sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15656: Memórias de Gabú (José Saúde) (60): O meu quartel (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

As minhas memórias de Gabu

O meu quartel

Obrigado camarada Amílcar Ramos por este pequeno/grande miminho que trouxeste a público: uma foto do quartel novo de Gabu. Uma imagem que me fez viajar no tempo e recordar o meu, aliás nosso, quartel. Tu, camarada de armas, também por lá passaste. Eras furriel miliciano BAA, estavas alojado em instalações avançadas junto à pista de aviação, mas, lá ias à nossa messe de sargentos.

E tantos foram os almoços e jantares em que fomos companheiros de mesa. A minha memória teima em refazer imagens desses velhos tempos. Recordar espaços comuns, camaradas que o tempo ousou literalmente afastar e um sem número de aventuras acumuladas em pleno palco da guerrilha.

“Uma lágrima ao canto do olho” vagueia pelo meu rosto já crivado de saudosistas recordações. Olho atentamente a foto. Curvo-me perante as lembranças. E são de facto muitas que se concentram nesta já sexagenária e débil mente. Todavia, aquele horizonte leva-me a um cheiro a África. Apetece-me viajar nas ondulantes asas do vento, imaginar-me a envergar o meu camuflado, “viajar” num Unimog, ou a “butes” e desbravar aquele inigualável horizonte.

Na pista alcatroada aterravam e descolavam voo aviões de maior porte (Noratlas, por exemplo) que obrigava o pessoal a uma proteção mais refinada, ou seja, uma proteção feita no interior do mato. Lembro-me da infinidade de horas que por lá passei.

A sensação de alívio sentida pelo grupo quando o avião descolava. Ou, ouvir o barulho dos motores numa aterragem. Ou, a raiva da malta quando a demora na missão se protelava no tempo. A nossa incumbência passava indiscutivelmente pela segurança. Neste contexto, a previsão em aterrar e descolar aconselhava-se rápida. Porém, nem sempre tal acontecia.

A dimensão que a foto monopoliza, leva-me a outros sensações sentidas no tempo áureo da guerrilha. Aquela estrada para Bafatá!... Ui, tantas colunas que fizemos a terras do Geba. Tantas histórias que farão eternamente parte integrante dos nossos baús.

Depois a grandeza e profundidade daquele mato serrado. Os quilómetros palmilhados pelo interior daquele matagal. O contacto com as tabancas que habitualmente cruzávamos. O dialogar com os homens e as mulheres grandes. Ouvir a criançada quando a nossa chegada à tabanca ocorria. A brincadeira dos macacos, ou um inadvertido toque numa árvore que entretanto acolhia um enxame de abelhas e o subsequente delírio da rapaziada. Uma galinha de mato que levantava voo, ou uma cabra de mato apetecível a um tiro que entretanto não se dava, por motivos óbvio. Enfim, uma panóplia de recordações que o guerrilheiro obrigado jamais esquecerá. Momentos inolvidáveis, sublinho eu.

Por outro lado, havia os tais momentos sempre de incerteza. Incerteza no trilho; incerteza na picada; incerteza no que estava para lá da densidade do mato; incerteza no momento seguinte; incerteza numa mina que traiçoeiramente tinha sido colocada pelo IN com a finalidade de causar ronco num jovem em plena idade de afirmação como gente e a incerteza numa emboscada.

Reparo, também, as tabancas à beira da estrada. Revejo o meu quartel. Os aposentos dos oficiais, dos sargentos e do restante pessoal. A porta de armas. O refeitório das praças. As oficinas. A parada. Etc, etc, e etc…

Repito, camarada Amílcar: OBRIGADO! 


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


1 comentário:

Valdemar Silva disse...

Grande fotografia.
Sem a explicação, não reconhecia, e tenho boa memória visual, a vista da
pista e do novo Quartel, em Nova Lamego.
Estive em Nova Lamego, no Quartel de Baixo (CART 11 'Os Lacraus'), e foi
no meu tempo 1969-1970 que começou a ser feito o novo Quartel. Já não me
recordo como era, mas sei que era na estrada para Bafatá.
Quanto à pista, estavam estacionados os 'Fiat' e os 'T6' e várias vezes
lá passei, quer em patrulhamento, quer em pura visita, quer em embarque
para Bissau, de férias e prá peluda.
Valdemar Queiroz