Quarto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).
Nunca é Tarde - Capítulo 4
Hoje voltámos a ver o nosso interlocutor, que além de falar,
gosta de “Mal Assadas”, que é um doce característico da
região dos Açores, também gosta de vinho tinto e o seu
clube preferido é o Dallas Cowboy, por causa das
raparigas com pouca roupa, que iniciam o espectáculo. Não sei se estão lembrados, o último capítulo terminou
com a morte da Diane, cá vai a continuação.
O Nico, agora viúvo, passava os dias, triste, sempre lhe
vinham as lágrimas quando via na sua memória a
falecida Diane, sorrindo-lhe. Não quis mais tirar as
licenças de capitão de barco, nos primeiros tempos
queria morrer também. Chegou mesmo a pensar em sair
para o mar de barco, atirar-se borda fora, simulando um
acidente. Aos poucos foi resistindo, começou a pensar no
filho Mike, iria fazer tudo para fazer o que a falecida Diane
lhe pediu nos últimos dias de vida, que era para o fazer
homem honrado, digno do património dos avós.
O Mike, na universidade não tinha muita vocação para
finanças, o que adorava era a política. Fazia parte do comité
de estudantes na altura das eleições para
senador do estado, ajudava como voluntário, até tirava
licença na universidade para andar por outras cidades,
fazendo campanha. Gostava de política e iria ser um
político.
O pai Nico dizia-lhe:
- Mike, todo o património dos teus avós tem que ser
administrado por alguém, esse alguém és tu, pensa bem
meu filho.
Mas o Mike, sorridente, como a falecida mãe, logo lhe
respondia:
- Pai, não me ponhas responsabilidade e pressão em
coisas que não penso, que por agora não me
interessam, sabes o que agora me interessa? É que o
senador que eu ajudo, seja eleito. Toma um beijo, vai
divertir-te. Porque é que não vais ao teu Portugal, ao teu
continente?
E saía, porta fora, carregando bandeiras e panfletos
de propaganda do seu senador.
Os sogros de Nico tinham todas as propriedades bem
administradas. Tinham encarregados em algumas quintas
de gado, que sabiam o que faziam, alguns eram das ilhas,
que ajudou a emigrar, eram sérios e respeitadores. Na
empresa marítima, já era diferente, era um grupo de
sócios, administrado por uma gerência, com alguns
advogados e estava a seguir em frente, com as contas
prestadas todos os meses, com esclarecimentos a todos
os sócios. Portanto, estava tudo a rolar sem problemas.
O Nico também já tinha conhecimento da organização
e, em alguns casos, já assinava alguns papeis, mas
ocupava o seu tempo em algumas quintas, vendo o gado
pela manhã. Ao meio dia vinha a casa, comia algo,
sozinho, depois ia até à empresa marítima, regressando
de novo a casa. Não podia passar em frente ao bar onde
se juntava com a falecida Diane, que lhe vinha um forte
ataque de choro, tinha que parar o carro, era mais forte do
que ele. A memória da falecida estava bem viva.
Nunca mais tinha ido a Portugal, a principal razão era a
vergonha, não tinha coragem de enfrentar a Dina, se a
voltasse a ver, chegou a convidar os pais para virem ao
seu casamento, mas não vieram, respondendo-lhe que
eram pessoas de uma só cara, honrados, que cumpriam a
sua palavra, coisa que ele não fez. Estavam ambos vivos,
mas não o queriam ver, depois do que fez à Dina. E
diziam mesmo, nas cartas que a princípio escreviam, que
tinham perdido um filho, mas tinham ganho uma filha, que
era a Dina.
Estas palavras, agora sozinho, começavam a vir de
novo ao seu pensamento, algumas vezes já ocupavam
mais o seu pensamento do que as saudades da sua
querida Diane, e pensava:
- Que sorte a minha, meu Deus, vim à procura da
fortuna, encontrei-a, agora sou rico, financeiramente,
estou em muito boas condições, mas estou sozinho e
infeliz, não sei se vou resistir muito mais.
