domingo, 31 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15689: Atlanticando-me (Tony Borié) (4): Nunca é tarde (4)

Quarto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é Tarde - Capítulo 4

Hoje voltámos a ver o nosso interlocutor, que além de falar, gosta de “Mal Assadas”, que é um doce característico da região dos Açores, também gosta de vinho tinto e o seu clube preferido é o Dallas Cowboy, por causa das raparigas com pouca roupa, que iniciam o espectáculo. Não sei se estão lembrados, o último capítulo terminou com a morte da Diane, cá vai a continuação.

O Nico, agora viúvo, passava os dias, triste, sempre lhe vinham as lágrimas quando via na sua memória a falecida Diane, sorrindo-lhe. Não quis mais tirar as licenças de capitão de barco, nos primeiros tempos queria morrer também. Chegou mesmo a pensar em sair para o mar de barco, atirar-se borda fora, simulando um acidente. Aos poucos foi resistindo, começou a pensar no filho Mike, iria fazer tudo para fazer o que a falecida Diane lhe pediu nos últimos dias de vida, que era para o fazer homem honrado, digno do património dos avós.

O Mike, na universidade não tinha muita vocação para finanças, o que adorava era a política. Fazia parte do comité de estudantes na altura das eleições para senador do estado, ajudava como voluntário, até tirava licença na universidade para andar por outras cidades, fazendo campanha. Gostava de política e iria ser um político.
O pai Nico dizia-lhe:
- Mike, todo o património dos teus avós tem que ser administrado por alguém, esse alguém és tu, pensa bem meu filho.
Mas o Mike, sorridente, como a falecida mãe, logo lhe respondia:
- Pai, não me ponhas responsabilidade e pressão em coisas que não penso, que por agora não me interessam, sabes o que agora me interessa? É que o senador que eu ajudo, seja eleito. Toma um beijo, vai divertir-te. Porque é que não vais ao teu Portugal, ao teu continente?
E saía, porta fora, carregando bandeiras e panfletos de propaganda do seu senador.

Os sogros de Nico tinham todas as propriedades bem administradas. Tinham encarregados em algumas quintas de gado, que sabiam o que faziam, alguns eram das ilhas, que ajudou a emigrar, eram sérios e respeitadores. Na empresa marítima, já era diferente, era um grupo de sócios, administrado por uma gerência, com alguns advogados e estava a seguir em frente, com as contas prestadas todos os meses, com esclarecimentos a todos os sócios. Portanto, estava tudo a rolar sem problemas. O Nico também já tinha conhecimento da organização e, em alguns casos, já assinava alguns papeis, mas ocupava o seu tempo em algumas quintas, vendo o gado pela manhã. Ao meio dia vinha a casa, comia algo, sozinho, depois ia até à empresa marítima, regressando de novo a casa. Não podia passar em frente ao bar onde se juntava com a falecida Diane, que lhe vinha um forte ataque de choro, tinha que parar o carro, era mais forte do que ele. A memória da falecida estava bem viva.

Nunca mais tinha ido a Portugal, a principal razão era a vergonha, não tinha coragem de enfrentar a Dina, se a voltasse a ver, chegou a convidar os pais para virem ao seu casamento, mas não vieram, respondendo-lhe que eram pessoas de uma só cara, honrados, que cumpriam a sua palavra, coisa que ele não fez. Estavam ambos vivos, mas não o queriam ver, depois do que fez à Dina. E diziam mesmo, nas cartas que a princípio escreviam, que tinham perdido um filho, mas tinham ganho uma filha, que era a Dina.

Estas palavras, agora sozinho, começavam a vir de novo ao seu pensamento, algumas vezes já ocupavam mais o seu pensamento do que as saudades da sua querida Diane, e pensava:
- Que sorte a minha, meu Deus, vim à procura da fortuna, encontrei-a, agora sou rico, financeiramente, estou em muito boas condições, mas estou sozinho e infeliz, não sei se vou resistir muito mais. Nesse mesmo dia, ao cair da tarde, os sogros vieram visitá-lo, e disseram-lhe:
- Então Nico, como vais homem? E o nosso neto Mike, como vai nos estudos? Aparece lá por casa, leva-o, queremos ver o nosso neto, tens que começar a sair mais de casa, ninguém vai dar vida à nossa Diane.
E dito isto, limparam umas lágrimas.


Passaram uns anos, o Nico foi aos poucos tomando conta de toda a organização e do património dos sogros, o Mike, acabou o curso de finanças, mas era deputado na cidade, andava em campanha para presidente da câmara. Ajudava o pai, mas pouco, todo o seu tempo eram reuniões do partido e envolvido na campanha. Passados uns meses foi  eleito presidente da câmara.

O clube dos Açores fechava muitas vezes ao público, pois estava sempre ocupado com reuniões e comícios, do presidente Mike, que estava a subir na política a olhos vistos.

O Nico andava com uma ideia, que cada vez lhe ocupava mais o pensamento, não podia viver mais no meio de toda aquela riqueza, sabendo os seus pais velhos, em Portugal, que já não respondiam às suas cartas, algumas pedindo perdão, há alguns anos. Tinha que fazer algo, estes pensamentos atormentavam-no, ocupavam a sua mente durante todo o tempo, algumas vezes, já não pensasse na falecida Diane, até já nem olhava para a sua fotografia quando se levantava pela manhã, qdepois de acordar de alguns sonhos, onde os pais o corriam, dizendo:
- Sai da nossa frente, desgraçado, que nos envergonhaste, repara naquela rapariga!

E via a figura da Dina, que não era bem a Dina, era uma árvore onde ela aparecia, com cara de amor, chorando, quando da sua despedida e, os juramentos de amor eterno, logo lhe vinham ao pensamento, passando o resto do dia atormentado.

Os sogros, passado um tempo, foram internados numa casa de pessoas idosas, onde os tratavam muito bem, mas para eles tanto fazia bem ou mal, pois já estavam ambos com uma doença, não conhecendo nem se lembrando de ninguém, balbuciando apenas algumas palavras que não se compreendiam. Os doutores diziam que estavam por dias, meses, ou até talvez anos, mas não tinham cura, iriam morrer assim.

O filho Mike andava a concorrer para senador, iria ser eleito, pois o partido investiu nele, no entanto, o Nico, tinha uma ideia diferente a respeito do filho e, comentava só para si:
- O meu filho não vai suportar por mais tempo ser o pau mandado de todos aqueles ricalhaços, que só querem é leis que os protejam, para continuarem a fumar charuto e olharem para um cifrão, sem quererem saber de mais nada, a não ser os seus privilégios, enriquecerem com prejuízo de todas as pessoas, principalmente aquelas com menos recursos financeiros, os ditos pobres. Eu conheço o meu filho, ele qualquer dia “bate com a porta”, como se dizia lá nas Gafanhas, em Portugal.

Como estava certo o Nico nos seus pensamentos, na verdade o senador Mike foi eleito, exerceu por quase dois anos o seu mandato, chegou a ser nomeado o porta-voz do partido no congresso, no entanto não exerceu o cargo, pois as ideias que o seu partido lhe comunicava para ele dizer e fazer no senado, não iam de acordo com os seus sentimentos, renunciou ao cargo, com a desculpa que tinha que se encarregar dos negócios da família, pois entretanto os avós morreram, o seu pai já estava um pouco avançado na idade.

E deste modo renunciou ao cargo, numa altura que tinha um futuro bastante promissor na sua frente, se concordasse com as ideias do seu partido, no entanto, foi a pessoa de descendência portuguesa que exerceu um cargo com mais valor no governo dos Estados Unidos.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15662: Atlanticando-me (Tony Borié) (3): Nunca é tarde (3)

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