teu texto.
Será que o problema está na crença religiosa e daí surgir tudo o mais? Será que o homem, nos seus primórdios de existência e perante as dificuldades, de toda a ordem, que não conseguia compreender e teve mesmo de arranjar explicações sobrenaturais ou já nasceu com esse código genético e afinal foi uma criação e não uma evolução.
Eu não acredito na criação feita por uma divindade, fraca divindade que fez tudo mal feito, exceptuando a beleza das mulheres, ao ponto de ser o próprio homem, através dos tempos, a moldar tudo á sua maneira, quer com guerras entre eles, quer com acordos de amizade (casamentos), para ele próprio ter o que precisava (alimentação).O problema surge quando uns têm muita comidinha e os outros morrem de fome e a partir daqui surge a filosofia precoce e a volta que isto deu para explicar, até hoje, isto do ser rico e pobre, que segundo as análises ADN não é genético. (Ainda sobre as belas fulas, nas 'lavandarias' em topless e as belas??? afegãs tapadas da cabeça até aos dedos dos pés, ambas muçulmanas. Que raio de ideia teve Maomé para fazer/admitir este 'mandamento'. Ainda bem, senão nunca milhares de portugueses, de 20 anos, teriam oportunidade de apreciar a beleza das raparigas, neste caso fulas. Esperteza de Maomé, tapavas todas quando saía para expandir a sua religião, assim os que ficavam não podiam ver a sua beleza e, depois, expandiu o conceito de mulher para dar filhos, sem ser apreciada doutra forma. Evidente, que este conceito já vinha cultura judaica, em que era tudo vedado às mulheres. Nós, os cristãos deixávamos as mulheres mostrarem a carinha, mas quando íamos prá guerra aplicávamos-lhes cintos de castidade e, muitos tempos depois, vestíamos-lhes de preto, para não ser apreciada a beleza, tudo por causa do direito a heranças de propriedades. Vai tudo dar ao mesmo.)
Um abraço
Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Talvez um dia as mulheres africanas (esposas, mães e namoradas)consigam subverter as tradições machistas e prepotentes de hábitos ancestrais, uns, e outros hábitos assimiliados com as colonizações e as descolonizações erradas.

A mulher africana tem muita força, tem que ser apoiada moralmente pela europa.

Em África, a mulher carrega com a enxada, o homem com a flecha e a zagaia.

Tem que ser dada força às mulheres africanas, para resistir e se imporem no inferno que se adivinha.

O que hoje se assiste em África de violências religiosas e étnicas, ódios e vinganças, sempre houve.

Mas a abdicação irresponsável (descolonização extemporânea)) das potências coloniais europeias, foi tão criminosa como a escravatura para as américas, e mais criminosa que a colonização.

Tudo o que se adivinhava mau, foi mil vezes pior.

Está a sobrar para a europa, que está de joelhos, impotente.

Claro que eu sou um tanto reaccionário, já «adivinhava» há 50 anos.

Mas tenho boa vontade e ainda espero que não apareça petróleo na Guiné Bissau, para não ficar o inferno nigeriano.