Nesse mesmo dia, ao cair da tarde, os sogros vieram
visitá-lo, e disseram-lhe:
- Então Nico, como vais homem? E o nosso neto Mike,
como vai nos estudos? Aparece lá por casa, leva-o,
queremos ver o nosso neto, tens que começar a sair mais de
casa, ninguém vai dar vida à nossa Diane.
E dito isto, limparam umas lágrimas.
Passaram uns anos, o Nico foi aos poucos tomando
conta de toda a organização e do património dos sogros, o
Mike, acabou o curso de finanças, mas era deputado na
cidade, andava em campanha para presidente da câmara. Ajudava o pai, mas pouco, todo o seu
tempo eram reuniões do partido e envolvido na campanha. Passados uns meses foi eleito presidente da
câmara.
O clube dos Açores fechava muitas vezes ao
público, pois estava sempre ocupado com reuniões e
comícios, do presidente Mike, que estava a subir na
política a olhos vistos.
O Nico andava com uma ideia, que cada vez lhe
ocupava mais o pensamento, não podia viver mais no
meio de toda aquela riqueza, sabendo os seus pais
velhos, em Portugal, que já não respondiam às suas
cartas, algumas pedindo perdão, há alguns anos. Tinha
que fazer algo, estes pensamentos atormentavam-no,
ocupavam a sua mente durante todo o tempo, algumas
vezes, já não pensasse na falecida Diane, até já nem
olhava para a sua fotografia quando se levantava pela
manhã, qdepois de acordar de alguns sonhos, onde
os pais o corriam, dizendo:
- Sai da nossa frente, desgraçado, que nos
envergonhaste, repara naquela rapariga!
E via a figura da Dina, que não era bem a Dina, era uma
árvore onde ela aparecia, com cara de amor, chorando,
quando da sua despedida e, os juramentos de amor
eterno, logo lhe vinham ao pensamento,
passando o resto do dia atormentado.
Os sogros, passado um tempo, foram internados numa
casa de pessoas idosas, onde os tratavam muito bem,
mas para eles tanto fazia bem ou mal, pois já estavam
ambos com uma doença, não conhecendo nem se
lembrando de ninguém, balbuciando apenas algumas palavras
que não se compreendiam. Os doutores diziam que
estavam por dias, meses, ou até talvez anos, mas não
tinham cura, iriam morrer assim.
O filho Mike andava a concorrer para senador, iria ser
eleito, pois o partido investiu nele, no entanto, o Nico,
tinha uma ideia diferente a respeito do filho e, comentava
só para si:
- O meu filho não vai suportar por mais tempo ser o
pau mandado de todos aqueles ricalhaços, que só
querem é leis que os protejam, para continuarem a fumar
charuto e olharem para um cifrão, sem quererem saber de
mais nada, a não ser os seus privilégios, enriquecerem
com prejuízo de todas as pessoas, principalmente
aquelas com menos recursos financeiros, os ditos pobres.
Eu conheço o meu filho, ele qualquer dia “bate com a
porta”, como se dizia lá nas Gafanhas, em Portugal.
Como estava certo o Nico nos seus pensamentos, na
verdade o senador Mike foi eleito, exerceu por quase dois
anos o seu mandato, chegou a ser nomeado o porta-voz
do partido no congresso, no entanto não exerceu o cargo,
pois as ideias que o seu partido lhe comunicava para ele
dizer e fazer no senado, não iam de acordo com os seus
sentimentos, renunciou ao cargo, com a desculpa que
tinha que se encarregar dos negócios da família, pois
entretanto os avós morreram, o seu pai já estava um
pouco avançado na idade.
E deste modo renunciou ao cargo, numa altura que
tinha um futuro bastante promissor na sua frente, se
concordasse com as ideias do seu partido, no entanto, foi
a pessoa de descendência portuguesa que exerceu um
cargo com mais valor no governo dos Estados Unidos.
(continua)
Tony Borie, Julho de 2015.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 24 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15662: Atlanticando-me (Tony Borié) (3): Nunca é tarde (3)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário