Lourinhã > Praia do Caniçal > Finais de agosto de 2014 (1)
Lourinhã > Praia do Caniçal > Finais de agosto de 2014 (2)
Lourinhã > Praia de Paimogo > Finais de agosto de 2014
Lourinhã > Praia de Paimogo > Forte de Paimogo (séc. XVII) >Finais de agosto de 2014
Lourinhã > Vimeiro > Monumento comemorativo e centro de interpretação da Batalha do Vimeiro > Azulejo alusivo ao desembarque das tropas luso-britânicas, na Praia de Paimogo, em 19 de Junho de 1808, sob o comando do brigadeiro-general Robert Anstruther... A batalha do Vimeiro foi em 21 de Agosto de 1808. Azulejo desenhado e pintado à mão por Salvador (2000).
Torres Vedras > Maceira > Estrada (particular) das Termas do Vimeiro (Fonte dos Frades) até à Praia de Porto Novo (1)
Torres Vedras > Maceira > Estrada (particular) das Termas do Vimeiro (Fonte dos Frades) até à Praia de Porto Novo (2) > Margem direita do Rio Alcabrichel
Torres Vedras > Maceira > Estrada (particular) das Termas do Vimeiro (Fonte dos Frades) até à Praia de Porto Novo (3) > Rio Alcabrichel (que nasce na Serra de Montejunto e desagua na Praia de Porto Novo)
Foto: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados
Extremadura(s)
1.
Casas caiadas, paradas,
Casas caiadas, paradas,
O silêncio
escorrendo pelas paredes;
Nas águas
furtadas
Já não
dormem as criadas
E na praça,
ah!, da liberdade,
Já não se
ouve o frufru das sedas
Roídas pelo
bicho da traça.
2.
“Esquecei o que vedes”,
Avisa o guia
da cidade,
Poeta, cego,
negro, escravo,
Enquanto os voyeuristas
Espreitam por ruelas e veredas.
Enquanto os voyeuristas
Espreitam por ruelas e veredas.
3.
Há bonecas de porcelana,
Há bonecas de porcelana,
Quiçá das Chinas,
Às janelas
E os dedos
delas
Confundem-se
com as rendas de bilros,
As teias de
aranha,
As cortinas,
Os brocados
de cetim,
Os deveres e
os lavores femininos,
As máscaras
de Arlequim,
As fantasias
de antigos carnavais.
4.
Dedos que teceram intrigas e redes,
Dedos que teceram intrigas e redes,
Redes de
pescadores
Há muito
perdidos nas colinas
Do alto mar.
Ou dedos que fiaram outras redes
Clientelares,
sociais, clandestinas,
Sob os
portais,
Os corredores e as esquinas
Dos paços,
Dos passais,
Dos passos
perdidos,
Das
antecâmeras reais.
5.
O silêncio não pára
O silêncio não pára
Ou só vai
parar
A um metro
do chão,
Na barra
azul
Dos moinhos
de vento
Mais a sul,
Entre
pomares e vinhedos.
À entrada.
Fora das
muralhas,
O cemitério,
Cofre forte
de segredos.
Aqui
acabam-se todos os medos.
6.
Valha-me a brisa do mar
Valha-me a brisa do mar
Que me faz
algum refrigério
Na canícula
do fim de estação
Da minha
civilização.
7.
Casas paradas, caiadas
Com a mesma
cal viva
Das valas
comuns.
Pelos
claustros do convento,
Entre
suspiros, sussurros e zunzuns,
Esquivam-se
furtivos noctívagos
Trânsfugas,
Infiéis,
Infiéis,
Pecadores,
Hereges,
Proscritos,
Desertores,
Penitentes,
Almas
penadas,
Poetas
malditos,
Quiçá bruxas
e duendes.
8.
A calçada outrora portuguesa,
A calçada outrora portuguesa,
Gasta pelos
cascos dos cavalos
Dos
invasores,
Picam-se os
brasões dos solares
Da mui
antiga nobreza,
Corta-se
rente
A árvore
genealógica
Dos velhos
senhores
E arrasados e salgados
são, até às fundações,
Os seus doces
lares.
9.
Um estranho cheiro
Um estranho cheiro
A incenso,
mirra, algas e maresia
Sobe pelos
ares.
Violadas as filhas,
Raptadas as
servas,
Passados a
fio de espada
Os
primogénitos,
Fundido o
ouro e a prata,
Postos os
novos deuses nos altares,
Pergunta o
guia
O que é pior
Se a triste
e vil desonra do presente
Ou o
silêncio premonitório do futuro.
10.
Por mim, nada de bom auguro.
Por mim, nada de bom auguro.
Não sei que
lugar é este
Sem memória
Nem glória,
À beira da
estrada
Do Atlântico
Da minha
infância revisitada.
11.
Não há mais quem cante o cante
Não há mais quem cante o cante
Dos poetas,
A doce cantilena
das Naus Catrinetas,
O fero
cântico dos últimos guerreiros
Do Império,
Ou até a
última oração,
De lamento e
impropério,
Em canto
chão,
Que é devida
Aos bravos
Que pela
Pátria deram a vida.
12.
Fora de portas,
Fora de portas,
Num atalho
ou trilho
Que leva ao
monte das forcas,
Compro o
último pão de centeio
E a última
boroa de milho
À última
padeira de Aljubarrota
Que ainda
estava viva,
À hora do pôr
do sol.
Padeira,
viandeira, mãe coragem, altiva,
Que nem
sempre o que parece é,
A vitória ou
a derrota,
Medindo forças
no tribunal da história.
13.
Águas paradas do Rio Alcabrichel,
Águas paradas do Rio Alcabrichel,
Tingidas de
verdete e de sangue,
No fim de
tarde de todas as batalhas.
“Pour
Monsieur Junot,
C’était
encore trop tôt!”.
Saqueada a cidade,
Enchem-se as
tulhas e as talhas,
Ainda a
guerra é uma criança.
14.
O último terno de cornetins
O último terno de cornetins
Da fanfarra
do exército dizimado
Toca a
silêncio,
Enquanto me
despeço
Na parada, em ruínas, do
quartel.
15.
Em boa verdade, o silêncio
É a única
linguagem universal
Que eu
conheço
Na Torre de
Babel.
Périplo pelas terras da Lourinhã, em 15 passos, entre a Praia de Paimogo e a Praia de Porto Novo, fim de verão, 2014. Aqui desembarcaram tropas luso-inglesas que derrotaram Junot na batalha do Vimeiro. Há 206 anos.
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Nota do editor:
Último poste da série > 30 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13547: Manuscrito(s) (Luís Graça (41): Roleta russa
Nota do editor:
Último poste da série > 30 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13547: Manuscrito(s) (Luís Graça (41): Roleta russa
3 comentários:
Deixei-me embalar na leitura do teu poema, não sei se voei, se naveguei mas sei que pairei pelos ares ou naveguei pelos mares.
Obrigado Luís, depois do jantar bebi um vinho fino que comprei ao Josema e li o teu poema. Um bom vinho,néctar dos deuses combina com boa poesia, a linguagem dos deuses.
Parabens! À tua saúde!
Um grande abraço.
Francisco Baptista
Obrigado, camarada. Antes de mais folgo em saber que estás de voltar a casa, depois de um pequena intervenção cirúrgica, do foro oftalmógico (, espero não estar a cometer nenhuma inconfidência)... Tudo indica que correu bem, a avaliar pela tua evidente boa disposição...
E reforçando o teu comentário sobre o teu texto poético (que levou vários a dias a "tocar e retocar"...), direi que a poesia é para se ler, em voz alta, sozinho ou acompanhado, e com uma boa pinga do teu Alto Douro Vinhateiro...
Concordo inteiramente: a poesia é para se comer e beber, e eu fico contente por um dos meus "leitores", crítico atento mas empático, dizer-me que esteve a ler o poema, com um vinho fino do nosso camarada e poeta Josema (O Zé Manel da Régua)...
Bebo também à tua!
Como nasce um poema ? Aqui vaio o "making of" deste texto, poético, se quiserem...
Na Loruinhã, terra da minha infância, costumo passar das minhas férias de verão, em agosto. Tenho lá casa, amigos, conhecidos, recordações... E belas praias, e grandes festa como a da Atalaia (com o monumental e já afamado festival de marisco, a não perder toda esta semana!)...
Vivo na parte antiga da Lourinhã, na Rua da Misericórida (rua do séc. XVI) e tenho tudo (opu quase tudo) ali à volta num raio de 100 metros... Vou buscar o pão, ao fim da tarde, à padeira, que anda a fazer a venda, ambulante, om uma carrinha... É do Nadrupe, terra da minha mãe, a 3 km da vila... Pára em determindas horas e sítios da vila... Um, deles a 100 metros da minha casa, às 20h30, "em ponto"...
Há uns oito/dez dias atrás lá fui eu buscar o pão de centeio, para o jantar... Mas devido talvez às festas de verão, que se realizam no concelho por esta altura, a padeira atrasou-se... Eram 21h00 e eu, com fome, e nada de padeira nem de pão... Era já lusco-fusco, e como muitas vezes faço (quando tenho que esperar, num hospital, num consultório médico, por exemplo) pus-me a "poetar" para passar o tempo...
E assim nasceram as primeiras linhas do peoma "Extremadura(s)":
Casas caiadas paradas.
O silência escorrendo pelas paredes;
Nas águas furtadas já não dormem as criadas,
E na praça, ah!, da liberdade
Já não se ouve o frufru das sedas...
Àquela hora o centro (parte antiga) desta vila estremenha já é um deserto... Comecei, pois, a falar com as "pedras" e às tantas estava a revisitar o passado (, o meu, a história da minmha terra, da minha região, do meu país, da nossa humanidade)...
Depois trata-se de passar a ideia ao papel (e ao computador) e desenvolvê-la...
A versão que aqui publiquei tem muitas horas de trabalho, à tarde, na oraia, à noite, em casa, no manhã, noa café... É a versão 10, ou mais... E não fica por aqui...
Et voilá!
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